Amauri Falseti e Aglaia Pusch

 

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Amauri: Primeiras Lembranças

Meu primeiro contato com teatro para criança foi com o Seminário de São Carlos. Eu devia ter 6 anos ou 7 anos, lá pelos anos 60 ou 61. Assisti a um espetáculo com o elenco do Seminário fazendo O Rapto das Cebolinhas, de Maria Clara Machado. Eles estudavam para padre e tinham um repertório de teatro e visitavam as cidades vizinhas. Quando se apresentaram na minha, que era Bariri, tive o prazer de assisti-los.

Anos mais tarde, em 1966, fui estudar no Seminário e participei desse grupo de teatro. A primeira montagem que participei foi com um texto estrangeiro, que era uma adaptação do nosso diretor Kio, também seminarista e que era um grande ator. Mas antes disso,  quando eu estava no pré-primário, em Bariri, a professora D. Vera montou um circo, e eu fiz o Carequinha. Acho que foi a primeira picada, mas a definitiva foi mesmo no Seminário. Eu sempre ficava encantado com as cerimônias da igreja. Na semana santa, eles faziam apresentações teatrais, eu ficava deslumbrado com isso.

Além disso, eu assisti todos os circos que passavam na cidade, mas todos mesmo. Nos circos eram apresentadas peças. Isso certamente teve uma influência incrível. Fazia amigos, ajudava nas montagens das lonas. Eu e meus amigos. Acredito que essas foram minhas primeiras motivações de teatro que eu tive. Em 1971, quando eu saí de Bariri para cursar o terceiro colegial em São Paulo, fui assistir a um espetáculo no SESC Consolação chamado Prometeu Acorrentado, com um grupo de Santos, que era um dos melhores grupos de teatro amador da época. Fiquei maluco e pensei que era aquilo que queria fazer.

Arena Conta Zumbi, acho que assisti umas trinta vezes. Ia praticamente todo dia lá, conversava com os atores e ganhava convites. Eu amava aquele espetáculo. Um dia conheci  alguém no Teatro São Pedro e comecei a frequentar esse universo. Decidi que queria fazer teatro. Para sobreviver, comecei a trabalhar numa agência bancaria na frente ao Teatro de Arena.

Começando a atuar

Eu e uns amigos, acabamos formando um grupo de teatro em Pinheiros, e fomos à EAD – Escola de Arte Dramática, buscar um diretor para nos ensaiar. Tivemos o privilégio de encontrar o Paulo Yutaca, que foi nosso primeiro diretor.  Ele se formou na EAD e fazia parte do grupo Ponkã que montou Pássaro do Poente. Ele nos colocou em contato com o pessoal do Celso Frateschi, que estava no Teatro São Pedro. Eles tinham um projeto para trabalhar com jovens e Edson Santana acompanhou o nosso trabalho.

Trabalhei com ele em Pinheiros e depois em Campo Limpo. O Edson Santana era meu diretor amado que me ensinou muito. Aliás o Paulo e o Edson são duas pessoas que carrego no meu coração. Depois dessa experiência, decidimos ir para os bairros, fazer um trabalho em comunidades. Aprendi isso com o Edson Santana, que teatro sempre esteve vinculado a projetos sociais. Na época, estávamos em plena ditadura e teatro era um instrumento político. Tínhamos um compromisso, uma luta contra a ditadura, uma luta pela anistia. Fazíamos espetáculos temáticos. A minha formação foi essa, fiz algumas oficinas com diretores conhecidos, mas minha formação foi prática. Fui então trabalhar no Núcleo Expressão de Osasco. Eles tinham um teatro na época, e trabalhei como ator, especificamente em alguns espetáculos para crianças. Começa aí minha história de formação de publico, no sentido de transformação, começa a minha história de trabalho popular.

Aglaia: Recordações

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Aglaia se maquiando para o espetáculo A Vaca Rosemeire, 2006

Meu primeiro deslumbre do teatro foi ver esses espetáculos. Na escola onde eu estudava, na Escola Waldorf Rudolf Steiner também tinham muito teatro. As professoras montavam peças todos os anos, eu sempre gostava de fazer. Acho que fazia parte de um trabalho pedagógico, mas eu sempre queria participar. Além disso, minha mãe apesar de ser médica, achava importante nas festas de natal, juntar os primos, os amigos, e montar uma peça de Natal. Era um hábito da família, todo ano fazíamos uma montagem. Não estávamos preocupados. Nossa motivação era a apresentação do Auto de Natal. Mas uma apresentação que me deixou totalmente fascinada aconteceu fora do Brasil. Meu pai foi estudar um ano na Alemanha e eu fui com meus pais. Um dia fomos ver A Flauta Mágica, de Mozart em Hamburgo. Foi um momento que me marcou, que entrou profundamente na minha alma e nunca mais esqueci isso. Até hoje quando eu me lembro do espetáculo, tenho vontade de chorar, de rir, tenho todas as imagens na minha cabeça.

Um caminho diferente

Meu caminho foi pouco diferente. No final dos anos 70 eu voltei para estudar na Alemanha. Fiz o colegial lá. No meu trabalho final da escola, fiz uma montagem da peça de Shakespeare, As you like it, em inglês antigo, como atriz. Meu pai era alemão e apesar de não termos mais parentes por lá, meus pais tinham muitos amigos lá. Resolvi estudar educação, Pedagogia Social em Berlim, onde me formei e trabalhei como educadora em vários lugares, escolas modelo, orfanatos, creches, etc., de Berlim. Participei também de movimentos políticos onde fazíamos teatro. As ações políticas eram contra o golpe no Chile, a favor da anistia. Enfim fazíamos teatro de propaganda, teatro de esquerda. Na época era casada com meu primeiro marido que era músico. Quando voltei para o Brasil, isso em 1976, trabalhei como diretora numa creche em Santo Amaro, bairro da zona sul de São Paulo. Tinha uma empresa chamada Giroflex que tinha um grupo de teatro de operários chamado Giroarte. Me interessei  e resolvi participar. Foi minha volta ao teatro no Brasil. Trabalhava como atriz. Fiquei uns três ou quatro anos nesse grupo de teatro. O diretor era o Antônio Marmo, já falecido há uns 20 anos.

O começo dos trabalhos em comunidade

Depois fui trabalhar numa ONG chamada Monte Azul, que estava no começo de seu trabalho social, fui trabalhar como educadora com as crianças da comunidade. Era uma favela muito grande. Naquela época trabalhavam poucas pessoas nessa instituição. Hoje em dia eles têm um trabalho muito grande. Como disse trabalhei como educadora, mas para mim o teatro foi o ponto de início com as crianças. Era o que eu queria e podia fazer. O teatro era um instrumento para o meu trabalho de pedagogia com as crianças. Trabalhei durante 19 anos no Monte Azul. Paralelamente fiz muitos cursos de teatro. Fui convidada pela Ingrid Koudella, a participar como aluna ouvinte de muitos cursos de teatro com os convidados que a Ingrid trazia para USP, durante uns 03 anos, com dramaturgos que vinham de outros países e de várias partes do Brasil. Todo mês eu estava cursando algo novo.

Fiz vários cursos no Instituto Goethe de São Paulo, dados por dramaturgos, diretores do teatro alemão contemporâneo. Num determinado momento um grupo de pessoas do Monte Azul resolveu criar um grupo de teatro. Foi nesse momento que eu conheci o Amauri. Na verdade, eu já o conhecia antes, mas realmente nos encontramos na Favela Monte Azul. Nesta época ele nos convidou para a inauguração do Centro Cultural da Turma da Touca, outra ONG, onde ele trabalhava. Nossa turma ia lá e via os espetáculos que eles faziam. Nos apaixonamos e depois resolvemos fazer teatro juntos. E ele veio trabalhar no Monte Azul. Paralelamente, eu também participei do Projeto Mutação, onde dava aulas de teatro e fiz montagens com os jovens da FEBEM de Porto Alegre. Nessa época, fiz também o curso de formação em cenografia e figurino com o J. C. Serroni no CPT.

Surge o Centro Cultural Monte Azul

O início do Centro Cultural Monte Azul tinha o propósito de fazer um trabalho de teatro, como uma forma de transformar o ser humano. Fui diretora desse Centro Cultural durante muitos anos. Não apenas um teatro a serviço do social, ou a serviço de alguma coisa, mas com uma verdadeira linguagem teatral, um teatro de excelência.  Era uma ação cultural de transformação humana e por isso a gente começou pelo teatro para crianças e jovens. Sempre pensamos que um bom teatro pudesse mudar a vida de um monte de pessoas, mas não era uma tendência política. É claro que nós somos políticos. Mas era mais que isso, era um sentido de levar essa arte, de oferecer essa possibilidade para milhares de pessoas assistirem bom teatro, mesmo que fossemos amadores, e não um teatrinho ou pecinha.

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Ensaio antes da construção do Centro Cultural Monte Azul, 1989

Antes da existência do Centro Cultural como espaço de cultura, a gente ensaiava num galpão que existia na favela, onde funcionava a creche e uma marcenaria e nos apresentávamos em diversos locais na favela mesmo. Em 1989, criamos o primeiro espetáculo que se chamava Que Vida, que discutia a vida das pessoas da comunidade, discutia o modelo de relação de pai e filhos, uma situação muito típica. Depois fizemos Causa Menor, que tratava do problema dos meninos de rua. Embora as duas estivessem na mesma linha de trabalho, a primeira focava mais o ambiente e a segunda o foco era exclusivamente a criança. Quando estreamos o Que Vida, nós convidamos o Ilo Krugli para ver o espetáculo, que acabou nos convidando para nos apresentamos lá no Ventoforte. Já tínhamos uma relação com ele, pois levávamos os nossos filhos para ver os espetáculos dele e ele ia ao Monte Azul dar oficinas.

Aos poucos tivemos a necessidade da construção de um teatro, de se ter um espaço digno para que o povo pudesse assistir aos espetáculos, com refletores, com palco, arquibancada. Tudo muito simples, porém honesto. Fizemos muitas apresentações e fomos até para o exterior. A Dulce Maia, que sempre foi uma pessoa muito importante no meio teatral, adorava nosso trabalho e fez alguns contatos. Através dela, fomos para muitos festivais, no Chile, no Equador, no Uruguai, no Paraguai.

Monte Azul, Barracão Teatro, 1990

Participávamos quase todo ano desses festivais Latino Americanos. Éramos ainda amadores, mas com qualidade de um teatro profissional. Amador não significa qualidade menor. Eu conheço trabalhos amadores muito bons. Amador no sentido que não se profissionaliza porque tem outras atividades como renda. São trabalhos incríveis e às vezes, muitos melhores do que os profissionais que estão aí na praça. Com toda a repercussão que tivemos, começamos uma campanha para conseguirmos um local melhor. Trabalhávamos num pequeno espaço e queríamos algo melhor e começamos a batalhar para construir um teatro. A ajuda mais importante para esse projeto veio do Consulado Suíço, que nos deu vinte mil dólares. Também ganhamos madeira, piso e outras coisas. A partir daí com o novo espaço, nosso trabalho ganhou consistência efetivamente. Foram criadas condições não apenas de trabalho para o grupo, mas também um local apropriado para publico.

Começam as Mostras

Com um espaço, tudo é mais simples e começamos então a fazer as Mostras de Teatro. Acredito que fizemos umas sete, antes de nos desligarmos do Monte Azul. Levávamos os melhores espetáculos que estavam em cartaz em São Paulo. Todo mundo topava, pois sabia que era importante o que estávamos fazendo. Apresentaram-se por lá muitos grupos importantes, o do Zé Celso, o do Ilo Krugli, o Grupo Tapa, muita gente. Também tínhamos muitos cursos para crianças e jovens e também administrávamos algumas produções que outros grupos montavam, além da coordenação das Mostras. O mais importante é que conseguimos criar um público, lotava sempre, tinha briga para entrar, era encantador. Criamos a necessidade de teatro na comunidade. Era parte da vida das pessoas. O público comparecia, sem mesmo saber o que estava em cartaz. O papel do teatro na vida daquelas pessoas gerou o verdadeiro papel social da cultura na alma de todos os moradores. Voltando um pouco para o início do Centro Cultural Monte Azul, escolhemos montar para a inauguração, o texto do Augusto Boal, Revolução na América do Sul, que chamamos de Onde está o dinheiro?.

Resolvemos procurar um diretor para fazer essa montagem e convidamos o Flávio Porto, que hoje em dia é ator da Paidéia. Foi uma loucura a montagem daquele espetáculo No dia da estreia, o espetáculo durou quase quatro horas porque a gente não teve tempo suficiente. Foi o suficiente para quase matar o publico. Com a saída do Flávio Porto o grupo acabou me indicando (Amauri) para essa função. A partir daí comecei a levar a sério essa questão da direção. Tem um fato também muito importante que ocorria na época, nos anos 80, que era a questão da AIDS. Era uma questão difícil de ser tratada, mas muito importante. Resolvemos então fazer um espetáculo sobre esse assunto e estudar a questão da AIDS. Montamos duas peças sobre AIDS, mas eram peças lúdicas, baseadas em contos populares brasileiros e um conto japonês e acabamos sendo convidados para ir ao Japão levando outro espetáculo sobre o assunto.

Adaptamos um conto Japonês que se chama Hagoromo. Era a história de um anjo que ao tirar seu manto para banhar-se nas águas de um lago, um pescador o rouba. O anjo se perde e ele morre. Na verdade usávamos a questão do sagrado, quer dizer, para falar da AIDS. Fazíamos uma alusão a perda do manto, com a perda da luz, da morte. Era lindo. Também fizemos muitas apresentações aqui em São Paulo. Era um espetáculo voltado para o público jovem que também se chamou Hagoromo. Nesse ano ganhamos nosso primeiro Troféu Coca-Cola, um prêmio especial pela programação lá na comunidade e também o Prêmio Mambembe. Foi lindo e também muito significativo, porque pela primeira vez, nos colocávamos diante de uma situação de profissionalização. Não no sentido da busca do dinheiro, mas da necessidade artística, de outro olhar. Antes da nossa saída do Monte Azul, ainda montamos um espetáculo que considero muito importante, que foi Os que Não Comem, os que Não Dormem, uma adaptação de textos de Josué de Castro, Brecht que falava da divisão da sociedade entre os que dormem e os que não dormem com medo dos que não comem. Era um paralelo com a situação do Brasil e do ser humano. Fizemos muito sucesso com esse espetáculo e o Ivaldo Bertazzo, que viu o espetáculo e adorou, nos apresentou a direção do SESC Pompéia. O Bertazzo dava uma aula antes do espetáculo e nós apresentamos o espetáculo a seguir. Depois fomos para o Centro Cultural Vergueiro.

Surge a Paidéia

Entrada Jardim

Entrada antes da Reforma

Acredito que o caminho que traçamos, nos leva a decisão da criação da Paidéia. Eu trabalhei onze anos no Monte Azul e a Aglaia dezenove. O trabalho no Centro Cultural teve sua importância, mas não deixava de ser um apêndice do trabalho social, que era o principal da ONG. Chegamos a conclusão de que o trabalho de teatro para criança e jovem não deveria de ser esse apêndice. Deveria existir por si próprio e resolvemos criar a Paidéia e fazer trabalho de teatro exclusivo para criança e jovem.

Entrada Atual

O nome surgiu na casa de uma amiga, por acaso. Tínhamos ido numa festa na casa da querida jornalista Marilia Pacheco Fiorillo. Tinha muita gente e num determinado momento, fiquei cansado daquele barulho e perguntei se eu podia ir até a biblioteca dela. Lá, comecei a olhar uns livros peguei um livro chamado Paidéia, de Werner Jaeger. Comecei a ler o texto e vi que era a ideia do teatro que eu queria fazer, estava no livro. Para os gregos, Paidéia é tudo que tem a ver com a criação do homem – a religião, a comida, a arte, a medicina. Fiquei imaginando que teatro para crianças e jovens era exatamente isso.

Esse tipo de teatro deve abranger tudo que o homem cria e principalmente para criança, e aí eu fiz a sugestão para o grupo e viramos Paidéia Associação Cultural. Fomos então para o espaço do Centro de Artes, que era de um grupo de artistas, pintores, escultores e grupo de euritmia (trabalho corporal) aqui na zona sul. Eles nos ofereceram uma sala para nossos ensaios e começarmos um trabalho com jovens. Quando saímos do Monte Azul, algumas pessoas de lá quiseram ir junto. Então no Centro de Artes, ficou um local onde havia uma mistura de diversas classes sociais, tinham os meninos de escola particular e o pessoal de favela.  E isso foi muito importante porque unia jovens ricos e pobres. Um lugar de encontro de várias classes, de várias tribos, de tudo. No Monte Azul não havia tanta mistura, não era um gueto, mas no novo local foi incrível. Assim, durante a semana acontecia nossos ensaios e nos finais de semana a gente trabalhava com jovens, a vivência teatral. Ficamos dois anos e depois mais dois anos numa casa emprestada.

Em busca de uma sede

Sala Azul

Sala Azul

Em 2002, o Celso Frateschi assume a Secretaria Municipal de Cultura, abre os teatros municipais e convida as Companhias e Grupos para ocuparem. Nesse projeto, o Celso nos convidou para ocupar o Teatro da Biblioteca Kennedy. Na época, surgiu o projeto Teatro Vocacional, da Secretaria de Cultura, fui convidada para participar da implantação desse projeto. Ficamos lá uns quatro ou cinco anos e com mudança de governo pediram pra gente sair e nos ofereceram o espaço onde estamos atualmente.

Os galpões, que são da Prefeitura, estavam completamente abandonados e destruídos. Não tivemos outra opção e resolvemos assumir. Fizemos uma campanha pedindo dinheiro para amigos, para os pais dos jovens e principalmente para artistas e empresários. Aos poucos fomos reformando o local. Primeiro uma parte, depois a outra e finalmente conseguimos construir o espaço do teatro. Estamos aqui há quase sete anos. Embora seja um processo de ocupação, aos poucos fomos melhorando o local.
Do intercâmbio a organização dos festivais internacionais

Depois que fundamos a Paidéia e tínhamos um espaço maior para trabalhar, estávamos muito felizes porque o trabalho rendia muito mais nas nossas montagens e podíamos atender muito mais jovens nos cursos e o público que vinha assistir os espetáculos. Marina Ludemann, na época diretora cultural do Instituto Goethe, que era apaixonada pelo nosso trabalho, e ficou triste que nós tínhamos que começar nosso trabalho de novo, depois do Monte Azul, agora como Paidéia, perguntou se não queríamos conhecer textos contemporâneos da Alemanha, para talvez encenar aqui no Brasil. Como Aglaia sabia falar bem alemão, começou a ler muitos textos e ficou encantada, pois tinham peças muito interessantes. Escolhemos inicialmente dois textos, um holandês para crianças chamado A Filha do Rei dos Canalhas, de Ad de Bont e outro alemão, O Coração de um Boxeador, de Lutz Hübner que até hoje é encenado na Paidéia. Em seguida Aglaia foi convidada para ir à Alemanha, num seminário em Frankfurt, para a Central de Teatro Infanto-Juvenil, em 2000, onde encontrou muitos autores, inclusive os dois que montamos e lá foram premiados por seus textos. Nesse encontro pedimos para vários autores se podíamos montar seus textos no Brasil. Juntamente com uma amiga começamos a traduzir e depois a encenar esses espetáculos. Isso foi o começo de um intercâmbio entre nós e essa Central de Teatro Infanto Juvenil da Alemanha. Isso nos deu a possibilidade de conhecer muita coisa legal, pessoas muito interessantes. Aí, eu e o Amauri fomos convidados por vários lugares, entre eles a Central de Teatro Infanto-Juvenil da Alemanha e o grupo de música erudita Auf dem Weg para fazer trabalhos com jovens na Alemanha, entre eles com jovens ciganos. Começamos a fazer os primeiros festivais. Nós convidávamos grupos que conhecemos, eles davam um jeito de arrumar passagens. Vinham pela amizade, sem pagamento e ficavam na nossa casa e de amigos. Tentávamos conseguir uma estrutura básica de festival. Fazíamos a divulgação e o público comparecia. E como deu certo da primeira vez, fizemos a segunda e assim por diante. Depois veio alguém da Holanda, da Bélgica, da Suíça, da Turquia e nossa relação foi aumentando e ficou grande.

Cia. Paídéia frente ao público do Festival no Chile

O mais interessante de tudo isso é que naturalmente essa primeira experiência de troca se desenvolveu num festival, e o mais importante foi a troca que fizemos em relação ao que se fazia no teatro para criança e jovem. No teatro adulto, bem ou mal, existem muitos textos, podem-se comprar textos importantes no mercado da arte mundial. Sempre existem produções sendo feitas por aí. No teatro para crianças não é tão simples assim. Se por aqui, para se produzir teatro já é difícil, conseguir a publicação de uma peça teatral é impossível, até mesmo para os textos premiados. Descobrimos com esse intercâmbio que poderíamos trocar muita coisa, descobrir a dramaturgia alemã, a holandesa que é uma das melhores do mundo. Nesses encontros começamos a descobrir o mundo. Conhecemos o grupo da Suzanne Lebeau, do Canadá, o Carlos Urquiza e a María Inés Falconi, da ASSITEJ Argentina e muitos outros. Esses encontros não foram apenas pela necessidade de aprender, e sim, no sentido de que nós tínhamos muito para trocar.

Uma janela para o mundo

No fundo nosso festival é uma janela. Tem mesmo o papel de uma janela, que você abre e entra oxigênio, entra poluição, entra um pouco de tudo. É com isso que a gente sonha. Por isso, falamos de utopia, de trazer essas novas possibilidades e de defendermos o teatro para criança. De podermos trazer do exterior e de outras cidades do Brasil artistas para assistirem os espetáculos e trocar. E não apenas isso, de dar a possibilidade de espetáculos daqui se apresentarem lá fora. Desde que começamos com a Paidéia, temos trabalhado com jovens. Nunca pensamos e nem queremos os transformar em atores profissionais. Isso não é papel da Paidéia. Damos vivência teatral, experiência em trabalhos que montamos. E temos tido resultados maravilhosos com eles. Mas como já disse, não formamos atores. Se algum quiser ser ator profissional, deve ir para a universidade. Apenas sugerimos a USP – EAD, UNICAMP, até pela questão financeira deles. Outra questão é que também nunca foi nosso propósito formar atores para trabalharem em nossa Companhia. O que já aconteceu é que muitos jovens que já tinham passado pela Paidéia e tinham ido para universidade, se formaram e voltaram para cá.  Então resolvemos criar um novo grupo, o Kínisi, que retornaram formados pela UNICAMP, pela USP, pela Escola Célia Helena, que integram a Cia Paidéia de Teatro.

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Amauri Falseti e Aglaia Pusch na Abertura do primeiro Festival Internacional da Paidéia

O interessante é que com o tempo e dependendo da montagem, da quantidade de atores, tipos de personagens, começou a existir uma mescla das Companhias. Não apenas dos novos entrarem em nosso espetáculo, como dos veteranos participarem da montagem dos novos. É um processo do viver teatral, num sentido de trabalhar o melhor possível para o teatro, para a criança e jovem. Além disso, temos um outro núcleo de trabalho que chamamos de “Paideia Cidadã”, em que trabalhamos com crianças de escolas públicas, aos sábados e com adultos, à noite, durante a semana.

Um intercâmbio com resultados

No meio desse leque de tantas atividades, ainda tínhamos um sonho que era realizar um intercâmbio de verdade, com um grupo e seu diretor, que poderia ser de qualquer país do mundo, e que depois de quatorze anos de trabalho, conseguimos concretizar. Estamos no meio do processo, com um dos mais reconhecidos e antigos grupos de teatro para crianças e jovens, o GRIPS Theater Berlin, da Alemanha.

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Integrante da Cia. de Teatro Paidéia, 1998

Estréia de A Filha do Rei dos Canalhas e O Coração de um Boxeador, 1999

Dividimos esse processo em três etapas. Na primeira etapa, montamos outro texto de Lutz Hübner, chamado Baltus, o pequeno herói. Esse texto, foi escrito para nós e para o GRIPS Theater. Era a história de uma mãe e seu filho, superando diversas dificuldades. A montagem alemã se apresentou em nosso festival e nossa montagem se apresentou na Alemanha. Eram dois espetáculos completamente diferentes e mostrava a visão do tema do ponto de vistas de realidades tão diferentes. A segunda etapa desse projeto já se concretizou, com o tema água e sustentabilidade. Um espetáculo que fala da questão da água, que já é um grande problema em muitas regiões do planeta. Cada grupo teve que pesquisar muito e tivemos muita dificuldade, porque não encontramos um texto pronto que falava desse problema. Cada grupo construiu o seu texto. Tivemos alguns encontros e trocas em conjunto.  Nosso espetáculo se chama Ycatu – Água Boa e o do GRIPS Theater se chama Sede, uma viagem de aventura, que foi apresentado no nosso último Festival, em 2013. Também em 2013, fomos convidados a apresentar esse espetáculo na Turquia. Em 2014, iremos apresentar o Ycatu – Água Boa na Alemanha. Nessa terceira parte, será uma montagem para crianças e jovens, uma adaptação do Círculo do Giz Caucasiano, do Brecht, que está sendo feita pelo Armin Petras, e será coreografado pela Lara Kugelmann. Estamos em construção disso.

O amor pelo teatro Aglaia

Eu acredito que essa é a nossa vida. Não existe muita separação da vida particular e do trabalho. Eu sinto que toda a energia que eu coloco aqui, eu recebo de volta. É um círculo, uma simbiose. Acredito que esse amor é também porque você sente que ele tem resultado. Quando os grupos chegam aqui, eles ficam encantados. Se você faz uma coisa com carinho, as pessoas percebem isso e te retribuem. Esse amor está em tudo. Numa planta que embeleza o espaço. Num quadro que se coloca. No acolhimento das pessoas que chegam. Você é responsável por isso, pelos detalhes, pela produção, por ser atriz. Tudo aqui é parte integrante de nossas vidas.

Amauri

Eu também penso como a Aglaia, e só acrescento um detalhe. Eu descobri que nós temos um papel importante no mundo, que é fazer teatro para criança. E isso é cada vez mais necessário. Eu vivo para isso. Penso que fazermos teatro é uma necessidade vital, pois como arte, ele muda, transforma esse menino que vem assistir. É um alimento para vida dessa criança, para a alma dela. E cada dia eu acredito mais e é por isso que eu amo o que eu faço cada vez mais. Essa necessidade que eu sinto, que eu ajudo a suprir, é para haver uma mudança da sociedade como um todo. E fazer teatro para criança não tem fim. É sempre novo, é para o novo homem, é para o novo cidadão, é o novo brasileirinho, então isso me alimenta profundamente. Eu amo realmente o que eu faço, porque eu vejo cada vez mais que tem um sentido nisso. Não é uma coisa só da utopia. É da utopia sim, se não nós não estaríamos aqui. Porém essa utopia funciona como a vida, e o nosso papel de quem faz teatro, mantém a gente vivo. Eu sonho com isso e cada vez mais eu acredito. Quanto mais tempo eu venho pra cá, mais vivo eu estou. Então é isso – essa simbiose, esse amor, esse compromisso.

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Participação em Espetáculos para Crianças e Jovens

Espetáculos encenados pela Comunidade Monte Azul

1989 – Que Vida, criação coletiva
1990 – Causa Menor, criação coletiva
1991 – Onde está o dinheiro? , baseado em Revolução da América do Sul, de Augusto Boal, direção Flávio Porto
1991 – Estado de Sítio, roteiro Amauri Falseti
1992 – Drummond: Mãos dadas, com poesias de Carlos Drummond de Andrade
1993 – 500 Anosroteiro Amauri Falseti
1993 – Iscola, roteiro Amauri Falseti
1993 – Os Que Não Comem, Os Que Não Dormem, roteiro Amauri Falseti
1995 – Hagoromo, lenda japonesa com roteiro Amauri Falseti
1995 – O Que É o Que É? de Maria A. F. S. Aguiar

Espetáculos encenados pela Cia. Paídéia de Teatro, com direção de Amauri Falseti

1998 – Vamos Jogar o Jogo do Jogo, de Antônio Fernandes Bezerra
1998 – O que diz Sim (Sim ou Não ou Melhor), de Bertolt Brecht
1999 – A Filha do Rei dos Canalhas, de Ad de Bont
1999 – O Coração de um Boxeador, de Lutz Hübner
2000 – Gilgamesh, de Antunes Filho
2001 – Santa Maria do Egito, de Marcia Rodrigues
2002 – O Livro de Tobi, de Amauri Falseti
2003 – Uma Flor no Meio do Nada, de Márcia Rodrigues
2003 – O Coração de um Boxeador, de Lutz Hübner (reestreia)
2003 – Histórias para Pensar com a Barriga, de Marília Pacheco Fiorilli, adaptação Márcia Rodrigues
2004 – O Canto do Cisne, de Anton Tchekov
2005 – Nellie Goodbye, de Lutz Hübner
2006 – O Boi e o Burro, de Norbert Ebel
2006 – A Vaca Rosemeire, de Andri Beyeler
2007 – O Sorriso de Ana, de Christine Röhrig
2008 – Dom Quixote, de Miguel de Cervates, adaptação Lutz Hübner
2009 – Com o Rei na Barriga, de Amauri Falseti
2009 – A Vaca Rosemeire, de Andri Beyeler
2010 – Na Arca às Oito, de Ulrich Hub
2011 – Coração de um Boxeador, de Lutz Hübner
2011 – Baltus, o Pequeno Heroi, de Lutz Hübner
2012 – Miliuma, de Amauri Falseti
2012 – O Boi e o Burro, de Norbert Ebel
2013 – Ycatu – Água Boa, de Amauri Falseti
2014 – Caixa Encantada, de Amauri Falseti

Espetáculo encenados pela Cia. Jovem Paidéia de Teatro

1998 – Faustino, de Eliana Gomes
2000 – Brundibár, de Hans Krasa
2000 – Projeto Brundibár
2001 – Biogenese Acorrentado, de Alceu Sebastião Costa e Tonica Falseti
2002 – Paulo Eiró, espetáculo de poesias
2003 – Na sua casa também é assim?, de Willy Nielsen Patane
2003 – Mãe, a partir de textos clássicos do teatro
2003 – Solos, criações dos atores do grupo
2004 – Já foi e não Aconteceu, de Willy Nielsen Patane (Biblioteca Kennedy)
2005 – Honestamente, de Christine Röhrig a partir de Monteiro Lobato
2006 – Marchemoi, de Edward Stulbach
2007 – Fausto.1, adaptação de Christine Röhrig para a obra de Goethe
2007 – Treta no Jardim, de David Farr
2008 – Sampa-Ópera-Samba, dramaturgia de Christine Röhrig
2008 – O Primeiro Voo de Ícaro, de Luiz Alberto de Abreu
2008 – Arena Conta Zumbi, de Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri, e Edu Lobo
2009 – Enfim o Paraíso, de Antonio Bivar e Celso Liuz Paulini
2009 – Fausto.1, adaptação de Christine Röhrig para a obra de Goethe
2010 – Viva Noel, texto Amauri Falseti
2011 – Honestamente, de Christine Röhrig a partir de Monteiro Lobato
2011 – Educação – Olhos, Mente, Boca e Coração, criação coletiva, dirigida por Amauri Falseti, Fábio Coutinho, Flávio Porto, Manoela Pamplona e Rogério Modesto
2012 – Ycatu – Água Boa, trabalho desenvolvido com os alunos da Vivência Teatral, direção A. Falseti, Fábio Coutinho, Flávio Porto, Manoela Pamplona e Rogério Modesto
2012 – Marchemoi, de Edward Stulbach
2012 – Um Inimigo do Povo – Um Estudo
2012 – Sustentabilidade?, coordenação Manoela Pamplona e Rogério Modesto
2012 – Y – Água, de Amauri Falseti, coordenação Flávio Porto
2013 – Terror e Miséria no III Reich, de B. Brecht, coordenação Suzana Azevedo e Valdênio José

Espetáculos encenados pelo Paidéia Kinisi, com direção de Amauri Falseti

2010 – Dream Team, de Lutz Hübner
2011 – Conta de Novo, de Amauri Falseti
2011 – O Primeiro Vôo de Ícaro, de Luiz Alberto de Abreu
2012 – Três Fios, de Amauri Falseti

Eventos, Mostras e Festivais

2003 – Mostra de Teatro na Paidéia
2007 – I Festival Internacional de Teatro para Infância e Juventude: Uma Janela para a Utopia
2008 – II Festival Internacional de Teatro para a Infância e Juventude: Uma Janela para a Utopia
2009 – III Festival Internacional de Teatro para a Infância e Juventude: Uma Janela para a Utopia
2010 –  IV Festival Internacional de Teatro para a Infância e Juventude; Uma Janela para a Utopia
2011 – V Festival Internacional Paidéia de Teatro para Infância e Juventude: Uma Janela para a Utopia
2012 – VI Festival Internacional Paidéia de Teatro para a Infância e Juventude: Uma Janela para a Utopia
2013 – VII Festival Internacional Paidéia de Teatro para a Infância e Juventude: Uma Janela para a Utopia
2014 – VIII Festival Internacional Paidéia de Teatro para a Infância e Juventude: Uma Janela para a Utopia
2015 – IX Festival Internacional Paidéia de Teatro para a Infância e Juventude: Uma Janela para a Utopia

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Depoimento dado à Antonio Carlos Bernardes, na sede da Cia. Paidéia, São Paulo, em 12 de setembro de 2013