Vendo teatro desde criança
Eu estudei no Colégio Municipal Pelotense, em Pelotas, no Rio Grande do Sul. E lá, sempre eram apresentados muitos espetáculos. Além disso, tinha um grupo de teatro na escola, no qual, anos depois, eu fui participar. Mas a escola recebia muitos espetáculos que vinham de Porto Alegre e também do Rio de Janeiro. Muito tempo depois é que eu fui me dando conta e como o mundo é pequeno, e quem eram essas pessoas, por exemplo: a Nara Kaiserman e o José de Abreu moravam, nessa época, lá em Pelotas e eles tinham um grupo de teatro numa escola técnica, uma espécie de FAETEC. Eu era muito pequeno, mas me lembro que uma das coisas que mais me impressionaram nessa época. Estávamos nos anos 70 e era um espetáculo meio corporal. Numa determinada cena, tinha uma situação de casal, e depois eles começavam a retroceder, a fazer a cena de trás pra frente o corpo. A história continuava, mas todo o gestual ia para trás, até ter uma separação. Era como se fosse um filme sendo rodado de trás pra frente. Eu fiquei muito impressionado, com esta capacidade de mudar o real. Há pouquíssimo tempo, eu comentei com a Nara sobre essa lembrança.
Eu vi muitos espetáculos infantis, e outro que me marcou muito, com certeza é foi História de Lenços e Ventos. Eu também comentei com o Ilo Krugli e para a Silvia Aderne, eles realmente estiveram lá. Eles fizeram uma grande turnê pelo Brasil, foram a Porto Alegre, depois foram a Pelotas. Quando eu entrevistei o Ilo para minha dissertação ele se lembrou de situações daquela tarde de apresentação, que me recordar. Eu falei “Caramba, eu tinha esquecido completamente disso!”. Ele me disse que eles fizeram várias apresentações para muitas escolas e aí ele se lembrou de crianças do lado de fora do teatro, no sol, esperando a sessão terminar para que outra começasse… E eu me lembro dessa sensação de ficar em pé, parado quase que uma hora lá fora do teatro. Lenços e Ventos foi uma coisa assim reveladora pra mim, e eu nem tava ligado ainda na questão de teatro de bonecos. Eu devia ter uns dez anos, pois eles estrearam em 1974 no Rio e ficaram viajando em 1975 e 1976. Realmente foi espetáculo foi muito marcante.
Mas tiveram outros espetáculos vindos de Porto Alegre, que eu também gostava muito. Tem um grupo que eu nunca vou saber o nome, mas era um que ia a Pelotas todos os anos e sempre com infantis muito bons, com cenografias bem pensadas, bem trabalhadas. Aliás, tem uma atriz do grupo, que eu conheço e que eu até poderia checar com ela, para saber que espetáculos eram esses.
Um pouco mais tarde lembro de um espetáculo da Silvia Orthoff, Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove e outro da Maria Helena Kühner, Putz, a menina que buscava o sol, que gostei muito e também foram marcantes.
Depois teve uma montagem gaúcha de Os Saltimbancos. Mais tarde acabei até participando de uma montagem Os Saltimbancos.
A decisão de fazer teatro
Eu estava no segundo grau, ainda em Pelotas e aí eu entrei no grupo de teatro da escola. Era um grupo com muito conhecimento em termos de organização, de logística Era muito impressionante, pois todo ano tinha uma peça nova. A maior parte das pessoas entrava, ficava o tempo da escola e acabavam saindo. Só que eu fui uma das pessoas que entrou e não saiu. Lembro-me que teve uma espécie de esvaziamento de pessoas, em determinado momento e eu acabei ficando à frente. A coisa de organizar, ensaiar, e não estou falando nem de direção, mas esta coisa de estar junto produzindo alguma coisa me interessava muito. Eu acabei montando um espetáculo com a minha turma de colégio, dentro de uma matéria de Estudos Sociais sobre o Brasil pós 64. Quando estreamos, o diretor da escola viu e pediu para nos apresentarmos de novo, e de novo, e de novo. Chamava-se Rindo da Própria Desgraça e acabou virando a montagem do ano no colégio. Meu colégio tinha uma postura muito de esquerda, e o espetáculo falava sobre o fim da ditadura, democracia. Isso em 1983, eu estava com 16 anos, em plena adolescência.
Tinha uma professora de História que era engajadíssima e eu que adorava o que a gente fazia. Logo em seguida tinha um grupo da cidade, me chamou para fazer assistência de direção de uma montagem muito complicada que eles estavam produzindo, mas tive que recusar porque eu estava na boca de fazer vestibular e não dava pra conciliar ensaios com cursinho pré vestibular.
A vinda pro Rio
Eu já vinha regularmente nas férias para o Rio de Janeiro, porque metade da minha família é daqui. Nessas vindas eu aproveitava e fazia oficinas e cursos de verão da CAL. Fui constatando que se eu ficasse em Pelotas ou mesmo Porto Alegre, não teria chance de viver desta profissão.
Naquela época, Porto Alegre não era o que é hoje, em termos de teatro.
Mesmo assim, acabei prestando vestibular para Odontologia, e como obviamente não passei, eu vim para o Rio em 1985. Cheguei atrasado para o vestibular da UNIRIO e fiquei todo o segundo semestre, aguardando o próximo vestibular, que seria no início de 1986. Passei e terminei o curso em 1990. Fiz direitinho os quatro anos de Interpretação. Na minha turma estavam a Sandra Vargas, a Bel Garcia, a Élida Castelo Branco que virou autora recentemente.
Lembro que tínhamos uma fome de fazer teatro, o que só era permitido a partir do terceiro período. Começamos então a nos articular lá dentro para fazer alguma coisa naquele primeiro semestre e chegamos ao Marco Antonio Braz que veio com uma proposta de montar uma peça do Woody Allen, chamada Deus. O Braz traz dois colegas dele, o Kiko (Maurício Marques) e o Luiz André, e a gente foi se conhecendo, e viramos uma grande turma.
Em 1986 estreamos Deus, que foi uma montagem livre dentro da UNIRIO, e nos apresentamos além lá, na Martins Pena, na UFRJ. Demos uma circulada muito grande. Como era um grupo muito grande, de onze pessoas, os problemas acabam aparecendo e quem acaba ficando com essa produção? Eu, Luiz André e Sandra! Chegou num momento em que a começou a questionar sobre o trabalho que os outros oito não faziam.
Trabalhávamos arduamente e tinha uma possibilidade fazermos uma temporada no Parque Lage. Luiz André, Sandra e eu ficamos muito engajados em relação a essa temporada, em negociar com a SBAT a questão dos direitos. Só que todo mundo era pé-rapado, ninguém tinha dinheiro, mas estávamos muito a fim de arriscar até onde era possível, para colocar a peça em cartaz, pois era um sucesso, todo mundo que via gostava muito.
O Interesse pelos Bonecos
Nesse meio tempo o Luiz André estava fazendo uma oficina de teatro de bonecos que tinha sido oferecida pela FUNARTE para a UNIRIO e ele chamou a Sandra eu para entrarmos na oficina. O curso já estava meio na metade, mas, ele tinha planos de fazer seu trabalho de final de curso com bonecos e queria que a gente participasse. Eu e a Sandra entramos na oficina. Adorei aquilo de imediato. Eu já tinha uma formação em artes plásticas, pois quando era pequeno tinha feito a Escolinha de Arte do Brasil. Já tinha boa habilidade para desenho, pintura, escultura. Essa coisa de mexer, com materiais sempre me interessou. Isso sempre esteve na minha vida, eu adorava desenhar e desenho até hoje.
De repente, naquela Oficina de Teatro de Bonecos da UNIRIO, eu vi as coisas da infância voltando e eu achei tudo aquilo muito legal. A Sandra nem tanto, pois estava muito mais apegada em ser atriz.
Mas para mim, aquilo era muito próxima, confeccionar bonecos era uma coisa muito familiar e era muito interessante de ver as esculturas se mexendo, os desenhos saindo do papel. Foi então que o Luiz André decidiu montar um texto do Beckett chamado Ato Sem Palavras 1, e a gente, Sandra e eu nos engajamos nesse projeto.
Esse quadro acabou gerando um buchicho muito grande. O Zé Carlos Meireles que era o oficineiro que havia nos dado aulas, comentou para as pessoas da FUNARTE, que elas tinham que ver a montagem daqueles alunos, que tinham 21 anos e estavam montando Beckett. Acabou que a Magda Modesto, a Cloris Dale, a Silvia Aderne a Beatriz Pinto de Almeida, toda a velha guarda dos bonequeiros, veio nos ver e ficaram encantados com nosso trabalho.
Esse pessoal, estava organizando um Festival de Teatro de Bonecos que iria acontecer em 1987, em Friburgo. Também iria acontecer o Congresso da ABTB e ia ter muita gente de fora do Brasil. Fomos convidados para representar o Rio de Janeiro nesse Festival, e acabamos resolvendo virar um grupo para fazer a inscrição. Chegamos a Friburgo sem a menor noção de onde estávamos caindo. Era um festival grande, dez dias de espetáculos de tarde e de noite. Ficamos deslumbrados com tudo que vimos, eram muitas técnicas diferentes, inovadoras. E já dentro do pensamento do Teatro de Animação, das formas animadas. Então, coisas muito abstratas, coisas que juntam o ator, coisas que complementam o corpo do ator com bonecos Saímos do Festival, decididos a fazer alguma coisa nessa região das artes cênicas, absolutamente certos do que a gente queria.
Surge o Sobrevento
O nome surgiu quando tivemos que nos inscrever para o Festival. Pegamos o dicionário e, por acaso, caímos naquele termo de náutica que é um vento repentino que muda a embarcação de lugar, muda o rumo da embarcação, aí a gente achou isso era interessante. É uma palavra que a princípio não significava nada, mas ela tinha um significado bonito. Essa coisa do vento repentino que muda a embarcação.
Nosso primeiro espetáculo foi o Beckett. O Ato Sem Palavras teve várias versões, porque a gente estava em negociação, com os direitos, e fomos criando estratégias para poder apresentar. Num determinado momento virou um espetáculo chamado Ato Sem Beckett que era a peça do Beckett e uma paráfrase da peça. Uma leitura que a gente fazia daquela peça, aquilo ali não foi muito a frente, a gente sabia que a gente queria muito trabalhar com o Ato 1, que já estava pronto. Só em 1992, depois de muita coisa tendo acontecido com o Sobrevento, inclusive a montagem do Mozart é que a gente conseguiu armar o espetáculo como um todo. Virou apenas Beckett, em que tinha o Ato Sem Palavras 1, o Ato Sem Palavras 2, uma cena de um improviso criada para atores.
Mas antes disso aconteceram muitas coisas. Fizemos em 1987, um espetáculo de rua, chamado
Sagruschiam Badrek, com texto do Luiz André e que a prova dele de direção. Tinha bonecos, tinha máscaras, tinha música, era bem bacana Depois fizemos em1988, Um Conto de Hoffmann, de Jules Barbier e Marcel Carré, retirado da ópera Os Contos de Hoffmann, de Jacques Offenbach, que começou como uma prática de montagem da UNIRIO. Só que depois a gente entrou em temporada, fomos indicados para o Mambembe, para o Coca-Cola. Foi com esse espetáculo que começamos a ter repercussão. Esse espetáculo começou a rodar, também fizemos temporada em São Paulo, e eu ainda era aluno da UNIRIO.
Mozart Moments
Em 1990, íamos andar com o Beckett, quando a Sandra quebrou o joelho e teve que ficar um ano parados. Lembro-me de ler no jornal que em 1991 aconteceriam os 200 anos do Mozart e eu sugeri para Sandra e Luiz André, de a gente fazer alguma coisa em torno dessa comemoração. Fazer um espetáculo que não era exatamente biográfico, mas que contasse sobre passagens da vida. Aí me veio a ideia e eu pensei “Por que a gente não faz um carrinho? Uma coisa que seja circulante…”
Fomos falar com o Centro Cultural do Banco do Brasil e eles toparam. Já estava programado um Ciclo sobre Mozart – naquela época o CCBB funcionava por ciclos e aí aos quarenta e cinco do segundo tempo e eles toparam. Tínhamos sete semanas para fazer tudo, cenário, texto, figurino, bonecos, todas as cenas, ensaiar e aí a gente “emburacou” de não fazer outra coisa se não dormir e confeccionar e ensaiar os bonecos. Foi algo desesperador.
Estreamos em maio de 1991, num formato em que a gente apresentava várias cenas, ao longo do dia, espaçadamente, de hora em hora. A gente descia pro hall e apresentava uma cena, numa ordem diferente da do dia anterior. Assim, uma pessoa que ia lá no CCBB só almoçar, sempre no mesmo horário, via outra cena diferente, e por isso, sempre trocávamos a ordem das cenas. Isso aí começou a juntar muita gente, chamou muita atenção e tinha gente que ficava por lá, o dia inteiro só pra ficar vendo a gente.
Fomos criando efetivamente um público ali. Ficamos um mês, do inicio de maio ao inicio de junho. Depois reformatamos o projeto para virar um espetáculo de uma hora. Juntamos as melhores cenas, e as que não eram tão boas a gente descartou. Criamos uma certa cronologia e acabou virando a versão final do Mozart Moments.
Não paramos mais de fazer, e o espetáculo continua sendo apresentado até hoje. Mesmo depois que me afastei do Sobrevento, em viagens internacionais, ou se a apresentação é em espanhol sou eu que faço. Esse espetáculo nos abriu as portas, foi um momento onde a gente efetivamente apareceu. Com o dinheiro que ganhamos com o Mozart, conseguimos fazer a produção do Beckett, sem patrocínio. Resolvemos chamar o Aurélio de Simoni que era o nome da época, mas como ele não pode ficar, nos indicou um menino que estava começando com ele chamado Renato Machado. Foi aí que o Renato Machado entrou na nossa vida pra sempre. Queríamos também no espetáculo, um violinista e pensamos no Queca Vieira. Fomos conversar com ele, contamos nossa situação e ele abraçou o projeto. Nunca se afastou do projeto, e quando começamos a viajar, uns seis meses antes dele falecer, foi com a gente num festival na Argentina.
Mesmo assim, nem tudo foi fácil. Tivemos que nos deparar com muita gente não aceitando ver Beckett com bonecos, entre eles, uma crítica nos disse: “Imagina se eu não vou assistir Beckett com bonecos!” Depois acabou assistindo e acabou baixou a guarda.
Infeliz em São Paulo
Em 1993 a gente foi pra São Paulo para ficar dois meses e acabamos ficando dois anos. A Sandra já estava absurdamente convicta de que queria morar em São Paulo, eu não tinha a menor vontade. Nesse período, eu fui muito infeliz lá, porque todos os meus amigos estavam aqui no Rio. Eu já tinha deixado os amigos do Sul e não estava com vontade de deixar os do Rio. Além disso, eu achava São Paulo uma cidade muito fria, em todos os sentidos, nas relações, na temperatura, e aí eu não quis morar mais lá, quis voltar pro Rio.
Mas voltando aos espetáculos, em seguida, montamos o Theatro de Brinquedo. Foi um projeto que estreou em São Paulo, em 1994, depois se apresentou no Rio em 1995. No ano seguinte, a RioArte nos convidou para fazer a montagem do Ubu Rei, na comemoração dos cem anos da peça. A novidade é que nós vestíamos os bonecos, os bonecos eram habitáveis. O tempo passa e a gente nem sabe mais porque daquela radicalidade toda.
Em 1997, quando o Ubu! foi fazer temporada em São Paulo, o Luiz André e a Sandra já foram com a mudança de vez, e como tínhamos todo o repertório muito ativo nessa época, a gente fazia muito Mozart e Theatro de Brinquedo, e eventualmente viajava com e Beckett e Ubu!, eu fiquei ainda de 1997 a 1999 indo muito pra São Paulo. Também existia o fato de eu ter uma dependência financeira e de viver daquelas apresentações.
Eu precisava daquela fonte também porque tinha sido um tempo de trabalho e de dedicação daqueles espetáculos. Mas pouco a pouco, fui vendo que a situação de ficar indo e voltando de São Paulo era muito complicado, porque assim, nada que eu quisesse construir efetivamente no Rio eu conseguiria, porque as viagens eram constantes. Foi ficando muito desgastante até que chegou um momento que eu decidi que deveria cuidar da minha vida.
Em 1998 eu ofereci um curso pra UNIRIO, que virou um curso de extensão, e ali eu comecei a chamar algumas pessoas que me interessavam. Pessoas que já trabalhavam com Sobrevento, entre elas a Alzira Andrade. Depois de seis meses eu acreditei esse grupo estava preparado para enfrentar a montagem de um espetáculo do jeito que eu queria montar. Um espetáculo ainda de manipulação direta, sem texto, sem depender de fala verbal, e que fosse uma história contínua. Não queria fazer o que acontecia no Mozart, um espetáculo de quadros, nem no Beckett, um espetáculo de peças curtas. Eu queria fazer um experimento contínuo. Essa ideia eu ofereci ao Sobrevento, conversamos a respeito, mas o Luís André queria montar Cadê Meu Herói? de um autor argentino chamado Horácio Tignanelli, que e eu não curtia muito. Até acabei fazendo os bonecos, mas não tinha interesse em encenar essa peça. Eu queria trabalhar nessa questão do movimento do boneco, na ausência da fala.
O primeiro espetáculo no Rio
Eu queria muito trabalhar com uma história continua, sem texto, e depois de um ano inteiro de trabalho, em 1999, a gente estreou no Teatro Gláucio Gill, Sangue Bom, que foi a primeira experimentação em relação ao movimento humano, um espetáculo de uma hora.
Como em todos os grupos, depois de um ano de trabalho, algumas pessoas saíram e outras entraram. Eu não conhecia o Marcio Nascimento que me pediu pra fazer a oficina. Eu tinha chamado a Gabriela Bardy que fazia esculturas e trabalhava com Fernando Sant’Anna com quem eu também queria trabalhar, mas ele acabou saindo No final no grupo estavam Alzira Andrade, Marcio Nascimento, Marcio Newlands, Andrea Renck Reis que é cenógrafa e professora da UFRJ e Rafael Japhet que largou o teatro, foi morar em São Paulo, e hoje trabalha em outro ramo. Estreamos ainda como Sobrevento, porque valia a pena ficar sob a chancela do Sobrevento porque isso na imprensa tinha mais peso. Tivemos críticas que foram bastante boas.
Desde o início eu pensei em fazer um espetáculo mais adulto, na verdade um teatro para jovens, para adolescentes. A temática do vampiro nos dava possibilidades de fazer apresentações a meia noite. Acabei enfim, em 2000, conseguindo fazer uma temporada no Sergio Porto, às sextas e sábados a meia noite. Talvez esse tenha sido um fato que nos ajudou muito mais no lançamento do grupo, do que na sua estreia, na temporada do Gláucio Gill.
No Sérgio Porto lotamos e as pessoas queriam comprar e sentar no chão. Tínhamos que negociar o espaço com o público, para não atrapalhar o espetáculo.
Aquilo foi um “boom” e para nós foi muito bom. Quem nos ajudou muito para fazer essa temporada foi a Lidia Kosovski, que na época estava na RioArte. Foi se fazendo um boca a boca, tinha público, lotavam, as pessoas voltavam para casa. Acho difícil se fazer a mesma coisa, hoje em dia. Naquela época havia uma cultura de espetáculos malditos ou alternativos a meia noite, e isso dentro da temática do vampiro isso era altamente cabível e era um charme a mais que a gente dava para o espetáculo.
Começamos a participar de bons festivais que nos respaldaram, em termos de crítica e de projeção, e um ano depois a gente já estava completamente inserido no circuito.
Acredito que Sangue Bom apresentou outra forma de se fazer teatro de bonecos. O espetáculo tinha uma dinâmica na movimentação dos balcões, que até então não era feito. Os espetáculos tinham sempre aquele cenário que não se mexia. Na verdade eu vinha propondo usar o espaço inteiro, explorar o espaço ao máximo, e nesses deslocamentos a gente foi vendo que tinha uma linguagem que se aproximava da cinematográfica. Isso ainda nos ensaios. Percebemos que se tivéssemos bonecos duplos, ou seja, um boneco para abrir a porta num ponto e outro sair de outro lugar, isso daria uma dinâmica muito diferente ao espetáculo.
É claro, que por mais que não tivéssemos dinheiro, não economizamos pelo bem dessa dinâmica e fizemos vários pares de bonecos, e era preciso fazer dois figurinos, duas pinturas de bonecos, e assim por diante. A história é de um triângulo amoroso entre uma suicida, um vampiro que está morto e um caçador que quer matar o vampiro.
Depois o Bernardes nos convidou para participar da Mostra SESC CBTIJ de Teatro para Crianças e eu disse que não dava, que era um espetáculo para jovens e adultos. Mas acabamos fazendo algumas concessões e criamos uma versão para o público infantil. Mudamos algumas cenas, retiramos uma cena de sexo e algumas cenas de violência. Teatro é bacana porque a gente pode estar em constante mudança. Se fosse um filme não dava pra mudar, mas teatro permite essas coisas. Fizemos a versão infantil que rodou o mundo.
Já nessa década, quando participamos do SESI Bonecos do Brasil, acabamos optando pela versão mais soft e apresentamos para um público gigantesco, um público de 22 mil pessoas em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Sangue Bom rodou muito e acabou virando uma carta de apresentação dos objetivos da PeQuod.
Surge a PeQuod
Em 2001, quando fizemos nosso segundo espetáculo, Noite Feliz, o nome já estava no programa. Assinávamos “PeQuod Cia. de Teatro – uma linha de pesquisa do Grupo Sobrevento”. Ganhamos um patrocínio para fazer um espetáculo de final de ano, e aí eu optei por uma coisa absolutamente natalina, mas brincando com um monte de referências e experimentando coisas novas como a intromissão da palavra. Criamos o texto, pedi para um amigo para fazer as músicas e chamei, dois atores que tinham muita simpatia pelo Sangue Bom, e que eu sabia que eu podia contar como parceiros, a Doriana Mendes e o José Mauro Brant, e que fizeram a Maria e o José de nossa versão do Auto de Natal. Trabalhávamos com música ao vivo, o que era um luxo.
Estreamos numa salinha do Museu Histórico Nacional e depois nos apresentamos no CCBB, em alguns eventos de Natal que eles promovem. O espetáculo Noite Feliz foi apresentado até 2007 no CCBB do Rio, mas em 2005 apresentamos no CCBB de Brasília. Foi muito bom. Ficamos um mês lá, nos finais de semana nos apresentávamos no Teatro e durante a semana a gente circulava nas cidades satélites de Brasília, como Taguatinga, Brasilândia, e outras. Como a estrutura do Noite Feliz é bem fácil de levar, a gente se apresentava em escolas e em auditórios.
Desde o começo a PeQuod se propôs a ser uma companhia com um núcleo fixo e sempre ter pessoas flutuantes e é dentro desse formato que trabalhamos até hoje. Sempre com algumas dificuldades, mas eu já vi que é muito difícil sair disso.
O próximo espetáculo
A Secretaria Municipal de Cultura tinha vários núcleos e um deles, a Coordenação de Teatro de Animação, tinha uma verba para um grupo carioca para montar um espetáculo. Enviamos um projeto que foi escolhido. Como estávamos em 2002 e faziam 500 anos do primeiro texto do Gil Vicente, ou seja, o início do teatro do teatro português, o início do teatro em língua portuguesa. Sugeri então, juntar uma efeméride com um espetáculo. Montamos O Velho da Horta. Eu li quase 20 peças do Gil Vicente, só não li as que estavam em espanhol porque eu não ia ter tempo de traduzir.
Devo dizer que na época do Gil Vicente, Portugal e Espanha não tinham limites geográficos bem definidos, então ele escreveu textos em português, em espanhol e outras mesclando as duas línguas.
Quando eu li O Velho da Horta, no meio da leitura eu já pensei que dificilmente eu vou achar uma outra peça que se encaixa no que eu quero. Acabei lendo outras, mas já tinha decidido. O Auto da Barca do Inferno eu já tinha descartado desde o início, porque é muito conhecido. Eu queria um texto mais desconhecido.
O Velho da Horta foi um projeto bastante ousado. O cenário era muito bonito e foi indicado ao prêmio de Melhor Cenário. Eu conhecia o Carlinhos – Carlos Alberto Nunes, da UNIRIO e já tinha trabalhado com a gente no espetáculo Noite Feliz. O Renato Machado foi indicado a Melhor Luz e ainda fomos indicados na Categoria Especial pela confecção de bonecos. Acabamos ganhando o Especial. Foi nosso primeiro prêmio. O Velho da Horta rodou muito desde então, nunca parou.
Quando estreamos, eu não estava plenamente satisfeito do resultado, mas quando fomos convidados para irmos ao Festival Internacional de Teatro de Bonecos , em Belo Horizonte, e teríamos que substituir uma atriz. Aí pensei em fazer uma segunda versão desse espetáculo. Fiz uma revisão do texto, cortei algumas coisas, tiramos algumas coisas de cenário, criei uma cena que não existia na peça, que é um pesadelo que o velho tem. Também mudamos um pouco a trilha e ficou o espetáculo que apresentamos atualmente. E que funciona muito bem, que tem um espectro de público bastante amplo, funcionando tanto para crianças como para adulto.
Fizemos a Mostra SESC CBTIJ e o Palco Giratório, viajando neste último quase quatro meses. Antes dessa viagem e a gente já tinha começado a ensaiar o Filme Noir, porque quando a gente saiu de viagem, eu lembro que já tínhamos ganhado um edital para produzir um novo espetáculo e já estava agendada uma apresentação no Projeto Porto dos Palcos, que foi uma roubada, mas que ajudou a confeccionar os bonecos. Assim, quando começamos a fazer o Palco Giratório, os bonecos do Filme Noir foram juntos e ficamos ensaiando durante a viagem. Além disso, propusemos ao SESC, de vender apresentações desses ensaios, que embora fossem ensaios abertos, tinham uma organização de início, meio e fim.
Posso dizer Filme Noir é um filho do Sangue Bom. Tudo o que eu não consegui fazer no Sangue Bom em termos financeiros, acabei fazendo no Filme Noir. Este foi um projeto com um aprofundamento, tanto das questões de linguagem, de estudo do cinema, de estudo da linguagem cinematográfica, mas também de um avanço em termos do que a gente tinha proposto ali no Sangue Bom, e que ficou no meio do caminho porque não dava pra fazer mais. Sem dinheiro, não tinha como avançar mais na tecnologia.
O Filme Noir teve mais requinte, melhor acabamento no figurino, no cenário. O Carlinhos fez um cenário de época, os bonecos usam figurinos de época. A luz do Renato era um deslumbre, e ganhou o Prêmio Shell de Melhor Iluminação. Nunca um espetáculo de bonecos tinha ganhado um prêmio Shell, e também fomos indicados para a Categoria Especial. As críticas foram muito boas e Filme Noir nos colocou num outro patamar.
Provocando a Criança que está no Adulto
Quando eu penso num espetáculo, tenho sempre uma primeira visão d criar algo para o público jovem e adulto. É exatamente essa região que me interessa, porque tem uma questão que é a de provocar a criança que tem dentro de um adulto, já que esse adulto tem um cabedal cultural que dá para brincar com determinadas referências, que uma criança não têm.
Então contar uma história de uma “femme fatale” que chega ao escritório de um detetive e que provoca situações… Enfim, tudo o que a gente já viu na televisão e até em comercial, mas a novidade está em contar essa histórias com bonecos.
Além disso, Filme Noir é muito engraçado, um dos espetáculos de riso mesmo, de comicidade, talvez o mais engraçado que fizemos. E foi muito bem realizado, pois, eu tinha um grupo de manipuladores afinadíssimo, porque nesse tempo que a gente estava viajando com O Velho da Horta, deu pra gente trabalhar muito em relação a manipulação.
Outra questão é tivemos contribuições luxuosas. Chamamos uma coreógrafa para montar a cena da Verônica, onde ela dança, numa apresentação no cabaré onde ela trabalha. Tudo foi minuciosamente cuidado e acabou gerando um grande espetáculo.
Acabamos indo em 2007 para o exterior. Nos apresentamos nos maiores festivais da Espanha, em Sevilha, em Lleida, Cataluña e também em outros menores. Foi um sucesso.
Ibsen
As efemérides é algo que sempre me atraíram. Eu sabia que em 2006 ocorreria o centenário de morte de Ibsen e eu sou apaixonado pelo Peer Gynt . Há muito tempo atrás eu já tinha uma pulga na orelha em relação a uma encenação com bonecos do Peer Gynt.
Aproveitamos o momento em que o grupo estava em alta e ganhamos dois editais para a montagem do novo espetáculo. Acredito que Peer Gynt foi um ápice na nossa trajetória até então. As críticas foram unanimes e a Bárbara Heliora colocou o espetáculo entre os dez melhores do ano. Eu fui indicado para o Prêmio Shell de Melhor Direção e o Renato foi indicado também para a Iluminação. Estreamos do Teatro de Arena do Espaço SESC.
Tivemos um grande número de espectadores. Foi um espetáculo de grande projeção e trouxe um publico que normalmente não vinha ver a gente, inclusive muita gente da classe artística que tem o maior preconceito bonecos. O espetáculo também trazia uma novidade de fazer um transito entre o ator e o boneco. Para nós essa forma de mostrar ator e boneco nos leva a um novo capítulo de pesquisa, que é a interação do ator e do boneco com o mesmo grau de importância dentro da cena.
A Chegada de Lampião
No momento em que apresentávamos Peer Gynt estávamos ligados a um produtor que buscava uma carreira internacional para nosso grupo, e nos disse que seria interessante montar algum espetáculo que tivesse alguma ligação com o Brasil, pois seria mais fácil de vender no exterior.
De certa maneira, eu já estava pensando nisso e foi uma conjunção de interesses. Eu achava que faltava brasilidade no nosso trabalho. Quando estava viajando pelo Palco Giratório, visitei uma feirinha artesanato, não lembro se em Recife ou Aracajú, eu me deparo com um cordel chamado A Chegada de Lampião no Inferno. Achei o título maravilhoso. Era um título pronto pra qualquer publicitário. Logo pensei que Lampião e Inferno juntos daria uma boa peça de teatro.
Comprei o Cordel e chegando ao hotel, li imediatamente. Era um dos mais antigos que existem e, portanto, a história do cordel era muito preconceituosa. Mas tinha uma coisa ali que me interessava, pois depois de morto, Lampião quer expulsar os demônios do inferno, porque aquele lugar é tão perigoso e tão quente quanto o nordeste.
Sabia que não poderia ser o Cordel, mas fiquei com aquilo martelando na cabeça. Quando o produtor nos disse da possibilidade do mercado internacional, eu comecei a resgatar essa história. Começamos então, um processo, que por sinal foi bem longo, que gerou o espetáculo A Chegada de Lampião no Inferno. Essa pesquisa foi um desenvolvimento do que a gente começou no Peer Gynt, em relação ao ator e ao boneco, só que neste espetáculo separamos os dois. Num primeiro momento, de quarenta minutos, trabalhamos com bonecos, e nos vinte minutos finais, só com ator. Mas as duas coisas tem ligação, uma com a outra.
Sabia que contar a vida do Lampião era uma bobagem, íamos cair dentro de um formato muito pobre, pequeno e sem interesse. A gente tinha muito mais material pra falar sobre o Cangaço do que propriamente falar sobre Lampião. Criamos uma história nova que falava do ciclo do Cangaço que se resume a vingança, exílio e revanche. É um ciclo que sempre se processa, que sempre se realimenta, e ai a partir daí lemos muitos livros.
Levamos um ano montando a dramaturgia que se apresenta num primeiro momento, como um documentário, contado a vida de um menino, que tem os pais assassinados, e que cai num exílio voluntário, indo sertão adentro. No sertão encontra os cangaceiros, e por acaso, é o grupo do Lampião. Ele entra nesse bando e aí ele se vinga da polícia, que havia matado os pais dele.
Depois dessa apresentação, mostramos o último dia da vida de Lampião, assassinado em Angicos. Recriamos aquela situação e o boneco morre. Quando ele chega ao inferno o boneco do Lampião é substituído pelo ator Lampião que conta a trajetória dele até se encontrar com o demônio.
Nessa segunda parte a gente usou como base A Divina Comédia, só que fazendo mil misturas. O cenário onde se passa o espetáculo é uma olaria. Queríamos essa relação entre os bonecos de barro que vão para o forno para queimar e os que saem do forno e vem para a mesa, para serem finalizados. Essa analogia de forno e inferno era interessante.
Nesse projeto aconteceu uma coisa muito bacana. Tivemos dinheiro suficiente para fazer uma pesquisa de campo, porque eu queria que fosse numa olaria. Fomos primeiro para Itaboraí, mas todos os fornos eram elétricos. O lugar já estava totalmente descaracterizado. Então fomos para
Caruarú, no Alto do Moura. Ficamos uma semana visitando, fotografando e entrevistando os artesãos. Conhecendo o processo de feitura dos bonecos, desde a hora que amacia a argila, à queima. Foi uma experiência transformadora, em nível espacial e cenográfico.
Em Caruaru, descobrimos muito sobre o Mestre Vitalino, inclusive que ele tocava flauta. Tecendo analogias da Divina Comédia, na ideia de um Virgílio, que vai encontrar o Dante no inferno, pensamos num Vitalino que vai conduzir Lampião até o encontro dele com o demônio.
Pensei num demônio completamente derrotado, que diz pro Lampião que se ele queria ser lembrado, não era no inferno, pois ali era o lugar do esquecimento. Se ele quisesse ser lembrado pra sempre, pelos seus feitos, pela sua coragem, pela sua bravura, ele teria que voltar, porque no inferno não tem lugar pra ele. Aí Mestre Vitalino diz pro Lampião, que ele pode voltar, mas tem que ser transformado em barro de novo, pois desse modo o Mestre Vitalino teria como eternizar Lampião para sempre. Vitalino então começa a jogar água no Lampião, o Lampião começa a se dissolver. Por magias do teatro, vira barro, e Vitalino começa a confeccionar um novo Lampião.
Eu queria falar disso, de como nós do sudeste, encaramos o nordeste como sendo um lugar também nosso. Existem inúmeras leituras do nordeste, e cabe a nós do sudeste ver o nordeste de uma maneira diferente, de uma maneira que provavelmente nordestino não veria.
Fiz questão de que o Othon Bastos que está no filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, fizesse a narração. São costuras muito sutis, mas que deram um acabamento impecável ao espetáculo. A
a trilha sonora é maravilhosa, é feita pelo André Abujamra, que é um músico que eu sempre quis trabalhar. Ele fez uma trilha de cinema para o Espetáculo. Enfim, considero que é um espetáculo vitorioso, e acredito que demonstra uma maturidade em nossa trajetória.
Dentro d’água
Quando eu coloquei na água, um boneco até a cintura, no final de O Velho da Horta, eu achei que seria muito bonito se ele pudesse mergulhar inteiramente. Na verdade, o cenário não permitia que ele mergulhasse, pois era um pequeno riacho.
Eu fiquei com essa ideia de botar um boneco dentro d’água e investigar como esse boneco poderia render em expressividade. Nos anos 90, quando eu estava morando em São Paulo, eu vi uma montagem de uma companhia vietnamita, que tinham bonecos aquáticos, mas eles boiavam e tinham alguns mecanismos para levantar os bracinhos. Era maravilhoso porque eram muitos bonecos boiando sendo manipulados a distância por bambus.
Fiquei anos com essa ideia de pensar uma história que pudesse usar essa ideia de submersão. Até que me lembrei de A Sereiazinha, do Anderson. Achei que contar uma história de uma sereia poderia ser bacana, e em 2005 eu escrevi o projeto, porque aconteceriam os 200 anos de nascimento do Andersen.
Apresentamos o projeto em vários editais, mas não ganhamos nada. Até que em 2010, o Centro Cultural Banco do Brasil nos patrocinou e conseguimos montar o espetáculo.
A inserção dos bonecos dentro d’água nos permitia uma novidade, uma nova questão de linguagem cinematográfica, agora colocada de uma forma completamente diferenciada. Eu tinha no cenário, quatro aquários – como se fossem quatro telas. Eu podia alternar as telas e fazer composições diferentes, tanto com bonecos de diferentes proporções, o que levava a questão da proximidade e da distancia, mas também de situações de simultaneidade de acontecimentos, que podiam se interligar e construir uma narrativa.
Além disso, apresentamos duas versões ao mesmo tempo, uma adulta e outra infantil. Esse foi nosso espetáculo mais premiado, que conquistou sete prêmios. Abriu uma janela de exploração, não sei se em curto prazo, mas essa ideia de retomar essa questão da agua pode ser uma coisa que a gente pode voltar algum dia. Sei que a questão da tecnologia não ficou muito bem resolvida, precisava de mais investimento e de mais tempo de trabalho, mas nos cabe buscar uma nova história que aconteça debaixo d’água e recomeçamos o trabalho.
Quem está chuva é pra se molhar
Acredito que pela visibilidade que nossos últimos trabalhos deram, acabamos atraindo novos parceiros. Um deles foi a Petrobras. Escrevemos um projeto de apoio e manutenção de companhias. Ganhamos e ficamos dois anos trabalhando sobre a ideia de montar um novo clássico. Resolvemos escolher A Tempestade, de Shakespeare, para trabalhar, mas por inúmeros fatores, acabamos nos desviando do projeto original e inclusive até dos bonecos.
Acabamos optando por algo que nos possibilitava uma agilidade no processo de construção do espetáculo. Era impossível trabalhar com bonecos, pois estes tem que ser construídos e não tínhamos o tempo necessário para isso. Acabamos investindo numa proposta apenas com atores.
Acredito que este não foi o melhor formato. Não posso dizer que houve uma inabilidade, mas a nossa inexperiência com um texto como o do Shakespeare que pedia uma grande quantidade de atores, acabou criando problemas e me dispersando nesse processo. Tive que chamar outra diretora para ajudar no trabalho com os atores e acabou nos colocando numa região muito incomoda.
Os prazos que tivemos eram curtos e apesar de termos com o maior afinco com maior dedicação, reconheço que a gente acabou se afastando muito da nossa linguagem, da nossa área de domínio. Como sempre digo, quem está na chuva é pra se molhar, e numa tempestade a gente acaba se molhando mesmo (risos).
Novas parcerias
Levamos quase dois anos para montar um novo espetáculo e paralelamente resolvemos criar novos braços dentro da companhia. Começamos pensar que a tínhamos que criar projetos que não nos deixasse tanto tempo fora de circulação.
Em 2008, montamos uma retrospectiva de nossos trabalhos. Estreamos na Caixa Cultural e apresentamos Sangue Bom, O Velho da Horta, Peer Gynt e Filme Noir. Foi uma experiência e tanto porque era um a e desmonta de luz e cenário, mas o resultado foi sensacional. Essa retrospectiva também chamou a atenção de muita gente que já tinha ouvido falar do grupo, mas tinha tido a oportunidade de nos ver. Era a possibilidade de ver todo repertório de espetáculos da Companhia. Acabamos fazendo o mesmo evento em São Paulo, só que um pouco menor.
Essa retrospectiva acabou gerando um novo produto que foi uma exposição de bonecos que montamos em 2008, a convite do SESC de Ribeirão Preto, que é uma unidade que promove todos os anos uma mostra de Teatro de Animação. Acabamos montando uma exposição muito bonita e elegante e como estávamos com todo o repertorio de espetáculos em atividade, tivemos que fazer réplicas de todos os bonecos.
Voltamos a procurar os mesmos tecidos, ir atrás dos moldes, bater fibra das cabeças antigas e refazer pinturas. Então os bonecos que estão na exposição não são os de cena, mas são rigorosamente iguais. A repercussão da exposição com as escolas foi muito boa e nos deu vontade de continuar. Eventualmente levamos a exposição para outros lugares.
Outra parceria que deu resultado com a Caixa Econômica Federal foi o MITA – Mostra Internacional de Teatro de Animação, que é outro braço de trabalho da companhia. Percebemos que era também uma possibilidade de nos inserirmos em outro circuito, o de realização de festivais.
Há muito tempo eu queria trazer para o Rio, espetáculo que via no exterior. Fizemos a primeira edição do MITA em dezembro de 2010 e em 2012 tivemos a segunda edição. Este ano, em dezembro, faremos a terceira edição e vai acontecer algo inédito, porque vamos estrear o espetáculo novo na Mostra.
A realização do MITA me levou para outro âmbito de trabalho, o de ser curador, o que também é muito bom. Sou convidado para participar de festivais para escolher espetáculos, faço contato com Consulados para ajudar com a viagem dos grupos de fora. Os Consulados acabam virando parceiros da Companhia, pois trazer espetáculos de seu país interessa para eles. Criam-se novas relações, conhece-se a cultura do país. E a ideia de fazer um Festival no Rio encanta todo mundo. Ainda é um festival pequeno, que é realizado com pouca verba pequena, mas eu tenho absoluta certeza que nas duas edições a gente foi muito elogiado pela qualidade da programação.
Preconceito em todos os níveis
Infelizmente ainda sofremos de muito preconceito. Da classe artística, da imprensa e eu acredito que o mais prejudicado disso tudo é o publico, que acaba comprando essas ideias.
Aqui no Rio de Janeiro, de uns anos para cá, estamos na mão de um único jornal, e a pessoa responsável pelo teatro não consegue entender nosso trabalho. As dificuldades de se conseguir uma matéria no jornal são enormes.
Acredito que merecemos um mínimo de exposição, pela trajetória que a gente tem. Mas tudo acaba numa região de incompreensão, de descaso, de desprezo, de desleixo. Acho isso impressionante. Já tivemos situações kafkianas em relação a qualquer coisa que a gente venha sugerir no jornal. Tem atualmente uma garotada nas redações, sem a mínima cultura geral, que não sabe nada e não se interessa por nada, que acha que teatro de boneco é só para crianças e sendo pra criança não é um publico de jornal.
Encontramo-nos numa situação de isolamento. Nós pouco dialogamos com as pessoas, com outros diretores, com os atores. Quando conseguimos uma boa crítica boa, as pessoas vão ver de curiosidade.
Minha ideia agora é me deixar e contaminar os outros, trazendo parceiros novos, pessoas que possam contribuir efetivamente para dentro da nossa linguagem, e definitivamente eu estou pouco ligando para imprensa, eu não vou sair mais atrás de matéria jornal. Chega.
Um novo trabalho
Depois de anos trabalhando sobre a ação cotidiana e na transferência dessa ação cotidiana para os bonecos, como sentar, levantar, carregar uma pedra; constatamos que se a gente quer continuar o caminho da técnica, porque esta técnica ainda não se esgotou a técnica temos que partir para uma outra região de trabalho, onde a ação seja predominante mas que ela seja construída por um outro caminho, e o único outro caminho possível é a dança.
Então quero construir um espetáculo de dança para bonecos, mas não aquelas “dancinhas para bonecos que a gente viu na infância”. Nossa proposta foi chamar cinco coreógrafos renomados da dança contemporânea, Regina Miranda, Marcia Rubin, Paula Nestorov, Bruno Cezario e Cristina Moura, para montarmos um espetáculo de dança contemporânea.
Os coreógrafos estão criando cinco pas-de-deux para bonecos que podem flutuar, que podem ter extensões anatômicas muito maior do que a do melhor bailarino do mundo. O corpo de um boneco pode ser modificado, podem ter seis braços, nove pernas, duas cabeças, de um algo que a principio se pareça com um corpo humano, mas que pode ser muito mais que um corpo humano.
Os coreógrafos estão trabalhando em cima das ideias de um livro, que desde os anos 1990 é para mim, um livro de cabeceira que eu leio e releio. Chama-se Seis Propostas para o Próximo Milênio, do Ítalo Calvino, que na verdade por ter falecido só escreveu cinco. São conferências que ele fez numa escola norte americana, onde ele falava de como a literatura e como a arte em geral deveria se comportar no século XXI. Isso foi nos anos 80, então ele já estava pensando em propostas para onde a arte poderia se estabelecer e se firmar no século que já chegou. Aliás, já estamos na segunda década dele. Dei para um coreógrafo um capítulo, que fará uma coreografia sobre esse tema. O espetáculo se chamará PEH QUO DEUX.
1986 – Ah, Deus!, texto Wood Allen, direção Marco Antonio Braz
1986 – Ato sem Palavras, de Samuel Beckett, direção Luiz André Cherubini
1987 – Ato sem Beckett, roteiro e direção Luiz André Cherubini
1988 – Todos os que Caem, de Samuel Beckett, direção Antonio Guedes
1988 – Um Conto de Hoffmann, adaptação e direção de Luiz André Cherubini
1988 – Ato sem Palavras e Ato sem Palavras, de Luiz André Cherubini
1989 – O Santo Inquérito, texto Dias Gomes, direção Luiz André Cherubini
Do Grupo Sobrevento
1989 – Um Conto de Hoffmann, adaptação do libreto de Jules Barbier e Marcel Carré para a ópera de Jacques Offenbach
1990 – Ato sem Beckett, roteiro Luiz André Cherubini
1990 – Ato sem Palavras, de Samuel Beckett
1991 – Mozart Moments, (RJ e SP) textos Sobrevento e Ricardo Soneto
1992 – Beckett, (RJ e SP), de Samuel Beckett, direção Luiz André Cherubini
1993 – O Theatro de Brinquedo, livremente inspirado em A Verdade Vingada, de Karen Blixen
1993 – Beckett e Mozart Moments – Sobrevento Tour 93 (RJ)
1993 – Bonecos Aqui, textos Luiz André Cherubini, Sandra Vargas e Anderson Gangla
1994 – Nos&os Bonecos – Catálogo
1995 – O Theatro de Brinquedo, livremente inspirado em A Verdade Vingada de Karen Blixen
1996 – Cadê meu Herói?, texto Horacio Tignanelli
1996 – Ubu!, texto Alfred Jarry
1999 – Brasil pra Brasileiro Ver, textos de Luiz André Cherubini, Sandra Vargas e Anderson Gangla
Da PeQuod – Cia de Teatro de Bonecos
2001 – Noite Feliz – Um Auto de Natal
2002 – O Velho da Horta, de Gil Vicente (RJ)
2003 – O Velho da Horta, de Gil Vicente (SP)
2005 – Noite Feliz – Um Ato de Natal,
2005 – O Velho da Horta, de Gil Vicente (RJ)
2010 – Marina, a Sereiazinha, texto Miguel Vellinho, baseado em Hans Christian Andersen
2015 – A Feira de Maravilhas do Fantástico Barão de Munchausen, adaptação Tim Rescala, a partir do livro de Rudolph Erich Raspe
2017 – Ovelha Negra, texto Miguel Vellinho
Da PeQuod – Cia de Teatro de Bonecos
1999 – Sangue Bom, roteiro Miguel Vellinho
2004 – Filme Noir, roteiro de Miguel Vellinho
2006 – Peer Gynt, texto Henrik Ibsen
2007 – Filme Noir (Espanha)
2009 – A Chegada de Lampião no Inferno, texto Mario Piragibe e Miguel Vellinho
2010 – Marina, a Sereiazinha, texto de Miguel Vellinho, baseado em Han Christian Andersen
2010 – Marina, texto Miguel Vellinho, baseado em Hans Christian Andersen
2012 – A Tempestade, de William Shakespeare, direção em parceria com Miwa Yanagizawa
2014 – Peh Quo Deux, com coreografias de Regina Miranda, Cristina Moura, Paula Nestorov, Marcia Rubin e Bruno Cezario
2013 – O que é Suficiente?, produção do Grupo Reigtiba
2009 – Primeiras Rosas, produção Grupo Pia Fraus, com os diretores Alexandre Fávero, Carlos Lagoeiro e Walderley Piras
2012 – MITA – Mostra Internacional de Teatro de Animação
2010 – MITA – Mostra Internacional de Teatro de Animação
2008 – RETROSPEQ! (RJ)
2008 – RETROSPEQ! (SP)
2002
O Velho da Horta
Prêmio Maria Clara Machado – RioArte
Indicado de Melhor Cenário para Carlos Alberto Nunes
Indicação de Melhor Iluminação para Renato Machado
Prêmio na Categoria Especial pela confecção de bonecos
2004
Filme Noir
Prêmio Shell
Indicação a Categoria Especial
Prêmio de Melhor Iluminação para Renato Machado
2010
Marina, a Sereiazinha
Prêmio Zilka Sallaberry
Indicação de Melhor Música para Fabiano Krieger
Prêmio de Melhor Iluminação para Renato Machado
Prêmio de Melhor Cenário para Carlos Alberto Nunes
Prêmio de Melhor Direção para Miguel Vellinho
Prêmio de Melhor Espetáculo
Prêmio Especial pela confecção dos bonecos para Cia. PeQuod Teatro de Animação
2010
Marina
Prêmio APTR de Teatro
Prêmio de Melhor Iluminação – Renato Machado
Categoria Especial – Cia PeQuod, pela pesquisa de linguagem
2015
A Feira de Maravilhas do Fantástico Barão de Munchausen
Prêmio Zilka Salleberry
Melhor Ator – Márcio Nascimento
Melhor Direção
Melhor Produção
Indicação de Melhor Texto
Indicação de Melhor Cenário
Indicação de Melhor Figurino
Indicação de Melhor Iluminação
Indicação de Melhor Música
O espetáculo não concorreu ao Prêmio CBTIJ de Teatro Infantil, uma vez que Miguel Vellinho fraz parte do júri.
Depoimento dado à Antonio Carlos Bernardes em 20 de agosto de 2013. Fotos: Acervo Miguel Vellinho.