Luiz André Cherubini

Barra

E fez-se a luz!

Não sei precisar qual foi exatamente o primeiro momento. Lembro de ter ido com a minha mãe ao Tijuca Tênis Clube ver peças infantis. Lembro de ter visto um ventríloquo, que era também mágico, na minha escola. Lá, os alunos apresentavam peças de teatro no final do ano e me lembro de ter feito o papel de prefeito. Lembro que no edifício onde morávamos, na Tijuca, que era o único prédio da rua, havia uma professora – Vera Reis – que gostava de criar pequenos espetáculos: autos de natal, um show de variedades circenses, entre outros. A rua inteira se juntava pra assistir. Eu não sei que importância as pessoas davam àquele trabalho, que demandava muito tempo e paciência dela, mas as crianças encaravam tudo com muita seriedade, concentradas em estudar o papel e ensaiar os números. Eu tinha uns 6 ou 7 anos: adorava estudar os textos, ensaiar: achava tudo muito bonito.

Entre os 9 e os 12 anos eu já lia bastante, inclusive a literatura fantástica dos autores latino-americanos, mas não gostava muito de ler peças teatrais. Lia romances, contos, mas texto dramático… Até que, no final do ginásio, caíram na minha mão textos de Beckett, de Ionesco, e aquilo realmente foi uma descoberta impressionante. Eles me apontavam outro teatro, diferente de tudo que a gente conhecia na escola (como as comédias de costumes de Martins Pena).

Berço cultural

Meus pais participavam de uma espécie de clube teatral e toda semana iam ao teatro, inclusive ao Municipal, que eles frequentavam muito. Voltavam pra casa com aquelas balinhas de goma que vendiam na época e eu adorava aquilo, tanto quanto as histórias que sempre contavam acerca do que haviam assistido.

Um tio meu trabalhava na FUNARJ – Fundação de Artes do Rio de Janeiro, órgão municipal que administrava o Teatro Municipal do Rio e a Sala Cecília Meirelles (sala de concertos da cidade), e ganhava ingressos para espetáculos, que ele nunca usava e sempre me repassava. Aos 12, 13 anos, eu já frequentava temporadas de ópera no Municipal, concursos e concertos na Sala Cecília Meireles. Muitas vezes sozinho. Foi nesta época que eu conheci o Maurício del Giudice, um amigo de colégio que também vivia este mundo cultural de uma maneira muito intensa. O pai dele era escritor e chegou a ser crítico de música erudita e ópera no Jornal do Brasil: chamava-se Victor Giudice e era muito generoso. Íamos juntos a concertos, filmes de arte. Definitivamente, não éramos do esporte. Formávamos um grupinho de garotos “intelectuais” da Tijuca (bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro) e nosso interesse era cultura: arte, literatura, teatro, cinema — que nós frequentávamos bastante. Vimos a agonia do Cine Capri (depois Cine Coper e Estação Botafogo, na Rua Voluntários da Pátria, no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro), que era um cinema de arte com uma programação extraordinária, que organizava sessões duplas de filmes clássicos que mudavam a cada dia. Íamos quase diariamente ao cinema, no início da noite. Todo fim de semana íamos ao MAM – Museu de Arte Moderna, que tinha uma cinemateca coordenada por um amigo do Victor, Carlos Alberto Mattos (hoje pesquisador e crítico de cinema), de quem acabamos nos aproximando também.

Luiz de Lima e o teatro físico

No segundo ano do colegial, fiquei amigo do Marco Antônio Braz, que hoje é um diretor teatral importante. Entramos juntos no Tablado, mas as aulas não eram nada do que imaginávamos. Fazíamos exercícios de sementinha (em que nos fazemos de semente que se transforma em árvore), jogos teatrais… Não era aquele o teatro que a gente buscava e aquilo tudo me parecia um bocado frustrante. Tivemos uma outra professora, mais adiante, e suas aulas eram a mesma coisa. O pessoal dizia “o Tablado é o primeiro namoro com o teatro”. Sim, mas um namoro com um determinado tipo de teatro que não era, nem de longe, o que imaginávamos.

Nossa paixão, à época, era Luís de Lima (diretor, ator e mímico português radicado no Rio de Janeiro): o ator que ele era e o teatro que ele fazia. Ele tinha uma voz bem colocada e uma presença muito forte que se notava imediatamente, quando ele pisava no palco. Luís era português e o trabalho dele era muito impressionante pra nós – aquele grupo de adolescentes tijucanos, meninos de 13, 14 anos de idade, que incluía também o hoje ator, diretor teatral e dramaturgo Maurício Marques. Quando fomos assistir à peça que ele apresentava – Espetáculo Ionesco – aproximamo-nos dele, que foi muito generoso conosco. Ele nos recebeu, nos convidou para assistir a uma outra peça e nos deu uma entrevista, publicada em um jornalzinho do Colégio Guanabara, onde alguns companheiros de nossa turma estudavam. Era um cara realmente grande e conhecê-lo foi uma experiência deslumbrante. Acho que isto é o que faz com que o teatro acabe realmente ficando na gente, que não se apague, sabe? A generosidade de um artista extraordinário como aquele.

Depois de dois anos de Tablado, fomos para a CAL – Casa das Artes de Laranjeiras, que estava começando, fazer um curso com ele, Luís de Lima. Lembro que o Enrique Dias (hoje ator e diretor teatral), adolescente, fazia aquele curso também. No trabalho final, fizemos um espetáculo sobre Gil Vicente, muito bonito, e eu comecei a vislumbrar um teatro que se aproximava de mim. Uma variedade, uma amplitude, que não tinha nada a ver com aqueles negócios de imitar barulho de trem, fazer sementinha nascendo. Com o Luís de Lima, encontrei um “fazer teatral” que ia ao encontro de tudo o que eu buscava. Fiquei tão interessado pelo teatro físico, pela mímica, que depois fui estudar com a Lina do Carmo (mímica e dançarina brasileira que, mais tarde, radicou-se em Colônia, na Alemanha), por meio de quem eu conheci o Marcel Marceau (mímico francês) em uma apresentação que ele fez no Municipal. Como eu tinha certa familiaridade com o Teatro Municipal e até com seus funcionários e uma certa facilidade de transitar pelo teatro, falar com os artistas no camarim, pude conversar um pouco com ele. Foi interessante e muito motivador.

Dupla vocação

Sempre fui precoce, o mais novo de cada turma. Aos 15 anos, prestei vestibular para jornalismo e entrei na faculdade. Eu tinha que seguir uma profissão que me desse um sustento, segundo meu pai, imigrante italiano, que veio ao Brasil depois da guerra. Ele pregava muito esta solidez, esta cabeça no lugar, este pé no chão. Acabei me formando como jornalista, mas a verdade é que não tinha mais volta: eu havia sido mordido por aquele bicho do teatro.

Enquanto eu fazia jornalismo, prestei vestibular pra teatro – uma faculdade ficava ao lado da outra – e passei. Isto em 1982 ou 1981. Eu tinha uns 17 anos, fazia Comunicação Social desde os 15, 16 e gostava muito. Tínhamos aulas de antropologia, sociologia. Aos 16, eu lia coisas que eram realmente um deslumbre. Só que, apesar de todo o encantamento, definitivamente eu não era um jornalista. Mas o sentido da universidade eu realmente amava. A UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro, era uma instituição seletiva, onde o nível dos estudantes era muito alto. Já se entrava lá com uma boa bagagem cultural. Os alunos faziam trabalhos e comentavam as pesquisas e estudos uns dos outros.

Já na faculdade de teatro não havía nada disso. A UNIRIO – Universidade do Rio de Janeiro, naquela época era muito ruim. Tinha um curso muito fraco e contava até com professores que se vangloriavam de não ir o teatro: “Ah, eu não vou ao teatro há 20 anos.” / “Mesmo que você acredite nisso”, eu dizia, “você deveria ter vergonha de divulgar”. Ainda mais na frente de jovens que estavam encantados com aquela arte. Os alunos lá não eram como os companheiros da faculdade de jornalismo. Eram pessoas meio perdidas, que não buscavam mais do que um diploma universitário. Eram poucos aqueles em que você sentia aquela fé, aquele amor, aquela crença no teatro. Neste sentido, o curso teatral foi um pouco doloroso – mesmo porque eu já tinha uma referência de outra faculdade, de uma postura de estudante diferente da que eu encontrava ali —, mas de alguma forma ele me deu a oportunidade de estudar as artes cênicas e conhecer alguns professores e companheiros extraordinários.

Apesar de serem próximas, era muito sacrificado, para mim, cursar duas faculdades ao mesmo tempo: jornalismo pela manhã, teatro à tarde e à noite. Saía da faculdade de teatro à meia-noite, chegava em casa meia-noite e meia e saía às 6h15m pra fazer aula de educação física às 7 da manhã. Eu dormia pouco, passava pouco tempo em casa, mas aquele foi um período que consolidou e fortaleceu a minha vontade de fazer teatro.

A arte dos afetos

Comecei fazendo interpretação na UNIRIO e fui me interessando pelo trabalho de direção. No quarto semestre, podia-se fazer uma prova e ser ou não selecionado para o curso de diretor. Foi quando eu conheci o João Bethencourt e o José Renato (diretores teatrais), dois intelectuais que amavam o teatro. Um outro tipo de gente. Fui ser assistente do João, que era um cara muito culto e muito generoso. Fazia um teatro comercial, mas tinha uma visão e um amor profundo pelo teatro, ao contrário de outros professores, que tinham sido importantes em alguma época, mas que haviam perdido o desejo – ou o ânimo, ou a fé – e estavam encostados em um empreguinho público e estável, na universidade. Aquele encontro com o João e com o Zé Renato foi muito importante. Eu considero vital este contato dos jovens com gente que ama, frequenta e pensa o teatro de uma maneira verdadeiramente grande e apaixonada. É como se eles mostrassem para você que este amor não é uma bobagem de garoto, mas algo que você vai levar pra vida inteira.

Na UNIRIO, eu tive a felicidade de me tornar amigo do Ricardo Rangel, filho do Flávio Rangel (diretor teatral). Até hoje lamento que Ricardo não tenha seguido a carreira teatral, para a qual ele demonstrava muito talento. Graças a esta amizade, acabei frequentando a casa deles e vivenciando este mundo mais de perto. Acompanhava as estreias do Flávio, presenciava os ensaios de mesa, que eram feitos na casa dele, conheci a atriz Ariclê Peres, sua mulher, muitos atores. Era uma coisa muito bonita que eu ganhei de presente e que me sinto no dever de retribuir. O teatro é uma arte bonita, essencial; uma arte que é feita por gente apaixonada por ela, não por gente que busca uma forma de ganhar a vida de maneira fácil.

Sobrevento

Ao longo do curso, um grupo de atores que tinha em comum esta paixão pelo teatro se reuniu para fazer uma montagem independente da faculdade, ainda que dentro dela. Éramos eu, o Marco Antônio Braz, a Sandra Vargas (com quem me casei), o Miguel Vellinho, o Luiz Antônio Pilar, o Maurício Marques (todos atores e diretores destacados hoje), além de Eleonora Fabião (Doutora em Teatro, pesquisadora teatral), o hoje cenógrafo e diretor de arte Cláudio Amaral Peixoto, entre outros… A peça chamava-se Deus (God), uma comédia do norte-americano Woody Allen, e a montagem era muito bonita e divertida. Tanto que começou a ser chamada para apresentações fora dali, inclusive na UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Alguns foram contra, queriam partir para uma nova aventura, mas eu, a Sandra e o Miguel achávamos importante seguir com a montagem, aprimorando o trabalho, fazendo o espetáculo rodar. Para nós, aquele era o caminho para a nossa profissionalização. O trabalho teve carreira curta e o grupo se desfez. Daquela vontade que nós três tínhamos de seguir adiante, juntos, foi que nasceu, em 1986, o Grupo Sobrevento.

Ato Sem Palavras I, de Samuel Beckett, foi o nosso primeiro trabalho juntos. No lugar do ator, um boneco manipulado, direta e simultaneamente, por nós três — eu, a Sandra e o Miguel. Sem fios, nem varas. O resultado do trabalho chamou a atenção do meu professor, José Carlos Meireles, um bonequeiro ligado à ABTB – Associação Brasileira de Teatro de Bonecos, que nos acenou com a possibilidade de participarmos de um festival internacional organizado pela Associação em Nova Friburgo (RJ). Entusiasmados, decidimos aperfeiçoar nossos estudos. Mergulhamos no texto e começamos a frequentar muito a Biblioteca da Fundação Japão, pesquisando o teatro clássico de bonecos japonês Bunraku. Chegou uma hora em que os funcionários acharam melhor liberar a gente: “Olhem, vocês podem pegar o livro, os vídeos e levar para estudar em casa.” Nós realmente éramos muito “caxias”, metódicos, obstinados. Com todo aquele empenho, conquistamos um resultado plástico e técnico muito avançado. Quando a Associação foi ver o nosso trabalho, resolveu apostar naqueles três jovens e apoiá-los e terminamos selecionados para representar o Rio de Janeiro em um festival internacional de teatro de animação.

Era preciso escolher um nome para o grupo. Abrimos o dicionário para escolher uma palavra. Só que a primeira que apareceu era o nome de uma doença ou de um passarinho: não tinha nada a ver. Na segunda tentativa, descobrimos um termo náutico que batiza o vento repentino que muda a marcha da embarcação. Um acontecimento inesperado — às vezes desfavorável — que pode provocar um transtorno. Sobrevento.

A magia dos bonecos

Foi com este nome que participamos do festival, que foi, para nós, uma descoberta incrível. Fomos surpreendidos pelo sucesso das nossas apresentações e pela riqueza e a diversidade do teatro de bonecos, que não era uma limitação, mas uma expansão das possibilidades de encenação. Encantados, fomos cada vez mais fundo, aperfeiçoando a montagem, detalhando a movimentação e pesquisando o teatro de bonecos.

Ele nos revelava, também, um tipo de profissionalismo que se sintonizava com a nossa busca. Seus artistas eram profissionais: viviam de teatro. Não eram vaidosos: eram humildes. Descortinava um universo diferente daquele mundo “oba-oba” com o qual a gente não se afinava, que era o mundo das festas e também do “glamour” e de uma relação muito hierarquizada: o mundo do “Grande Ator” e do “Grande Diretor”. E que não tinha a ver com o que queríamos. Conhecemos pessoas que se voltavam, de igual para igual, para um resultado comum, que pensavam no espetáculo e não nas suas individualidades. É claro que era bonito ver a grande Bibi Ferreira, que a gente foi conhecer por intermédio do Flávio Rangel, assim como era bonito admirar o espetáculo que o Flávio fazia. Aqueles eram grandes nomes do teatro e grandes figuras que admirávamos, mas o nosso sonho era o de um outro modelo de teatro, ligado ao espetáculo, que não destacasse nenhum nome em particular. Com o teatro de bonecos, descobrimos um tipo de profissionalismo humilde e apaixonado; o teatro não apenas como arte, mas também como um ofício.

Naquele festival, vimos espetáculos da Alemanha, ligados à estética da Bauhaus; o teatro popular de Mamulengo (teatro popular e tradicional de Pernambuco e, por extensão, do Nordeste do Brasil); um Teatro de fantoches argentino que era inacreditável, emocionante, verdadeiramente tocante; um teatro negro (forma teatral em que os manipuladores ficam invisíveis sobre fundo preto e luz negra) vindo do Uruguai, grupos brasileiros surpreendentes… Tudo era fascinante. A variedade imensa de técnicas, formas, dizeres. Foi uma experiência deslumbrante e voltamos de lá com a certeza de que o teatro de bonecos nos abriria inúmeros caminhos. Todo o contrário do que havíamos chegado a pensar e do que ouvimos dos nossos próprios colegas quando voltamos à universidade: “Mas vocês não vão fazer teatro de bonecos para o resto da vida, não é?”. Nem sabíamos mais como responder a perguntas como aquelas. Tínhamos vislumbrado um novo horizonte, as possibilidades estéticas que o teatro de animação nos revelava. Ou, como dizia nossa professora de cenografia, Marie Louise Nery (figurinista e cenógrafa suíça, casada com um marionetista brasileiro famoso nos anos 1970), contraímos aquela doença, aquele vírus: realmente nos contaminamos. Marie Louise dizia: “Fujam do teatro de bonecos; esse é um caminho que não tem mais volta. Se vocês entrarem nessa, não vão sair nunca mais!” Ela falava como um alerta, mas, no fundo, reconhecendo que era uma paixão. Uma paixão arrebatadora.

O teatro de bonecos nunca nos tirou nada. Sempre pensamos nele primeiro como “teatro” e depois como “de bonecos”. Houve um momento em que fizemos um teatro de papel (uma forma de teatro de animação onde os bonecos não passam de figurinhas bidimensionais de papelão) e, nos festivais, os bonequeiros não nos reconheciam: “Vocês viram aquele espetáculo de ontem? Não tinha nem boneco! Que absurdo!” Mas seguíamos em frente com o nosso caminho e eles, conhecendo nossos trabalhos anteriores, acabavam nos respeitando: “Os caras sabem manipular. E, se não estão manipulando, talvez estejam querendo dizer alguma coisa com isto.”

Ao encontro do desejo

Nesta época, por volta de 1988, Philippe Genty (artista francês considerado por muitos o criador do moderno teatro de animação ou um grande renovador do mesmo) veio ao Brasil e nos surpreendeu com um espetáculo chamado Désirs Parade, um marco nas nossas vidas (dos fundadores do Sobrevento). Com a sem-cerimônia que nós da companhia sempre tivemos, no final da peça nos aproximamos dele, que estava selecionando jovens marionetistas sul-americanos para uma oficina de seis semanas na cidade de Trujillo, no Peru. Eu, Sandra e Andréa Freire — hoje uma grande diretora e produtora de Mato Grosso do Sul e, já naquela época, membro do nosso grupo – nos candidatamos e fomos, os três, selecionados. Junto conosco, Fernando Sant’Anna, um artista excepcional e muito importante na história do teatro de bonecos do Rio de Janeiro, que hoje trabalha com o Tunga (artista plástico de renome internacional); Eduardo Amos (um dos criadores da Cia. A Cidade Muda), que abandonou o teatro de bonecos e lhe faz uma falta danada; seu parceiro Marco Antônio Lima (cofundador da Cia. A Cidade Muda), hoje um renomadíssimo cenógrafo, e Gabriel Guimard, um grande bonequeiro e mímico, pesquisador das artes ligadas à infância e à juventude.

Neste grande encontro, também tivemos contato direto com Claire Heggen e Yves Marc, da Cie. Théâtre du Mouvement, da França, artistas muito importantes do teatro de animação. Mas foram especialmente Philippe Genty e Mary Underwood, sua esposa e parceira, que nos mostraram a plasticidade do teatro de bonecos, técnicas modernas de construção e de confecção e que nos revelaram a riqueza e a dimensão do teatro que escolhemos. Começamos a trabalhar com materiais sintéticos, fibras de vidro, borracha de silicone e a criar espetáculos a partir da concepção de um imaginário muito particular. Realmente foi uma coisa incrível. O Philippe é um artista de primeira grandeza e sempre foi um maravilhoso professor.

Os primeiros prêmios e indicações

Considero fundamental para o desenvolvimento de jovens iniciantes o contato com artistas deste porte. Foi um presente para nós, ainda no primeiro ano de faculdade, ter participado deste encontro e ter representado o Brasil em um festival internacional. Estávamos reunidos em um grupo que começava a conquistar um espaço, a estabelecer um nome. Este amadurecimento devemos aos festivais e a profissionais como Philippe Genty e Magda Modesto (importante pesquisadora do teatro de bonecos, falecida em 2012), que foi uma madrinha ou uma verdadeira mãe para o Sobrevento. Ela nos fez compreender o teatro de bonecos de uma maneira ampla e nos deu acesso a um conhecimento muito vasto, por meio de seus livros, seus bonecos e seus conselhos e opiniões.

Ainda dentro da faculdade fizemos oficinas com Eugenio Barba (diretor italiano do grupo dinamarquês Odin Teatret), que trouxe ao Brasil a ideia do teatro antropológico, que nos pareceu muito afinada com o trabalho que tínhamos visto da Cia. Philippe Genty e com o nosso desejo de pensar mais no espetáculo ou no grupo do que em nossas individualidades como artistas.

A prova que fiz para o curso de direção resultou em Sagruchiam Badrek, um espetáculo de rua feito para todos os públicos, inspirado nos processos de encenação de Eugenio Barba e de Philippe Genty. Tratava-se de um grande evento, com músicos, palhaços e atores, feito com a assessoria acrobática de Fábio Ferreira. Hoje um diretor teatral, um doutor, um intelectual das Artes Cênicas do Brasil, ele também era um garoto naquela época. Foi ele quem treinou os saltos, piruetas e acrobacias que usamos no espetáculo. A repercussão foi excelente e fomos contratados pela Prefeitura para realizar apresentações nas praças. No segundo ano da faculdade, já éramos profissionais.

Depois de Sagruchian Badrek, fizemos, em 1989, Um Conto de Hofffmann, feito a partir dos princípios do teatro de papel (um divertimento caseiro e popular na Europa do século XIX, também chamado de Teatro de Brinquedo). Esta linguagem nos foi apresentada pela Marie Louise Nery, que mantinha em casa pequenos teatros de papel. Ficamos apaixonados pela técnica e criamos o espetáculo a partir da encenação do primeiro ato do libreto da ópera Os Contos de Hoffman, de Offenbach. A história girava em torno de um desiludido poeta perdidamente apaixonado por uma boneca mecânica. O cenário, o figurino, os objetos de cena, tudo era feito de papel. Os inúmeros personagens eram representados por atores e figuras bidimensionais de papel. A peça teve quatro indicações para os dois prêmios mais importantes destinados ao Teatro Infantil da época, o Mambembe e o Coca-Cola. E com este espetáculo nos apresentamos em Campo Grande (MS) e em Campinas (SP), além de fazer temporada no Centro Cultural São Paulo, na cidade de São Paulo, um feito extraordinário para uma produção carioca, naquela época.

Viver de teatro

No sexto período da faculdade, queríamos realizar um Beckett. Com temporadas feitas em teatros importantes e indicações a prêmios na bagagem, levamos esta proposta ao Centro Cultural Banco do Brasil, recém-inaugurado. Acharam a ideia interessante, mas a prioridade era um evento comemorativo: os duzentos anos do compositor Mozart que aconteceria dali a dois meses: – “Vocês não têm nada que gire em torno do compositor?” / – “Lógico que temos!” A verdade é que havíamos pensado vagamente em criar um espetáculo de bonecos que falasse de Mozart, animados com o que ouvíamos e com o que líamos à época. Assim criamos o Mozart Moments, cenas e quadros sobre a vida do compositor austríaco – com bonecos e manipulação direta e um figurino muito bonito – que eram apresentadas separadamente, várias vezes ao dia. Passávamos a tarde inteira em uma sala, com monitores de televisão ligados a câmeras do Centro Cultural, que funcionava como uma espécie de camarim e, quando um certo número de pessoas começava a se agrupar, descíamos e contávamos uma das nossas pequenas histórias.

O trabalho chamou a atenção também das escolas, que começaram a nos convidar. — “Queremos levar este Mozart para as nossas crianças”. Juntamos os quadros e montamos um espetáculo. Naquela época, 1991, eu e o Miguel trabalhávamos na TV Manchete como manipuladores de bonecos de um programa do Agildo Ribeiro (humorista brasileiro), que estava prestes a acabar. A Sandra trabalhava no Free Shop do Aeroporto Internacional como perfumista – ela se especializara em perfumes – e ganhava um bom salário. O convite das escolas nos acenava com a possibilidade real de viver de teatro. Aquele era o nosso desejo: viver de teatro! E como éramos muito obstinados, montamos, junto com a Andréa Freire, uma estratégia de guerra: mapeamos todas as escolas da cidade e cada um de nós – eu, Sandra, Miguel e Andréa – visitava 12 delas por semana.

Foi um sucesso. Com o primeiro dinheiro que entrou, compramos uma Kombi velha, que nos levava para fazer as apresentações. O transporte era bem mambembe, mas o espetáculo, muito bem cuidado. Daí começaram a surgir os convites: interior do Estado do Rio, São Paulo, Circuito SESC, etc. O Mozart Moments nos levou a diversas cidades do Brasil e do exterior. Ganhamos o Prêmio Coca-Cola e fomos indicados para o Mambembe como Grupo ou Personalidade Teatral do Ano. Mais tarde ganharíamos o Prêmio Mambembe, por nossa temporada paulistana.

Teatro: encontro e ofício

Um ano antes, 1990, participamos de um importante festival em Campinas e fomos a um café da manhã organizado pelo Grupo Fora de Sério (naquela época estudantes de Teatro da Unicamp e hoje um grupo teatral de Ribeirão Preto, especializado em máscaras e Commedia dell’Arte) com outros grupos de teatro de diferentes estados. Estava lá o grupo mineiro Galpão que, embora ainda pouco estruturado, já era o mais forte de nós; o Ói Nóis Aqui Traveiz, do Rio Grande do Sul; o Luiz Otávio Burnier, que começava o trabalho na UNICAMP com o Grupo Lume. Eram todos grupos que de alguma maneira, apesar das diferenças de linguagens, se afinavam em uma mesma estética, em um mesmo fazer teatral coletivo, porém diferente dos grupos mais festivos dos anos 1970, dos grupos mais hippies ou mais informais. Era uma outra visão, em alguns casos ligeiramente influenciada pelo teatro antropológico, que tinha o teatro como um ofício. Acho que os tempos haviam mudado ou estavam mudando… E éramos todos jovens dos anos 1980 a caminho dos 90. Foi um encontro muito bonito e motivador.

Marcamos um primeiro encontro na cidade de Vinhedo, interior de São Paulo, com vários grupos do Brasil, do Acre ao Rio Grande do Sul. A ideia de teatro de grupo começou naqueles debates: – “O que é que nos assemelha?” / – “O fato de sermos grupos de pesquisa?” / – “Mas o teatro que eu faço não é exatamente de pesquisa.” / – “Mas então o que nos aproxima?” / – “O fato de termos um repertório”. / – “Mas eu só tenho um espetáculo”. / – “E eu agora não tenho nenhum”. / – “Então talvez o que nos una seja o fato de sermos mais de um. Somos um grupo”. / – “Mas o meu grupo só tem uma pessoa”. / – “Como assim?” / – “Éramos três, nos separamos, mas eu continuo fazendo sozinho os mesmos espetáculos que fazíamos. Sou um grupo ou não sou? Tenho que me retirar?” / – “Bom, é verdade: tem uma pessoa só, mas é um grupo”. Então vem o Burnier e define o grupo como um coletivo que tem uma liderança que o define. E o Paulo Flores, do Ói Nóis Aqui Traveiz, que tinha um dos Grupos mais antigos entre nós, diz: — “Nos últimos dois espetáculos da companhia, os membros mais antigos se afastaram, os mais jovens tomaram suas iniciativas e eu mesmo, fundador do grupo, só vi os espetáculos depois de prontos”. Bom, aqueles eram trabalhos assinados e nascidos dentro daquele contexto, daquela ideia de grupo, que era o Ói Nóis”. Ou seja, a ideia de grupo teatral era uma coisa abstrata e complexa, bem difícil de definir. – “E afinal de contas o que é que nos identifica?” – “Somos Grupos de Teatro!” — “Não, é mais do que isto: fazemos um Teatro de Grupo!” Foi aí que se cunhou o termo Teatro de Grupo, que se difundiu e ganhou corpo a partir daí, definindo tanto uma estética, quanto uma forma de produção particulares.

Aquele encontro acabou gerando outros movimentos, trazendo novos grupos, até mais antigos do que aqueles que haviam se encontrado antes, como o Teatro Ventoforte e o Tá na Rua, e outros bem jovens, como os Parlapatões, Patifes e Paspalhões, entre muitos outros. Todos foram chegando, tomando espaço, e fomos nos organizando e promovendo encontros e iniciativas a partir daquele evento que tinha acontecido em um convento de Vinhedo, evento que foi batizado, mais tarde, de Encontro Zerinho.

Tudo isto foi estabelecendo e desenvolvendo um modelo de Teatro de Grupo e criando o tipo de trabalho que o Sobrevento realiza ou a forma como se organiza, sendo uma companhia estável de repertório em que os espetáculos são feitos de forma coletiva, mas sempre com uma direção, um rumo. Acho que é isto o que caracteriza o moderno teatro de grupo. Existe alguma coisa que não é um número de pessoas, não é a liderança, não é uma pesquisa, não é aquela linguagem, mas sim uma forma de fazer  e de se organizar que pertence àquele determinado grupo. De forma que, quando nós morrermos, se aquela ideia ficar e se mantiver, o nosso grupo permanecerá. Como uma bandeira. Carregada por diferentes, por novas mãos.

Todo este nosso caminho se foi sedimentando com a formação e o desenvolvimento de diferentes grupos de teatro. Grupos como o Galpão e o Ventoforte, como o Giramundo (Grupo de teatro de bonecos criado por Álvaro Apocalypse, em 1971, em Belo Horizonte) e o Contadores de Histórias (criado em 1971 e radicado em Parati desde 1981) ajudaram a consolidar este novo conceito de Teatro de Grupo, pavimentando uma estrada que muitos coletivos, hoje, trilham e que terminou por se transformar, para a surpresa dos grupos de teatro, em um modelo hegemônico de produção teatral.

O Theatro de Brinquedo, o pequeno grande teatro

Uma das chaves do nosso trabalho sempre foi a pesquisa da linguagem. Pode parecer uma coisa meio “careta”, formal, mas, na verdade, ela vem da busca de diferentes encontros com o público. Esta é a sensação que eu tenho, hoje: a de que sempre buscamos relações diferentes com a plateia, buscamos promover diferentes encontros.

Queríamos elaborar a relação do manipulador com o boneco manipulado, algo muito ligado ao trabalho de Philippe Genty, com princípios de dissociação, de distanciamento do manipulador em relação ao boneco. Como aquele não era um processo ou um resultado comum na época, chamou muita atenção.

Nós havíamos acabado de apresentar o espetáculo Ato sem Palavras, em que o manipulador ficava atrás do boneco, todo vestido de preto. Mas queríamos ir além. Queríamos um espaço teatral que não fosse o tradicional da caixa-preta, fechado, mas algo um pouco mais festivo. Um espaço de celebração, que provocasse um certo tipo de comunhão.

O espetáculo O Theatro de Brinquedo surge a partir de Um Conto de Hoffmann (montagem do Sobrevento de 1988, com atores que contracenavam com figuras bidimensionais de papel, em tamanho natural) e foi o primeiro a estrear fora do Rio de Janeiro. Nós já éramos um grupo sólido, quando fomos convidados a participar de um evento em homenagem à grande escritora dinamarquesa Karen Blixen, fazendo a leitura de um texto de teatro de bonecos que ela tinha escrito na juventude. Aliás, este foi o único texto teatral que ela escreveu. Quando começamos a ensaiar, logo nos demos conta de que tanto fazia que o texto fosse lido por um ator como por um bonequeiro. E tanto fazia chamar o nosso grupo, especializado em teatro de bonecos, ou qualquer outro.

Como nos parecia estranho um grupo de teatro de bonecos não trazer nada de mais àquela leitura, resolvemos ilustrar o texto com a técnica do teatro de brinquedo. Fizemos uma primeira experiência, ilustrando breves passagens do texto. À medida em que líamos, montávamos uma pequena maquete de teatro onde as situações se desenrolavam. Em um dado momento, fazíamos um jogo próprio do teatro de brinquedo, substituindo um boneco por outro. Todo mundo ficou deslumbrado com aquilo. Então, criamos um espetáculo de teatro combinando aquela técnica com uma proposta estética de um encontro leve e informal com o público: o Theatro de Brinquedo, uma espécie de sarau, de leitura, onde nos colocamos de uma maneira muito íntima e casual, em um espetáculo muito pequeno.

Tudo o que nos provoca e dói

Em 1992, depois de Mozart, montamos o espetáculo Beckett, a partir de três peças do dramaturgo irlandês (Ato sem Palavras I, Ato sem Palavras II e Improviso de Ohio). Tratava-se de um espetáculo para adultos, porque nós achávamos que o teatro de bonecos não podia ser só para crianças. Em um palco italiano, montamos um espetáculo muito técnico e virtuosístico e profundamente envolvente, porque era assim que víamos Beckett. Para nós, Samuel Beckett não propõe um jogo intelectual a que você assiste de braços cruzados: ele nos provoca um envolvimento emocional. Aquela revelação nos veio durante a leitura dos textos do autor, e até mesmo de ter assistido à montagem Catástrofe, do diretor Rubens Rusche: descobrimos em Beckett um autor emocional e um teatro verdadeiramente envolvente, perturbador.

Todos os nossos espetáculos nascem de uma proposta de encontros diferentes. É o que continuamos fazendo e perseguindo até hoje: buscar um cruzamento de várias linguagens e ao mesmo tempo cruzar essas técnicas e linguagens com as propostas de outros artistas, para criar diferentes jogos com o público. De alguma forma sempre estivemos ligados a outros grupos e a outros artistas, que nos trouxeram contribuições muito fortes, influências que nunca negamos. Jamais dizemos “nós planejamos”. Estamos permanentemente à beira do abismo, buscando propostas que sejam diferentes, provocadoras tanto para o público como para nós, buscando o que nos desperte a curiosidade, o medo, o susto, a vertigem. E ouvindo os outros e nos deixando levar, ao mesmo tempo em que remamos aqui e ali, como quem se joga de canoa em uma corredeira. É assim que fazemos teatro até hoje: nos arriscando, nos aventurando – e acho até que sofrendo um pouco, nos martirizando.

Alguma coisa acontece em nosso coração

Toda montagem nossa acabava tendo uma temporada paulista – isto desde Um Conto de Hoffmann, em 1990. Todos os nossos espetáculos se apresentavam no Centro Cultural São Paulo, um espaço privilegiado¸ onde fomos sempre muito bem acolhidos, tanto pela cidade, pelo público, quanto pelos programadores, colegas e amigos. E éramos muito aplicados, muito dedicados, muito trabalhadores, muito objetivos, muito sérios… O Hugo Possolo (do Grupo Parlapatões) dizia sempre que nós éramos “os mais paulistas dos cariocas”.

Amamos o Rio de Janeiro, mas sempre tivemos esta ligação com São Paulo. Foi em São Paulo que estreamos, em 1993, o Theatro de Brinquedo, tal como ele é hoje, reinaugurando a Sala Myriam Muniz do Teatro Ruth Escobar. E, toda vez que vínhamos nos apresentar aqui, acabávamos ficando mais tempo do que o previsto. Se a ideia era ficar dois meses, a temporada se estendia e era mais um mês vindo pra São Paulo de ônibus todo fim de semana. E, depois, mais dois meses fazendo o mesmo. Chegou uma hora em que nos demos conta de que era melhor alugar um apartamento. E foi o que aconteceu na época do Beckett, cuja repercussão foi muito grande. Estávamos vivendo na casa da irmã da Sandra, que morava em São Paulo, e naquela época – 1992, 1993 – ela acabou alugando o apartamento para nós e indo morar com a mãe. Era pra termos ficado dois ou três meses, mas acabamos ficando cinco.

Voltamos ao Rio para estrear Ubu! (a partir da peça Ubu Rei, de Alfred Jarry), um espetáculo que explorava o conceito de supermarionete de Edward Gordon Craig (ator, encenador, dramaturgo, teórico teatral e cenógrafo inglês). Neste espetáculo, os limites entre o que é teatro de bonecos e teatro de atores se embaralhavam. Os atores se misturavam aos bonecos, uma banda de heavy-metal tocava ao vivo e todo o humor do texto – mais a violência, a brutalidade, a visceralidade e o grotesco dos personagens do autor – se acentuava com a encenação. O cenário era do Hélio Eichbauer (um dos principais renovadores da cenografia brasileira moderna) com quem começamos a trabalhar intimamente, sem a menor cerimônia. “Hélio, vem cá”, “Hélio, faz aí” – e ele, muito generosamente, com a grandeza dele, acabava fazendo.

Nesta época, também tivemos uma ligação com o diretor Luiz Arthur Nunes (professor, diretor e fundador do Núcleo Carioca de Teatro), com quem colaboramos na montagem de A Vida como Ela é (teatralização de contos de Nelson Rodrigues). Com a gente é assim. Vamos nos reunindo a qualquer pessoa com a maior confiança e espontaneidade. Mas os artistas se farejam, não é? Eles até percebem que o trabalho pode não render a eles o dinheiro que estão acostumados a receber, mas veem que é um trabalho sério e que merece apoio, que merece colaboração, que merece uma força. Foi deste jeito que conquistamos, seguidamente, diversas parcerias e tivemos, por exemplo, cenários e figurinos de J. C. Serroni, Telumi Helen, André Cortez, Daniela Thomas, Márcio Medina, João Pimenta, todos grandes cenógrafos e figurinistas, muito renomados, muito além do que éramos e do que podíamos oferecer.

Ubu! estreou no Rio, em dezembro de 1996, no Teatro Sérgio Porto, e foi muito bem. Seguimos para São Paulo em uma temporada no SESC Anchieta, um tremendo teatro, bacanérrimo. Daquela vez, alugamos um apartamento para toda a equipe, incluindo os músicos. E toda vez que pensávamos em voltar para o Rio, não conseguíamos, porque sempre aparecia mais um evento. Não apenas na cidade de São Paulo, mas também em outras cidades, porque São Paulo nos dava um chão melhor para viajar. Chegamos a ficar um ano sem pisar no nosso apartamento  – e pagando aluguel. Mas vida de artista é mesmo assim.

Pé na estrada

Nossa primeira viagem ao exterior foi para participar do Festival Santiago A Mil – Festival Internacional de Teatro que reúne, na capital chilena, companhias teatrais de todo o mundo, organizado desde 1994 pela Fundação Teatro a Mil (instituição dedicada a internacionalizar as artes cênicas chilenas, angariar novos públicos e promover o acesso a espetáculos de excelência). Aquele que, hoje, é um festival internacional muito importante, naquela época só havia apresentado espetáculos nacionais. Fomos o primeiro grupo estrangeiro a participar daquele que é hoje um megafestival, um dos maiores do mundo. Na ocasião, o teatro infantil chileno era muito pouco desenvolvido: levamos o Mozart Moments. Foi uma surpresa.

Antes do Chile, já havíamos sido convidados para outros festivais, mas sentíamos que ainda não era hora. Queríamos estar mais bem preparados. Quando surgiu o convite para o Santiago a Mil, decidimos ir a Paraty pedir a bênção aos Contadores de Estórias. Eles só nos conheciam de nome – nunca haviam assistido a nenhum dos nossos espetáculos -, mas fomos muito bem acolhidos. Eles nos receberam na casa deles, almoçamos juntos e ouvimos seus conselhos: – “Não sejam ingênuos, é só um festival. E não existe isso de estar pronto; vocês já estão mais do que prontos. Vão. Vai ser muito bom e vocês vão fazer bonito!” Foi um sucesso enorme.

Depois do Chile, foi a vez da Espanha, onde passamos um mês indo de carro alugado pra lá e pra cá, participando de três ou quatro festivais, sempre com o mesmo sucesso. Como todos falávamos espanhol, apresentávamos o Mozart na língua deles, como no Chile. E a partir daí começou a nossa carreira internacional. O Grupo Giramundo e o Contadores de Estórias já tinham aberto esta porta, levando o teatro brasileiro para outros países, mas acho que fomos um dos primeiros grupos a fazer tantas apresentações no exterior. Os espetáculos realizados na Espanha e no Chile nos abriram portas para uma dúzia de festivais. Só na Espanha percorremos cerca de quarenta cidades, com diferentes espetáculos. Mais tarde, fomos à Argentina, Colômbia, México e até a Angola, Suécia, Estônia e Irã.

Temos uma produtora em Madri, com quem trabalhamos até hoje: chama-se Elena Schaposnik e é diretora do CELCIT, Centro Latinoamericano de Creación e Investigación Teatral. Foi ela quem nos levou a diversos outros eventos, como o Festival de Outono de Madri, um megafestival das artes que seria aberto por uma célebre cantora e atriz alemã, Ute Lemper. Como ela estava gripada e não podia cantar, quem acabou abrindo o festival fomos nós, com Beckett. Ela foi nos assistir, ficou encantada com nosso trabalho e convidou o grupo para participar de um vídeo dela, o que acabou não acontecendo.

Também apresentamos o Beckett em um festival em Dublin, na Irlanda. No início, as pessoas estranharam: um grupo brasileiro de teatro de bonecos? No primeiro dia, a casa estava quase cheia; no dia seguinte, estava lotada; no terceiro dia, havia gente parando-nos na rua para pedir ingressos, porque não havia mais como comprá-los na bilheteria. O boca a boca lá corre rapidinho. Foram seis apresentações, sempre com o mesmo êxito.

De lá, fomos para a Escócia participar de um festival que nos havia convidado três anos antes e que deflagrou toda aquela turnê. Depois de um sucesso retumbante na Irlanda, onde as críticas diziam: “Os bonecos salvaram o festival” / “Eu nunca poderia imaginar que a grande emoção pudesse vir de um grupo de teatro de bonecos do Brasil fazendo Beckett”, chegamos à Escócia entusiasmados e confiantes. Quebramos a cara: foi um fiasco. Descobrimos, da pior maneira, no palco, que o que funcionava na Irlanda não funcionava na Escócia. Espectadores de braços cruzados, assistindo ao espetáculo sem se envolver com ele. E, quanto mais tentávamos salvar a peça, mais ela afundava. Vimos uma reação totalmente diferente da Irlanda, onde as pessoas admiraram a concepção e o humor do espetáculo. Na Irlanda, elas riam, participavam e se envolviam. Faziam: – “Ooh!” Exatamente o contrário do que faziam os escoceses. Na apresentação seguinte, com o ouvido mais apurado e tendo entendido melhor os escoceses, fizemos um espetáculo bem bacana, de que o público gostou muito. “Hoje foi diferente!”, disse a diretora do Festival, Cathie Boyd, nossa amiga até hoje. Ainda bem que foi diferente!

Dali, fomos para Madri para um novo sucesso e, de Madri, para uma cidadezinha que vive de caça e oliveiras, à beira de uma montanha, no fim da Andaluzia: Cazorla. Lá, o pessoal não entendeu nada do Beckett e do que fazíamos. No dia anterior, ao ver o público rolando de rir com um espetáculo baseado em gags surradas e em caretas, já sabíamos que iríamos nos dar mal. Foi lá que, vendo clara a influência do espectador sobre cada espetáculo e tomando mais uma lição de humildade, que aprendemos que a transculturalidade não existe.

Aqui no Brasil não se montam peças para festivais, o que é uma realidade na Europa. Nenhum grupo pensa em criar um espetáculo meio genérico, para um público meio genérico, para ser apresentado em um país qualquer que fala uma outra língua. Aqui, criamos para o público brasileiro. É assim que, nós também, criamos os nossos espetáculos. Alguns servem para certos festivais, outros não, e isto não significa que este espetáculo seja melhor ou pior do que aquele. Ter sucesso em Festivais, para nós, é sempre e só uma casualidade. Ou uma coincidência.

Saudade das praças

Hoje, existem muitos festivais de teatro no Brasil. Em 1992, esta não era a realidade do país, que sonhava com a retomada de antigos projetos de circulação nacionais e que contava com um ou dois festivais. Já naquela época, o Sobrevento organizou no Centro Cultural Banco do Brasil o Rio Bonecos, um Festival de Teatro de Animação que contou com a participação de alguns grupos estrangeiros. O objetivo era promover um intercâmbio cultural e difundir o teatro de animação. Neste evento ficou bem claro para nós o quanto um festival deve proteger seus espetáculos: a maneira como os grupos são recebidos, a situação em que a apresentação acontece, o papel da curadoria. Um espetáculo depende de um ambiente, de um conhecimento do público que vai assistir a ele, do estabelecimento de um contexto e isto se faz por meio de muitas coisas sutis, desde a definição dos objetivos e da subsequente escolha dos espetáculos até a preparação do camarim, da criação do ambiente do teatro, da programação visual, da postura dos recepcionistas, da luz de entrada, do nível de silêncio, de muitas coisas muito sutis.

O Mozart Moments é de 1991, mas ele ainda é muito forte, muito importante para dizer certas coisas que hoje os grupos não querem mais dizer. É um espetáculo envolvente, tocante, mobilizador, engraçado, que até pode se apresentar em um teatro – até mesmo em um grande teatro -, mas que nasceu mesmo para uma praça ou um parque. Ninguém vai mais às praças para ver Teatro. Onde estão estes espetáculos? Pois eles estão sendo criados para salas fechadas, naquela relação tradicional, de contratação, em que você ganha um determinado cachê para montar e apresentar uma peça. Isto influencia muito o teatro que está sendo feito. Este lugar do Teatro entre artistas e contratantes ou patrocinadores influencia diretamente o lugar entre os artistas e o público.

Mozart é um trabalho que foge disso, ou que, pelo menos, tenta fazê-lo. Não é um espetáculo de sala fechada, de contrato, de cachê, para ser apresentado às quatro da tarde com o objetivo de entreter os filhos de pais que só têm aquela hora, depois do almoço, pra fazer algum programa com as crianças. Por isto, é legal de fazer o Mozart. Você viaja para uma cidade do interior e aquilo é acontecimento, uma descoberta. Ele é festivo: não é o teatro tal e qual a pessoa esperava.

Mozart Moments se mantém em repertório porque é um trabalho importante para nós. É um espetáculo que não faríamos hoje, mas que ainda espelha o Sobrevento que nós fomos. E que ainda somos – por ele ter sido muitas vezes modificado. É claro que a montagem sofreu inúmeras mudanças, mas, ainda hoje, é um espetáculo que vai à praça e surpreende, envolve, comove. É uma coisa incrível, surpreendente mesmo. Em um teatro fechado, é mais difícil garantir que isto aconteça, porque nele se perde o ar festivo, o ar popular. Quem o vê em um recinto fechado, pode dizer “este espetáculo é meio velho”, mas quando assiste na praça se apaixona: “Que espetáculo bacana, que lindo aquele grupo estrangeiro. Tão envolvente, tão moderno!”

Esta também é a história de Mamulengo, do teatro de bonecos popular nordestino, que é uma coisa de lavar a alma de qualquer cristão, de qualquer brasileiro, de qualquer espectador. Mas basta confiná-lo em um teatro para ele se perder. Um espetáculo nunca é “O” espetáculo. Ele é um encontro, uma relação. Frágil, efêmera: e, por isto, tão forte e perene. Isto ficou claro para nós nos tantos festivais internacionais de que participamos e que realizamos.

Um por todos e todos por um

Somos, oficialmente, um grupo desde 1996 e até hoje nunca ninguém se desligou completamente dele. As pessoas entram e não saem. Quando nos perguntam: “quantas pessoas têm no Sobrevento?” é muito difícil de precisar. Eu não sei se somos três, seis, dez, vinte ou cem. Realmente não sei. Temos amigos e companheiros de longa data e a impressão que eu tenho é de que se a gente estalar os dedos todos estarão de novo conosco.

O Renato Machado é nosso iluminador desde 1992. Ele é do grupo? Grupo são aquelas pessoas que estão ali todos os dias? As que fazem um trabalho mais burocrático? Qual é o parâmetro? O Renato iluminou todos os nossos espetáculos e será o iluminador dos próximos. Isso quer dizer que ele é do grupo? Como é que não é?

Não dá pra dizer muito bem quem é do grupo e quem não é. Não somos assalariados – nenhum de nós é -, não somos patrões e empregados. O Renato, em uma apresentação, ganha o mesmo que nós, um mesmo percentual de um cachê – às vezes bom, às vezes ruim e, se não houver cachê, sem cachê. Mas se ele não está todo dia no teatro, se só vem pra fazer a luz do espetáculo, enquanto outras pessoas vêm todo dia e também varrem o palco, recebem o público, dão oficina, como ele pode ser tanto do grupo quanto outros? Não sei, mas nada disto faz com que ele seja menos membro do grupo do que nós. E o músico que toca naquele espetáculo que a gente tem apresentado menos, mas que, se a gente apresentar semana que vem, com certeza, estará lá: ele é do grupo ou não? – “Não, ele é só um contratado?” Pois nós fomos ao festival de Londrina e dissemos ao violoncelista Jorge Santos que ele tinha que ir. – “Mas eu não posso ir, eu dou aula.” / – “Mas a gente precisa que você vá.” Então o cara dá sua aula em São Paulo até as três da tarde, pega o avião às quatro, chega em Londrina às seis pra fazer o espetáculo que começa às oito da noite, termina às onze e de lá ele pega um ônibus, porque não dava pra pegar avião, para estar às oito da manhã em São Paulo, para dar aula até as três da tarde. Às quatro, ele pega o ônibus de volta a Londrina, para, de novo, chegar às seis e fazer o espetáculo às oito… Isto não é normal em uma relação comercial: não vale o cachê que ele recebe; não paga o cachê que ele tem pra receber. Mas ele vai. Por um compromisso, não comigo ou com qualquer um de nós especificamente, mas por um compromisso com o grupo, com o trabalho, com o espetáculo, com o público, com o teatro.

Ninguém nunca falou para nós: “ah, mas pra fazer esse sacrifício, eu vou ter que ganhar tanto”. O cachê é um percentual daquilo que vamos receber. Se o festival paga bastante, ele vai receber bastante; se o festival não paga nada, ele vai fazer o espetáculo de graça — e ele faz de graça. Ou seja, há um comprometimento, sabe? Aí vem alguém e estabelece que este cara não é do grupo? Eu sei que nenhum contratado faria isso. E ele é um dos caras que entraram mais tarde no grupo. Está conosco há poucos anos, é músico – toca violoncelo em um espetáculo de nosso repertório – mas tem este sentimento. É um artista, um companheiro, um amigo. Por estas e outras, não vale a pena estar definindo ou tentando definir quem é do grupo e quem não é, tentando buscar parâmetros que, para nós, para o teatro que fazemos, não servem para nada.

Quando viemos morar em São Paulo, Miguel permaneceu morando no Rio, mas continuou fazendo todos os espetáculos que eram do nosso repertório. Toda semana ele vinha: nunca deixou de fazer uma apresentação. O fato é que a situação dele já começava a ficar bem diferente da nossa, morando em cidades diferentes e bem distantes uma da outra. Foi complicado e, por muito tempo, ainda pudemos administrar a situação. Começamos, então, a querer seguir rumos diferentes e, mesmo juntos, fazendo todas as apresentações, decidimos criar um projeto que permitisse a cada um de nós explorar um caminho diferente. O Miguel, por exemplo, queria fazer um espetáculo de manipulação direta; eu queria trabalhar com fantoches chineses, luva chinesa (forma teatral chinesa, semelhante ao teatro de fantoches tradicional, porém que requer um certo virtuosismo e uma destreza quase malabarística). A Sandra, por sua vez, não queria nada disto: “Quero criar um espetáculo a partir do texto que estou escrevendo.” Resolvemos, então, que o grupo arcaria com a realização simultânea dos três projetos, que teriam a participação de todos. E foi assim, ou mais ou menos assim, que aconteceu.

O Miguel fez o Sangue Bom, com manipulação direta, como Sobrevento. Embora não pudéssemos estar no Rio acompanhando o processo de criação, acompanhamos alguns ensaios e estávamos todos lá na estreia. Nos primeiros dias, nas primeiras semanas, não lembro, eu e o Miguel ficamos na cabine, operando a luz e o som.

Sangue Bom era um espetáculo do Sobrevento. Assim como O Anjo e a Princesa, que a Sandra fez a partir do texto dela, que eu dirigi e para o qual Miguel fez os bonecos. Fiz Cadê o Meu Herói? e eu e a Sandra — junto com o Anderson Gangla – manipulamos os fantoches chineses. Chegamos a trazer um chinês – o nome mais importante daquela técnica – Yang Feng, já falecido – para trabalhar conosco por um mês ou mais. Todos os três espetáculos foram igualmente feitos, coordenados por cada um de nós. Eu coordenei o Cadê o Meu Herói?; a Sandra, O Anjo e a Princesa e o Miguel, o Sangue Bom. Nós três participamos dos três espetáculos. Foi uma experiência muito importante para o amadurecimento de cada um de nós, sob o amparo dos outros, ou do Grupo.

Florescendo e dando frutos

O espetáculo Sangue Bom acabou se tornando o primeiro da Companhia PeQuod (nome criado em 1999), que começou em uma oficina realizada pelo Miguel. No início, nós três achávamos que ele não deveria seguir fora do Grupo, que lhe dava espaço e nome. Mas chegou um momento em que nós todos concluímos que havia chegado a hora dele ter um grupo, mesmo que ele se constituísse em uma espécie de núcleo do Sobrevento. Sangue Bom marcava a existência de um grupo diferente, de uma linha ou linguagem particular, criada por ele, Miguel, que quis fazer uma pesquisa ligada ao cinema, à linguagem cinematográfica. Uma linha meio pop que não tinha nada a ver com a nossa, que fugia um pouco do padrão do Sobrevento, que sempre foi meio clássico. Sangue Bom tornou-se patrimônio da PeQuod, que ganhou corpo e foi seguindo em frente. O Miguel continuou fazendo os espetáculos do nosso repertório, até que em um determinado momento começou a ficar mais difícil. Fomos substituindo o Miguel aos poucos, espetáculo após espetáculo — sempre mantivemos os espetáculos criados em repertório (hoje são quinze) —, mas ele nunca se desligou do Grupo e, volta e meia, fazemos apresentações ou viagens juntos.

Fantoches Chineses

Cadê o Meu Herói? começou com a descoberta de um belo texto do dramaturgo e bonequeiro argentino Horacio Tignanelli. Já havíamos visto uma encenação dele desta mesma peça, realizada dentro dos princípios tradicionais do teatro de fantoches ocidental. O texto apresentava uma espécie de reviravolta, de virada — o que, no jargão teatral, chamamos de “coup de théâtre” —, que o obrigava a ser feito com fantoches. Ao mesmo tempo que com o texto, estávamos encantados com a manipulação do Yang Feng (marionetista chinês da quinta geração da família Yang de bonequeiros de luva), um grande mestre do teatro de luva chinesa, que havíamos conhecido em festivais e de quem nos tornamos amigos. E juntamos uma coisa com a outra, com todos os riscos em que juntar coisas tão diferentes implicava.

O mundo do teatro, ou pelo menos do teatro de bonecos, é mesmo assim. Ficamos amigos do Horacio e do Yang Feng, que já havia estado no Brasil em um festival que havíamos organizado no Rio de Janeiro. Na época da montagem, 1998, nós o convidamos para vir a São Paulo, hospedamos ele em um excelente hotel com piscina na região da Avenida Paulista e, no dia seguinte, ele perguntou “será que posso ficar no quarto de empregada da casa de vocês? Assim nós poderíamos ficar mais juntos, cozinhar em casa…” Passamos um mês colados e foi uma experiência muito linda. Por isto, sempre dizemos aos mais jovens que é possível trabalhar com quem se quiser, criando condições justas e simpáticas, mais do que condições boas.

“Quanto você ganha lá fora por um bom mês de trabalho?”, perguntamos ao Yang Feng. Quando ele disse o valor, fizemos a nossa proposta: – “Nós vamos pagar esse tanto pra você. Mas, como não temos este dinheiro, você vai fazer apresentações para ganhar a quantia equivalente a este cachê. E, para nos retribuir o mês de trabalho que estamos proporcionando, você vai ficar o tempo todo conosco, dando oficinas, convivendo conosco, estando sempre por perto…” E ele veio, mais do que nada, como amigo. Este encontro é um presente na vida de um artista.

Pois ligamos para o Festival de Belo Horizonte e fizemos a maior divulgação dele: – “Nós temos que trazer este homem. Ele é o número um do mundo.” O Centro Cultural Banco do Brasil também se interessou: – “Tragam-no, que a gente paga o cachê, apresenta, faz uma oficina.” E é assim que a gente consegue trabalhar com gente deste gabarito. Trouxemos o chinês e trouxemos o Horacio para reescrever o seu próprio texto, depois que já tínhamos aprendido os princípios básicos da técnica, que demandaria um longo treinamento.

Nós temos, porém, um chão no teatro de bonecos. E sempre fomos atrevidos: nunca tivemos medo. Há princípios da animação de bonecos que são comuns a todas as técnicas, princípios que conhecemos e nos quais nos treinamos, que praticamos. O Yang Feng nos ensinou cem coisas; destas cem, nós conseguimos fazer dez muito bem. As outras noventa, vamos fazer um dia, mas foram só estas dez que entraram na peça. E construímos um espetáculo de luva chinesa, virtuosístico, com um texto surpreendente e que ficou está no nosso repertório até hoje; um espetáculo que quem vê se admira: “Uau! Mas vocês são muito bons!”

Uma companhia teatral chinesa especializada em bonecos de vara, que incluía em seu programa cenas de teatro de luva chinesa, veio se apresentar aqui. Os artistas foram ver o nosso espetáculo e ficaram encantados: “Olhem, desculpem, mas não vamos apresentar este negócio na frente de vocês, porque ficamos com vergonha. Vamos cortar as cenas de fantoches e fazer só as de varas, porque vocês são muito melhores do que nós: são muito bons!” O caso é que eles viam as dez coisas que nós fazíamos e achavam que nós éramos bonequeiros das cem! O Yang Feng, que nos ensinou as cem, fazia trezentas, quatrocentas…

Não sei se faríamos este espetáculo hoje, mas ele é um espetáculo que funciona maravilhosamente, por exemplo, no SESI Bonecos do Mundo (festival, que desde 2004, se propõe a abrir espaços cada vez maiores para o teatro de bonecos). São trinta, quarenta mil pessoas assistindo ao espetáculo a cada função, que é uma farra, uma brincadeira, uma festa. Se você se sentar de braços cruzados para assistir a ele, ele não funciona; se levarmos este espetáculo para a Rússia, ele não funciona, porque ele depende da nossa língua e do nosso tipo de humor. É um espetáculo meio Mamulengo. Na Espanha foi bem, mas não tanto quanto o Mozart. Isto não quer dizer que este espetáculo seja melhor que aquele; é que o Cadê só acontece em uma determinada situação e, quando essa situação é favorável, ele se dá de uma maneira maravilhosa.

O Anjo, a Princesa e o Mamulengo

Nesta mesma época, a Sandra escreveu o texto O Anjo e a Princesa e nós buscamos um cruzamento do texto que ela havia criado a partir de um conto de um autor chileno (Baldomero Lillo) com o mundo plástico de Alexander Calder (artista plástico norte-americano, inventor dos famosos móbiles), que era também bonequeiro e que é muito querido no universo de nossa arte. Para entender a estética do Calder, seu processo de criação, como eram os mecanismos que ele usava, como alcançava aquele resultado, a partir de que ideia, organizamos um grupo de estudos com dois cenógrafos. E foi lindo, porque nós passamos a ser o Calder. Reproduzimos suas peças, criamos novas peças – mais de sessenta – a partir de diferentes fases do trabalho dele e chegamos então a O Anjo e a Princesa, que também propõe um tipo particular de teatro. Ele é um espetáculo menos festivo, mais contemplativo, mais sereno, muito tocante, sem nenhum virtuosismo técnico, com brinquedos e bonecos muito simples, o que aproxima as crianças da atriz. O virtuosismo impressiona, assombra e encanta, mas afasta.

Paralela e simultaneamente, no Rio, fazíamos – pelas mãos do Miguel e do grupo que formou, o Sangue Bom, que era um espetáculo que buscava a pesquisa do cinema, o aperfeiçoamento da manipulação direta que havíamos usado em outros espetáculos e que buscava uma estética mais cinematográfica e um jogo plástico-teatral que pudesse reproduzir no teatro efeitos como zoom, close-up, travelling, panorâmica, etc.

Brasil para Brasileiro Ver e Submundo

Depois de O Anjo e a Princesa, fizemos, em 1999, um espetáculo para o SESC chamado Brasil pra Brasileiro Ver. Foi nossa primeira aproximação com o teatro de Mamulengo e começou quando o SESC nos contratou para uma exposição do Mário de Andrade (Coração dos outros – Saravá, Mário de Andrade, evento realizado no SESC Belenzinho). Eram quatro cenas diferentes – O Dia em que Roberto Carlos chegou na Lua, O Descobrimento do Brasil, A Partilha do Boi e A Vida de Jesus – apresentadas por duas equipes diferentes: cada uma formada por um ator, um bonequeiro e três músicos que tocavam sanfona, acordeon, violão, cavaquinho, rabeca, flauta e percussão. Os bonecos foram esculpidos por Mestre Saúba, um mamulengueiro famoso de Pernambuco, com acabamento da nossa equipe, comandada pelo Miguel.

Embora concebido para este evento, começamos a apresentar o espetáculo em espaços abertos, ao ar livre, para todo o tipo de público. Durante um tempo ele fez parte do nosso repertório e acabou sendo abandonado porque as pessoas não entendem muito um espetáculo que é visualmente muito pobre, os cenários eram toscos… Mas é um espetáculo caro, que envolve três músicos, um técnico e dois manipuladores. Muitas vezes os SESCs nos contratam, mas o Mamulengo não é um negócio pra ser contratado, sabe? O Mamulengo é uma festa. Tem que abrir algum evento, fazer parte de uma brincadeira. É um jogo em uma praça, um jogo pra se passar o chapéu. Difícil encontrar um espaço comercial, digamos assim, para levá-lo adiante. Mas tenho vontade de retomar esse trabalho porque era bem divertido. Pegar aqueles quadros bem engraçados e fazer um show, um brinquedo, uma brincadeira popular de teatro de bonecos.

Em 2002, foi a vez de Submundo, um espetáculo que explorava diferentes técnicas e combinava várias linguagens: animação, teatro, dança e música. Um trabalho de intercâmbio com diferentes artistas e intelectuais: o cenário era de Daniela Thomas e André Cortez e a música do violonista e compositor pernambucano Henrique Annes, fundador da Oficina de Cordas de Pernambuco e da Orquestra de Cordas Dedilhadas.

Tinha cena de Mamulengos e a música, concebida para ser ao mesmo tempo clássica e popular, era interpretada por um quinteto de instrumentistas de formação erudita. O tema era um Terceiro Mundo cada vez mais isolado e com perspectivas cada vez mais reduzidas. Tínhamos viajado muito – Colômbia, Argentina, Chile, México – e uma foto incrível do escritor e fotógrafo mexicano Juan Rulfo ficou na nossa memória: a imagem de uma igreja colonial coberta de areia até a metade. Esta foto foi uma das bases para o espetáculo, que usava um tipo de teatro de bonecos não ortodoxo. Fomos desenvolvendo algumas cenas pouco a pouco, em meio a viagens e tempos livres para ensaios, como cena criada a partir de uma dança com lenços que vimos na Colômbia e que se aproximava de algumas danças brasileiras e chilenas. Acabamos fazendo um teatro de bonecos dançado, uma coisa curiosa e original, porque víamos aqueles lencinhos como bonecos.

A partir de cenas e quadros desenvolvidos aqui e ali – como a manipulação direta feita a partir de uma folha de jornal, que a gente usava muito em oficinas — construímos um espetáculo fragmentado. E essa era a ideia. Estávamos cansados de uma dramaturgia linear, com uma historinha pra contar. No começo, pensamos em integrar aquelas cenas usando um apresentador ou um cego cantador, mas depois questionamos esta necessidade: – “Por que integrar, ter um contador de histórias, justificar, dar satisfação? Por que a dramaturgia tem que estar alinhavada, ter início, meio e fim? São quadros soltos, com uma cena inicial, uma final e pronto.” Um espetáculo feito para adultos, que muita gente não entendeu, mas que nos deu um espaço dentro do teatro adulto, o que também sempre foi uma preocupação nossa.

O espetáculo era feito com areia e cenas que nem tinham bonecos. A gente amarrava um pano na cara – assim como fizemos com Beckett em 1992 – e estava em cena, um pouco como bonecos. O cenário era pesado, de ferro, e criava a ideia de dois mundos, de um mundo subjacente a outro e era fundamental para dizer aquilo que a gente dizia. Mais tarde, chegamos a criar uma versão sem o cenário para levá-lo ao Irã, à Dinamarca e à Estônia. Selecionamos só as cenas sem palavras e funcionou bem. Funciona bem, mas não é o mesmo espetáculo.

A dor, a dúvida, o medo

O Cabaré dos Quase-Vivos foi o espetáculo seguinte: também foi criado para adultos. A história também acontece em dois planos, mas de uma forma diferente: de um lado, um grupo de artistas apresentando o seu Cabaré, com números de mágica, ventriloquia, coreografia, cenas cômicas; do outro, um homem comum, pobre, que vive os seus dramas e tenta levar a vida com a dignidade que lhe é possível. Nesta montagem, pesquisamos técnicas de animação que ainda não havíamos utilizado e as marionetes de fios ganharam um realismo extraordinário.

Temos nos apresentado, com os nossos espetáculos, em muitos festivais no exterior. Temos ganho prêmios aqui e ali. Não lembro bem quais espetáculos nos deram prêmios. Na verdade, a nossa relação com prêmios sempre foi meio esquisita. Sabemos que um prêmio é um reconhecimento importante, mas também temos consciência de que ele é guiado por inúmeros outros fatores. Recentemente fizemos um espetáculo muito bonito, que encantou os jurados de determinado prêmio. Mas como é que este prêmio poderia ser dado a uma produção patrocinada pelo concorrente direto desta empresa? E ao receber o prêmio, poderíamos agradecer à concorrente, que patrocinou o nosso espetáculo? E se várias peças patrocinadas pelo concorrente merecessem o prêmio, poderiam ganhá-lo? Nenhum prêmio, nunca, é isento. Ele tem uma função que vai além do mérito. Como diretores de vários festivais, sabemos que nem sempre os melhores espetáculos são os selecionados, mas sim um grupo de espetáculos que sirva para dizer aquilo que aquele festival quer dizer naquele momento. Tanto um prêmio, quanto um festival tem diretrizes e não servem para medir qualidade. E um artista não pode ser medido, nem medir a si mesmo, por prêmios. Nem mesmo por sucessos.

Quando a gente realmente acredita que um bom festival e um bom espetáculo são na verdade um encontro, você não vai se preocupar em trazer as melhores peças, mas sim em proporcionar os melhores encontros. Como definir que esse espetáculo é melhor que aquele? O crítico que diz assim: – “Olhe, eu acho que o problema da encenação…” está tão equivocado… Um artista é um artista! E a arte é um encontro! Você por acaso diz: – “Esta pintura do Goya é muito bonita, mas ele tinha que ter dado uma pincelada mais pra cá”? O quadro é aquilo que está ali! Não é para ser avaliado como se avalia um produto. As pessoas não pegam um romance e dizem “acho que nesse primeiro parágrafo o autor deveria cortar isto, isto e aquilo”. Dizem? Não, mas no teatro se dão esse direito: – “Eu faria de outro jeito”, “o certo seria fazer…”. Goste, não goste. Aproveite. Desfrute. Viva aquele momento. Reviva aquele momento depois. Isto é tudo.

Eu, por exemplo, não sou espectador de peças feitas por alguns amigos nossos que admiramos profundamente. Eu não gosto de teatro musical, por exemplo (está bem, dito de maneira genérica). Não sou um espectador de musicais. O espetáculo é lindo, respeito profundamente aqueles artistas, mas quando me vêm com a história daquela grande cantora, que faz uma senhora da terceira idade chorar e recordar e ficar arrepiada… Sim, o espetáculo é maravilhoso, mas a mim não comove, porque aquilo não é meu. A mesma coisa acontece quando a gente vai para a Europa. Com o mesmo espetáculo, eu posso agradar e emocionar as pessoas na Andaluzia e fazer as pessoas odiarem no País Basco. A comunicação é uma via de mão dupla e não há como controlar, felizmente, a sensibilidade, a percepção, o entendimento e a história de um espectador. E é por isto que há muitos teatros, sempre tão diferentes.

Isso também aconteceu no Cabaré dos Quase-Vivos, um espetáculo marionetes de fio, com uma técnica muito difícil de manipular, que ao longo do tempo foi amadurecendo. Muita gente nos dizia: “Mas esse espetáculo é um equívoco!”. Mas um equívoco que nós perseguimos tanto que, nas últimas apresentações, acreditamos ter chegado ao lugar que buscávamos. Era muito passional, muito emocional e, por outro lado, muito debochado. Um espetáculo que dizia coisas que não eram agradáveis como: – “Enquanto estamos aqui, neste mundo maravilhoso de glamour, de música, de paetês e plumas, o cara está se ferrando lá. Mas, afinal de contas, a vida é para ser aproveitada, não é?” Então associávamos a beleza do Teatro e da elegância e do charme a um mundo de frivolidade e alienação… e isto não era muito simpático, porque o público se identificava e se envolvia com o mundo lindo, elegante, mágico e maravilhoso do nosso show, mas tinha que se confrontar com uma história paralela triste e miserável, que tornava aquele primeiro mundo também cínico, superficial, arrogante e medíocre. O efeito era difícil, perigoso e demoramos a alcançar que propúnhamos. Fomos mal compreendidos, muitos tomaram as falas de nossos apresentadores como conclusões nossas, mas, as poucos, nos aproximamos do espetáculo que sonhávamos.

Cabaré dos Quase Vivos disse muito do que queríamos dizer, mesmo sendo muito incorretos politicamente, ou mesmo estando equivocados, e eu tenho um grande orgulho disto e tenho muita vontade de retomar e avançar com este trabalho. Não sei se a Sandra tem esse desejo; o Maurício tem. Sei que é um espetáculo difícil, porque pode ser incômodo, desagradável, mas o teatro não tem que agradar sempre. Se você busca agradar é porque alguma coisa está errada. Beckett dizia “o teatro tem que buscar o fracasso, não o sucesso” e eu acho que ele tem razão. Tem que se buscar o fracasso, a dor, a dúvida, o medo. Você não pode entrar em cena seguro de si, certo do que está fazendo. Se você entra assim, realmente não vai se desafiar, vai fazer um teatro muito pobre. Para nós isso é importante: o medo, a insegurança, o desequilíbrio. É doloroso, mas essencial para um artista. Ou para a arte.

Poesia, sombras chinesas e o teatro para bebês

Depois do Cabaré, fizemos O Copo de Leite (um espetáculo de arena, sem bonecos, para adolescentes, a partir de um texto do chileno Manuel Rojas) e Orlando Furioso (com pupi — bonecos de varão, movidos por vergalhões de ferro — sicilianos e outro cenário de André Cortez), lindos espetáculos que mantemos em repertório.

Depois, criamos A Cortina da Babá, um texto poético da Virgínia Woolf que narra a história de uma criada que cochila enquanto costura uma grande cortina azul bordada com figuras que representam animais e os habitantes de uma pequena aldeia. Quando ela adormece, as figuras vão ganhando vida. Foi um sucesso em Londres (representou o Brasil no importante Festival CASA, de Teatro Latino-americano, em outubro de 2013).

O espetáculo veio apontando um caminho de um teatro mais contemplativo. Um teatro para crianças que não fosse só de relação, de envolvimento, de entretenimento, de diversão. A partir de um texto poético, criamos uma encenação que se comunicasse com a criança não por meio do entendimento lógico, mas pela sensação, sensibilidade, emoção. Pela primeira vez, usamos a técnica de sombras e convidamos para vir ao Brasil o diretor da maior companhia de Teatro de Sombras da China (Cia. Popular de Teatro de Shaanxi), Liang Jun.

Esta parceria também incluiu um outro artista brasileiro, com uma outra visão do teatro de sombras, que foi o Alexandre Fávero, fundador da Cia. Teatro Lumbra de Animação e do Clube da Sombra. Juntos, fizemos um espetáculo ao mesmo tempo chinês e brasileiro, com cenário do André Cortez e uma técnica muito aprimorada e virtuosística. Um espetáculo delicado, que trouxe algo diferente ao universo da infância e da juventude, o que é uma busca nossa. Ele tem tido um espaço importante, vem participando de vários festivais, mas não agrada todo mundo. Minha filha, por exemplo, ficou um pouco inquieta no início, mas depois acabou se envolvendo.

A criança está acostumada a bater palminha, a gritar, a cantar. Criamos dois espetáculos de teatro para bebês: Bailarina (primeiro espetáculo do grupo feito para crianças de 6 meses a 3 anos de idade) e Meu Jardim (também destinado à primeira infância, a partir do texto da autora belga de origem iraniana, Mandana Sadat). Sempre buscando esse tipo de relação muito próxima, muito verdadeira, o contato direto e franco, o olhar no olhar dos bebês. Este teatro influenciou muito o teatro que fazemos hoje, porque ele nos desarma. Ele tira todas as cartas, os truques que escondemos nas mangas, a necessidade de agradar. Ele nos faz repensar o que queremos. Foi ele que nos levou a criar o espetáculo O Copo de Leite (baseado em um texto do escritor Manuel Rojas), para adolescentes, que deveria ter sido um espetáculo para bebês e, no meio do processo, mudou de alvo.

Mas sobre o teatro para bebês pesa um preconceito terrível. As pessoas dizem: — “Você está fazendo teatro para bebês? Daqui a pouco vai estar fazendo teatro pra cachorro também.” / — “Bebê não entende nada! O que é que um bebê vai entender?” Isto nos choca profundamente. Quando eu me emociono, depois de ouvir uma música erudita, não dou direito a ninguém de questionar o que é que eu entendi daquela música. — “O que você entendeu desse Ravel?” / — “O que você entendeu desse Schubert?” Que me deixem em paz. Eu só quero ouvir, me emocionar, me envolver. É a mesma coisa no teatro feito para bebês. — “O que a criança vai entender?”. Que deixem a criança em paz: ela se envolve, ela se emociona, ela entende. Você está olhando no olho dela e vê o quanto ela está envolvida, o quanto está entendendo.

Objetos, mistérios, encontros

Essa experiência nos levou, também, ao São Manuel Bueno, Mártir (primeira encenação do romance do poeta, filósofo e escritor Miguel de Unamuno, que conta a história de um padre que duvida não apenas de sua fé, mas da existência de Deus). Queríamos criar um espetáculo de teatro de objetos, que traduzisse a nossa busca técnica. Um espetáculo pessoal, que mostrasse quem nós somos e o que fazemos. Todo mundo vive dizendo que o teatro de objetos é sempre um teatro muito autobiográfico – e era este o nosso desejo. Um teatro que nos revelasse e que fosse tão franco e tão verdadeiro quanto o teatro para bebês.

Assim criamos o São Manuel, um tipo de encenação que acaba sendo surpreendente porque não deixa de estar na contramão de tudo que buscamos e fazemos. Não é que queiramos ser inovadores: juro que não é isso. Este passo – que vai além, que é muito delicado, – é o passo poético, o passo da poesia… é como o teatro para bebês. É claro que se a pessoa cruzar os braços e duvidar dele: – “Vamos ver esse teatro para bebê aí” -, aí, realmente não vai dar. Imagine. Você está fazendo Mamulengo, a pessoa cruza os braços e te desafia: – “Vamos ver o que você faz”. Não vai. Não vai ver.

Foi o que aconteceu na véspera da estreia do São Manuel Bueno, Mártir, um espetáculo matemático, preciso, em que cada ação é minuciosamente estudada: a entrada, o movimento, o tempo dos bonecos. Com a experiência que a gente tem, este é um mar que a gente navega com bastante facilidade. Um espetáculo muito técnico, coreografado milimetricamente, em que os personagens de Unamuno são representados por pelo menos trinta bonecos de madeira, fixos, sem qualquer articulação. Os manipuladores movimentam os bonecos como se fossem peças de xadrez ou figuras de um presépio. Ou brinquedos de criança. Ao longo do espetáculo, estas figuras vão perdendo suas formas e se decompondo como um livro que se molhou.

A duas ou três semanas da estreia, achávamos que havíamos errado completamente, que iríamos quebrar a cara. Pedíamos para um ator fazer tal cena e íamos olhar, de longe, de cima. “Não está rolando: isto é chato, é frio, é técnico”. O sujeito pega o papelzinho, acende o foguinho e fica olhando o papelzinho queimando e, de repente, ele sobe, sobe, sobe, depois cai, cai, cai… Se você abrir a mente e olhar, se estiver no clima, na situação certa… Mas não. Você senta lá e diz “acende o papelzinho que eu quero ver” / “Está subindo, não é? Agora está caindo”. Não dá. Porque o teatro é feito de outra matéria. Por acaso, a gente lê uma poesia conferindo se a rima é preciosa ou pobre, medindo quantas sílabas têm aquele verso, quantos versos tem cada estrofe? Não é nada disso. O teatro tem outra natureza: é feito de uma coisa imaterial, poética, como a música. Eu vou ouvir um Schöenberg (Arnold Schöenberg, compositor austríaco de música erudita, considerado o criador do dodecafonismo, um dos mais revolucionários estilos de composição do século XX) e vou sentir um negócio, vai dar um negócio em mim. Posso tratar de analisar isto depois, mas este será um outro momento, uma outra situação, um outro processo. Não podemos desvendar este mistério, temos que vivê-lo e até persegui-lo, não tratar de resolvê-lo, de matá-lo.

A três semanas da estreia, estávamos terrivelmente arrasados, completamente descrentes, incrédulos. De repente, o iluminador, o Renato Machado, diz assim: — “Cara, esse espetáculo é muito bonito.” Eu perguntei: – “Ele é plasticamente bonito?”. – “Não, é muito emocionante”, ele respondeu. – “Não, Renato, ele é bonito porque é plástico. Todo bem feitinho, todo arrumadinho.” Ele insistiu: – “Não, ele é envolvente.” / – “Envolvente como?”. Então a gente se deu conta do que estava acontecendo. Você tem que entender o contexto daquilo. A demonstração técnica — o foguinho, o papelzinho queimando – é parte do espetáculo. É como um acorde que, inicialmente, não diz tudo, mas naquela música, naquele conjunto, naquela situação, me faz suspirar. Não conseguimos ver aquilo. Justamente nós, que somos artistas, que nos cremos tão sensíveis… Criamos espetáculos, fazemos teatro, e eu acho que o teatro é, realmente, uma coisa linda, deslumbrante, inacreditável. É como se você estivesse escrevendo uma poesia e, de repente, eu dissesse assim: — “Mas este verso tem o pé quebrado, está fora da métrica.” Como assim? De alguma maneira está soando bem. E talvez eu queira a ruptura. Não posso ficar analisando só a métrica. Tenho que saber que aquele pé quebrado é algo que vai me provocar alguma coisa, que o verso branco daquela poesia vai me jogar em um outro ambiente. Ou você só quer limpeza?

Então veio a aceitação. O espetáculo tem uma força que veio não apenas do teatro para bebês, que é muito poderoso, mas também do contato com grandes profissionais, como Antonio Catalano, artista plástico e performer italiano, responsável pela instalação técnica da abertura. Fizemos um festival para trazê-lo ao Brasil, para que nos ajudasse intelectual e esteticamente. Realmente a mão dele foi vital. Trouxemos também a atriz e diretora Agnés Limbos, a papisa do teatro de objetos (diretora da Cie. Gare Centrale), da Bélgica.

Isto foi criando um teatro de bonecos que nem boneco direito tem e um teatro de objetos sem objetos. As figuras que foram criadas não têm, a rigor, nada a ver com o teatro de objetos, mas sim com os princípios do teatro de objetos, com aquilo que imprime uma determinada “pegada”, uma forma particular daquele tipo de teatro.

A Agnés, por exemplo, toma objetos prontos para criar uma coisa muito pessoal, muito poética, que, às vezes, abandona. Nós pegamos este abandono e, de alguma maneira, absorvemos algo que está no teatro dela. O espetáculo vai se compondo destas influências, tantas e tão diferentes. A iluminação narrativa do Renato, os figurinos do João Pimenta, um estilista brilhante, o cara da São Paulo Fashion Week, que começou no teatro. O João é um artista que gosta de assistir a ensaios, que entendeu o que a gente estava falando e que mergulhou no nosso trabalho e no nosso grupo. Ele não veio para desenhar e apresentar croquis para aprovarmos ou não. Nada disso. Ele via os problemas que tínhamos e trazia soluções a partir do figurino. O João, como o Renato, é um cara incrível, com uma sensibilidade incrível, que admiramos profundamente.

Ele dizia assim: – “Eu sinto que os bonecos são muito pequenos. Eu vejo o espetáculo daqui de cima e uma coisa me incomoda: toda vez que vocês esticam o braço, a manga recua, a manga

avança… Então amanhã vou fazer uma nova manga e trazer pra vocês experimentarem. Não é o figurino final, mas é uma manga que vem até a metade dos dedos, só deixa as falanges de fora. Aí a gente vai ver se dá certo”. E, quando ele vem com a roupa, tudo se ilumina.

Precisávamos de uma solução final para a nossa saída do palco. Estávamos em uma arena fechada: não tínhamos fugas, não tínhamos coxias. Precisávamos de um jogo, um efeito, alguma coisa plástica que fosse a saída. Pensamos em um palco giratório. Descer daquele patamar é sair de cena, morrer. Então ele disse assim: “E se o figurino for vermelho por dentro?” E se tirássemos o paletó, uma peça sobreposta, e a virássemos do avesso: não seria uma saída, não seria uma morte? Seria como apagar uma luz. Ele estava tão integrado ao espetáculo, ao grupo… E se não estivesse nos ensaios? E se não visse o nosso sofrimento? E se não soubesse onde estavam as nossas dúvidas? Claro que a luz apagando também serviria, mas ele traz uma ideia que se torna nossa e que se torna indissociável do espetáculo.

Também foi assim com o Mandy, o escultor que fez os bonecos. É assim com todo artista que vem fazer parte do Sobrevento: só fica se puder se amalgamar ao espetáculo, tornar-se indissociável a ele. Nada pode ser uma peça decorativa. O João poderia ter desenhado um figurino bacana, talvez a gente tivesse aceitado, um cara tão genial… Mas ele veio e trouxe soluções cênicas. O figurino é parte de quem aqueles personagens são. Ele é mesmo brilhante.

Tinha uma saia. Talvez seja uma roupa supermoderna, talvez seja uma batina, talvez seja um terno – ou talvez não. O que eu quero dizer é que se o olhar do espectador se esgota – olhei o figurino e pronto, já vi, já entendi tudo –, vamos perder uma coisa que é muito importante. Não é questão de ficar mais rico; é que isto vai fazendo com que o espectador entre no espetáculo, se aprofunde e se envolva. Torna a relação mais complexa. Olho o figurino e a cada nova entrada percebo um novo detalhe, vejo uma outra figura. E isso vai me atraindo para o espetáculo. E me integrando a ele. E me fazendo a participar dele. Vai me envolvendo. Acho brilhante a maneira como a peça vai envolvendo o público. Pouco a pouco.

Mas no Festival de Teatro de Londrina, houve um crítico que disse que o espetáculo era maravilhoso, profundo, envolvente, emocionante – “Eu me vi completamente envolvido”. Isto no mesmo dia em que um cara da plateia, no momento mais tenso, próximo ao final da apresentação, resolve bocejar ostensivamente, como quem diz “essa encheção de saco não acaba não?”. Isto no meio de uma porção de espectadores que estavam aos prantos, chorando, totalmente envolvidos. Mas ele se comportou como nós, sentados do lado de fora: – “Como é que é? Faz esse negócio aí que eu quero ver.” Não adianta. É poesia. E poesia só tem para quem quer.

Sala de Estar é um espetáculo que nasceu de um grupo de estudos que montamos acerca do Teatro de Objetos – o teatro que se vale de objetos prontos em vez bonecos. Foi esta pesquisa que guiou o São Manuel, mas o trabalho que resultou dela, diretamente, só veio a ficar pronto dois anos mais tarde, depois de o São Manuel já ter consolidado a sua carreira. O espetáculo ficou suspenso no ar, até estar maduro para se encontrar com o público. Um processo de pesquisa nos dá mais do que espetáculos: muito mais. Foi esta pesquisa que nos apresentou e nos aproximou da Sueli Andrade, da Roberta Nova Forjaz, do Daniel Viana, da Liana Yuri, hoje atores, parceiros, membros do Sobrevento, muito além do palco. E foram Oficinas que nos trouxeram o Maurício Santana, o Anderson Gangla, o Agnaldo Souza, o Marcelo Amaral. E a Giuliana Pellegrini, o J. E. Tico, a Léia Izumi, o Marcelo Paixão. Nossos familiares também se juntaram ao Grupo – Lucia Erceg, nossa produtora há mais de vinte anos; Thaís Larizzatti, figurinista; Alessandra Cino, atriz; Mandy, artista plásticos; muitos músicos, alguns estagiários… E todos cumprem tarefas muito variadas, no escritório, na faxina, na recepção do público, nos bastidores e no palco. Pelo compromisso com o Teatro. O Sobrevento é a soma, ou melhor, o produto de quem somos. Cada uma destas pessoas ajudou a definir o que o Grupo é e definirá o que ele será daqui para frente.

Sonhos que não se esgotam

Nossos sonhos são muitos, mas são sonhos que estão dentro do que fazemos e quase ao alcance da mão. Tem quem me faça a tradicional, típica e estranha pergunta feita por um tio que trabalha na área financeira: – “Mas isso aí dá dinheiro?”. Eis o tipo de questão que não tem nada a ver conosco e com o que fazemos. Não é este o caso. Sonhamos em fazer muitas coisas, mas isto não tem a ver com ganhar dinheiro.

Um dia este tio me perguntou: – “Mas o que vocês querem alcançar? Aonde vocês querem chegar?” Exatamente aqui. Queremos continuar fazendo isto mesmo que estamos fazendo. Os nossos espetáculos e novos espetáculos. Continuar acertando, errando, buscando, sempre apaixonados pela magia do teatro. Penso também em termos saúde para seguir em cima do palco; a lucidez mesclada a alguma loucura para poder continuar fazendo o que fazemos.

Acho muito bonitos os projetos que fazemos. Temos feito projetos emocionantes, levando Teatro para Bebês a todas as creches públicas e conveniadas de São Bernardo do Campo, oficinas longas de Teatro para crianças da periferia de Diadema, teatro a cidades que nunca viram teatro, teatro para pessoas que nunca viram teatro, para crianças que nunca viram teatro, teatro de bonecos em praças do extremo da Zona Leste em São Paulo e também tendo criado um Teatro em uma região carente de equipamentos culturais, o Brás/Belenzinho. Eu não troco uma apresentação linda que a gente faz na periferia de São Paulo pela grande viagem ao exterior, de grande repercussão. Não troco mesmo. Acredito que o teatro é feito destes encontros e, a cada vez que o encontro se dá de uma maneira bonita — para um espectador que seja -, isto não tem preço. É impagável, porque é importante para nós, é a própria razão do que fazemos. É a nossa paga.

Meu irmão disse que sabe como é o nome disto: “vaidade”. E tem razão. Tudo isto é vaidade, mas uma vaidade sã, uma vaidade de artista. Claro que todo artista é vaidoso, o próprio teatro é vaidade. Mas tudo é vaidade, não é mesmo? Está no Antigo Testamento.

É isto o que nós somos. Vaidade de poder doar alguma coisa a alguém, vaidade de trocar com alguém, ir ao encontro de alguém. Vaidade de ir para o teatro mesmo quando estamos quebrados, doentes, porque o espetáculo tem que continuar. Talvez não seja normal, mas é assim que tem que ser. Não entendo o teatro de outra maneira. Ele é uma celebração. Ele é sagrado, merece um respeito profundo.

Um espectador não pode invadir o palco pra tirar foto de um ângulo melhor. Não pode a polícia entrar no teatro, como já aconteceu, para avisar que um carro foi roubado à porta. – “Mas nós temos que avisar”. / – “Não, você não pode entrar, você não vai entrar, você não tem o direito de pisar no palco e interromper o espetáculo.” Nenhuma plateia gostaria que o espetáculo fosse interrompido porque o carro de um espectador quebrou. Ou porque alguém roubou o carro dele. Nem o próprio espectador. Tudo bem, ele foi roubado? Então ele vai resolver isto depois do espetáculo. Agora ele está vivendo aquele momento. – “Então vamos chamar a delegada.” Veio a delegada e ela também não entrou, porque, enquanto nós estávamos em cena, o operador de luz não deixou que ela entrasse. – “A senhora me desculpe, mas não vai poder entrar.” / – “Você sabe o que está fazendo? Está impedindo o trabalho da polícia.” / – “Sinto muito, mas tem um espetáculo acontecendo e eu não posso deixar a senhora entrar.” E olhe que este operador de luz nem é um membro permanente do Sobrevento. Ele está lá para operar a luz, mas sabe o que estamos fazendo. Naquele momento ele está envolvido, tem uma responsabilidade, faz parte do grupo, é um artista.

Eu vi um juiz de menores, acompanhado de dois policiais, entrar em um espetáculo do João Falcão, em Belo Horizonte, para ver se tinha algum menor pisando naquele palco e ser vaiado por toda a plateia. Os espectadores chegaram a achar que aquilo fosse uma brincadeira, um truque de teatro. Imagine um juiz pisar em uma arena, botar as mãos na cadeira e ficar encarando o público. Quem tem o direito de fazer isto? Ninguém. E mesmo que tenha o direito legal de fazê-lo, não tem direito moral para tanto.

Eu não sou religioso. Acho que nenhum de nós, no Sobrevento, é muito religioso. Nossos bonecos não têm nome, não são sagrados neste sentido. Mas o teatro, sim, é sagrado. Como todo ser humano e toda arte. Você não pode profanar o teatro, um ofício que é sagrado, como não pode tirar a dignidade de um ser humano.

Queremos continuar a fazer teatro. Manter o nosso espaço (o Espaço Sobrevento, sede do grupo) aberto. Nós não cobramos a temporada dos grupos que se apresentam nele. Nós usamos o nosso espaço para difundir um tipo de teatro, uma linguagem teatral, que é o teatro de bonecos, importante para nós, por acreditarmos que ele é importante para os outros. Talvez chegue um momento em que nós tenhamos que cobrar para que outros possam se apresentar, mas gostaríamos de não ter que fazer isto. Talvez em algum um momento seja necessário cobrar ingressos, mas não gostaríamos de fazer isto. Gostaríamos de continuar a viver dignamente do ofício que escolhemos, poder continuar tirando o pão nosso de cada dia do palco. Mas mesmo que não possamos fazer isto, sei que alguma coisa nós vamos fazer pra poder continuar fazendo teatro. Porque ele está na nossa carne. Somos, essencialmente, gente de teatro.

Barra

Participação em Espetáculos da UNIRIO

1986 – Ah, Deus!, texto Wood Allen, direção Marco Antonio Braz
1986 – Ato sem Palavras, de Samuel Beckett, direção Luiz André Cherubini
1987 – Ato sem Beckett, roteiro e direção Luiz André Cherubini
1988 – Todos os que Caem, de Samuel Beckett, direção Antonio Guedes
1988 – Um Conto de Hoffmann, adaptação e direção de Luiz André Cherubini
1988 – Ato sem Palavras e Ato sem Palavras, de Luiz André Cherubini
1989 – O Santo Inquérito, texto Dias Gomes, direção Luiz André  Cherubini
1987 – Sagruchiam Badrek, texto Luiz André Cherubini

Como Diretor

De Espetáculos do Grupo Sobrevento

1989 – Um Conto de Hoffmann, adaptação do libreto de Jules Barbier e Marcel Carré, da ópera de Jacques Offenbach
1990 – Ato sem Beckett, roteiro Luiz André Cherubini
1990 – Ato sem Palavras, de Samuel Beckett
1991 – Mozart Moments, (RJ e SP) textos Sobrevento e Ricardo Soneto
1992 – Beckett, (RJ e SP), de Samuel Beckett, direção Luiz André Cherubini
1993 – O Theatro de Brinquedo, livremente inspirado em A Verdade Vingada, de Karen Blixen
1993 – Beckett e Mozart Moments – Sobrevento Tour 93 (RJ)
1993 – Bonecos Aqui, textos Luiz André Cherubini, Sandra Vargas e Anderson Gangla
1994 – Nos&os Bonecos – Catálogo
1995 – O Theatro de Brinquedo, livremente inspirado em A Verdade Vingada de Karen Blixen
1996 – Cadê meu Herói?, texto Horacio Tignanelli
1996 – Ubu!, texto Alfred Jarry
1999 – Brasil pra Brasileiro Ver, textos de Luiz André Cherubini, Sandra Vargas e Anderson Gangla
2001 – O Anjo e a Princesa, texto Sandra Vargas
2001 – Mozart Moments – 10 Anos, textos Sobrevento e Ricardo Soneto
2003 – Submundo, textos Anderson Silva, Eduardo Raffanti, Jonathan Swift, São Pedro, São Mateus, Antônio Conselheiro, Salvador Allende e Grupo Sobrevento
2006 – Bonecos Aqui, textos de Luiz André Cherubini, Sandra Vargas e Anderson Gangla
2006 – O Cabaré dos Quase-Vivos, texto Luiz André Cherubini e Sandra Vargas (história das marionetes livremente inspirada no Conto de Ninar de Molnár Ferenc)
2007 – O Copo de Leite, texto Manuel Rojas
2008 – Orlando Furioso, texto Ludovico Ariosto
2010 – Bailarina, texto Sandra Vargas, direção em parceria com Sandra Vargas
2010 – Meu Jardim, texto Mandana Sadat, direção em parceria com Sandra Vargas
2012 – A Cortina da Babá, texto Virginia Wolf, direção em parceria com Sandra Vargas
2013 – São Manuel Bueno, Mártir, texto Miguel de Unamuno
2014 – Sala de Estar, texto coletivo

Eventos, Mostras e Festivais

1992 – Mostra Internacional de Teatro de Animaçâo – Rio Bonecos 92
2004 – Fantoches na Praça
2005 – Fantoches na Praça
2010 – 1ª Semana Internacional de Teatro de Animação do Sobrevento
2011 – A Praça dos Bonecos
2011 – 1º Ciclo Internacional de Teatro para Bebês
2011 – 2ª Semana Internacional de Teatro de Animação do Sobrevento – do Boneco ao Objeto
2012 – 3ª Semana Internacional de Teatro de Animação do Sobrevento – Fragilidade
2013 – 2º Festival Internacional de Teatro para Bebês – Primeiro Olhar
2014 – 4ª Semana Internacional Teatro Animação do Sobrevento – O Ator e o Teatro de Bonecos
2014 – 3º Festival Internacional Teatro Bebês – Primeiro Olhar

Barra

Entrevista realizada por Antonio Carlos Bernardes em 15 de outubro de 2013, na sede do Grupo Sobrevento, em São Paulo, para o projeto Novo Site CBTIJ – Atualização e Memória, que recebeu o Prêmio FATE 2012, da Secretaria de Cultura do Município do Rio de Janeiro.