Sylvia Orthof

Sylvia Orthof , a Tecelã

Por Fátima Valença

Morte e Vida Severina

Depois dos estudantes é a vez dos trabalhadores. Combinação explosiva na visão do governo militar. Convidada pelo então delegado do Serviço Social da Indústria (SESI), Walter Lemos Batista, Sylvia realiza “um trabalho de fôlego” no Centro Social Eurico Gaspar Dutra, em Taguatinga, primeira cidade satélite de Brasília. Em sua coluna de teatro publicada no final de novembro de 1969, o Correio Braziliense tece comparações. “A criação de um teatro de trabalhadores pelo SESI de Brasília é correlata à experiência do SESI paulista, que mantém um elenco profissional de categoria apresentando teatro gratuito para trabalhadores. O que se faz aqui, sob a direção de Sylvia, é uma pesquisa para ver qual das duas soluções é a mais viável para difundir no meio operário a arte teatral.” Pela primeira vez Sylvia tem um teatro à sua disposição, e isso faz toda a diferença.

Os nossos atores foram escolhidos mediante testes de seleção. A coisa mais interessante é que, no início, os testes eram desanimadores, mas, com o passar do tempo, os candidatos iam apresentando um rendimento espontâneo, descobrindo o que a gente exigia deles. Começaram a trazer sua própria colaboração para a concepção do espetáculo, dando sugestões de como devia ser o palco, as indumentárias, etc. E então nos identificamos. Desde o início, as aulas foram práticas, com a aplicação do método Stanislavski, de relax, visando criar para eles um estado de transe, semelhante aos que se verificam nas sessões de macumba. O objetivo disso era fazer com que eles deixassem de lado todas as formas de representação conhecidas, através do cinema ou da tevê, para criarem uma forma bem brasileira de representação. Daí começamos também a dar-lhes as primeiras explicações sobre o método do distanciamento do Brecht.


“A primeira experiência dos trabalhadores em cena se deu recentemente com um espetáculo de poesias (jograis) intitulado As mãos do Trabalhador, incluindo poemas de Vinícius e Joaquim Cardoso (54) , além de uma ciranda do Nordeste. A escolha de Pluft, o Fantasminha para o segundo espetáculo dos trabalhadores do SESI, segundo Sylvia, tem em vista a preparação de um público infantil. A peça será apresentada, inicialmente, no dia 11, no palco do SESI, em Taguatinga, ao lado do depósito da Crush. Em seguida, haverá uma temporada para as crianças de todas as escolas, ainda no palco do SESI. E, nos dias 22 e 23, no Teatro Martins Pena, para ser vista também pelas crianças do Plano Piloto.

Marlene Bertolotti colabora com Sylvia Orthof na confecção de perucas extravagantes para os fantasmas, os cenários e os figurinos. Tudo está sendo feito com o máximo de economia, aproveitando os recursos da gente pobre, empregando na confecção dos figurinos e cenários sacos de estopa, papelão, panos baratos… Manuel fará Perna de Pau. “Foi bastante difícil convencê-lo de que devia fazer papel de mau, porque ele só queria interpretar um personagem que fosse bom.” Ademir, o Pluft, tem 14 anos, estuda na escola do SESI e já demonstra ter um talento fora do comum, sem ser menino-prodígio. Marilda faz a Mamãe Fantasma de forma diferente, com trajes modernos usando minissaia (…)”

Em dezembro, Sylvia pretende montar um Auto de Natal de Dom Marcos Barbosa.”

Teatro, Correio Braziliense, 02.11.1969


“O SESI criou, há tão somente seis meses, o Teatro do Trabalhador, e para o trabalhador e, por estranho que possa parecer, já conseguiu um elenco que representa, de verdade, textos de bom nível para um público que os aprecia. Isto num meio de gente cuja maioria jamais pisou num teatro e até há pouco tudo ignorava a poesia da verdadeira arte dramática! Assim a oficina de teatro de Taguatinga tornou-se uma das mais frequentadas e palpitantes esquinas de Brasília, com alguns atores de extraordinária presença no palco, ambiente nada chocho; público que começa a conhecer nomes como Vinícius de Morais, Fernando Pessoa ou Manuel Bandeira e crianças que estão se tornando loucas pelo teatro, que invadiram aos milhares por ocasião da representação de Pluft e exigem novos espetáculos.

Após o primeiro impacto criado por um espetáculo poesia vivido com simplicidade, o dia em que mil crianças se apertaram num teatro idealizado para 350 pessoas, rindo, felicíssimas, destaca-se como um momento alto. Só por esta alegria de crianças já deveríamos agradecer ao doutor Walter Lemos Batista e a diretora Sylvia Orthof, cujo amor ao teatro, considerado com o devido respeito, levou-a a iniciar uma experiência que juntada às duas outras, hoje lembradas, desperta, além de alegria, alguma emoção ao evocar realizações positivas aos importantes e nem sempre devidamente respeitados mundos da criança, do estudante e do trabalhador e as quais desejamos um feliz prosseguimento no ano que se inicia.”

Yvonne Jean, Esquina de Brasília, Correio Braziliense, 10.01.1970


“Não é todos os dias que temos a oportunidade de ver um monte de crianças entregues a um trabalho, com tamanho interesse que ficam alheios ao mundo que as cercam, e com alegria tão total que contagia o observador, que acaba rindo à toa só por se encontrar num meio surpreendente. De ver criancinhas de 3 e 4 anos, que, ao lado de outras mais velhas (tendo a mais velha atingido a respeitável idade de 11 ou 12 anos) manejar martelos, marretas, couro, pregos, tintas, papelão com a perícia do interesse total e criar objetos artesanais sob a inspiração do momento! De ver crianças trabalhando com uma paixão que leva a empregar quilos de massa, litros e mais litros de tinta, saindo da sala de aula que chamam de atelier com mãos, braços e rostos coloridos, mas felizes e pedir, o tempo todo, mais material e mais tarefas (…) e trabalham tão depressa que seus professores quebram a cabeça, cada novo dia, para inventar oportunidades inéditas de expressão.

“São geniais” disse alguém e é esta a única expressão exata para definir as criancinhas de Taguatinga, que acorrem diariamente, há um mês, ao curso de férias brotado da cabeça de Sylvia Orthof, no SESI, e que não é desenho, nem de colagem, nem de escultura, nem de costura, e sim de artesanato teatral, dando uma tremenda importância a cada alunozinho, porque sabe que o objeto que vai realizar será utilizado num palco de verdade! “Ao fazerem objetos de cena, sentem uma responsabilidade inédita e um entusiasmo jamais vivido porque prepararam algo concretamente útil.

Os alunos são fiscalizados por Claudia, uma “professora” mais importante que os outros professores, porque tem ideias inéditas,  é compenetrada (…) e porque, ela própria, não passou dos 15 anos de idade. E, ao preparar os objetos que serão empregados no espetáculo que o SESI prepara para apresentar em abril, nos festejos de Brasília e em maio, no Congresso Eucarístico, as 40 crianças que acorreram ao curso de férias, previsto para 20, sentem, além da alegria da expressão livre, o todo poderoso interesse de quem participa de algo sério, já que as roupas que pintam e acabam serão usadas por adultos, e as flores (…) que arranjam serão jogadas numa cova, e os rosários, enfeites e colares e (…) objetos de couro serão o acabamento de figurinos e cenários verdadeiros, que gente grande admirará (…) Só que haverá tantos, mais tantos objetos de cena, que jamais será possível empregar a todos e jamais empresário algum teve tanta possibilidade de escolha para uma criação de ambiente! Será uma Morte e vida Severina inédita, esta a qual crianças darão o toque final! (…)”

Yvonne Jean, Esquina de Brasília, Correio Braziliense, 05.02.1970

(…) Severino, retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, Severina
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida Severina.

Versos finais de Morte e Vida Severina, João Cabral de Melo Neto


“Sei que a vossa excelência repugna, como a mim, frente a todos os membros deste conselho, enveredar pelo caminho da ditadura pura e simples, mas me parece que claramente é esta que está diante de nós. Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência”. Jarbas Passarinho disse outras frases ao longo de sua vida, mas nenhuma entrou para a História como esta, dita ao manifestar seu apoio ao Ato Institucional número 5, que iniciou o período mais sombrio da ditadura militar em dezembro de 1968. Ministro do Trabalho e da Previdência Social do governo Costa e Silva, Jarbas assume a pasta da Educação no governo de Emilio Garrastazu Médici, militar escolhido pelos seus pares de farda para assumir a presidência da República do Brasil. E eis que o general que governou o país no tempo dos slogans “Brasil, ame-o ou deixe-o” e “Pra frente, Brasil” é surpreendido na plateia do SESI aplaudindo de pé a apresentação da peça Morte e Vida Severina, encenada pela Oficina de Teatro de Sylvia Orthof. No final do espetáculo, recebe do ator que interpreta Severino um chapéu de couro. Era o dia 25 de maio de 1970.


“O Presidente Garrastazu Médici assistiu ontem, em Taguatinga, cidade satélite de 150 mil habitantes, a peça Morte e Vida Severina, encenada pela Oficina de Teatro do Sesi (…) O general demorou-se duas horas e meia na sede do Sesi e durante todo esse tempo seu contato foi com gente jovem. Assistiu também a demonstrações de ginásticas, a um desfile de atletas conduzindo as bandeiras dos Estados, a uma partida de futebol (…) Terminada a representação da peça de João Cabral de Melo Neto, dirigida por Sylvia Orthof, o Coral do Sesi – 100 pessoas – cantou quatro números dedicados ao Chefe do Governo, inclusive duas músicas muito populares do Rio Grande do Sul: Balaio e Da pinha nasce o pinhão.”

Jornal do Brasil, 26.05.1970


“(…) O Presidente da República, Emílio Garrastazu Médici, assistiu à peça de João Cabral do Melo Neto, Morte e Vida Severina, dirigida por Sylvia Orthof e interpretada por trabalhadores da indústria.”

Jornal do Commercio Amazonas, 26.05.1970


Eles estavam de olho nela e não era de hoje. No site Metrópoles, em coluna assinada por Sergio Maggio – As dramaturgias iniciais de Brasília eram bombas jogadas na ditadura –, Carlos Mateus Castello Branco disponibiliza textos das obras de Sylvia pesquisadas para sua tese de doutorado.  Segundo ele, a montagem de Morte e Vida Severina por um grupo amador formado por jovens e operários liderados por Sylvia tinha “um claro teor político”. “Sua temporada no Sesi de Taguatinga foi interrompida por intervenção do regime militar.”

O filho Gê tem recordações nítidas dessa época.


“Uma mistura de lembranças pessoais e observação da realidade são a base de HA-gaz-AH, instalação que o artista plástico Gê Orthof inaugura no próximo sábado na reabertura da Referência Galeria de Arte (…) Gaz se refere a um episódio vivido na infância. Filho da atriz e diretora Sylvia Orthof, que deu aulas na Universidade de Brasília na década de 1960 e foi perseguida pela ditadura, o artista se lembrou da invasão do campus em 1968. Ele estava com a mãe quando a polícia tomou os livros de Sylvia e os condenou à fogueira. Deixou apenas O Capital, de Karl Marx (…) porque “falava mal do capitalismo”, segundo um policial. A fala virou piada familiar e o episódio ficou gravado na lembrança, por isso Gê decidiu inserir oito livros na instalação (…) “O trabalho está contaminado por muitas histórias. É uma história de vizinhanças impossíveis, brigas eternas e insolúveis que a gente está, inclusive, vivendo na política do pais neste momento e que vive há mil anos em Gaza. Isso é a história da humanidade”.

Gê Orthof diz que quanto mais um povo se avizinha, mais briga. Nessa luta, a memória é de uma delicadeza preocupante. “Eu queria trazer para o trabalho esse sentimento de segurança da memória, a única coisa que nos une, e o quanto ela é frágil e pode ser destruída por qualquer descuido. Para mim, a única salvação são os livros, e por isso eles são perseguidos”.

Artes Visuais, Nahima Maciel, Correio Braziliense, 16.10.2014


“Minha mãe dava aulas na Universidade de Brasília e em escolas de Ensino Médio da cidade. Mas veio o golpe militar de 1964 e foram perseguidos. Minha mãe tinha um aluno de teatro que era um agente infiltrado. A gente morava no Lago Sul, não tinha asfalto, era uma roça. Ele insistiu em dar uma carona à minha mãe. Quando chegou ao Paranoá, ele disse: “Você é ingênua. Sua casa está grampeada, tudo é gravado. Você e sua família vão desaparecer e reaparecer boiando no Oceano Atlântico.” Fomos morar na França e, com a anistia, voltamos para Petrópolis, no Rio. Só voltei para Brasília quando fiz concurso para ser professor da UnB.”

Gê Orthof, Correio Braziliense, 23.11.2014


Em junho de 1970, uma semana depois da seleção canarinho conquistar o tetracampeonato mundial no México, uma reportagem do Jornal do Brasil ainda apresenta uma Sylvia satisfeita com o resultado de sua oficina no SESI e com os elogios e convites recebidos pelo grupo. Assinada por Christina Autran, a matéria também aborda o método de trabalho da atriz carioca que se tornou diretora no Distrito Federal.


“Sylvia Orthof, uma moça de teatro. Entusiasmada com ele. Depois de muitos anos trabalhando como atriz no Rio, em São Paulo e em Paris (…) resolveu agora atacar na direção. E chegou até a criar um novo método que chama de corrente, onde os atores se concentram até o transe. Sua ideia era partir para um trabalho essencialmente brasileiro e, para isso, se inspirou no candomblé.

Hoje, Sylvia dirige uma turma de operários do SESI (…) Seu grupo é amador, mas já foi convidado a participar de dois festivais: o de Inverno, em Ouro Preto, e o de Berlim. Segundo o Embaixador Paschoal Carlos Magno, “o resultado do trabalho deste grupo de estudantes operários é comovente, lindo.” Para o diretor Gianni Ratto, “este é o verdadeiro caminho, a solução e a salvação do teatro brasileiro”.

Primeiro Sylvia dá o tema da peça. Os atores, cuja idade média é de 18 anos, relaxam (…) completamente os músculos até sentirem que estão quase dormindo (…) respirando de olhos fechados, cada um se concentrando no tema sugerido. E aí começa a corrente. Completamente conscientes, chegam quase a entrar num transe, mas não se deixam levar por ele. De repente, um deles se sente no ponto, e sobe ao palco para a improvisação do tema.

Aos poucos, o pessoal vai-se chegando e começa a representar, acabando por criar, eles próprios, uma situação dramática: A ideia é não trabalhar sobre as palavras, mas sobre o conjunto de intenções. Então os atores entram nos personagens e os vivem durante alguns dias. Aí é que Sylvia mostra o texto, o pessoal já completamente integrado em seus papeis. O trabalho sai tão fácil que muitas vezes se planeja dois meses de ensaio e em vinte dias a peça está pronta.

– No começo, pensávamos em fazer um teatro baseado numa escola dramática, certinha, mas logo percebemos que essa ideia estava completamente errada. O pessoal humilde que se interessou em fazer o nosso teatro não estava habituado a coisas teóricas e quando a gente apelava para o prático as coisas funcionavam. Tínhamos então que encontrar um método de trabalho essencialmente brasileiro e nos baseamos no candomblé para descobri-lo. Se as pessoas no candomblé têm a capacidade para fazer um santo baixar, pode-se atribuir essa metamorfose a uma corrente de concentração.

Depois de montar vários textos, em janeiro deste ano resolvemos montar a primeira peça pra valer. E escolhemos Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, porque era séria e se enquadrava no espírito deles. Com esse espetáculo, veio o convite para participar do Festival de Berlim e do Festival de Inverno de Ouro Preto.”

Jornal do Brasil, domingo, 28, e segunda, 29.06.1970



A despedida

Ciranda de Vila Rica e Auto da Barca da Boa Esperança foram os últimos espetáculos dirigidos por Sylvia em Brasília. “Peça teatral didática”, Ciranda de Vila Rica foi apresentada nas cidades satélites ainda “sob os auspícios da Fundação Cultural”. Foi também apresentado por estudantes na escadaria do Carmo, no Festival de Inverno de Ouro Preto, onde Sylvia foi convidada para coordenar o setor de teatro. Com poesias de Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Alfonsus de Guimarães Filho, o tema envolve a Inconfidência Mineira. Antes do início do espetáculo, “as plateias eram preparadas sobre os métodos de um ator para entrar em cena e ouviam um resumo sobre o tema da peça”.

No elenco do Auto da Barca da Boa Esperança, além da própria Sylvia, Claudio Gaya, Sergio Mauro e Vicente Pereira, batizados de grupo Realejo. Todos ansiosos com a première em Ouro Preto e contando com o patrocínio da Fundação Cultural para estrear em Brasília na volta para casa.


“Sylvia Orthof será a coordenadora de teatro do V Festival de Inverno de Ouro Preto, realizado todos os anos na antiga capital mineira, com financiamento da Universidade de Minas Gerais. Este ano, contará também com substancial ajuda do MEC (…)

O Festival é promovido sempre no mês de julho e os estudantes que dele participarem irão morar nas tradicionais repúblicas. (…) O conforto ali é pequeno e a experiência muito rica: “Levam a roupa de cama, comem no bandejão do restaurante da Escola de Minas, e têm aulas a partir das oito da manhã às seis da tarde. À noite, há sempre concertos na Igreja de São Francisco de Assis, ou então espetáculos no Teatro Municipal, dos mais antigos do Brasil”, conta Sylvia.

Neste V Festival haverá curso para os setores de Música, Dança, Teatro, Cinema, Artes Plásticas e Cultura Brasileira (…)

Brasília será representada pelo grupo O Realejo, que levará o espetáculo Auto da Barca da Esperança, com roteiro e direção de Sylvia: “Escolhi o Auto da Barca porque é um trabalho que já está em meios de ensaio e que me dará mais possibilidade de dedicar maior atenção aos estudantes, pois irei já com a base pronta para trabalhar sobre ela. Esse espetáculo em breve vai estrear em Brasília, possivelmente sob os auspícios da Fundação Cultural. Digo possivelmente (…), mas estou otimista, pois sem a Fundação seria impossível a existência do Grupo Realejo.”

Teatro, Correio Braziliense, 08.04.1971


Do grupo O Realejo faziam parte Vicente Pereira, meu amigo inesquecível, queridíssimo, que foi embora deste mundo e deixou um grande vazio, Sergio Mauro, Claudio Gaya, que foi dos Dzi Croquetes, também falecido, e eu. O Realejo era um teatro poético ambulante, patrocinado pela Fundação Cultural de Brasília.

Graças a Deus, depois de pouquíssimas aulas para censores, lá na Academia de Polícia, eles enjoaram de ter que estudar as Procissões Dionisíacas e me liberaram. Foi um alívio para ambas as partes, credo!


Mesmo com todo o reconhecimento conquistado inclusive fora do Brasil, o trabalho de Sylvia não pôde seguir em frente. Sem o apoio da Fundação, que lhe vira as costas depois de tantas parcerias e recompensas, e com a absoluta falta de sintonia entre ela e o governo militar, mais uma vez ela “arruma a trouxa, diz adeus e vai embora” (56). Não é só ela que lamenta. Toda uma cidade fica órfã de seus ensinamentos e talento.


“Sylvia Orthof vai para o Rio fazer teatro, pois da Fundação parece que nada mais se pode esperar. Que desencanto! O autor e diretor De Gall, que vem fazendo muito pelo teatro em Brasília, principalmente no setor infantil, tem umas e outras para contar sobre as “correntes desestimulantes” da Fundação Cultural do Distrito Federal. Não é absolutamente problema particular dele. Provando isso, temos a magnífica Sylvia Orthof, com o abandono do grupo. Vai para o Rio fazer teatro (…) E vai pelo mesmo motivo que os outros. Por desencanto! Alô, Fundação Cultural, ainda está em tempo de reformular ideias e ajudar essa turma maravilhosa que insiste, a bem da arte, em fazer teatro na Capital…”

Sheyla Costa, Correio Braziliense, 13.07.1971

Box 3:

Tive amigos-alunos de teatro maravilhosos. Murilo Eckardt, cenógrafo e figurinista fantástico, hoje diretor, que ainda ao lado de Golda, no antigo Teatro do Candanguinho, fazia a Bruxa Fedegosa, de forma engraçadíssima. Murilo é meu amigo-irmão. (…)

Volto ao Vicente. Eu o conheci muito garoto ainda e ficamos super amigos. Um dia, voltando de Taguatinga, tinha um enorme arco-íris no céu (…)

– Sylvia, eu acho que Deus escolheu um troço tão cafona pra ser arco-íris!

A inteligência de Vicente era totalmente original e única.

Sua morte me abalou, de verdade.

– Oi, Vicente! Cuidado, anjo, pra não escorregar no arco-íris!

Murilo Eckhardt com certeza é o próprio arco-íris! Tudo o que ele faz é amarelo, rubro, laranja! (…) Murilo é talento em alaranjados, escarlates, lilases, dourados! Ele é escritor de cores!

Tanta gente! Ai, que saudade! No espetáculo As caravelas, todo o elenco de estudantes… Ai, que saudade! (…) E Lena, com sua voz possante, fora do comum? Ela fazia duo com um rapaz tímido, de sobretudo comprido, chamado Ney Pereira, muito amigo do Vicente.

Ney trabalhava no Hospital Distrital. Fazia um artesanato lindo, cantava afinadinho, escondidinho. Um dia ele me deu um colar de couro, uma serpente enroscada, toda colorida. Certa tarde, veio me procurar: “Sylvia, não suporto mais trabalhar no hospital. Eu quero cantar, viver disso (…) Será que você, em Ouro Preto, não quer me levar como assistente?” (…)

Falei com Julinho Varella, da Universidade Federal de Minas Gerais, que me fez o convite. A resposta foi negativa. Os coordenadores não poderiam ter assistentes. A verba era curta.

Fui pra Ouro Preto e, de repente, apareceu o Ney.

– Larguei tudo. Vou ser seu assistente, só preciso de um canto pra dormir e uma comida de bandejão.

– Você é louco, Ney!

– Tomara que eu seja um louco iluminado!

Ney foi dormir numa República de Estudantes chamada Pulgatório. Ele se metia em serenatas, à noite. Pela manhã eu ia, danada da vida, sacudir o Ney, fazer com que ele estivesse presente nos ensaios. Mas eu gostava dele, compreendia e respeitava aquela (…) determinação, uma boemia musical e linda.

– E depois do Festival, Ney, o que vai acontecer com você?

– Eu vim pra conhecer gente, me enturmar, vou pra São Paulo.

Um dia, fiquei fula da vida com o Ney. Quase na hora de um espetáculo e ele, muito anjo, virou pra mim e disse:

– Sylvia, você não acha que está na hora de dizer pro pessoal se maquiar?

Ney esquecera que era assistente. Fiquei uma onça e retruquei, irritada:

– Eu? Sou eu que tenho que ir, Ney?

Hoje, peço desculpas pela minha falta de visão. Ainda bem que a raiva foi rapidinha, fizemos logo as pazes. No final de julho, época de festival, Ney fazia aniversário e era muito querido. Fizemos uma serenata para ele.

Ney comeu o pão que o diabo amassou, lutou, sofreu, mudou de nome e aleluia! Virou Ney Matogrosso!


A vida envia recados, sinais, mas nem sempre reconhecemos suas mensagens. Não é o caso de Sylvia. As portas vinham se fechando e era preciso tomar uma atitude. E se ela ainda tem dúvidas, a doença de Sávio, seu companheiro de aventuras, pai de seus três filhos, se encarrega de eliminá-las. Parece que tudo teve início no mesmo ano, ou no ano seguinte, da sua volta a Brasília, no retorno das alegrias e dos aplausos saboreados em Minas Gerais. Como bem simboliza a carta do Tarô, Roda da Fortuna, a vida gira, dá voltas e ora nos põe lá no alto, ora nos faz escorregar, impotentes. Talvez a melhor forma de lidar com a inconstância da existência seja não se entregar ao desencanto nos momentos penosos, tampouco acreditar que somos invencíveis nos instantes de júbilo e deleite. Não, não é fácil. Nunca é.


“De volta a Brasília, Sylvia teve que enfrentar mais tarde a notícia da doença de seu marido. Assustado com o câncer, ele devolveu a mulher e os filhos para o sogro. Voltaram, então, em 1972, a morar em Petrópolis, onde retomaram contato com velhos amigos, como o casal Póla e Tato Gostkorzewicz e Zilahe Luís Tranin”.

Sylvia Orthof, site Googles

E o tempo deu voltas, voltinhas, empurrões, bofetadas, felicidade, lágrimas (…)
Eu ficara viúva de Sávio, deixei Brasília.
O que me aconteceu, em matéria de tristezas, deixo pra lá.
Sacudo a poeira, é bom dar a volta por cima.
Alguns amigos me auxiliaram. Agradeço, comovida. Não vou citar nomes (…) citações de nomes, sobretudo muito queridos, podem fazer com que cometamos um esquecimento injusto.
Quem me ajudou, sabe. Eu sei. Obrigada, gente amiga! Perdão pelo silêncio.
Dentro do silêncio cabem outras pessoas, também, que souberam magoar, atirando aquela pedra, a da Bíblia.Quase esqueci e quase perdoei. Falta um tiquinho…eu chego lá. Porque já estou no chegadinho, no azul daquele rio de pano…



Era uma vez um barquinho 

Descobri que sempre é hora de começar algo novo, de forma inteira.

Sylvia Orthof, foto de Tato, cuja pintura (O Trapezista) atrás de Sylvia foi pintada por ele. Casa de Petrópolis, 1973


De volta a Petrópolis, Sylvia retoma o contato com a família e os velhos amigos. Entre eles, Tato e sua esposa Póla, que em 1972 morre num trágico acidente de automóvel. Os dois amigos agora são viúvos e, da amizade, nasce um lindo romance, que daria inúmeros e saborosos frutos literários. A mãe escritora, o pai ilustrador.

— Sylvia Orthof, por favor… (quando ele implica, ele usa o meu nome inteiro. Quando fica com raiva, aí fala o nome inteirézimo: Sylvia Orthof Gostkorzewicz… uf! Puf!). Você vai levar esta malona, ó Sylvia Orthof Gostkorzewicz?

Furtacor voou pela janela e foi tomar um suco de rosa, porque toda vez que ele escuta meu nome inteirinho, ele se sente mal. Mas a culpa não é minha, é que casei com Samuel Gostkorzewicz, vulgo Tato, e fiquei com este nomão palavrótico!

— Ora, Samuel Gostkorzewicz, vulgo Tato, eu preciso levar roupa de calor, para o sol de Salvador. E roupa de chuva, para a chuva de Salvador, ai, Deus me acuda! E quer fazer o favor de se meter com a sua mala e não implicar com a minha?

Zoiúdo, o monstrinho que bebia colírio, Sylvia Orthof

O destino nos juntara. Éramos dois amigos, viúvos, em novo rumo.


Os Gostkorzewicz fazem as malas, reúnem as economias e vêm para o Rio realizar sonhos e dar vida a novos projetos. Depois de muita procura, Sylvia compra uma casa no bairro de Laranjeiras, na rua Cardoso Júnior, que batiza de Casa de Ensaio: “Custei a encontrar e, quando consegui, nem acreditei. Fico sempre pensando que, a qualquer momento, vai passar uma rua por aqui e vão demolir a casa.” (…) Um espaço com área, quintal, natureza, onde a ideia é aprender fazendo e brincando. Arte e a criatividade “nos mesmos moldes de uma família circense, com adultos, adolescentes e crianças reunidas várias vezes por semana para desenvolver seu potencial criativo”. Um curso libertário, cujo método não exige didática, mas sim “assiduidade, disciplina”. Os professores estão longe de se considerar “donos da verdade” – “é uma troca de experiência” – e os alunos não se dividem em grupos por idade.

De 1949 – minha estreia – para cá muita coisa aconteceu, mas o teatro continuou comigo e cresce a cada dia. (57)


“A atriz Sylvia Orthof, ex-integrante do TBC, e ex-diretora da Oficina de Teatro de Brasília, está iniciando um novo trabalho no Rio, numa casa velha em Laranjeiras a qual deu o nome de Casa de Ensaio. Funcionará ali, a partir de outubro, um curso que, segundo Sylvia faz questão de frisar, não se propõe a formar atores e sim educar através do teatro. A equipe do curso é integrada pela própria Sylvia (teatro e artesanato teatral), Suzana Braga (expressão corporal) e Maria Lia (dança) e numa primeira fase serão dadas aulas de História do Teatro ao vivo, com os respectivos trajes, cenários e máscaras (…) A Casa de Ensaio produzirá espetáculos, o primeiro dos quais será o belo poema dramático O Carteiro do Rei, de Rabindranath Tagore, que vai ser levado num circo, e pretende dirigir-se ao público de todas as idades.”

Yan Michalski, Jornal do Brasil, 15.09.1974

(…) O tempo passou, mas eu precisava dar um rumo profissional a minha vida. Recebi um convite de Carlos Kroeber (58) para trabalhar no teatro, ao lado de Tônia Carrero. Meus filhos estavam abalados, morando no Rio, sem pai, tudo diferente, difícil… O convite era maravilhoso, mas não aceitei… Eu não deveria, naquele instante, deixar as crianças sozinhas, à noite, enquanto voltasse a trabalhar como atriz.

Resolvi seguir meu instinto materno, mas fiquei abalada. Agira certo? Era uma grande oportunidade.

De repente, no jornal, eu li que havia um concurso de dramaturgia infantil, promovido pelo Teatro Guaíra, no Paraná. Falei pra Claudia: “Filha, vou tentar ganhar este concurso. Vou escrever uma peça, ganhar o primeiro lugar, levar o espetáculo para o Museu de Arte Moderna e assumir um trabalho que não seja noturno. Vou ganhar! Ninguém precisa deste prêmio mais do que eu!”

Escrevi A Viagem de um Barquinho, enviei o texto sob pseudônimo. Por via das dúvidas, fui comprando bilhetes de loteria numa esperança de sair do buraco (…)

Certa noite, recebi um telefonema: eu ganhara o primeiro lugar (…) Quem telefonava era a grande Ana Maria Machado, queria saber quem eu era… (…) Foi assim, através de um rio azul, de pano, um rio de faz de conta (…) que Ana Maria Machado pulou dentro da minha vida e virei escritora (dizem) de textos acriançados-adultentos (…)

Sylvia Orthof vendo o Aterro do Flamengo, na época da primeira montagem de A Viagem do Barquinho, 1975


Nada como um sonho realizado. A Viagem de um Barquinho não apenas conquista o primeiro lugar no concurso como estreia no Museu de Arte Moderna, o MAM. Sem didática, sem moral, sem bons x maus, a peça conta a história de um barquinho que anseia pela liberdade. A produção é familiar: os cenários são desenhados pelo marido Tato – um varal de roupas brancas e um rio azul feito com uma peça de tecido – e no elenco estão a filha Cláudia, fazendo o papel da Lavadeira, e o filho Gê, dando vida ao Barquinho: “A pior coisa do mundo é ser feliz para sempre.”

(…) Antes da estreia, uma grande tristeza. Minha mãe, a querida contadeira de histórias Trude, faleceu de um ataque do coração. Fiz o espetáculo em homenagem a ela, dentro da dor, sem contar pra ninguém (…)  


Hoje à tarde, no MAM, um barquinho vai se lançar em viagem teatral pelo meio das crianças, procurando a liberdade. A peça de Sylvia Orthof ganhou o primeiro prêmio no Concurso de Textos para teatro infantil (…) e agora inicia seu percurso do palco à plateia. Mas os caminhos de Sylvia Orthof vem de muito mais longe (…) E já escreve para criança há muito tempo:

– As primeiras coisas que eu escrevi para crianças foram feitas no sul da Bahia, em Nova Viçosa, antes de Zanine descobrir o lugar. Fui pra lá com meu marido, que era pediatra. Isso foi há uns 18 anos, e queríamos trabalhar numa cidade pequena.

Sylvia lembra esse tempo com emoção. Fala nas pecinhas que escreveu e nas história que contou para a criançada da região, na escolinha da professora Mariá e de Dona Nunuca. Lembra a figura de Seu Lolô, de vozeirão e charuto, dono de serraria e homem do mar, negociante a conviver com uma lenda viva, atestada pelas marcas de flechadas índias pelo corpo. Desse ambiente e desse incentivo de uma realidade vivida, ficou a vontade de falar com as crianças. E de falar do mar e de navios. Mar, navios e crianças, entendidos como símbolos diferentes para uma coisa sempre procurada: a liberdade.

Durante anos (…) Sylvia lidou com crianças e com teatro. Foi pra Brasília. Teve um programa infantil na televisão, Teatro do Candanguinho, montando um espetáculo por semana, com bonecos originais e aprendendo com seu fazer quotidiano. “Foi uma experiência ótima (…) Uma peça diferente a cada semana, com novos personagens, novos bonecos (…) Erramos muito. Mas era um desafio permanente, aquele programa semanal ao vivo. E a gente ia aprendendo.”

Depois, teve um programa de rádio, para crianças, aproveitando a ideia do Candanguinho. Trabalhou na UnB. E na cidade satélite de Taguatinga, no Teatro do Sesi, uniu as experiências de teatro adulto e teatro para crianças, ideia que não abandonou mais. Acredita que teatro é um só, com as mesmas exigências, o mesmo rigor no apuro da qualidade. O de crianças talvez seja mais difícil, ao provocar que se fale com um público cuja psicologia é diferente de quem está criando para ela. Mas o importante, sempre, é montar aquilo que o coração tem vontade, como Sylvia faz questão de frisar.

A Viagem do Barquinho se faz na confluência de todo esse trabalho, de anos de experiência. E representou também uma tentativa nova: a de começar a ensaiar com tudo pronto, em matéria de cenário, figurinos, iluminação, objetos, que foram feitos enquanto os atores estudavam os papeis.

– Isso corresponde a uma preocupação com o aprimoramento do artesanato teatral. Quisemos fazer primeiro com a mão o que vamos querer atingir com a cabeça. Isso implica um grande respeito ao material de trabalho. A mão vale mais que o dinheiro, ela faz melhor. Nós não temos contrarregra, nós mesmos nos juntamos para fazer o espetáculo. Aprendemos a respeitar os bonecos, as cadeiras, não jogar nada pelos cantos, não tropeçar nos fios, sentir a luz…

Outra preocupação do grupo de Sylvia em sua Casa de Ensaios, preparando essa montagem, é a seriedade do teatro.

– É fundamental manter o texto, não brincar em cena, não deixar o espetáculo degringolar no decorrer da temporada. Há tanta peça que começa bem e depois vai se enchendo de cacos…Nós fazemos questão de respeitar a dignidade do teatro.

Com esse nível de responsabilidade no trabalho, é compreensível que o grupo ache que essa produção não teve dificuldades, fluiu naturalmente, pois o barquinho deslizou. E de tudo isso, para Sylvia, que tem dois filhos trabalhando na peça, ficou a alegria de uma lição aprendida com o próprio texto que escreveu:

– Eu não queria que meus filhos fizessem teatro, queria poupar a eles esse sofrimento permanente. Mas meu personagem descobre que só é barquinho para quem o fez. Para ele mesmo, já é um navio. E como é que alguém pode dizer que ama seu barquinho e querer ser dono da liberdade dele?

Pois embora barquinho de papel, para ele o caminho é aberto e infinito. Soprado pelo vento da poesia, de riacho em riacho à procura do espaço livre e azul do mar.”

Ana Maria Machado, O alegre barco da liberdade ancorou no MAM, Jornal do Brasil, 15.03.1975


“Uma viagem deve ser uma festa” – diz a lavadeira, convidando as crianças. Uma viagem poética e cheia de ternura. “Ir e voltar sem tempo de chegar”. Um constante sentimento de soltura, de busca, de aventuras e descobertas. “Só gente sem imaginação é que não pode voltar”. “As nuvens ultimamente andam tão sem responsabilidade”. Ou “como é que você pode amar uma pessoa e querer que ela seja só sua?” “Você vai cometer a infelicidade de ser feliz para sempre.”

A música de Chico Moreira é bonita, terna. Todo o clima que envolve o final deve sua eficácia à música do barquinho. Peça inteligente e que foi montada com muito cuidado e certo brilho, estabelecendo momentos de poesia e beleza.”

Elenco: Claudia Orthof, Silvia de Silva, Gê Orthof, Reginaldo de Silva.

Clovis Levi, A Viagem de um Barquinho, O Globo, 18.03.1975

A Viagem do Barquinho, Sílvia de Silva e Claudia Orthof, MAM, 1975


“No MAM, A Viagem de um Barquinho retoma o velho tema da procura, o mito da demanda, as antigas narrações de viagem que marcaram a literatura desde seus momentos mais remotos. Aparentemente, é a história da busca de um barquinho desaparecido. No percurso, o que se descobre são outras coisas: a disponibilidade para a vida, a poesia, a liberdade que se faz a cada momento, no respeito à liberdade do outro. Assim, quando o patinete é deixado pelo caminho, ao lado do cavalo verde, já se antecipa a compreensão de que também o barquinho é livre para não ter dono, já que se associa amor e liberdade. O espetáculo traduz ao vivo esses elementos do texto, na vital alegria de brincar, na disponibilidade de criar e fantasiar com qualquer elemento (…) Os bonecos, a música, os adereços, a iluminação (inclusive nos personagens-luz como o vaga-lume e a coruja), os cenários, os figurinos, tudo indica o cuidado e a seriedade da produção, o respeito pelo ato teatral, o carinho pela criança. O texto teve o primeiro prêmio no Concurso do Guaíra. Se todos os textos premiados nos recentes concursos se materializarem em montagens desse nível, está começando uma nova e fecunda etapa no teatro infantil brasileiro.”

Ana Maria Machado, Onde levar as crianças, Jornal do Brasil, 22.03.1975


Além do texto e da direção, Sylvia se encarrega da produção através da sua Casa de Ensaio. Com oito dos dez mil cruzeiros obtidos com o dinheiro do prêmio, ela levanta o espetáculo sem qualquer patrocínio estatal ou privado e conquista todas as plateias.

A Viagem de um Barquinho é “a história de uma lavadeira que está lavando roupa num rio de mentirinha. Chega um menino chorando, porque o barquinho dele fugiu pelo rio. Partem então os dois numa viagem fantástica, mágica, à procura do barquinho. No caminho encontram vários personagens. E, no final, descobrem que ninguém é dono do seu barquinho, porque este, mesmo sem conhecer o mar, tem que correr para ele.


“Nesse vasto mundo, há muita “gente de teatro”. Talvez apenas um punhado que seja o próprio “teatro em gente”. Sylvia Orthof é uma. Quem teve a sorte de assistir algum espetáculo produzido, escrito ou dirigido por ela não esquece nunca mais.

Fomos procurá-la no MAM, numa tarde chuvosa de domingo. Os anos passam, mas Sylvia continua sua viagem encantada, com o mesmo entusiasmo, a mesma expectativa ansiosa de uma debutante. Dentro de alguns minutos vai começar a peça e enquanto fala diante do gravador está sempre alerta à porta de entrada, aos que vão entrando, ao cenário, à iluminação…

– Resolvi montar este espetáculo com o prêmio que ganhei no Concurso (…) Não temos subvenção de espécie alguma e estamos tirando a prova dos nove: verificar se, em teatro, pode se fazer alguma coisa sem pedir sempre. Eu acho que a gente pode. É só não ter sonhos muito grandes, montar espetáculos em que a própria pobreza funcione como um elemento positivo. Por exemplo, esse cenário aqui não tem nada, apenas algumas roupas penduradas (todas emprestadas ou dadas), dois refletores, que não são nem refletores de teatro, e um projetor (a única coisa que compramos).

– Aqui, no Museu, o preço único de entrada é de 15 cruzeiros, porque achamos que  criança que frequenta o Museu pode pagar esse preço. Quando formos para os subúrbios, os bairros mais pobres, vamos cobrar apenas 5. Você sabe, não se pode dizer nunca que teatro é rentável, mas estamos nos aguentando bem. Abrimos a 15 de março e, desde então, temos tido casas sempre cheias (…) Se continuarmos assim, quando acabarmos essa, teremos condições de montar outra (…) Vai ser também uma peça infantil (…) Agora estou muito na fase de mãe, acho criança uma coisa maravilhosa. Além do mais, no teatro infantil não há a barreira da censura, a liberdade de criação é total.

– Sempre vivi teatro assim, misturando, de acordo com o meu estado de espírito. E acho que deve ser assim, teatro para adultos, infantil, comédia, drama, tragédia…Tudo é teatro e ninguém deve ficar restrito apenas a uma área. É por isso que estou lutando agora para que os grupos rompam as barreiras e as classificações: o importante não é fazer teatro para gente grande ou teatro pra gente pequena, é fazer espetáculo, em qualquer dos casos, com a mesma seriedade e o mesmo cuidado.

– Creio que nesta peça estamos tentando fazer alguma coisa realmente nova: um espetáculo que divirta as crianças e atinja os adultos que acompanham as crianças. Então, meço o sucesso da peça, não tanto pelos gritos das crianças, como pela atenção dos adultos (…) Tenho notado que os pais saem satisfeitos, como quem, libertando-se de memórias idealizadas pelo tempo, revive seus sonhos infantis. Entram adultos e crianças saem, talvez por breves momentos todos crianças, muito próximos.

– Não, não tenho medo de trabalhar para crianças. Tudo que a gente faz de autêntico, tudo que a gente faz com a gente mesmo… Acertar, sempre, é impossível, por isso acho que todo mundo deve ter a coragem de errar, contanto que seja sincero.

Acho que o pior, hoje em dia, nos pais, é o medo de errar. Medo permanente que, às vezes, reprime explosões legítimas. A gente erra tanto, as coisas mudam tão depressa que, o que hoje é verdade, deixa de ser amanhã.

Estava na hora. Sylvia levantou-se e tomou lugar junto ao cenário. Crianças e adultos foram entrando e sem que nada lhes fosse indicado, as crianças sentaram no chão, junto ao palco. Os adultos nas cadeiras. Apesar da chuva, a casa encheu. Sylvia deu várias batidinhas alegres num tambor. Depois, as três regulamentares. E abriram-se as portas do mundo da magia. E olhei a cara dos adultos: Só vi crianças.”

A viagem encantada de Sylvia Orthof, Tribuna da Imprensa, 18.05.1975


O espetáculo fica em cartaz no MAM até o final de junho, ancorando no primeiro fim de semana de julho de 1975 no Teatro Senac, em busca de novo público. Começava uma época boa para o teatro infantil, com novos grupos, linguagens, encontros e seminários cênicos ligados à dramaturgia para crianças. Em sua coluna do Jornal do Brasil, Ana Maria Machado comenta a observação de Yan Michalski de que “havia uma proporção muito maior de montagens de alto nível no setor de teatro infantil do que a que se oferecia aos adultos”. Embora, na visão de Ana, isso se devesse “mais à melancólica indigência do panorama da atual temporada teatral para gente grande do que a qualquer momento de excepcional vitalidade entre os espetáculos destinados às crianças”, a crítica e escritora estava sempre assinalando a presença de grupos sérios nos palcos, como os liderados por Ilo Krugli, Maria Clara Machado, o Grupo Quintal, Sylvia Orthof. “As dificuldades em mostrar esse trabalho é que estão sendo muito grandes, pela eterna condição de marginalidade do setor, obrigado a viver de favor (e pagando) nas sobras de palco dos adultos”.

Em sua coluna no jornal O Globo, o dramaturgo e colunista Clóvis Levi segue diapasão semelhante, sinalizando a importância dos adultos na escolha das peças: “Bruxas sempre feias, fadas sempre lindas, lobos maus, príncipes louros, belos, bons e justos: ainda há lugar para isso na sensibilidade e no senso crítico da criança de 1975? (…) Ao se informarem mais sobre o processo de criação, os pais terão maiores possibilidades de influenciar o panorama do teatro infantil, apoiando montagens que apresentem textos de melhor qualidade”. Na mesma coluna, vemos um depoimento precioso de Sylvia sobre seu processo criativo, a estrutura e as temáticas do texto, a censura e a crítica e os velhos preconceitos que rondam o teatro para crianças.

“Quando sento para escrever, a única coisa que tenho em mente é a necessidade de fugir da luta entre o Bem e o Mal, tema demasiadamente batido. Para mim, a peça infantil deve ter um caráter poético, uma abertura, não dizer tudo, fazer a criança pensar. Não se deve fechar muito o texto, porque as coisas são mutáveis (…) Os pais também são público: o texto deve se preocupar também com eles. É sempre preferível exigir mais – mesmo que a criança não entenda tudo – do que dar menos. Criança é manhã, e um texto para ela deve criar muitas surpresas, muitas indagações. Um texto que permita que pais e filhos conversem sobre a peça e se enriqueçam.”

“Não acredito em começo, meio e fim; uma peça deve ser um acontecimento. Um adeus pode ser uma porta aberta – apesar de ser algo triste – porque sempre prepara uma mudança. Para ser bom, o autor deve conhecer teatro, antes de mais nada. Depois saber brincar com o texto e com sua fantasia, duvidar um pouco daquilo que escreve, não se sentindo dono da verdade. E só escrever quando não puder deixar de fazê-lo, quando for uma real necessidade interior.”

“Gosto muito de brincar com símbolos. Aí me divirto. Gosto de misturar e destruir os símbolos, transformá-los em outros. Hoje, todos são contra as histórias da carochinha, contra os mitos dos heróis perfeitos. Não sei se é um preconceito nosso. O importante é que a criança não saia do teatro frustrada ou com medo.”

“O uso do boneco é indiscutível: é o símbolo do brinquedo, ajuda a encher o palco. A pobreza enriquecendo o espetáculo.”

“Gosto muito de Maria Clara Machado, do Grupo Quintal, do Ilo Krugli (…)”

“Acho importante que haja uma crítica severa, que não tenha peninha, que não vire amizade. Pode funcionar como um fator de melhoria da encenação. Há vezes em que concordamos com o crítico, queremos alterar o espetáculo e a censura não deixa. Teria de haver um novo atestado liberatório.”

“Era preciso que artistas experientes e com talento fizessem teatro infantil. Não entendo certos atores que trabalham em péssimas peças adultas e que falam com desdém do teatro infantil, que está lutando muito e precisa da ajuda deles. Penso, também, que deve haver mais concursos, mais prêmios, mais publicidade para que as peças saiam da gaveta. Escrever para crianças é um trabalho que exige dedicação, pesquisa, imaginação. Tanto quanto escrever para o teatro adulto. Mas alguns ainda pensam que o teatro infantil é mais fácil… “.

Clóvis Levi, Fadas e Bruxas, O Globo, 06.07.1975


Leopoldina e Jubilosa

Estaçao:
Bom dia, minha gente,
vamos todos viajar?
Quem quiser viver contente
venha logo embarcar!

Locomotiva:
Minha vida é viajar!
Sobe e desce, desce e sobe,
pelo caminho do trem!
Meu nome é Leopoldina,
locomotiva faceira,
sou a senhora primeira,
primeira-dama do trem!
Píííííííííííííí!
Mas minha vida é sofrida,
triste sorte, triste sina,
vou puxando pelo mundo
este meu filho menino
que não quer saber de nada,
vive de roda enguiçada:
Zé Vagão da Roda Fina!

Zé Vagão:
Mãe…minha roda tá doendo,
a rosca está apertada,
minha junta está cansada,
eu não gosto da estrada…
Puf…puf…pof…pof! (…)

Locomotiva:
Quando corro bem contente,
ele diz que está doente!
Quando vou pro outro lado,
ele diz que está cansado!
Puf, puf, pof, pof,
padeço num paraíso!
Pííííííííííí!

Zé Vagão:
Eu não gosto de andar no trilho,
não gosto de ser puxado por mãe, puf! (…)
Mas quero crescer depressa,
mamãe sempre está com pressa.
Quero ser bem grande e forte
pelo sul, pelo norte… (…)


“Como sair dos trilhos quando se está atrelado a uma supermãe?” Em setembro de 1975, dia 10, Clóvis Levi anuncia em sua coluna de O Globo que Sylvia Orthof está estreando sua próxima peça, Zé Vagão da Roda Fina e sua Mãe Leopoldina no Teatro SENAC. “A estreia é aguardada com expectativa, pois a autora foi a responsável pelo poético A Viagem de um Barquinho – para mim, o melhor espetáculo do primeiro semestre”. Opinião compartilhada com o Jornal do Brasil: em nota que comenta o fim de semana dominado pela Feira da Providência – “aquela multidão não cria exatamente um ambiente ideal para se levar criança pequena”, o Caderno B divulga a estreia da nova peça dirigida e produzida pela autora Sylvia Orthof, responsável pela montagem de A Viagem do Barquinho, “seguramente uma das mais importantes realizações do setor este ano”. No elenco, Gê Orthof, como Zé Vagão, Ingrid Vorsatz, como Locomotiva Leopoldina, Braz Henrique e Maria Alice no canto e violão e Lais Dória na pele da simpática Bruxa Jubilosa, “ligeiramente bruxenta, a favor da roda-gigante, dos banhos de mar e da liberdade de voar na minha vassoura”.


“Trabalho para criança é coisa séria. Muito séria. É o tipo do setor em que boa intenção apenas não consegue impedir resultados desastrosos. Exemplo disso se multiplicam no setor de ensino de escolinhas de arte, de teatro. Especificamente na área de teatro infantil o panorama cultural carioca tem revelado uma série de experiências que se iniciam cheias de planos positivos e louváveis (às vezes sonhadores e mirabolantes) e que, na hora da execução prática, acabam indo por água abaixo.  Felizmente, há exceções (…) Agora este fim de semana inicia sua temporada a mais recente produção de Sylvia Orthof, Zé Vagão da Roda Fina e sua Mãe Leopoldina – o resultado de quatro horas diárias de ensaios desde junho, dentro de uma rigorosa disciplina que não tolera atrasos dos atores e que não desculpa qualquer tendência a facilidade ou a auto-indulgência. Como explica Sylvia:

“Trabalhamos em clima de muita concentração (…) ginástica, colocação da voz (…) Daí tudo se desenrola abertamente e com muita liberdade de improvisação, dentro de um sentido de equipe. É um método de trabalho dinâmico, permitindo constantes mudanças. O espetáculo começa muito maior. Nas duas semanas finais é o momento da depuração – corta-se muita coisa para acertar o ritmo.”

Outro aspecto ligado à disciplina do grupo é a questão do horário para iniciar o espetáculo. O elenco faz muita questão de respeitar o horário. Mas, em sua produção anterior (A Viagem de um Barquinho), a realidade acabou impondo problemas inesperados. Após o início da peça, rigorosamente na hora, os espectadores não eram mais admitidos na sala, para não incomodar os outros nem o ritmo do espetáculo. Mas as crianças começavam a chorar do lado de fora, frustradas por não verem a peça.

“Aí, nós vimos que não estava certo castigar as crianças por causa de um erro dos pais. Ao mesmo tempo, não se pode permitir que todo mundo fique entrando na hora que bem entende. Teatro é coisa séria. E as crianças que chegam na hora merecem ser respeitadas.”

Desta vez, uma tentativa de disciplinar a plateia gradativamente: o espetáculo começa na hora, mas começa com a arrumação do palco. Os atores vão entrando mostrando o espetáculo do teatro em desordem (…) e compõem sua própria cenografia. É um esforço de ensinar a plateia a respeitar horários. É também o happening de uma história. E, ao mesmo tempo, é um grito do teatro infantil em relação a seus problemas, tendo sempre que viver por favor no meio de um cenário dos adultos, ou ocultá-lo com biombos, que seria uma solução semelhante a encontrada em A Viagem do Barquinho, e o grupo recusou por sua facilidade obvia: Sylvia Orthof faz questão de frisar que não critica a companhia de Sergio Britto, que ocupa o teatro à noite:

– Eles tem sido maravilhosos conosco. No fundo, nós é que estamos atrapalhando o teatro deles.  O problema não é do nosso relacionamento, é da situação geral do teatro infantil no Brasil. Será que seria muito difícil que o SNT (Serviço Nacional do Teatro) conseguisse umas três salas de espetáculos só para crianças?

Outras sugestões que Sylvia faz ao SNT para maior apoio ao teatro infantil: ajuda na divulgação do que é bom, inclusão de chamadas para teatro infantil na TV, incentivar também os atores além dos prêmios para produtores e autores. Como Zé Vagão, o personagem de sua peça, ela acredita que é preciso tentar sair dos trilhos já traçados na estrada e descobrir as coisas boas da vida, que nem sempre estão à espera na margem do caminho. Mas sabe que sair dos trilhos implica fazer seu próprio caminho. E isso requer trabalho e dedicação.”

Ana Maria Machado, Suando a camisa e saindo dos trilhos, Jornal do Brasil, 14.09.1975


“Depois do enorme sucesso de A Viagem de um Barquinho, a Casa de Ensaios (…) traz agora outra peça (…). Agora, em vez de um barco, são dois trens. A procura da afirmação individual através da liberdade de trilhar seus próprios caminhos continua sendo uma das preocupações dominantes da autora, Sylvia Orthof. Agora o tratamento é menos genérico e poético, concentrando-se num problema bem concreto e comum, acessível a todas as crianças: a dominação materna e a evolução das gerações (inclusive apresentando a tradicional cumplicidade afetiva entre avós e netos). Como assunto, é muito interessante e muito próximo da realidade emocional da criança e seu dia a dia. O acabamento teatral é de primeira qualidade, com os atores soltos e à vontade (Lais Dória criando uma marcante Bruxa Jubilosa). Os bonecos e figurinos são muito bons. A música fornece um apoio sólido ao andamento da narrativa, com a vantagem de ser ao vivo, coisa cada vez mais rara nas produções para crianças. Outro elemento que se destaca, principalmente por comparação ao restante das peças infantis, é a iluminação – bem cuidada, integrada no tom geral do espetáculo. De início, a história se desenvolve um pouco lentamente e o ritmo geral se ressente um pouco disso – mas logo o espetáculo se levanta e dá a volta por cima. Vale a pena ir assistir a essa viagem em busca de si mesmo, com a ajuda da emoção, que fez o Zé Vagão da Roda Fina. E é fascinante a bruxa Jubilosa, saindo dos estereótipos de bruxa má e bruxa que se recusa a ser má, eternos clichês do nosso teatro infantil desde que Maria Clara Machado criou sua notável Bruxinha que era boa.”

Ana Maria Machado, A supermãe vai ao palco, Jornal do Brasil, 27.09.1975


“- A senhora censura meus ouvidos, mas meus olhos enxergam, mãe.

– Mãe Locomotiva é mãe de ferro / Filho é para a mãe tomar conta.

A Supermãe Leopoldina é antiquada, procura educar seu filho protegendo-o do mundo, em vez de estimulá-lo a se expor perante cada nova experiência que surja. Seu filho – Zé Vagão da Roda Fina – sofre com isso, mas não tem forças para mudar essa história. Mas quando surge a Bruxa Jubilosa… Uma cúmplice. Uma bruxa às avessas, que tem como objetivo a defesa dos sábados, domingos e da roda gigante. Ela quer tirar Leopoldina e Zé Vagão dos seus trilhos, que os levam sempre para os mesmos lugares.

“A encenação corre bem. Tem força visual. Bom acabamento. Sylvia não conseguiu vencer a barreira do pouco espaço. O espetáculo conta com cenas muito expressivas e envolventes (…) Elenco homogêneo e eis o maior mérito da direção de Sylvia. (…) Uma montagem bonita, inteligente, com belas músicas, expressivos figurinos e que diverte muito as crianças pelo encantamento de Jubilosa e dos trens (…)”

Clóvis Levi, O Globo, 28.10.1975


Outro sucesso. As plateias lotam, os críticos aplaudem e recomendam, a autora é sempre convidada para palestras, mesas redondas e
encontros sobre teatro. Na campanha da Kombi, que todo mês de dezembro percorre os bairros da cidade vendendo a preços populares ingressos para peças teatrais, é o espetáculo infantil mais procurado. Enquanto isso, seu Barquinho continua recebendo aplausos, sendo publicado e indicado a prêmios e com uma nova montagem estreando em setembro de 1975 assinada pelo Teatro de Comédia do Paraná, uma companhia teatral mantida pela Fundação de Teatro Guaíra. A autora está nas nuvens.


“No último fim de semana, em Curitiba, a Fundação Teatro Guaíra lançou oficialmente seu livro Cinco Textos para Teatro Infantil com as peças premiadas no seu concurso de dramaturgia do ano passado. Paralelamente, uma homenagem e uma emoção especiais para Sylvia Orthof, ganhadora do primeiro prêmio: a alegria de ver encenada por um grupo paranaense a sua Viagem de um Barquinho (…) De certo modo, essa montagem consagrou e confirmou a permanência do texto como uma das melhores peças de nosso teatro infantil. Já montado no Rio pela autora, agora em concepção bem diversa (sem bonecos, com mais espaço e maiores recursos, contando com um inesquecível Sol que desce do céu como figura chinesa), vem comprovar que é um texto de singrar sozinho os mares teatrais, mesmo mudando de timoneiro.”

Ana Maria Machado, Jornal do Brasil, 30.11.1975


Em janeiro de 1976, o SNT publica a lista dos melhores do teatro de 1975. No Rio de Janeiro, na categoria adulto, Mockinpoti, de Peter Weiss, apresentada pelo Teatro Arena de Porto Alegre; O Voo dos Pássaros Selvagens, de Aldomar Conrado, A Noite dos Campeões, de Jason Miller; Corpo a Corpo, de Vianinha – “a primeira peça encenada em 1975 e também a última do dramaturgo brasileiro”; e Pano de Boca, de Fauzi Arap. Na categoria infantil, a comissão julgadora formada por Lucia Benedetti, Ana Maria Machado e Clóvis Levi escolhe A História da Moça Preguiçosa, de Maria de Lourdes Martini; Da Metade do Caminho ao País do Último Círculo, de Ilo Krugli; Criançando, de Marilda Kobachuki pelo grupo Carreta; Maria Minhoca, de Maria Clara Machado; A Viagem de um Barquinho, de Sylvia Orthof, que, como escreveu o jornal O Fluminense, “revelou uma outra faceta da notável atriz surgida no TBC”.  Ela está com tudo e não está prosa.

Em sua coluna, Ana Maria Machado aproveita o início de um novo ano para fazer um balanço, abordando questões sempre sensíveis ao universo do teatro para crianças. Como Ana escreve deliciosamente bem – além da inteligência e do conhecimento, tem um humor de cristal – acreditamos que você que nos lê também vai gostar de usufruir desse prazer.


“(…) Do ponto de vista quantitativo, o panorama do teatro infantil carioca se apresenta riquíssimo, chegando mesmo a superar 1974, que já oferecera o surpreendente número de 81 espetáculos. Em termos qualitativos, porém, a situação muda (…) um predomínio maciço de péssimas e apressadas montagens, sem qualquer respeito pela criança ou pelo teatro, de olhos puramente voltados para a bilheteria, contando com um lucro fácil, já que os cachês pagos aos atores são, em sua maioria, ridículos e degradantes e, além disso, os gastos com a produção geralmente se reduzem a um mínimo, na errônea concepção de que criança engole tudo. Assim, para os grupos mais prolíficos (alguns chegam a apresentar quatro peças diferentes por fim de semana), os figurinos e cenários transitam de um espetáculo para outro. A falta de qualquer cuidado na escolha do texto a ser encenado é outra constante: historinhas que beiram a debilidade mental alternam com péssimas adaptações dos contos de fadas tradicionais, quase sempre açucaradas, através de um processo de passar a limpo que elimina situações de conflito e dilui o significado mítico das histórias originais num esquema de perdão e arrependimento do vilão.

Esse aspecto não foi novidade de 1975, já vem de longe. Mas a proliferação desse tipo de espetáculo se acentuou muito nos últimos 12 meses, com as companhias que se dedicam ao gênero sofrendo um processo de divergências, cisões e dando filhotes – que, infelizmente, na maioria das vezes, continuaram a apresentar as mesmas coisas da companhia-mãe. Só para se ter uma ideia, basta lembrar que houve em 1975 nada menos que três diferentes versões de Os Três Porquinhos, três de Chapeuzinho Vermelho, três de Joãozinho e Maria, duas de A Gata Borralheira, além de Alice, o Soldadinho de Chumbo, Branca de Neve e uma profusão de bruxinhas, patinhas, ratinhas, reizinhos, macaquinhos, burrinhos e outros inhos. Para não falar que, em dezembro, foi possível escolher entre O Mundo Encantado de Papai Noel, No reino encantado de Papai Noel, Papai Noel e seu Mundo Encantado e Papai Noel no Reino da Cinderela, bastando a enumeração dos títulos para que se tenha uma ideia da criatividade e da originalidade dos responsáveis. A tendência é fazer o crioulo doido no palco para crianças foi também muito marcada em 1975, geralmente associada ao pastiche de criações alheias. Tivemos O Gato, o Rato e a Pantera Cor de Abóbora, Joãozinho e Maria contra o Pirata da Perna de Pau, Os Três Porquinhos e Gasparzinho, o Fantasma Camarada

(…) No outro prato da balança, se 1975 não chegou a ver em teatro infantil nenhum espetáculo excepcional que se comparasse a História de Lenços de Ventos no ano anterior, em compensação teve um número razoável de produções de bom nível e bela feitura teatral. Nesse sentido é que se pode afirmar com segurança que foi um ano muito bom para o teatro infantil carioca. Refletindo esse lado positivo, foi possível apontar num balanço do ano mais de uma dezena de montagens de qualidade.

Entre os bons momentos do teatro infantil carioca em 1975, os destaques vão, seguramente, para os cinco espetáculos escolhidos como melhores do ano pela comissão nomeada pelo SNT. Estória da Moça Preguiçosa (…) do grupo Quintal trouxe aos palcos uma versão brasileira do velho tema do rapaz que ama a moça apesar de seus defeitos e resolve educá-la (…); A Viagem de um Barquinho também consagrou um texto premiado em um espetáculo inteligente e de grande beleza visual (…); Sylvia Orthof também encenou Zé Vagão da Roda Fina enfrentando a supermãe Leopoldina com humor e inventiva (…)

Ana Maria Machado, Jornal do Brasil, 05.01.1976



Dramaturgia bicampeã

Acompanhando esse momento de virada do teatro para crianças, a companhia de aviação Air France decide estender o Prêmio Molière aos artistas, grupos e espetáculos que se dedicam a fazer teatro infantil. Todos festejam a iniciativa, apesar do regulamento prever a escolha de apenas uma pessoa por peça estreada na temporada. Premiar apenas um indivíduo em uma atividade essencialmente coletiva em que grupos se destacam mais do que pessoas é tarefa mais do que árdua, dolorosa. “Quem tenha visto os cinco espetáculos selecionados como melhores do ano pode avaliar as dificuldades de uma decisão desse nível (…)” – escreve Ana Maria Machado. “Principalmente entre Maria de Lourdes Martini dos Santos, Sylvia Orthof e Ilo Krugli, responsáveis pelos trabalhos mais originais, estimulantes e deflagradores entre eles. Qualquer um dos três merecia o prêmio (…)”

Ganhou Maria de Lourdes e, através dela, o grupo Quintal e “todos que se dedicam a fazer teatro para crianças com sensibilidade, talento e respeito ao universo infantil”.  Mas tanto Ilo Krugli – “com sua instigante proposta de uma forma nova de ver e fazer teatro para crianças” – quanto Sylvia Orthof – “com seu trabalho sólido e profissional” – não perderiam por esperar.

E nossa protagonista logo teria motivos para comemorar, emplacando mais um primeiro lugar no concurso de peças infantis do Paraná. Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove surpreende os jurados da Fundação Teatro Guaíra – que não conseguiram conter “uma série de exclamações” quando foi aberto o envelope que identificava o autor da peça premiada – e faz de Sylvia Orthof uma legítima bicampeã da dramaturgia infantil.

Repercutindo as impressões da Comissão Julgadora do II Concurso Nacional de Textos para Teatro Infantil promovido pela Fundação de Teatro Guaíra, da qual ela fez parte, Ana Maria Machado lamenta a “pobreza dos textos (inscritos) em flagrante contraste com o panorama do I Concurso” e dá voz a autora da peça vencedora.


“A maioria dos concorrentes não sabe escrever, não conhece português, não entende de criança, não revela possuir noções mínimas de dramaturgia e de teatro (…) A quase totalidade dos textos que lemos deixava muito a desejar: os autores não sabem estabelecer um conflito dramático, empregam uma linguagem distante, artificial e cheia de chavões, não respeitam a sensibilidade e a inteligência da criança, não sabem fazer um personagem deixar a cena nem conseguem dotar suas criaturas de um mínimo de plausibilidade teatral. Mais grave ainda é a atitude que grande parte dessas peças revela: um convite ao imobilismo, ao conformismo, um paralisador medo de mudanças (“cada macaco no seu galho” é uma máxima que se repete), um permanente cercear da curiosidade e da exploração que marcam o mundo infantil (…)

De qualquer modo, o público logo vai poder julgar as qualidades da peça vencedora – Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove está com sua estreia marcada para o próximo dia 5, no Museu de Arte Moderna, revelando assim o segredo do mistério que cercava a próxima peça de Sylvia: todo mundo sabia que ela estava trabalhando, mas nem mesmo os atores conheciam o nome do texto que iam montar.

A história é igual ao título. Feita de impossíveis. Um chuveiro Manda Chuva é o patrão dos Pingos de Chuva. Manda e desmanda chover, manda todo mundo tomar banho (mas nunca toma). Quando querem falar com ele, não há audiência. Está sempre envolto numa cortina de plástico, ocupado e surdo, com água nos ouvidos. De repente, por conveniência própria, dá licença para um Pingo de Chuva chover e levar uma carta para Sereia que mora numa poça, localizada num Galinheiro. A partir daí, as coisas se desenrolam (…) Como em todos os espetáculos da Casa de Ensaio, o grupo termina o espetáculo em procissão, fora do teatro, simbolizando que uma história continua a existir, mesmo depois de contada. A gente leva a história para passear conosco, na nossa lembrança.”

Ana Maria Machado, Jornal do Brasil, 18.05.1976


Eu   chovo,   tu   choves,   chovemos, choveis
É  tromba  de  água  chovendo  em vocês!
Chuveiro   chatinho,   metido   a patrão,
Vai  ser  esfregado  com  água  e sabão! (Esfregam e banham o Chuveiro)
Se agora  eu  chovo,  é  revolução
Chuveiro teimoso, não manda mais não! / Perdoem o elefante
E  a  cera  do  chão
Ninguém manda-chuva no meu coração!
Que a boca que  eu  tenho
É  pra  dizer sim
Ninguém tem  direito
De  mandar  em  mim!
Eu chovo,  tu  choves,  chovemos,  choveis,
É tromba de água molhando vocês!


“(…) Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove é um espetáculo para agradar a todo mundo. Nele, as crianças vivem atentamente o desenrolar da história, desde o amor do patrão, Chuveiro, por uma sereia que mora no fundo da poça de um galinheiro, à transformação do Ovo Bonifácio num maravilhoso príncipe de cabelos verdes (…)

Com um cenário simples, bonito, nada pretensioso, Eu Chovo convence entre outras coisas por não ter o menor didatismo. É muito agradável molhar-se na sua chuva simpática, que tem até alguns toques de caráter social, muito bem arrumados no seu contexto (…)

Sylvia Orthof não teve a menor intenção de ensinar nada, como acontece em diversos espetáculos infantis, onde os autores pretendem sempre ditar regras morais e frequentemente chovem no molhado. A chuva do MAM cai de maneira linear, e entra naturalmente em contato com as crianças que saem satisfeitas (…)”

Marcia de Almeida, Jornal do Brasil, 12.06.1976


“Sylvia Orthof prossegue desenvolvendo, nesta terceira peça, sua preocupação temática básica: a necessidade de abertura. Se em A Viagem do Barquinho isso se demonstrava pela atuação da lavadeira despertando no menino a consciência de que o ser amado não deve ser aprisionado (além da necessidade de aventura e autonomia do barquinho); e se, em Zé Vagão, ficava clara a posição fechada da mãe Leopoldina, que desejava ter seu filho andando sempre dentro dos trilhos; agora, em Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove, tal preocupação é notada em dois níveis. Em primeiro lugar, na própria estrutura do texto, que é um renovar-se constante, uma contínua declaração de que as coisas são mutáveis (…) e, ainda, no festival de transformações que ocorre no desenrolar da trama (…) E o mais importante é que todas essas transformações não são causadas por mágicos toques de varinhas de condão. Todas as mutações são consequências do desejo e da ação das pessoas que resolvem reorganizar suas vidas, dirigindo elas mesmas seu destino (…)

A musicalidade de todo o trabalho, com um violão em cena, e com a utilização de conhecidas músicas de roda (com letras novas) criam um clima em que as crianças se deixam envolver. E o cuidado artesanal (além do talento criador) com os adereços e com os objetos de cena, de autoria de Tato e da autora, complementam a carga de magia sensorial. Volto a chamar a atenção para a segurança com que Sylvia dirige seus atores. O elenco formado por Maria Alice, Fábio Junqueira, Abelardo Jacobina, Hamilda, Gê Orthof e Lúcia de Oliveira funciona com bastante segurança e homogeneidade (…)

Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove, em cartaz na Sala Corpo e Som “A” do Museu de Arte Moderna, é um espetáculo recomendável para todas as crianças cujos pais não pretendem que os filhos sejam apenas passivos e conformados vagões correndo em trilhos já impostos.

Clovis Levi, O Globo, 27.06.1976


Em julho de 1976, com patrocínio da Fundação Guaíra em parceria com o Ciclo Nacional de Teatro e a Funarte, um novo Encontro Nacional de Teatro Infantil acontece em Curitiba. Debates, apresentação de espetáculos e uma estreia nacional, A Lenda do Vale da Lua, do grupo Carreta. Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove é um dos representantes da dramaturgia carioca,  junto com História de Lenços e Ventos (Ilo Krugli), História da Moça Preguiçosa (Grupo Quintal), Andar sem Parar de Transformar (Grupo Revisão). “Um conjunto com o melhor nível que já vi em qualquer festival do gênero”, escreve uma encantada Ana Maria Machado.


“(…) Ao fim de 12 dias de seminário, apresentação de peças, debates e um intenso convívio humano, o teatro infantil afirma sua presença forte, consciente e coletiva. Não é a glória, é a certeza de um trabalho que apenas começa. Mas que arranca força para chegar onde se quer (…) Está acontecendo alguma coisa de muito séria, digna e importante no teatro infantil brasileiro. Não acontece da noite para o dia. Foi o coroamento de longos anos de trabalho, da ação de pioneiros, da teimosia da gente do teatro, de uma inexplicável fé no poder teatral, de uma inabalável confiança na criança, e é preciso que se reconheça, também pode frutificar agora porque nos últimos dois ou três anos foi dado um mínimo de estímulo ao teatro infantil, sobretudo através do Guaíra e do SNT.

A repentina consciência de que a flor está começando a desabrochar foi um aspecto emocionante desse Encontro (…). Impossível não falar em emoção, quando ela era quase palpável entre os participantes (…) Como crítica de teatro infantil, já fui a uma porção de seminários, congressos e festivais, e sempre era o mesmo panorama melancólico: um bate-boca dispersivo, muitas vezes bem intencionado, mas meramente caótico, reivindicatório de atitudes paternalistas, dispersivo, girando em círculos. Desta vez, não. Quem estava ali, estava fazendo um trabalho sério, expondo-o ao debate com os companheiros e ávido por se analisar e se ver melhor (…)

Mas de fora dessa emoção foi possível ver logo de saída o que no fim se tornou evidente até para quem estava muito envolvido: o teatro infantil brasileiro está vivendo um momento de afirmação e desenvolvimento. Em primeiro lugar, pelo número de grupos que estão fazendo um trabalho consequente e de qualidade. Basta um exemplo: ainda estamos no meio do ano e já se tornou evidente que vai ser extremamente difícil selecionar, só no Rio, os 5 melhores de 1976. Quem dera que o teatro para adultos pudesse dizer o mesmo. Um segundo aspecto se refere à força cênica do trabalho que vem sendo desenvolvido e ao nível de exigência que esses grupos estão colocando para si mesmos (…)

No Rio, a dramaturgia brasileira para adultos está dando alentadores sinais de vida, com a presença de Gota d’Água e O Último Carro. Em Curitiba, este encontro serviu para demonstrar que, desta vez, as crianças não estão marginalizadas. Uma arrancada se configura e os responsáveis por ela estão em condições de manter a chama acesa. Um espaço para o debate e as próprias ideias e experiências não chegam a fazer milagres, mas confirmam que agora a luta não é mais um fardo sobre os ombros de cavaleiros solitários. O caminho é comprido e difícil, o chão é esburacado, a noite é negra. Mas agora os que fazem teatro infantil sabem que não estão inteiramente sozinhos. Podem apoiar os pés no seu trabalho, e estender a mão no escuro, que um companheiro segura.

Ana Maria Machado, Jornal do Brasil, 18.07.1976


Depois do Museu de Arte Moderna, Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove reestreia no Teatro Cacilda Becker e recebe um upgrade com o resultado da concorrência de patrocínio para montagens de teatro infantil no Rio e em São Paulo pelo SNT. O espetáculo foi um dos cariocas selecionados junto com A Verdadeira História da Gata Borralheira, Camelão e as Batatas Mágicas e O Patinho Feio, de Maria Clara Machado; Zartan, o Rei das Selvas, de Ilclemar Nunes; Faça do Coelho Rei, de Pedro Porfírio; Palhaçadas, de João Siqueira e O Patinho Feio, de Aurimar Rocha.

Era um momento especial em que o teatro para crianças – e todos aqueles que se dedicavam a ele – vinham sendo finalmente reconhecidos. Além dos concursos que estimulam a dramaturgia infantil promovidos pelo SNT e pela Fundação Guaíra, premiações que oferecem um auxílio financeiro aos espetáculos e artistas selecionados, como o Molière, que em 1976 vai para Ilo Krugli, “por seu trabalho na animação do Grupo Ventoforte e na criação do espetáculo História de Lenços e Ventos“. Em 1977, em resposta aos anseios de toda uma classe, surge o Mambembe, prêmio do Ministério da Educação e Cultura – o MEC – que irá contemplar no Rio e em São Paulo diversas categorias: melhor autor de peça nacional, melhor diretor, melhor ator, melhor atriz, melhor figurinista, melhor cenógrafo, melhor produtor, além de um prêmio especial para uma categoria que tenha se destacado e não tenha sido contemplada pelos outros prêmios.



Cantatim de Cantará, um Musical

Em meados de abril desse ano, Sylvia Orthof estreia um novo espetáculo, dessa vez um musical, com um título tão inspirado quanto a própria peça: Cantarim de Cantará, “a poética odisseia da liberdade de um pássaro em um dia da sua vida”. O palco é o do Teatro Glaucio Gill e, no elenco, estão membros do grupo Casa de Ensaio: Abelardo Jacobina, Gê Menezes, Gê Orthof, Lina do Carmo, Lúcia de Oliveira, Lucy Montebello, Maria Jacobina.


“Estreia hoje (…) o musical infantil de Sylvia Orthof, Cantarim de Cantará, uma peça que conta a história de um pássaro e de um dia, um poema que celebra a ânsia de liberdade, a necessidade de voar e de abrir as gaiolas. Ao mesmo tempo, exaltando as emoções de todo nascimento, de toda vida que começa (“quem quiser saber do novo / este ovo louvará”), acaba tendo alguns pontos de contato com Morte e Vida Severina, já encenado pela autora há alguns anos e fonte inconsciente da inspiração do atual espetáculo, como ela confessa ter descoberto ao terminar de escrever o texto (…)”

Ana Maria Machado, Jornal do Brasil, 16.04.1977


“Desenvolvendo sua temática de abertura para a vida, Sylvia Orthof lança hoje, no Gláucio Gill, sua quarta peça para crianças: Cantarim de Cantará (…) A peça tem um “urubu” agente imobiliário, que acaba descobrindo que as chaves servem também para abrir, e não só para fechar; tem uma pomba-rola presa numa gaiola que ela mesma comprou pois, ingênua, foi facilmente enganada. E tem mais pássaros que, numa “procissão de asas”, pedem a liberdade da pomba-rola: “Ave pássaro, cheio de graça, a canção é contigo. Bendito sois vós entre os pássaros! Bendita é a tua garganta que canta! Tanto pássaro cantaria pelos caminhos dos céus se não houvessem gaiolas por tantos caminhos seus!”.

A peça, classificada pela autora-diretora como um musical (…), tem letras e músicas de Maria Jacobina e Sylvia Orthof; iluminação em foto-desenhos-slides de Gê Orthof; direção musical de Maria Jacobina; direção de canto de Gê Menezes; adereços de Tato e Sylvia Orthof (…)”

Clovis Levi, O Globo, 16.04.1977


“(…) A peça é declaradamente inspirada no conhecido texto de João Cabral de Melo Neto, Morte e Vida Severina, e dela se aproxima de fato por alguns aspectos formais, como o uso da linguagem poética, e do plano de conteúdo, como a itinerância dos pássaros comparada à peregrinação de Severino e a presença constante da morte quando as personagens alimentam esperança de vida. A peça não tem divisões em atos ou cenas, mas o ritmo da ação dramática é facilmente marcado pelos percalços enfrentados por Pomba-Rolinha, protagonista da peça: a perda do ninho destruído por uma forte ventania; o confinamento numa gaiola provocado pelo Urubu, espécie de agente imobiliário inescrupuloso que lhe promete casa e comida sem qualquer esforço; uma nova perda do lar quando o fogo queima o pano pintado representando a porta de sua futura nova casa, até chegar à morte, não sem antes deixar um ovo em seu ninho, símbolo da continuidade da vida – assim como no texto de Cabral o nascimento da criança aponta para o valor da vida, “mesmo quando é a explosão de uma vida severina”.

Sonia Aparecida Vido Pascolati, O texto dramático na sala de aula


“(…) Gostei do texto da Orthof. Como dramaturga/diretora experiente, Sylvia propõe um teatro rico, baseado em poucos recursos, que, com a participação dos atores, se multiplicam. Daí que, com muitas fantasias e instrumentos, surge Cantarim de cantará, bonita peça baseada num trecho de Morte e Vida Severina, do poeta João Cabral de Melo Neto.

A história, a saga de pomba-rolinha, seus azares e suas alegrias, é contada com muita música e poesia, marca das peças de Orthof. Eu sou apaixonado por seu humor escrachado, que nessa peça não se faz muito presente, mas ela também faz bonito quando a intenção é emocionar.”

Claudio, professor e escritor, em depoimento no site Skoob


Com Cantarim de Cantará, Sylvia Orthof e seu grupo Casa de Ensaios prosseguem a trajetória de espetáculos infantis celebrando a liberdade, tema presente em suas realizações desde A Viagem de um Barquinho. Agora não é mais um barquinho de papel que precisa dos amplos espaços do mar para sua busca, nem mais um trenzinho (Zé Vagão) que tem que se afirmar pessoalmente, nem todos os pingos d água que se rebelam contra o Manda Chuva em Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove. Agora são pássaros. Aves que precisam de vôo livre para suas asas. Sabiás, rolinhas, bem-te-vis bem brasileiros e lindamente resolvidos em termos cênicos, amparados numa música bem desenvolvida em sua herança direta do folclore.

O ponto de partida é simples: uma pomba-rola quer defender sua casa sucessivamente ameaçada pelas ventanias da vida, pelas falsas promessas dos interesses econômicos que a transformam em prisão, pela destruição dos guerreiros pássaros de fogo. Nessa luta por um ninho que não seja gaiola, ela consome sua própria vida e morre junto com a luz do dia – a cena noturna do enterro (…) é de envolvente beleza, simbolicamente transfigurada pela poesia, de modo a não causar nas crianças nenhuma impressão negativa. Mas o dia renasce e o ovo fica, numa celebração de vida que ecoa Morte e Vida Severina (…)”

Ana Maria Machado, Jornal do Brasil, 05.06.1977

Não procuro uma moral da história nas peças que apresento, essa espécie de final feliz quando o bem sempre acaba vencendo o mal. Onde o mal é sempre mal por completo e o bem totalmente bem. Procuro usar uma linguagem adulta. A criança aprende desde pequena pela repetição, a gente diz que mesa é mesa, cadeira é cadeira. Mas, de repente, o adulto toma uma posição paternalista. Acha que para falar com a criança tem que descer a uma linguagem que ela entenda. Não acredito nisso. Para mim, o teatro infantil deve falar numa linguagem que, mesmo que a criança não entenda na hora, consiga entender depois, raciocinando, pensando.

É lógico que é muito mais fácil fazer teatro para crianças na base do é ou não é, agora todo mundo junto, mais uma vez. Tudo isso massifica a criança. Muitas vezes, quando se faz a pergunta “é ou não é?”, ela acaba respondendo que é só porque todo mundo respondeu assim. Não aceito essa participação. Até mesmo evitamos um pouco a algazarra, muitas vezes nossas peças são tristes mesmo. Nossos textos falam muito em liberdade, porque a criança deve ousar novos passos. Devemos mostrar que no mundo de hoje há gaiola. Mas, também, que o pássaro tem asas e que pode voar, ter liberdade.

Sylvia Orthof, Teatro Infantil, o marginal dos palcos, Movimento, 01 .08.1977


A lista dos primeiros indicados para o estreante Prêmio Mambembe divulgada ainda em 1977 já traz Sylvia indicada em duas categorias: como figurinista e produtora de Cantarim do Cantará, mais um sucesso de crítica e público. No ano seguinte, no mesmo Teatro Glaucio Gill que abriga o musical infantil, Sylvia decide remontar sua obra-prima, A Viagem de um Barquinho. Nessa versão, além de autora e diretora, ela está em cena dando vida ao papel da Lavadeira.

“Depois de vencer o Concurso de Peças Infantis do Guaíra e de ser apresentada, há dois anos, com muita repercussão de crítica e de público, A Viagem de um Barquinho (…), peça colecionadora de prêmio (…), ponto de partida de várias montagens premiadas em diversas cidades brasileiras desde então, inclusive aqui no Rio, há três anos, dirigido pela própria autora (…) É emocionante constatar como a peça se mantém e se enriquece de aspectos novos a cada nova encenação.

Na montagem carioca anterior pelo mesmo grupo, Casa de Ensaios, dava-se mais ênfase aos aspectos poéticos do texto, muito de acordo com um momento em que as metáforas eram um dos poucos caminhos possíveis para um teatro que pretendesse fazer a plateia pensar. Desta vez, com o mesmo texto, acentua-se outra vertente: a do humor. Fica evidente que poesia e humor são duas formas de criação muito próximas, ambas revelando uma forma diferente e inesperada de ver o mundo, uma maneira inconformista de encarar o real, afastando-se de uma matriz aguardada e pré-estabelecida. Sem perder suas características simbólicas desta vez a procura do barquinho que parte em busca da liberdade do mar e de seu direito de ir e vir passa a ser, antes de mais nada, um espetáculo divertidíssimo. Para isso certamente contribuem o marcado despojamento cênico da montagem (acentuando os elementos em preto e branco e voluntariamente se afastando da intensa beleza sensorial que costuma ser envolvente nos trabalhos da diretora ) e na engraçadíssima composição caricata da lavadeira numa linda quase chanchadística, muito brasileira e de franca comunicabilidade com a plateia. Além disso, o amadurecimento do grupo é evidente, transmitindo ao público a sensação de que seus componentes estão muito ligados, curtindo muito o que fazem, unidos pela alegria (…) de quem tem fé na liberdade. Além de Sylvia Orthof, dois outros excelentes atores, João Moita e Robson Guimarães, sustentam o alto nível de interpretação da peça. Um espetáculo a ser recomendado com entusiasmo.

Ana Maria Machado, 21.04.1978



A arte de escreve e encenar – ou, enfim, o Molière

Depois de um bicampeonato como melhor autora no Concurso do Teatro Guaíra,  Sylvia agora atua como jurada no Concurso de Dramaturgia Infantil de 1977 – Prêmio SNT. Junto com ela, um timaço: o diretor, dramaturgo, cenógrafo e figurinista Pernambuco de Oliveira; a escritora, crítica e pedagoga Fanny Abramovich; a especialista em teatro e educação, doutora em artes cênicas, Ingrid Dormien Koudella. Na coordenação, o ator e produtor Humberto Braga, que no final dos anos 1990 seria diretor da Funarte, secretário de música e artes cênicas do Ministério da Cultura e jurado dos Prêmio Zilka Salaberry de Teatro Infantil (2015) e CBTIJ de Teatro Infantil (2015/2016 e 2018). Sylvia também participa como conferencista do primeiro Seminário de Teatro Infantil, no Teatro Opinião, sempre bem acompanhada: na mesma mesa, Clovis Levi, Ilo Krugli, Marilia Paula Freitas, José Antonio Domingues e a psicóloga Sonia Oliveira.

Prêmios, seminários, concursos, debates…e reportagens. Na capa do célebre Caderno B do Jornal do Brasil, Susana Schild entrevista produtores, dramaturgos, mães e crianças para compor sua matéria “Era uma vez uma cidade que tinha muito teatro infantil. Aí…” É mais um precioso registro histórico do cenário, do tempo e do universo habitado por Sylvia Orthof.


“Nesta cidade onde são frequentes as queixas dos que querem produzir teatro, é quase espantoso encontrar 32 opções de peças infantis (para adultos, há 23 peças em cartaz (…) Criança gosta de teatro? Pelo número de peças em cartaz, parece que sim. Mas na verdade, ainda incapazes de escolher, são dirigidas a uma peça segundo a concepção dos pais – geralmente da mãe (…)

– Só gostei daquele teatro que tinha a galinha, o jumento, a gata e o cachorro. (Adriana, 7 anos)

– Não gosto de teatro, só gosto de filme de mocinho e bandido. (Henrique, 7 anos) (…)

– Gosto de ir ao teatro, e prefiro quando tem fantoches. A peça de que mais gostei até hoje foi A revolução dos patos. (Bruno, 8 anos)

– Não vou muito ao teatro porque não tenho tempo. Fico brincando. (Daniela, 6 anos)

– A peça de que mais gostei foi O Leiteiro e a Menina da Noite. Agora não gosto mais de Branca de Neve, histórias assim, que são boas para crianças pequenas, mas são muito infantis para crianças da minha idade. (Jean, 10 anos)

– Só gosto dos Três Porquinhos. (Marcelo, 3 anos)

As mães também têm opiniões diversas e só concordam num ponto: os teatros que apresentam peças infantis não têm ar condicionado, o que é um desrespeito às crianças.

– De um modo geral acho as peças infantis péssimas, sem conteúdo. As do Teatro de Bolso, por exemplo, são da pior qualidade. Para mim, o conteúdo é fundamental, e nesse sentido, as peças de Maria Clara Machado são, disparado, as melhores  (…) (Teresa Costa, estudante universitária, quatro filhos, de 3 a 13 anos)

–  (…) Escolho as peças em função dos nomes dos autores e da produção, e por isso não vou ao Teatro Brigitte Blair ou Teatro de Bolso, e também faço restrições a lugares pequenos e apertados, quentes. Falta de conforto, só em circo. Também não gosto do chamado teatro-participação, que ensina sobretudo a criança a dedurar. (Inês do Rosário, desenhista, dois filhos, 4 anos e 9 meses)

– Pela minha experiência, hoje em dia só vou às peças do Tablado e do Teatro Casa Grande. Deixo minha filha escolher, mas seleciono para ela as melhores – se contar que está passando Branca de Neve, ela só vai querer ver isso. Faço questão de peças bem montadas, com cenários cuidados, bons atores. Pago um preço alto e quero ver uma boa produção (…) (Elizabeth Guimarães, dona de casa, dois filhos)

No dia 7 de setembro o Grupo Carroussel, de Roberto de Castro, completou dez anos de existência e de atividade ininterrupta, comemorados com a apresentação de seis peças no mesmo dia: Branca de Neve e os Sete Anões, A Galinha dos Ovos de Ouro ou Joãozinho e o Pé de Feijào, Peter Pan e o Capitão Gancho, Quem quer Casar com Dona Baratinha, Pinóquio e Chapeuzinho Vermelho. (…) Roberto queixa-se de tudo: da crítica, de nenhuma subvenção (…), da dificuldade de alugar teatro (não consegue os oficiais), sem camarins (…) Só não se queixa do público. No último domingo, a apresentação de Branca de Neve recebeu mais de 200 pessoas. Muitas voltaram para casa.

– Fui ver Branca de Neve e saí revoltada com o desrespeito com o público. O som era de um disco arranhado, o cenário despencou, os anões eram crianças bonitinhas para uma festa de fim de ano, mas distantes de um trabalho profissional. Sem falar na sujeira das roupas e na pobreza da encenação. E ainda cobram 40 cruzeiros por pessoa.

Roberto sabe de todas as críticas (…)

– (…) Sei que as mães picham meus espetáculos, mas reconhecem que as crianças adoram e faço teatro para criança, não para a crítica dos adultos As queixas são provenientes das dificuldades do espaço cênico. Aqui, no Teatro de Bolso, não posso ter palácio, a casa se improvisa, a floresta é pequena. Não posso tocar num refletor, não tenho local para guardar roupa e na hora do espetáculo disponho apenas de um camarim  (…) Não pretendo mudar de linha nunca. É disso que a criança gosta (…) Ela não se interessa por petróleo, Amazonas, Marte, Lua. Ela só quer saber de Branca de Neve. Desde que comecei, mais de cem grupos apareceram e desapareceram, mas eu só paro no carnaval (..)

Jair Pinheiro, com o grupo Walt Disney (…), também aponta uma série de dificuldades (…)

– É, dá muito dinheiro, sim. Devo a quatro financeiras, vendi o carro usado, este apartamento é alugado (…) Só continuo a fazer teatro porque gosto, e vai ser sempre assim, mudar não mudo não. Porque criança não muda também, ela é sempre a mesma.

A esta concepção de espetáculo contrapõe-se a forma de trabalho de Rodrigo Farias Lima, produtor que tem atualmente duas peças em cartaz: O Mago das Cores e A Revolução dos Patos. Ao todo, mais de 200 mil cruzeiros investidos (…)

– Não existe diferença estrutural para produzir uma peça infantil e uma adulta. O resultado, porém, é obviamente diferente. Enquanto no teatro adulto eu tenho 8 espetáculos por semana, a Cr$120, no meu teatro infantil, o mais caro, tenho 2 espetáculos a Cr$ 60 por semana. (…)

A maior dificuldade, segundo Rodrigo, em fazer teatro infantil de qualidade está numa série de preconceitos.

– Tudo lhe é contrário: as subvenções oficiais são menores. Muitos donos de teatro não cedem seus espaços alegando que as crianças estragam o estofado, o tapete. Basta dizer que os 4 melhores teatros da cidade – BNH, Copacabana Palace, Maison de France e Adolfo Bloch estão totalmente fechados ao teatro infantil. Há falta de apoio da rede de ensino público e privado. Os espetáculos poderiam ser diários e além disso há também a eterna dependência da peça da noite, pois só a Maria Clara Machado dispõe de um teatro para as suas montagens. E não é só isso: entre os próprios atores e diretores existe um preconceito de que teatro infantil é teatro menor (…) Por isso Rodrigo acha um milagre de criatividade e persistência a existência de profissionais como Sylvia Orthof, Ilo Krugli, Manoel Kobachuck, Grupo Quintal, Maria Clara Machado (…)

Com dois primeiros lugares no concurso de dramaturgia infantil do Teatro Guaíra (…), Sylvia Orthof tem atualmente em cartaz uma remontagem de A Viagem de um Barquinho, além de duas peças (…) Para ela, o Rio atravessa agora um momento sério de renovação do teatro infantil, com espetáculos de bom nível (…)

Quando escreve, Sylvia tem um único objetivo: fazer teatro, sem saber se resultará um texto infantil ou adulto, sem intenções de educar, mas respeitando a criança. E o principal objetivo do seu teatro infantil seria a explosão da fantasia da criança. No entanto, o ato de escrever está condicionado, limitado mesmo, por um aspecto:

– Como sei que as peças infantis dependem do cenário das peças para adultos, me controlo para não criar um elefante branco, que não vou poder solucionar. Nesse limite da concepção, tenho realmente inveja de Maria Clara Machado que pode criar sem esse tipo de problema.

Apesar de reconhecer que existe um racismo quanto ao teatro infantil generalizado, mesmo por parte dos atores, Sylvia admite também que, apesar de todas as dificuldades, só encontrou facilidades.

– Não sei se é porque me coloco muito humildemente, como se soubesse que vou atrapalhar, e por isso peço o mínimo e sou atendida. Pode ser também por ter feito teatro para adulto, ou mesmo por já ser uma senhora, mas sei que recebo uma compreensão e respeito que outros grupos jovens e muito bons não encontram. Nos teatros onde levo minhas peças, sempre procuram facilitar tudo para mim (…)

Maria Clara Machado, tão invejada e respeitada por dispor de um teatro, reconhece plenamente essa vantagem e diz que por isso é difícil julgar os colegas.

– Tenho um palco para deixar florescerem minhas ideias, tenho lugar para ensaio, e sem dúvida essas condições contribuem e muito para um trabalho bem desenvolvido, e por isso me sinto obrigada a fazer bem, não tenho desculpas. Reconheço e lamento todas as dificuldades que as pessoas têm de fazer um bom teatro infantil. Sei também que apesar de todas as dificuldades alegadas nunca se fez tanto teatro infantil, o que na minha opinião se deve ao fato de ser aparentemente lucrativo. Porque a criança não escolhe e gosta de repetir.

Maria Clara escreve para criança seguindo uma vocação.

– É uma necessidade minha, não penso em fazer um bem à infância, em educar para o futuro do Brasil. E também não sou pedagoga nem psicóloga. Mas sinto que quanto mais for fiel a minha vocação, mais fiel estou sendo à criança. Acho o conto de fadas indispensável, desde que sejam símbolos da criança. Por que o Pluft faz tanto sucesso? Porque fala do medo de crescer, de enfrentar a vida, mas ninguém escreve bem só com técnica.

Quem Matou o Leão? atualmente em cartaz no Tablado é rigorosamente cuidada em todos os aspectos.

– A criança não percebe conscientemente uma peça bem-feliz, com cuidados na produção, na direção, no trabalho dos atores. Mas ela capta tudo que lhe é dado, e o perigo de ver peças de má qualidade é que ela pode habituar-se à coisa ruim, malfeita.

Nos seus 25 anos de atividade, Maria Clara sente que o teatro infantil nunca foi tão estimulado, através de subvenções oficiais e de concurso de dramaturgia.

– Quando as peças são de qualidade, a ajuda vem. (…)

Susana Schild, Jornal do Brasil, 13.09.1978


Em seguida à temporada do Glaucio Gill, “a poética e bem humorada narrativa de uma jornada em busca da liberdade” – A Viagem de um Barquinho – vai para o Teatro Nacional de Comédia, em outubro de 1978. O que significa estar em cartaz durante a Campanha Nacional de Popularização do Teatro, a Campanha da Kombi, que nos meses de dezembro vende ingressos a preços populares para peças em cartaz. Pela “bagatela” de 15 cruzeiros é possível fazer boas escolhas.


“(…) Há muita coisa a ser vista, desde que se tenha cuidado em evitar as eternas arapucas (…) Prefira o que é bom (…) Os Saltimbancos (…), O Dragão e a Fada, A Revolução dos Patos (…), Quem Matou o Leão? E, no Teatro Nacional de Comédia, A Viagem de um Barquinho marca um dos belos momentos de nosso teatro para a criançada nos últimos anos – uma escolha segura (…)”

Ana Maria Machado, Jornal do Brasil, 08.12.1978


No seu balanço de final de ano, a colunista fala de suas expectativas – “esperança no que vem por aí (como a anunciada estreia de O Castelo das Sete Torres, em janeiro); lamenta que a maioria dos 176 espetáculos apresentados na cidade tenha sido “de uma indigência de causar dó” – mesmo reconhecendo as exceções; ressente-se do “vazio” provocado pela ausência de grupos aplaudidos, como o Quintal, os Contadores de Histórias, o Revisão e o Ventoforte de Ilo Krugli; sente falta da dramaturgia de Benjamin Santos, que anda “concentrando seus esforços no ótimo Projeto Lobato da TV Educativa, e de Wolf Maia, que “preferiu tentar a sorte em plagas paulistas”, abandonando sua “bem humorada revisão musical de Maria Clara Machado, numa linha quase chanchadística”. E louva os que ficaram:  “Se não fosse pelo trabalho de Sylvia Orthof e sua Casa de Ensaios e pela reabertura do Tablado com um novo espaço e um novo e belo espetáculo, Quem Matou o Leão?, teria sido praticamente total a ausência daqueles que vinham sendo os responsáveis nos últimos anos por um surto de renovação e inventiva em nossa linguagem cênica para plateias infantis, num trabalho que recusa o conformismo e a satisfação fácil da contemplação do próprio umbigo”. Finaliza fazendo uma constatação que é ao mesmo tempo um convite à reflexão.


“(…) Muitos dos ausentes da temporada continuaram seu trabalho para crianças, só que em outra áreas (…) Mas é impossível deixar de constatar que, no momento em que uma relativa abertura poderia oferecer novos espaços para a reflexão critica sobre o instante e a sociedade em que vivemos, não apareceu quem o fizesse à altura do entendimento infantil que vem ocorrendo. Quando se compara este quadro com o surto de literatura infantil que vem ocorrendo com grande vitalidade entre nós, o fato se torna ainda mais estranhável. É como se as pessoas que fazem teatro para crianças, de tanto lidarem apenas com metáforas, tivessem esquecido que o indispensável simbolismo da linguagem infantil passa necessariamente pelo significado – só assim as coisas têm sentido. E quando não se consegue perceber o sentido do que está ocorrendo em torno, fica muito difícil trabalhar com símbolos. Ou, aliás, fazer qualquer coisa bem. Ainda mais teatro. Sobretudo para crianças.”

Ana Maria Machado, 31.12.1978

Um novo ano se inicia com boas e belas novas. A Viagem de um Barquinho é um dos cinco melhores espetáculos do ano junto com O Leiteiro e a Menina Noite, de João das Neves; Cantares em Desafino, de Eugênio Santos e Ronaldo Florentino; O Mago das Cores, de Veronique Rateau, e Tá na Hora, Tá na Hora, criação coletiva do grupo Navegando. Embora tenha sido mais uma vez indicada como melhor autora ao Prêmio Mambembe de Teatro Infantil, quem levou foi João das Neves. Mas Sylvia não teve motivos para lamentar, já que foi a artista escolhida para receber o Molière de Incentivo ao Teatro Infantil pela autoria, direção, cenografia e interpretação de A Viagem de um Barquinho. Tudo isso em 1978, ano em que Chico Buarque ganha seu segundo Molière como melhor autor de peça nacional pelo texto de A Ópera do Malandro.

Folia dos 3 Bois, cartaz (24 x 48 cm), 1994



Folia dos Três Bois

Três Homens (Cantando): São nove horas / Nove meses / Nove dias / Nove graças de Marias / Noves fora vou contar. / Nove boisados / Nove reis / Nove reinados / Nove brilhos espelhados / No manto de um boi-bumbá!

Zé e Das Graças (Cantando com um Grupo de Violão e um Agogô): São nove luas / Nove meses / Nove estrelas / Nove rosas, / Flores belas / coisa nova vai nascer! / Nove nascentes / Nove bichos / Nove gentes / Muitas coisas diferentes / Que um novo pode trazer! / (Zé e Das Graças encontrando o grupo dos três, cantam os Bonecos, Manipuladores à Vista).

Todos (Cantando): Eu não entendo / Tanto nove de novena / Violeira tenha pena / Não inove a falação! / Que a tabuada / Desses nove / Tá errada / Sou Zé simples / De boiada / Preciso de explicação! (…)

Zé e Das Graças (Cantando): Este meu manto / De estrelas e de luas / São novas imagens tuas / Novenas de pratear / São nove horas / São depois e são agoras / Que já vem a nova hora / Da hora que vai chegar!

Sylvia Orthof, Folia dos Três Bois


Folia dos Três Bois
, a quinta peça infantil de Sylvia Orthof, conta as aventuras de um  casal de retirantes, Zé e Das Graças, que atravessa o sertão para chegar à Serrinha de Cericecó, onde vivem. Eles têm pressa. Precisam chegar antes que venha ao mundo o bebê que Das Graças espera. Ao longo da viagem, encontram “personagens fantásticos”, como Noite, Lua Maria Bonita, Frevo, Violeiros, Lagarta Lulu, Galo de Cericecó, Boi Amarelo, Rainha, Cangaceiro, Chapeuzal.

“Este espetáculo é todo feito de cantoria e dança, espécie de um oratório de bois-bumbás. Não obedece ao esquema verdadeiro das festas nordestinas, mas deve transmitir um clima de reisado, misturado com infância (…) Sendo um Auto de Natal, a criança que virá não é Cristo; por isso, o espetáculo pode ser tudo, menos religioso, no sentido exato da palavra. A presença do milagre existe, mesmo assim, dando um aspecto místico ao folguedo (…)

Sylvia Orthof, rubrica do início da peça Folia dos Três Bois


O novo espetáculo estreia no Sesc da Tijuca em 4 de agosto de 1979, em benefício da Aldeia de Arcozelo de Paschoal Carlos Magno. Como sempre, Sylvia assina texto e direção e a produção é do Grupo Casa de Ensaio. No elenco, Fátima Malheiros, Flávio Peixoto, Gê Menezes, João Moita, Robson Guimarães. “Dando prosseguimento a um trabalho ao qual nossas crianças devem momentos de pura beleza”, o texto em versos, pleno de poesia e salpicado de humor, mais uma vez encanta plateias e críticos.


“Em Folia dos Três Bois (…) a utilização de recursos expressivos próprios à cultura popular marca os contornos da encenação (…) São as festas populares, sobretudo o bumba-meu-boi, que fornecem a Sylvia Orthof os instrumentos plásticos e dramáticos com que procura recriar em cena uma visão de mundo em sintonia com a matéria-prima popular de que se utiliza.

Não há propriamente uma história ligando os diferentes episódios que se sucedem em cena (…) E o que se assiste é a uma série de episódios independentes ligados apenas por um fio de enredo: a trajetória do casal de nordestinos em busca de um lugar onde seu filho pudesse nascer (…) E como o homem nordestino que lhes serve de molde, Zé e Das Graças estão permanentemente em trânsito. Como em qualquer estrada, por eles passam inúmeros personagens. E o espetáculo vai se construindo com base nos diferentes desdobramentos que sofrem os cinco atores em cena (…) Eles dão origem a personagens diversos, cuja caracterização obedece a recurso bastante comum nos espetáculos populares. Tanto os bichos como os reis e outros personagens que se colocam no caminho de Zé e Das Graças, se acham representados por meio de armações recobertas de saiotes e dotadas de máscaras no lugar da cabeça. Como se costuma representar o boi no reisado ou no bumba-meu-boi. Muito boas as caracterizações, roupas e máscaras, sobretudo da ema e dos bois.

(…) Essa variedade de materiais e recursos utilizados na caracterização dos personagens acaba servindo para dinamizar o espetáculo. Repete-se uma mesma situação, o encontro de diferentes personagens na estrada, mas o aparecimento das figuras é sempre uma surpresa. Até figuras que já apareceram podem se revestir de diferentes características. Como acontece com o galo. Primeiro, surge cheio de penas, alegríssimo. Depois, quase careca e desesperado porque uma rainha lhe teria arrancado as penas para contar quantas eram (…)

Flora Sussekind, Jornal do Brasil, 07.09.1979


A peça faz uma segunda temporada no Teatro Glauce Rocha e recebe seis indicações ao Prêmio Mambembe Infantil de 1979: texto, direção, figurino e categoria especial – pela confecção dos bonecos – para Sylvia Orthof; ator (João Moita) e produção (Casa de Ensaio). Apesar do reconhecimento pelos seus múltiplos talentos, dessa vez Sylvia não leva. Nem João Moita, tão elogiado. Benjamin Santos é o dramaturgo escolhido (O Castelo das Sete Torres e O Pavão Misterioso); Grupo Hombu fica com o prêmio de melhor direção (Fala Palhaço); o melhor ator é o queridíssimo Emmanuel Santos (O Elefante); o Grupo Navegando leva o prêmio de melhor produção; e, na categoria especial, Ronaldo Mota pela composição das músicas de O Elefante e Sonhos de um Coração Brejeiro Naufragado de Ilusão, espetáculo que deu a Ilo Krugli o troféu de melhor figurino. E viva o teatro, sempre tão plural!


Lampião
(Fala como poeta de cordel, sem cantar): Sou cabra, sou Lampião, / Virgulino e lamparina, / Vim no caminho da estrela / Que o boi-bumbá ilumina! / Vim montado no luar, / Vadiando com as meninas! / Sou cabra, sou Lampião, / Sou raio e sou trovoada, / Sou a luz da lua nova, / Sou feito de tudo e nada, / Sou o sim e sou o não / Do caminho desta estrada / Sou o luar lampião! / Meu caminho fiz e faço, / Sou o luar do cangaço, / Não espero acontecer! / Vim dizer que a lua nova / Vai ter muito que fazer, / Vai ter muito que plantar , / Vai ter muito que colher, / Pois a vida é lamparina / Que é preciso acender, / Que Lampião é luar / De tudo que se acende: / Sou o bom e sou o mau, / Sou tudo que não se entende, / Vim saudar o boi de prata, / Vim dar graça à Maria / Bonita deste meu chão. / Vim dizer que vai nascer / Coisa nova no sertão (…)”

Sylvia Orthof, Folia dos Três Bois


“O que vem caracterizando os textos de Sylvia Orthof é a existência de uma linguagem livre e poética em peças que propõem uma posição de abertura do indivíduo perante a vida (…) Folia dos Três Bois busca uma aproximação com a cultura popular. Os três bois coloridos (os “reis magos”) acabam chegando à rede (manjedoura) onde nasce o filho dos dois sertanejos que viajaram a peça toda para chegar a Sericecó (Belém). Nesta caminhada natalina, entretanto, o que interessa são os encontros: com o Boi Branco, o Rei, o Chapeuzal, o Navio Pirata, Boi Amarelo, Rainha Passista, Lagarta Lulu (a sedutora), Cangaceiro, Galo, Ema, Vaca, Via Láctea, Céu da Noite de pileque, Lua, Avião Americano, Boi Vermelho, Pé de Manacá, Táxi Carioca, etc.

Na observação dos nomes desse exército de personagens talvez já dê para o público captar um pouco do clima proposto. A proposta do texto é a de levar o casal de sertanejos, a cada encontro, a motivar um momento musical. As músicas baseadas no folclore nordestino, criam, então, o clima de festa popular. Para a plateia – principalmente a infantil – há ainda o que talvez seja o fator fundamental para o envolvimento: as figuras coloridas criadas pela autora e por Gê Orthof. Os bonecos são (…) a grande-força do espetáculo, conjugando, por exemplo, a beleza da Ema e do Rei com toda a sedução da Lagarta.

A direção, da autora, criou um espetáculo alegre, animado, gostoso, colorido; as músicas, bem selecionadas, dão o tom popular; a luz de Aurélio de Simoni amplia visualmente o significado de certas cenas; os figurinos (malha acrescida de adereços) funcionam bem; e o elenco, muito seguro, tem a qualidade de fazer diversificadamente inúmeros personagens e de manter o tempo todo o tom de festa. Destaque para João Moita que faz, entre outros papéis, o da Lagarta sedutora.”

Clóvis Levi, O Globo, 18.08.1979


Zé: Nasceu! (…) É uma menina! (…)

Coro: Vem, meu boi bonito, / Vem, chegou a hora / Já deu meia-noite / Já rompeu a aurora

(Vão entrando os Três Bois, como Reis Magos. Param em frente da criança)

Boi Vermelho: É uma menina! Que o nome dela lembre a minha cor. Podia ter o nome de … Rosa! (…)

Boi Amarelo: É uma menina! O nome dela podia lembrar a minha cor…o miolo da margarida é amarelinho…(…)

Boi Branco: É uma menina? / Nem Rosa, nem Margarida, / Nem branco, que suja tanto!  / O nome desta menina / Deve ser verde assim, / IguaL ao verde perfeito / Deste pé de alecrim (Reaparece Alecrim) / O nome desta criança / Deve ser verde-verdura, / coisa nova, / Muito pura: / O nome? / É esperança!/
Esperança de que toda criança possa / Ter uma rede pra dormir / Uma casa pra morar / E roupa pra vestir!/Rapadura pra comer / E leite pra tomar / Caderno pra escrever / Escola pra estudar!/ Muita folia de bois! / Que o amor se planta “antes”/ Para nascer o “depois”!

(Música cresce em folia ritmada, folguedo total)

Sylvia Orthof, Folia dos Três Bois

Equipe de Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove: Sylvia Orthof, Jorge Maurilio, Marcos de Castro, Everardo Sena, Luiz Carlos Nino, Paulinho (iluminador), Claudia Richer, Bia Sion e Luciana (amiga do elenco)


Uma nova peça já está no forno, aguardando o grande momento de ser compartilhada com artistas e plateias. Mas enquanto a autora saboreia esse momento único – a peça e seus personagens só dela, como um segredo prestes a ser revelado ao mundo  -, acontece a reestreia de Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove, no Teatro SENAC, em maio de 1980. Com uma nova produção, assinada por Adalberto Nunes, e um novo elenco: Bia Sion, Cláudia Richer, Everardo Sena, Jorge Murilo, Luiz Carlos Niño e Marcos de Castro.

“A criançada está curtindo muito a peça Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove… de Sylvia Orthof, que ganhou o Prêmio Molière de Teatro de 1978, com A Viagem de um Barquinho. A peça está em cartaz no SENAC de Copacabana. A direção é da própria Sylvia. No elenco, Everardo Sena, que contracena com Elke Maravilha na revista Rio de Cabo a Rabo, no Teatro Rival. ”

O Fluminense, 05.07.1980

No último fim de semana, foram apresentados no Rio e Niterói cerca de 39 peças infantis (…) Ao contrário do que se pensa, o trabalho infantil não seria somente o mais fácil para os iniciantes na arte. Ele necessita acima de tudo uma visão clara e consciente de um espetáculo para crianças por parte de todos os que formam o grupo (…) É possível simplificar sem idiotizar, mas isso requer a criação e a renovação de conceitos velhos (…)

A mando do Seu Chuveiro – o que manda tomar banho, mas não toma banho não -, um Pingo de Chuva vem à Terra à procura de uma poça onde mora uma Sereia para entregar-lhe uma carta com um pedido de casamento. Daí por diante entram em cena vários personagens surgidos da água transformando Eu chovo, tu choves, ele chove em um espetáculo leve, inteligente, onde é quase impossível a criança não participar de toda dança e ação dos personagens. Os atores conseguem com muita graça e versatilidade dar um clima chapliniano e circense, fazendo acrobacias ou simplesmente dançando e cantando. Há personagens como (…) Tia Nuvem, bondosa e sempre sorridente, que, tentando fazer caridades, acaba envolvendo o sobrinho Pingo de Chuva em confusão. Uma sereia fútil e histérica que foge completamente aos padrões das sereias a que estamos acostumados nos contos de fadas. Uma Galinha hipocondríaca e seu Ovo Bonifácio (…)

Iale Renan, Brincando de chover, O Fluminense, 15 e 16.07.1980


“Cheguei no Teatro Senac, o espetáculo já havia começado, e Sylvia assistia preocupada, porque por motivo de doença um ator foi substituído às pressas (…)”

“Comecei a fazer teatro aos 15, hoje estou com 47. Comecei com o Paschoal (…) Na TV Record eu fiz o primeiro teatro em televisão. Eu fiz muita coisa, e só me afastei um pouco do trabalho teatral quando casei. Depois de casada, fui morar numa aldeia de pescadores no sul da Bahia. Lá, eu escrevia peças e havia uma escola onde apresentava meus trabalhos. Depois fui para Brasília, onde apresentei o primeiro teatro de bonecos para TV. Também dei aulas em faculdade, onde ensinava tudo o que havia aprendido  na França sobre teatro. Lecionei lá. O primeiro espetáculo que montei que não fosse com fantoches, mas com gente, foi no Rio (…) A Viagem do Barquinho foi muito bem recebida e teve o prêmio de melhor espetáculo do ano (…) Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove  também ganhou o primeiro lugar em Guaíra. Foram dois anos seguidos. E agora estou com essa remontagem de Eu Chovo, gostando muito de trabalhar com esse grupo. Estou remontando também em fantoches para as escolas Zé Vagão da Roda Fina e sua mãe Leopoldina. As escolas que estiverem interessadas já podem entrar em contato… Como surgem as histórias? Em geral de desenhos que faço. Eu já estudei muito pintura. Minha mãe era pintora, meu pai também. Por isso eu gosto de bolar eu mesma o cenário e figurinos, já que quando escrevo faço desenhos. Muita gente pensa que eu quero fazer tudo. Não é isso. É porque tudo vem junto.”

Iale Renan, E com vocês, Sylvia Orthof!, O Fluminense, 03 e 04.08.1980


Em novembro, não faltavam razões para comemorar. Além da proximidade de uma nova reestreia – uma versão com bonecos de seu Zé Vagão da Roda Fina e sua mãe Leopoldina no Teatro Clara Nunes –  Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove festejava seis meses em cartaz no Teatro Senac e o grupo, pouco mais de um ano junto. Só quem já pertenceu a uma companhia sabe o valor que elas têm. Afeto, cumplicidade, linguagem e evolução artísticas, superação de desafios. Muitos acreditam que são os grupos que movem e transformam o teatro.  Essa operária das letras que, como você, ama as quatro tábuas, seus artistas e paixões, é uma delas, assina embaixo.

(…) Vamos! Temos uma festa no Teatro Senac. Eu chovo, tu choves, ele chove faz seis meses em cartaz! (…) O trabalho de Sylvia é totalmente dirigido às crianças. Como as crianças, ela usa e abusa da imaginação (…) Mesmo com a substituição do protagonista o grupo não deixou a peteca cair. Mesmo com a mudança de cenário, por causa da peça adulta, o ânimo persiste. Isso é que faz um grupo: a persistência, a vontade de trabalhar (…) Saímos cantando as músicas da peça: “Um pingo d’água que saiu de casa e leva uma carta para entregar, toma cuidado que papel de carta não pode molhar…”

Iale Renan, O Fluminense, 30.11 e 01.12.1980


“Em entrevista semana passada para o Globinho a respeito de Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove (…), dizia Sylvia Orthof ter tomado como ponto de partida para o seu texto a reação de uma criança a quem se perguntara de onde vinha a chuva. “Do chuveiro” foi a resposta. Resposta talvez inesperada para uma criança colocada diante do problema da origem da chuva; não tão inesperada, entretanto, se pensarmos na visão de mundo de alguém ainda não completamente aculturado e obediente a uma lógica e a uma linguagem adultas. E é justamente um jogo com a lógica e o uso cotidiano da linguagem, semelhante à maneira como a criança se apropria ludicamente das palavras e do mundo que a cerca, que serve de eixo a Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove. Talvez o ponto alto da peça de Sylvia Orthof esteja nesse risco de permitir que brincadeiras, apropriações e transformações inesperados de objetos, personagens, significados e situações, invadam a cena. Não se trata apenas de aproveitamento “turístico”, tão comum, do que a fala infantil possa porventura ter de exótico. Como quando adultos orgulhosos passam a repetir respostas e comportamentos infantis surpreendentes e a transformá-los em gracinhas a serem exibidas (…) Quase como as fotos de um álbum de bebê, costuma-se colecionar igualmente tiradas merecedoras de epítetos do tipo “Meu filho diz cada uma…” Desta forma, corta-se paternalmente as arestas das rupturas que as crianças costumam operar, mesmo sem saber, na racionalidade adulta, cuja séria estabilidade parece sempre em perigo quando exposta à inesperada apropriação infantil. Não é esse o caso de Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove. Trata-se de pautar as falas, situações e a própria encenação, também a cargo de Sylvia Orthof, em associações inesperadas, jogos com significações convencionais e brincadeiras de linguagem.

Desde a própria mistura em cena de diversos elementos ligados à chuva ou à água, como os pingos, nuvens, chuveiros e sereias, à própria caracterização, rondando o nonsense, de alguns desses personagens como o Patrão Chuveiro, cujo chapéu é um penico, ou o Ovo Bonifácio, inicialmente representado por um ovo de pano e depois por um ator, parecem chamar a atenção para a possibilidade de se vivenciar de forma inusitada as coisas mais cotidianas como a chuva, o banho ou o cumprimento de ordens (…) Procura-se realizar plasticamente esse nonsense num cenário onde se joga sobretudo com materiais e cores habitualmente rejeitados como de mau gosto. Daí a predominância de tons de roxo e materiais baratos como plásticos ou objetos de uso cotidiano como chuveiros, soutiens e guarda-chuvas. Jogo que encontra uma bela realização cênica em momentos como a entrada em cena dos atores, onde se brinca com diferentes formas de se expressar a chuva, que passa a funcionar como ponto de partida para a mobilização de uma gesticulação ritmada, uma fala repetida (plic, ploc)  e que procura reproduzir o ruído dos pingos de chuva quando batem em algum lugar, e um jogo com o claro-escuro, com as luzes acesas e apagadas em sintonia com o caráter ritmado da chuva (…)”

Flora Sussekind, Jornal do Brasil, 13.06. 1980 



Mambembinho e Mambembão

Nas décadas de 70 e 80, um projeto que promovia a circulação de espetáculos, a troca de informações entre grupos, companhias e espectadores, deixou saudades inclusive nas plateias. Graças aos Projetos Mambembão e Mambembinho, o público tinha a oportunidade de ver peças e artistas de vários estados que se apresentavam nas principais capitais do Brasil. Criado pelo Serviço Nacional de Teatro – SNT – em 1978, o projeto fazia os grupos pegarem a estrada, circularem pelo país e desbravarem novos palcos e plateias. Mambembar – o sonho de todo artista.

Nesses encontros, além da apresentação de peças, rolavam palestras, debates, oficinas. Em 1980, entre as convidadas do projeto Mambembinho em Brasília, encontramos as amigas Fanny Abramovich e Sylvia Orthof.


“(…) Num país onde as condições de educação são ínfimas e insuficientes é um absurdo que se faça uma educadora viajar de São Paulo para Brasília a fim de desenvolver um trabalho sobre teatro infantil com professores e gente de teatro e encontrar ao chegar apenas cinco gatos pingados (…) Não é um absurdo; é um luxo tão espantoso quanto os sucessivos espetáculos que vêm à cidade, financiados pelo governo, sem que tenham a mínima dose de importância, novidade ou criatividade para o público.

– Neste país, quem não sabe escrever começa escrevendo para teatro infantil. Quem não é ator, começa representando em peças infantis. Quem não é diretor, começa dirigindo teatro para o público infantil.

(…) Formada em Pedagogia pela USP, com experiência no exterior, Fanny montou uma Escola de Artes em São Paulo por 6 anos (…) com educação e produção cultural infantil (…) Como crítica de teatro, ela acompanha o movimento de teatro infantil de quase todo o país e foi uma das primeiras cabeças a brigar contra um teatro feito para debilóides, alienante da realidade e profundamente enraizado na sociedade de consumo.

– Muito mais grave que isso é o caos mental, ideológico das pessoas que se dedicam a esse tipo de atividade. De uma certa maneira, você encontra textos calamitosos porque as pessoas não tem nada na cabeça. Fui juri de festivais de teatro infantil dezenas de vezes (…) São laudas e laudas de textos que você acaba de ler e não tem nada para contar. (…) faltam no mínimo as técnicas elementares de tristezura, boniteza. O medo é essencial. Toda estória tem que ter postura. (…)

Fanny abomina essa invenção de faixa etária, uma classificação absurda que marginaliza a criança (…)

– As tragédias gregas eram assistidas por adultos e por crianças, sem discriminação. As peças de Shakespeare também. (…) No caso brasileiro, o teatro infantil afastou-se inclusive das raízes culturais do país e apelou para as formas de Walt Disney ou enlatados parecidos (…)  Raiz não é só mandioca e aipim. Qualquer coisa que tenha me nutrido é minha raiz. Seja o quintal da minha infância, a rua, as pessoas que conheci. As raízes do teatro infantil brasileiro não estão só na rica cultura popular, mas estão também no Teatro de Arena de São Paulo, em Ilo Krugli, em Monteiro Lobato.

– A instabilidade dos grupos que fazem esse teatro é outro problema, pois quase sempre lutam com dificuldades primárias. Dificilmente um grupo mantem-se coeso em torno de um projeto (…) No campo oficial, há apenas iniciativas, não há uma política cultural (…)

– A criança é o novo consumidor desta década, como o adolescente foi o consumidor em potencial da década de 60 (…) A cafetinagem em cima da criança é um absurdo, ela ficou veiculadora de um tipo de propaganda que a mostra também como um produto. (…)

Fanny também detesta um teatro pedagógico:

– Já basta a escola pra encher o saco. Antes de tudo, o teatro deve dar prazer, enriquecimento de observações, jogo. Mas nem tudo são trevas (…) aqui e ali possibilidades de renovação, na inquietação de certos grupos que não se acomodam nas receitas

(…) O processo educacional só existe quando é vivenciado (…)

Mas o Projeto Mambembinho continua. Esta semana, em Brasília, outra mulher de quilate: Sylvia Orthof. Foi das quem primeiro batalhou em Brasília criando o extinto Teatro do SESI de Taguatinga.. Ela fará, neste final de semana, três palestras sobre dramaturgia infantil no Teatro Galpão.

Celso Araújo, Correio Braziliense, 11.05.1980


“Quem não se lembra de Sylvia Orthof? Por quase 15 anos, ela foi pioneira de um movimento cultural que ia estabelecer as primeiras facetas da cultura candanga: a junção da fala nordestina à mineira, à gaúcha, neste Planalto Central. O feito de Sylvia Orthof, que se destacou entre tantos de sua batalha, como diretora de teatro, aqui em Brasília: organizou o Teatro do Sesi, com uma equipe de rapazes e moças daquela cidade satélite e trabalhou numa das montagens mais sinceras e sensíveis do recital Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, com músicas de Chico Buarque.

Pois bem, Sylvia está em Brasília, por toda esta semana. Chegou na segunda-feira, muito emocionada em voltar a uma cidade onde foi pioneira e de onde teve que afastar-se pela mediocridade oficial, que grassava na época, há seis anos atrás. Ela fica só até domingo, participando como convidada especial do Projeto Mambembinho, onde, com uma equipe de professores, gente de teatro e público, desenvolve um pequeno seminário sobre dramaturgia infantil.

A convite do SNT, Sylvia dará o mesmo seminário na cidade satélite do Gama e no Teatro da Escola Parque, a partir de sexta. O convite deixou Sylvia surpresa, pois teria oportunidade de voltar a Brasília, lugar onde, depois de tantos anos de carreira profissional (…), encontraria um caminho mais particular, mais arraigado na realidade de homens oprimidos.

Sylvia não quer cultivar nenhum saudosismo, com relação a Brasília, mesmo porque seu trabalho no Rio de Janeiro se desenvolveu de forma tão intensa, que ela é hoje uma das autoras de teatro infantil não só mais premiada, mas dona também de um curioso lirismo.

Conhecendo na pele as dificuldades da produção cultural infantil no campo do teatro, Sylvia aponta o problema da divulgação como uma das maiores dificuldades que essa atividade enfrenta no momento.

– Evidentemente que todo produto que não é muito vendável sofre um boicote. Quando comecei a trabalhar no Rio, ter meia página no JB sobre o espetáculo que estava estreando era muito normal. Isso era indispensável para se colocar o público nos teatros. Se sai uma fotografia do espetáculo, esteja certo de que o público comparece cinquenta vezes mais. No Brasil, fala-se muito a respeito da criança, mas o respeito devido é menor do que é divulgado por aí . Quem trabalha com criança vive uma certa marginalização. Os espetáculos infantis em nosso país são apresentados apenas nos finais de semana. Isso esmorece qualquer companhia.

Sylvia cita condições como as que existem em Paris, onde todas as escolas levam as crianças, pelo menos duas vezes por ano, ao teatro, por conta própria.

Na Alemanha, o GRIPS, que criou um movimento pelo realismo dentro do teatro infantil, tem todos os espetáculos vendidos para as escolas. Isso é uma garantia, porque a companhia produz sabendo que terá retorno, terá como sobreviver e poderá produzir os trabalhos posteriores. Nós precisamos, aqui no Brasil, de uma aproximação real com as escolas. Há em nossa população uma proporção assustadora de crianças. Não é possível que esses empreendimentos não tenham condições de se efetivarem.

Sylvia vê atualmente duas vertentes principais no movimento de teatro infantil. Um teatro da fantasia, onde os elementos naturais reagem como personagens, onde a lua pode voar, onde o sonho infantil ganha asas. E o outro, um teatro em que a criança vê o seu  mundo real no teatro, mais ou menos na linha do que o GRIPS faz na Alemanha. O cotidiano da criança, sua vida em família, na escola, no mundo. Há ainda uma outra corrente, que Sylvia chama de Teatro Perigoso, aquele onde o Mal absoluto sempre vence. “Há uma volta, atualmente, à história da carochinha”. Varinha de condão não funciona mais, mas continua sendo um elemento bastante utilizado por caça-níqueis ou gente imbecil.

Nós temos coisas muito boas, mas que são impedidas de serem produzidas. Lutamos pela sobrevivência. Não temos onde trabalhar, não temos oficinas, não temos salas de teatro. Só pensam no grandioso, mas seria preferível termos várias casas simples que poucas municipais. No Brasil há gente demais e pouca elite.

Sylvia, como Fanny Abramovich, não acredita na divisão sumária entre teatro adulto e infantil. É apenas uma discriminação para as faixas de consumo. Para ela, o teatro infantil foi um momento de clareza e mudanças no seu trabalho. De ideias rígidas a respeito das coisas, ela teve que deixar sua cabeça de criança brotar com liberdade, para compreender esse pequeno mistério da espontaneidade de que todo teatro feito para um público infantil carece.

Essa mesma espontaneidade, essa mesma busca pelo orgânico estava no trabalho que Sylvia deu início em Taguatinga, com a colaboração do SESI. O sucesso do trabalho culminou com Morte e Vida Severina, um esforço admirável para a época. Depois disso, Taguatinga não viu surgir mais nada, nesse aspecto, de tanta necessidade quanto o trabalho da turma de 32 jovens que Sylvia dirigia.

Nesse momento da conversa, ela pede uma pausa para dar um recado. É que depois que foi para o Rio, bem depois, ela encontrou um rapaz no elevador que se dizia Jorge e pedia dinheiro. Assustada, temendo um assalto desses comuns à luz do dia, Sylvia entrou no elevador. Só depois foi lembrar-se de que Jorge era um dos meninos que havia dirigido em Morte e Vida Severina. Mostrada à época de Médici (comenta-se ainda que um dos seus filhos foi quem causou o afastamento de Sylvia Orthof), a peça fez muito sucesso, mas não agradou às autoridades de um período tão difícil.

– A peça falava da miséria do Brasil: talvez não fosse um espetáculo que eles julgavam que se deveria mostrar para um povo sofredor, como o de Taguatinga. Eu sei que a peça sobrevive a tudo isso e é uma obra que vai ficar.

Quando Sylvia entrou para o SESI encontrou uma equipe de adolescentes que estava aprendendo artesanato e os meninos faziam santos barrocos de gesso. Imitação. Decapê.

– Foi impressionante, porque Taguatinga era um núcleo de nordestinos e comecei a perceber que tudo que era da terra deles era considerado menor, sem importância. Houve uma época em que todas as casas de Brasília tinham um santo barroco, talvez para negar a arquitetura de Niemeyer.

Sylvia teve um estalo e pediu que o pessoal fizesse coisas “feias” e num primeiro ensaio de repente começaram a surgir gestos, cabelos desgrenhados, até que alguém começou a dançar o xaxado. Os figurinos partiram dos bonecos do Mestre Vitalino. O sucesso da montagem foi tal que arrombaram a porta do teatro. Foi talvez o primeiro grande sucesso de teatro em Brasília.

Mas os tempos eram obscuros como os de hoje e Sylvia foi forçada a pedir demissão. Bateu de porta em porta, aqui. Era incompreensível, pois ela era pioneira, chegou aqui em 1960, tinha sido professora de teatro na Universidade de Brasília (onde também foi perseguida), levou o um grupo brasiliense ao Rio, para um Festival, e ganhou o primeiro lugar. Alguma coisa Sylvia haveria de fazer, mas as portas foram fechadas.

Ela fala com emoção. Não se contém. Começa a chorar. Foi um tempo muito amargo para Sylvia, pois havia um projeto sério, uma pesquisa aberta. Mas ela compreende perfeitamente as pressões que existem sobre todo artista. Foi embora para o Rio. E não se conformou. No ano seguinte, recebia o prêmio da Fundação Teatro Guaíra por melhor texto nacional para crianças.

– Todo o teatro que eu faço tem uma mensagem social, talvez isso tenha incomodado às pessoas sem visão. Sempre gostei de trabalhar com gente moça. Eu queria criar junto com essas pessoas. Acredito que daqui de Brasília ainda surja um movimento forte, que continue essa proposta.

(…) O encontro de Sylvia com o nordeste se deu em Brasília. De volta, ela declara sentir desabrochar aqui um novo movimento e pede que todos compareçam para conversar, trocar ideias, informações. Sylvia Orthof, por tudo que fez, é uma das pioneiras da cultura candanga, não no sentido restrito, mas no sentido lato. Não foi apenas uma diletante, mas uma mulher de teatro com uma consciência inquieta, capaz de transformar-se e desvencilhar-se dos efeitos da estupidez, para dar vida a um projeto que é de liberdade, porque ainda é de um teatro necessário.”

Celso Araujo, Pioneira do Teatro Candango que a censura afastou, Correio Braziliense, 14.05.1980


“(…) O Projeto Mambembinho, apesar de todas as suas falhas, vem levando um bom público ao teatro e causando uma mínima discussão necessária entre os interessados. A presença de Sylvia Orthof, que pela manhã desenvolve um seminário sobre Dramaturgia Infantil, foi muito estimulante, não só pelas lembranças que reavivou, mas também por ter Sylvia Orthof uma das batalhas mais admiráveis pela profissionalização do teatro infantil no país, no sentido de despi-lo da mediocridade reinante.”

Correio Braziliense, 17.05.1980



A Gema do Ovo da Ema

No final dos anos 70, sai o resultado do X Concurso Nacional de Dramaturgia Infantil do Serviço Nacional de Teatro. Mais uma vez inscrita em um concurso de textos para crianças, Sylvia não leva o tricampeonato. A vitória cabe a Eugênio dos Santos com Keirbeck, a Pedra Negra. Mas o segundo lugar é dela e ninguém tasca: A Gema do Ovo da Ema, mais um texto inspirado no folclore nordestino. Na visão dos membros do juri, “uma peça alegórica, jogando a imaginação infantil, onde cada ideia ou frase sugere várias interpretações cênicas”. Como outros textos da autora, ganharia sua versão em livro, com ilustrações de Tato, recebendo o Prêmio Orígenes Lessa pela FNLIJ – Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – 1988.


“(…) Conta a história de Zefa, uma jovem do nordeste brasileiro, filha de um Coronel rico e autoritário, que manda e desmanda e pensa ser o dono do sertão e da vontade de sua filha. A trama se inicia quando o pai ordena que Zefa se arrume para a chegada de um navio de turistas, na esperança de que ela conquiste um estrangeiro rico e faça um casamento vantajoso. Cheia de enfeites e ridiculamente trajada, Zefa não agrada aos turistas, mas é alvo da atenção do Marujim, que é pobre, jovem, poeta e conquista o coração da moça, oferecendo-lhe um cravo e anunciando mudanças. O Coronel reage, esperneia, mas não consegue evitar o amor dos jovens (…)”

Flor de Maria Silva Duarte, O teatro infantil de Sylvia Orthof


A Gema do Ovo da Ema
tem uma avant première adivinha onde? Em Brasília, que festeja seu 21 primeiro aniversário. A jovem capital do Brasil completa sua maioridade, recebendo uma de suas filhas pródigas de braços abertos.


“No aniversario de Brasília, arte e cultura são o presente maior para a cidade (…) Dia 30 de abril: A Gema do Ovo da Ema, de Sylvia Orthof. Sala Martins Pena, às 21 horas.”

Correio Braziliense, 21.04.1981


“No aniversário de Brasília a arte e a cultura são o presente maior para toda a cidade. Sobe o pano para as manifestações artísticas e culturais de nossa gente e de outros povos. A dança, o teatro, a música, as artes plásticas têm agora um espaço só seu. Têm um palco iluminado, um ponto de encontro entre o artista e o público. Teatro Nacional de Brasília: agora completo, perfeito e definitivo nos 21 anos da Capital do Brasil.

Programa:

Dia 21 de abril: Sonho de uma noite de carnaval. Direção: Dalal Achcar (…)

Dia 30 de abril: A Gema do Ovo da Ema – de Sylvia Orthof – Avant premiere. Espetáculo infantil pelo Grupo Gruta de Brasília – Sala Martins Pena, às 21 horas.”

Sobe o pano, Jornal do Brasil, 22.04.1981


“Quem duvidava, no dia 21 de abril teve a prova: o Teatro Nacional de Brasília, misteriosa pirâmide encravada no começo da Esplanada dos Ministérios, e que muitos apontavam jamais funcionaria para valer, foi inaugurado em grande estilo e de uma vez por todas. O espetáculo de abertura coube a Dalal Achcar com seu Sonho de uma Noite de Carnaval – na plateia, todo mundo que faz Brasília, a começar pelo presidente Figueiredo e por D. Dulce. Daí em diante, o TNB não parou mais: apresentou mais uma récita do balé, um recital do pianista Joel Bello Soares, um concerto da Banda Sinfônica de Brasília, um concerto da Orquestra do Teatro Nacional, com regência do maestro Claudio Santoro e solo do consagrado pianista Nelson Freire, um outro concerto da Orquestra com o flautista Eduardo das Neves solando O Romanceiro da Inconfidência, com a esfuziante e magnífica Maria Fernanda à frente, uma peça infantil de Sylvia Orthof chamada A Gema do Ovo da Ema e duas exposições, dez artistas plásticos brasileiros e Quadro Brasiliense. Tudo isso em menos de 10 dias. A Fundação Cultural do DF, que está jogando firme na área do Teatro Nacional, garante uma programação cada vez mais intensa: afinal, teatro que se preze não fica nem fechado, nem parado.”

O Cruzeiro, 30.07.1981


No dia 1 de maio, o novo espetáculo estreia no Gláucio Gill, com texto e direção de Sylvia e direção musical de Paulinho Guimarães. No elenco, Everardo Senna, Fábio Rocha, Fátima Malheiros, Flor Duarte, Gabriel Cortes, Robson Quintanilla. Segundo nos conta Flor de Maria em sua monografia acima citada, “pouco antes da estréia, o ator que interpretaria o personagem teve um desentendimento com a diretora e saiu do elenco. Como não havia tempo hábil para a contratação de outro ator, a própria Sylvia assume o papel para o fim de semana da estréia”. Ela está em todas!


“Em 1981, no Rio de Janeiro, havia duas práticas diferenciadas de teatro infantil. A primeira e mais comum era uma atividade puramente recreativa, que parodiava contos de fadas ou personagens televisivas, em montagens sem criatividade, tendo como único objetivo o rendimento da bilheteria. Por outro lado, alguns artistas talentosos e conscientes desafiavam a censura e ousavam em espetáculos que provocavam o público e a crítica. Muitas denúncias sobre o regime autoritário da ditadura militar eram veiculadas simbolicamente nos espetáculos infantis, já que a censura não percebia as mensagens contidas nas entrelinhas desses espetáculos. A Gema do Ovo da Ema discute autoridade, autoritarismo e liberdade, como tantos outros textos de Sylvia Orthof e, nos espaços vazios, o leitor pode perceber esse conteúdo político referente à situação da época. Mas a obra está aberta a outras interpretações (…)”

Flor de Maria Silva Duarte, O teatro infantil de Sylvia Orthof


Seis atores se revezam nos papeis de Sapo, Balde, Xaxador, Aranha, Coronel, Zefa do Sertão, Ema, As Três Criadas Vestideiras, Alemão e seu Cachorro Basset, As Mulheres do Harém, Árabe, Marujim, Boi, Navio, O Castelo das Três Torres, Sol. Depois da temporada em Copacabana, o elenco segue para o Teatro São João do Meriti, onde estreiam no mês de agosto. Como comenta Flor de Maria, “os atores se transformam na Aranha que vai tecer o fio dessa história, isto é, a história de Zefa, filha do Coronel do sertão. Quando o Coronel e a Aranha se encontram, o diálogo revela o tom de desafio, outro elemento dos folguedos nordestinos. Além disso, o Coronel personifica o poder autoritário, como é possível notar no excerto abaixo.


Aranha:
 Puxei o coronel!

Coronel (Impondo o título): Coronel Firmino do Sertão… de apelido Mamão Macho, com muita honra e distinção! Dono de mil fazendas, dono dos bois-bumbás, canas e canaviais, dono dos mares, ares e pessoas, bichos e gameleiras deste sertão!

Figurinos e bonecos de A Gema do Ovo da Ema, 1988

Aranha: Mas que roxo mais roxão, cor de roxo azul escuro, cor de seca e de trovão!

Coronel: E quem é vosmicê?

Aranha:  Eu sou Dona Aranha. Sou eu que teço e aconteço… teço o fio das histórias.

Coronel (Interessado): É mesmo? E vosmicê tem diploma de Aranha?

Aranha (Mostrando uma rede tecida de aranha): Este é o meu diploma: o meu trabalho!

Coronel: Que óptimo! (Pronuncia o P) Estando em minhas terras, vosmicê é minha. Sendo minha, mando e desmando, mando no sertão! Mando na história!

Aranha: E é isso que o senhor quer, é?

Coronel É isso que eu quero: mandar no sertão, nas histórias e no destino das gentes!

Sylvia Orthof, A Gema do Ovo da Ema


“Um novo texto de Sylvia Orthof está sendo encenado (…) Aborda a caminhada de uma menina em busca de sua própria identidade, passando a ser ela mesma em vez de ser a filha dos pais. Trata-se de A gema do ovo da Ema, com um  bom acabamento e utilizando o humor e a linguagem musical como principais ingredientes.”

Diário de Pernambuco, 09.06.1981



O Mundo Encantado da Literatura

A Viagem de um Barquinho, vencedor do concurso em que Ana Maria Machado foi uma das juradas, me abriu os caminhos. Ruth Rocha era editora da revista Recreio. (59) Um dia, ela telefonou, pedindo uma história. Deve ter sido insinuação da Ana, porque Ruth e Ana eram cunhadas, além de amigas.

Senti que tinha chegado a hora: passei a noite em claro, escrevi vinte historietas e mandei tudo para ela, mentindo que eram escritos antigos.

Ruth levou um susto. Mas a Ruth Rocha é bem humorada, deu carta branca à minha louca produção, aceitou tudo, e foi publicando pela Editora Abril.

Para poder enviar vinte histórias, havia um segredo: eu começara a colecionar ideias que pensava que poderia transformar em teatro infantil. Tinha uma caixa, lilás, cor de magia, onde colocava papeizinhos, rabiscos, notícias de jornal, tudo que pudesse virar enredo. A caixa, desbotadinha, existe até hoje.

Isso me valeu naquela noite tão abençoada!

E surgiu Eliane Ganem, outra grande escritora. (60) Ela pediu livros, me ajudou tanto!

A Codecri, na Coleção Pasquinzinho, publicou Mudanças no Galinheiro, livro que recebeu prêmio, ilustrado por meu filho Gê Orthof.

Eu nem acreditava: Ana Maria Machado, Ruth Rocha, Eliane Ganem, Fanny Abramovich me tratavam de igual para igual!

E descobri que o fato de ser escritor envolve outra verdade: a generosidade interior, que vira palavra!

O fato de eu escrever precisando ganhar dinheiro não me incomodava. Pelo contrário, era um estímulo, trazia energia.

Aos 48 anos publiquei meu primeiro livro. Hoje tenho mais de cem publicados, porque fiquei com a sensação de plenitude, vigor, vontade mesmo de escrever todos os dias! Não abandonei o teatro, mas o leque foi aberto, ave, alegria! (…)

Comigo, o teatro se mistura sempre com livro!

Sylvia Orthof, Livro Aberto


“Em solenidade a ser realizada no próximo dia 16, às 16h30, no Hilton Hotel, serão entregues os prêmios aos vencedores do 1º Concurso Nacional de Contos Infantis, promovido pelo jornal Auxiliar, órgão de divulgação da Corporação Bonfiglioli que, entre outras, reúne empresas como o Banco Auxiliar e a Cica.

Entre os presentes, estará o Ministro Eduardo Portela, da Educação e Cultura (…) Serão entregues um total de Cr$ 206 mil em prêmios, sendo Cr$ 100 mil para Ruth Rocha, de São Paulo, que obteve o primeiro lugar com o conto O rei que não sabia de nada; CR$ 60 mil para Antonio Carlos de Souza Pacheco, de São Pedro, SP, que ficou em segundo com Bililaque; Cr$ 30 mil para Julio Borges Gomide, Belo Horizonte, em terceiro, com Jonas, o Macaquinho (…)

O juri – formado por Edy Lima, Fanny Abramovich, Gilberto Mansur, Tatiana Belinky e Gaudêncio Torquato – selecionou mais seis trabalhos que serão publicados em livro (…) São os seguintes: (…) O pé chato e a mão de fada, de Sylvia Orthof, Rio de Janeiro.”

Jornal dos Sports, 13.09.1979


E assim começa oficialmente a mágica e vitoriosa carreira literária de Sylvia Orthof. Um conto premiado abre definitivamente as portas de um universo que já era acalentado entre seus botões. Além das ideias que reluzem diante dela como vagalumes em noites sem lua, chovem convites. Em seus 14 anos de atividades literárias escreve mais de 120 livros, todos publicados por dezenas de editoras, numa saborosa viagem por diferentes gêneros literários. Em se tratando de escrever, nada tem segredos para Sylvia: poesia, prosa, teatro. Os prêmios são inúmeros e dezenas dos seus livros conquistam o selo Altamente Recomendável para Crianças pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil”.


“(…) Seu estilo único, a linguagem coloquial e o humor encantam os pequenos leitores, dentro e fora das escolas. Seus diálogos sonoros e recheados de nonsense são encenados tanto em palcos improvisados quanto nos tradicionais teatros brasileiros. Suas narrativas divertidas ganham vida na voz de contadores de histórias por todo o país. Seu talento para provocar a imaginação das crianças e conduzi-las pelo fascinante universo da leitura renderam-lhe numerosos e importantes prêmios (…)”

Site Sylvia Orthof, Google Site


Crianças e adolescentes são seu público alvo. Até mesmo suas autobiografias têm linguagem própria, capaz de encantar esse universo infanto-juvenil, como em Livro Aberto – Confissões de uma Inventadeira de Palco e Se a Memória não me Falha.


“Professora de teatro com experiência em Brasília e no Rio, detentora de vários prêmios por peças destinadas a crianças e autora de diversas estórias infantis, Sylvia Orthof volta-se agora (…) para o público infanto-juvenil.

Seu livro de memórias (…) abrange, em 15 capítulos, vasto período de tempo, desde que a narradora iniciou o curso primário (“De como foi, vista por mim, a Segunda Guerra Mundial credo!) até “hoje” (“À procura de um nome”, “Enjoei de escrever tchau!”, até sem registrar os eventos em sequência cronológica (…)

Tal procedimento faculta ao leitor, primeiramente, verificar até que ponto permaneceram inalteradas na  mulher adulta certas tendências da criança e da adolescente irrequieta, sempre atenta a tudo; em segundo lugar, permite-lhe colocar em causa o problema do tempo, visto não como acumulação de fatos independentes, mas como conjunto de acontecimentos inter-relacionados que contribuem, de maneira mais ou menos significativa, para a formação da personalidade do indivíduo.

O texto trata, ainda, dos vínculos entre literatura e realidade, oferecendo subsídios para amplas discussões ao sugerir que escrever é fruto do acaso (“Hoje, de repente, escritora, arregalo os olhos de espanto”), da boa música e da fantasia (…)”

Lilian Lopondo, O Estado de São Paulo, 11.07.1987


“As biografias, mais ou menos fantasiosas, mais ou menos reais, sempre marcaram presença na literatura dirigida à infância e à juventude, seja com intenção didática, paradidática – ou não. Falavam sempre de vultos históricos, “grandes homens”, grandes mulheres, “grandes artistas” – todos mortos e consagrados, naturalmente, E gozando de maior ou menor aceitação entre o público-meta, dependendo até do grau de “imposição” das escolas.

Mais raras são as autobiografias dirigidas ao leitor infanto-juvenil – mas nos últimos anos apareceram algumas, pelo menos de três das quais tenho notícia (…)

A que saiu primeiro foi Se a memória não me falha, de Sylvia Orthof, brasileira, filha de austríacos, contando, em crônicas deliciosamente bem humoradas, a sua vida de garota carioca, cercada de “estrangeiros” por todos os lados, cheia de incidentes e “tipos” pitorescos.”

Tatiana Belinky, O Estado de São Paulo, 24.11.1990

Um lembrete para trás…pulo no tempo e sou uma garotinha (…) quando começou a guerra (…) Acho que foi por volta de 1939 e, se não foi, deve ter sido. Entendi pouco da coisa, ou quase nada. No Rio, sei que começamos a comer pão de milho, faltava trigo. Na nossa casa, onde vivíamos tranquilos, meu pai, minha mãe e eu, chegaram parentes, aos borbotões. Todos vinham de longe, da Europa, não falavam português (…) Minha mãe, muito nervosa, tentou inutilmente escovar meus cabelos crespos (…)

– Fica arrumada, comportada. Hoje chegam sua avó e seu avô. Eles vão chegar nervosos, por causa da guerra (…)

Ajeitei meu laçarote. Minhas pernas eram tão finas que não havia meia três quartos que segurasse.

– Sua avó vai achar que não dou comida pra você! – Senti que minhas pernas poderiam não estar à altura da Segunda Guerra Mundial (…) Eu não era a menina mais bonita nem daquele beco (…) Lolita, Helenita, Glorita… Elas tocavam piano e eram bonitinhas. Todas de pernas grossas. Do lado, morava um rapaz de dezoito anos (…)

– Sylvinha, reza para meu filho não ser chamado para a guerra.

Como é que se rezava? Eu não sabia. Meus pais eram ateus (…)

Fui apresentada a meus avós. Minha avó Clara olhou para mim, aproveitou que estava de lenço na mão e começou a chorar. Fiquei pensando que era por causa de minhas pernas ou por decepção geral com a neta.

Depois, minha mãe explicou:

– Eles estão muito nervosos por causa da guerra, perderam tudo, são idosos, não falam português…vai ser difícil para eles… – Aí, minha mãe se deu conta de algo grave e concluiu:

– Vai ser difícil para eles…e para nós.

Fui avisada para não falar alemão na rua. – Estamos em guerra – me foi explicado.

Box 4:
“(…) Sylvia Orthof, filha de judeus austríacos, nasceu (…) no Rio de Janeiro, em 3 de setembro de 1932. Seus pais tinham deixado Viena entre as duas guerras, em busca de paz e trabalho. Seu pai, Gerhard Orthof, veio de uma família de artistas; ele próprio era pintor. Seu tio materno foi o músico Arnold Schoenberg, e a avó, Malvine, era casada com um letrista de operetas vienenses. Esta avó Malva influenciou muito na adolescência de Sylvia, com sua irreverência e liberdade. A avó materna de Sylvia, a vovó Trude (Gertrud Alice Goldberg, depois Orthof), foi pintora e ceramista de uma família burguesa e rica de Viena, que perdeu tudo na guerra e veio para o Brasil, fugindo do nazismo (…)

Sylvia teve uma infância difícil. Aprendeu a falar primeiro alemão e falava português com sotaque errado até a idade escolar. Foi filha única, numa família de imigrantes pobres que recebia seus avós e tios, chegados da Áustria em guerra (…)”

Celso Sisto, ator, ilustrador, crítico, contador de histórias


“A Sylvia Orthof sempre soube contar histórias. Tanto é que já escreveu dezenas de livros, ganhou inúmeros prêmios e sua obra tem grande aceitação. Só que agora a Sylvia resolveu contar uma história diferente: a sua própria história. E, desde o início (…)  Se a memória não me falha é mais do que um livro de memórias. É (…) o reavivamento de sensações e emoções que marcaram uma vida. Sem esconder a idade, Sylvia vai fundo em suas recordações, vai firme em sua arte de escrever, descrever. Eta escritora gostosa de ser lida! É uma ótima pedida para os jovens que estão, neste momento, vivendo tempos dourados, mágicos e que ficarão bem marcados na memória. Mais tarde, se a memória não falhar, poderão escrever seus livros. Vamos esperar. Ih, ia me esquecendo… O livro saiu pela Nova Fronteira com ilustrações do Tato.”

As memórias de Sylvia, Correio Braziliense, 14.06.1987


“Se a memória não me falha
, de Sylvia Orthof. Ilustrações de Tato. Memórias muito bem humoradas de uma adolescente carioca nos anos 40.”

Os mais vendidos. Infantis. Jornal do Brasil, 05.03.1988


Os primeiros livros – aqueles que ninguém esquece – são lançados em 1981.


“Hoje, na Casa de Rui Barbosa, lançamento dos livros infantis Cadeira de Piolho e Uma história de telhados, de Maria Lucia Amaral e Sylvia Orthof.”

Jornal do Brasil, 29.08.1981


Naquele instante um arco-íris foi aparecendo, aparecendo. Era um arco-íris diferente, feito só de amarelos. Tinha amarelo cor de limão, tinha amarelo cor de canário, tinha amarelo cor de laranja e tinha amarelo cor de rosa.

– Amarelo cor de rosa não existe – reclamou o menino.

– Não existia enquanto não inventei – disse o Sol, que é o inventor do arco-íris. – Agora, resolvi inventar e está inventado.

– Não pode inventar também um amarelo cor de burro quando foge? – perguntou o gato.

– Esse eu deixo pra você inventar – respondeu o Sol, dando uma gargalhada em sol maior.

O gato pensou, pensou, pensou. Como é que se inventa uma cor de burro quando foge? Aí, teve uma ideia: fez um cocozinho em cima do amarelo cor de rosa, puxou um pouco de cor de sol por cima, da maneira dos gatos e inventou a cor.

– Que delicadeza! – exclamou a velhinha. – Adoro gatos!

Uma História de Telhados, Sylvia Orthof


“(…) Mais do que uma contadora de histórias, Sylvia Orthof se torna cúmplice de seus leitores. Mergulhando no mundo do faz-de-conta dos personagens na coleção Pasquinzinho, da Codecri, ela propõe as crianças uma viagem fantástica aos mais altos telhados da terra. Entusiasmados com as aventuras do gato, do menino e da velhinha, “todos nós, crianças e adultos, subimos, subimos, subimos…. e vamos encontrando novos personagens, novas aventuras”, também revelados pelos desenhos de Gê Orthof.

O texto de Uma história de telhados é gostoso e cheio de ritmo. Um ritmo que a atriz, diretora, produtora e dramaturga Sylvia Orthof aprendeu nestes quase trinta anos de palco (…) A incursão no que define como uma “literatura infantil mais séria” aconteceria a partir de 1973, com a publicação de A viagem de um barquinho. Em todos os seus trabalhos, porém, a autora procurou “o caminho da liberdade”, a derrubada dos tabus e dos preconceitos, a lógica do absurdo… Na opinião de Sylvia, a fantasia da criança não tem limites. E ela costuma escrever para a criança que existe em seu coração.”

Pioneiro, Prefeitura de Caxias do Sul, 15.08.1981


O Sol estava resfriado e tinha tomado uma aspirina. Mesmo assim, o nariz continuava a pingar, muito roxo-rosado, que é a cor do nariz do Sol, quando ele está resfriado.

Como o Sol estava muito chateado, sentindo calafrios, que são uns arrepios que sacodem a gente quando a febre é alta, pegou no telefone e telefonou para a Lua. A Lua ouviu o telefone tocar, mas, como estava ocupada, chamou o Dragão, que é o cachorrinho dela. O Dragão atendeu assim:

– Alô! Casa de dona Lua Nova!

O Sol, muito rouco, disse que precisava falar com ela, mas o Dragão respondeu que a dona Lua Nova estava ocupada e não podia atender. O Sol ficou danado da vida, teve mais vinte e oito arrepios, sua febre aumentou até milhões de graus e gritou, quase sem voz (gritar sem voz, só um Sol resfriado sabe fazer) (…)

Mudanças no galinheiro mudam as coisas por inteiro, Sylvia Orthof


“(…) Mudar, subverter, fazer a criança pensar, participar. É isso que Sylvia Orthof pretende quando escreve e é assim que parece acontecer durante a leitura de Mudanças no galinheiro mudam as coisas por inteiro, último lançamento da coleção Pasquinzinho. O ritmo bem marcado, a ironia sutil, são características dos textos de Sylvia Orthof que também se encontram presentes neste trabalho. No entanto, a autora vai mais além ao subverter as historinhas tradicionais começando a narrativa de uma forma bem diferente da batida “era uma vez….”

“O sol estava resfriado e tinha tomado uma aspirina. Mesmo assim, o nariz continuava a pingar, muito roxo-rosado, que á a cor do nariz do sol, quando ele está resfriado….” O livro tem desenhos de Gê Orthof e é indicado para crianças de primeiro grau. Mas quem garante que os adultos não podem ser crianças, ou vice-versa?

Livros, Pioneiro, Caxias do Sul, 05.09.1981


“Um jogo, um brinquedo. Um diálogo sem falso moralismo, preocupado com os problemas sociais. Principalmente, um trabalho que respeite a criança como ser humano, com seus conflitos, sua ironia, seus sonhos… Uma proposta, três autores, três estilos, três mundos diferentes que se unem na mesma dedicação ao público infantil: Sylvia Orthof, Ganymèdes José e Maria Lúcia Amaral, cujos novos livros estão saindo pela Editora Codreci. Uma História de Telhados e Mudanças no Galinheiro Mudam as Coisas por Inteiro marcam a estreia da ex atriz Sylvia Orthof na literatura. Antes ela consolidou uma extensa obra de dramaturgia infantil (e continua dirigindo e produzindo seu grupo teatral Casa de Ensaio), foi escritora para crianças pioneira em televisão (em 1961 criou um programa na TV Brasília) e dá aulas de teatro (…)

– O ideal seria que cada criança pudesse perceber sua intelectualidade através do livro, reagindo a ele de acordo com sua consciência, e não com a vontade dos pais. A fantasia da criança não tem preconceitos e, para atingi-la, não precisamos “descer”. Geralmente as pessoas assumem um ar paternalista ao tratar com as crianças, esquecendo que elas possuem seu próprio mundo, seus conflitos, sua ironia mordaz: as crianças querem ser ouvidas, compreendidas e sentir sua importância dentro do Universo. Elas precisam conhecer a vida e a morte, a sua infância, mas também a velhice. Afinal, onde está o limite da criança, onde começa o adulto? (…)

– É importante a gente lembrar que a vida é muito política e que as pessoas das gerações anteriores jogavam uma série de preconceitos em cima das crianças, até com certa safadeza. Por exemplo: a história moralista do Chapeuzinho Vermelho, que foi surpreendida pelo lobo mau porque não obedeceu à mamãe (esta, em última análise, representa a classe dominante, o poder). O caminho que mais procuro em minha literatura é o caminho da liberdade. 

– Acho que a censura é uma coisa do adulto. Noto isso na reação dos pais que levam seus filhos às minhas peças: eles se horrorizam com as coisas que as crianças aplaudem, como um parto que coloquei em cena uma vez, num Auto de Natal (…)  É claro que a fábula aparece muito mais em tempos de cerceamento político, da ditadura. Por outro lado, a fantasia infantil é animista, como o é a própria fantasia. Lembro-me que quando era pequena costumava dar boa noite para meus bonecos, livros, cadeiras… tudo. Para mim, eles tinham vida.

Pasquim: Num país onde tudo vai mal, a Literatura Infantil vai bem?

–  Por enquanto ainda existe um enorme preconceito em relação ao trabalho feito para a criança. Grande parte das pessoas vê a literatura (ou o teatro) infantil como uma coisa menor.

Pasquim: Alguma sugestão para melhorar as coisas?

É preciso levar o livro onde está a criança. Sempre achei que as vendas ambulantes são uma boa ideia. Por que se pode comprar pipoca, coca cola ou sorvete na carrocinha, e não um livro? Afinal, quando a gente vê um pipoqueiro com uma pipoca cheirosinha não dá uma vontade danada de comer?”

Maria Rosa Pecorelli, O Pasquim, 10 a 17.09.1981



“Se toda gente escrevesse como fala…” 

Aos 49 anos Sylvia dá os primeiros passos em uma nova jornada profissional que a levará a ser consagrada como uma das mais importantes escritoras de literatura infantil brasileira. Segundo a Fanny Abramovich, Sylvia Orthof é a melhor autora de textos infantis do Brasil depois de Monteiro Lobato: “a única capaz de ser parceira dele”.

Mas não abandona o tablado. Jamais. Na imprensa, segue o debate sobre a situação do teatro infantil  “agravado pela proliferação crescente de novos grupos, que não atendem padrões sequer razoáveis de qualidade”. Para escrever a reportagem, Sylvia é um dos nomes ouvidos pela jornalista, junto com Lúcia Coelho, Benjamin Santos, Maria Helena Kuhner, entre outros membros de grupos.


“(…) O decantado boom do teatro infantil não passa de ilusão. Das 33 peças em cartaz no penúltimo fim de semana no Rio, menos de 1/3 poderia ser considerado bom. Maria Helena Kuhner, autora de peças infantis e coordenadora da Gerência infanto-juvenil da TV Educativa, queixa-se de que para selecionar uma peça de qualidade para o Teatro Jovem apresentado na emissora “é preciso assistir a quatro ou mais espetáculos”.

Para uma cidade que praticamente inaugurou o gênero no Brasil com as excepcionais montagens de O Tablado, nos anos 50, quando a suave maestria de Maria Clara Machado reinventava e coloria as histórias infantis com toda a arquitetura cênica de um teatro amadurecido – a amostragem carioca de agora situa-se na faixa da pobreza. Sem falar no mais recente engodo que são os espetáculos oferecidos pelos shoppings da Zona Sul, mero chamariz para atrair pais e crianças às lojas e nas montagens dos teatrinhos menores espalhados pelos bairros, que muitas vezes se confundem com festinhas entre amigos (…)

“Criança não engole mais histórias de dragões, bruxas, fadas e princesas” – sentencia Vitor Larica, integrante do Bloco da Palhoça – “mas infelizmente é o que mais se vê por aí”. Para ele, o mais grave é o amadorismo das montagens, realizadas por gente que entende pouco ou quase nada de crianças. Em 1977, Vitor, sua mulher, Beatriz Bedran, e o músico Ricardo Medeiros, formaram o Bloco da Palhoça e passaram a fazer espetáculos em praças, escolas e bibliotecas na periferia do Rio e em cidades do interior do Brasil (…)

A pouca informação dos pais que geralmente escolhem os espetáculos pelo título é outro problema apontado por Lúcia Coelho, diretora do Grupo Navegando, ganhador do Troféu Mambembe pela montagem de Duvi-de-o-dó em 1979. Mas existem muitos outros. Aluguéis de teatros proibitivos, palcos inadequados e as dificuldades de recuperar os custos de produção com apresentações apenas nos fins de semana desafiam a criatividade dos grupos que se dispõem a um trabalho sério. A solução é partir para o regime de cooperativa e buscar novo público nas praças do subúrbio e em pequenas cidades, como faz o grupo Manhas e Manias (…)

Para o diretor Benjamin Santos só um trabalho lento e sensível poderá melhorar a situação atual do teatro infantil. Apesar de reconhecer as dificuldades, ele vê com entusiasmo o aparecimento de novos autores: “Do último Seminário de Dramaturgia Infantil realizado pelo Teatro Opinião em convênio com o SNT, em outubro passado, participaram 30 autores de todo o Brasil. Considerando-se que cada um deles tem pelo menos três peças escritas, são noventa textos à espera de montagem. Enquanto não se criar condições para que essas pessoas mostrem seu trabalho, a proporção dos espetáculos de má qualidade continuará bem maior”. Para Benjamin, nem tudo está perdido e otimista ele relembra que a partir de 1973 surgiram várias montagens de qualidade como A Gaiola de Avatsiu, do grupo Hombu (…); História de Lenços e Ventos, de Ilo Krugli; A Viagem de um Barquinho, de Sylvia Orthof e Quem Matou o Leão?, de Maria Clara Machado (…)

Sylvia Orthof, diretora do Grupo Casa de Ensaio, autora, “uma operária do teatro”, acredita que as pequenas oficinas, onde se faz um teatro artesanal e fora dos esquemas comerciais são sementes para uma nova fase que surgirá: “Uma fase onde cada ator ou autor vai encontrar a criança que existe em si para transmitir ao público infantil uma linguagem de poesia.”

Amanda Gomes, Jornal do Brasil, 22.02.1981


“O caráter muitas vezes onírico de sua escrita é possível justamente pelo fato de não haver repressão de ideias em seu processo de criação. Ela, consciente, sonha. As transcrições dessas fantasias inspiram livros. Felizmente, seus sonhos vão além dos limites do real. Mais uma vez, aqui, as potencialidades de seus leitores é respeitada: Sylvia considera-os capazes de entender aquilo que foge do óbvio.

O emprego dessa linguagem inovadora assim como o uso de marcas claras de oralidade a aproximam de seus leitores – nos quais surpreendentemente se incluem adultos! Há, com ela, a quebra de uma posição hierárquica encontrada geralmente nos livros escritos por adultos para crianças. Essa forma espontânea de escrever, próxima da linguagem falada, estreita os laços com o público. A autora costuma brincar com os leitores, comentar as histórias, fazer uso de repetições. Essa vontade de fazê-los participar é prova de que Sylvia não quer ensinar, quer conversar. Monteiro Lobato certa vez disse “Ah, se toda gente escrevesse como fala, a literatura seria uma coisa gostosa como um curau que comi domingo no Tremembé” (…)”

Site Sylvia Orthof, Estilo e Linguagem, Google Site


Em seu permanente desejo de liberdade, Sylvia faz questão de se manter independente de classificações, que costumam rotular e aprisionar. Mesmo com tantos livros e peças escritos para crianças e jovens, um dos seus livros foi pensado para gente (que acha que é) grande. É curioso ver o que ela – narradora e personagem – escreve em O fantasma travesti, “romance adulto com traços de autoficção”, como descreve  Jamelly Starling em sua monografia sobre Sylvia.

“Sei que escrevo um livro. Fico pensando em quem o vai editar. Vejo alguns editores conhecidos à minha frente. Entrego a quem? E se eu usasse pseudônimo? Estão habituados a outro tipo de escrevinhação da minha parte. Tem gente que vai dizer que é livro para crianças, aposto! Tomara que digam! Quando eu escrevo para crianças, dizem que meus livros são para adultos.”


“Atenção, editores: Sylvia Orthof, uma das nossas fadas da literatura infantil, está terminando de reescrever sua primeira obra para adultos: O Fantasma Travesti. É um livro que mistura o fantástico com o real, com pitadas de humor e tragédia. Todos esses ingredientes, bem dosados pela escritora, servem para contar a história de um travesti que se apaixona por um judeu ortodoxo. A narrativa dos encontros e desencontros deste amor está apenas aguardando um bom editor para torná-los conhecidos do público adulto.”

Jornal do Brasil, 04.07.1987


“A mesma paixão pelo onírico e pelo fantástico que marcou a carreira de Sylvia Orthof na dramaturgia e literatura infanto-juvenis aparece agora em seu primeiro livro para adultos, O Fantasma Travesti, que fica numa espécie de meio caminho entre a novela e o romance.

O livro é maduro, apesar de sua total alegoria, e agride gostosamente os conceitos de bem falar e bem escrever. Mas não é uma leitura fácil, como Macunaíma também não é. O leitor precisa fazer consigo mesmo um pacto que consiste em não vincular o fantástico do livro (fantástico puro) ao fantástico da realidade. É uma estratégica para conseguir a fruição de uma obra onde tudo se transforma a cada frase, e até porque todos os personagens estão mortos.

Poucos autores brasileiros têm conseguido hoje fugir da ditadura do realismo, do romance-verdade ou reportagem. Sylvia Orthof, ao contrário – e talvez por causa de sua vasta experiência com a literatura infantil – é capaz de escrever este Fantasma Travesti banindo o superego para o país da realidade. Ela é uma Erêndira, borboleta transformista, e cria uma fantasia performática que põe o leitor diante de um sonho.

Se quisermos aproximar O Fantasma Travesti de alguma realidade, vamos nos encontrar no país do Ziriguidum, metaforicamente no sul da Bahia. Ao mesmo tempo em que Ziriguidum governa os sonhos (ele pode tudo), a trama deixa bem visível o que pode acontecer num país onde qualquer coisa é possível. Sylvia funda uma República da Anarquia, sem leis e sem regras. A única coisa permitida é sonhar, e na medida em que o sonho não é um fenômeno das coisas mortas-vivas, mas uma realidade ao contrário, de cabeça para baixo.

O Fantasma Travesti é um livro bom de se ler, é divertissement. E se nele existe alguma mensagem, vamos nos remontar a maio de 68 na França: é proibido proibir.”

Das fadas aos fantasmas

Publicar um livro para adultos é uma experiência nova na carreira de Sylvia Orthof. Escrever para eles, não. Autora teatral desde 1962, seus primeiros textos destinavam-se a grupos de teatro universitário em Brasília. Censura, pressões e demissões sofridas depois de 1964 levaram-na a mudar de rota para não perder a liberdade de criar.

Carioca de 1932, filha de austríacos, mudou a cabeça quando foi assistir Hamlet, aos 15 anos (…)

O convite para escrever livros partiu de Eliane Ganem, que estava organizando para a Paz e Terra uma coleção de literatura infantil que acabou saindo pela Codecri, em 1981. Desde então, publicou mais de 50 livros para crianças e adolescentes.

De O Fantasma Travesti, com o qual dá continuidade ao seu trabalho imaginativo, bem humorado e cáustico, diz a autora:

– Resolvi escrever um conto de fadas para adultos, com fantasmas em vez de fadas e palavras desbocadas em vez de abracadabra.

Licínio Rios Neto, O país da anarquia, Jornal do Brasil, 09.04.1988


Liberdade e humor – duas características marcantes na produção de Sylvia Orthof, seja literária ou dramatúrgica. Nada de textos pedagógicos, doutrinários, que se propõem a ensinar, converter. Ela detestaria ser lida por obrigação. Como bem escreve o site dedicado a ela, “Sylvia Orthof é a escritora que, por necessitar de liberdade, liberta o público infantil da obrigação de ler. As crianças a lêem por prazer”.

Um livro não é feito para ensinar. Um livro é prazer. Pode-se aprender muito num livro, mas o intuito da literatura (não estou falando dos livros didáticos) é o de proporcionar prazer. Acho importante a entrada do livro no âmbito escolar. Não pode existir uma escola que não tenha a sua hora de recreio, faz parte do equilíbrio das crianças, dos jovens. O livro não é um dever de casa, é um direito. Direito de ler, gostar, não gostar, trocar de autor ou de livro. (Declaração citada por Jamilly Starling em sua monografia A alegria na escola em diálogo com os escritos da fada carioca)


Em abril de 1982 ela está de novo em Brasília, a convite da Fundação Cultural do Distrito Federal e do INACEN (Instituto Nacional de Artes Cênicas, ex Instituto Nacional de Teatro), ministrando um curso de dramaturgia infantil para professores de Educação Artística e grupos teatrais brasilienses. Não é um curso apenas teórico; a ideia era trilhar todo o percurso – do texto à montagem. O resultado desse processo se apresenta no anexo do Teatro Nacional de Brasília.


“(…) Para Sylvia, não se trata de um espetáculo acabado, por isso apresentou a ideia aos participantes do curso e conseguiu que hoje se apresentasse o que ela chama de jogo dramático, em que através da reação das crianças, os autores e atores possam verificar a validade do processo dramático (…)

E a atriz e a autora que se mudou de Brasília em 1973 considera-se recompensada (…)

Estou satisfeita. Sempre que volto a Brasília verifico que há gente boa e que, se dispuser de espaço para trabalhar, vai conseguir realizar-se. Brasília tem muito espaço e comportaria um teatro experimental para apresentação de trabalhos que necessariamente não teriam obrigação de serem ótimos. (…)

Para ela, o processo de elaboração de um trabalho teatral de qualquer outro relativo à cultura, de modo geral, deve ser mais importante que a obra acabada (…) Ela acha que deve haver um tempo para que este processo amadureça e os grupos tenham tempo suficiente para assumir a coragem de acertar. (…)

– O que falta é Brasília acreditar em Brasília.

As pessoas não conseguem se desvencilhar daquela fama do Rio e de São Paulo e, nas viagens que tem feito pelo país, Sylvia tem encontrado trabalhos valiosos. Deveria haver um movimento contrário, que as pessoas que estão fazendo coisas criativas em seus estados fossem ao Rio e a São Paulo para contar experiências, a fim de acabar com a falsa verdade de que o Eixo RJ/SP dita a moda em termos de cultura.

Sylvia Orthof tem presença registrada na história do teatro brasileiro. Na década em que permaneceu em Brasília (…) fez o Teatro do Candanguinho na TV Brasília; ensinou teatro de bonecos na Escola Parque; trabalhou com alunos do CIEM (de onde surgiu As caravelas); com o grupo da Universidade de Brasília montou Cristo versus Bomba (…) O trabalho que mais toca o coração de Sylvia foi o que conseguiu realizar em Taguatinga com operários (“morro de saudades!”).

“A princípio não acreditavam. Quase todos egressos do Nordeste, estavam trocando a preferência natural. Começavam a achar feio coisas como chapéu de couro, rede, roupa de couro, influenciados pelo impacto causado por produtos artificiais e falsos que lhe estavam sendo mostrados.” (…)

E Sylvia conseguiu vencer as resistências: os operários deixaram de lado falsos santos barrocos feitos de gesso e o fabrico de flores de plástico. Admitiram que se orgulhavam de seus valores. Daí surgiu a encenação de Morte e Vida Severina. A peça formou filas no Martins Pena e em Taguatinga. De repente, tudo parou, ela encontrou a sala, onde trabalhava, fechada (…) Sylvia achou que era “maneira delicada” de insinuar que pedisse demissão. E pediu. Por coincidência o diretor da unidade, Walter Lemos, deixou a direção do órgão. E até hoje ela não encontrou explicação para o fato.

“Talvez” – admite ela – as pessoas tenham muito medo que os operários fiquem felizes e põem isto na cabeça de outros” (…)

Nayde Abreu, Correio Braziliense, 23.04.1982


“Seguindo a linha de debates promovidos em torno de personalidades que têm dado contribuição expressiva à cultura nacional ou local quer pela atuação quer pela própria vivência artística, profissional, o CUCA (Movimento de Dinamização da Cultura Candanga) promove, hoje, a partir das 15 h, em sua sede, encontro com Sylvia Orthof (…), o quinto da série, aproveitando a oportunidade de sua presença na cidade. Foram convidados representantes da atividade cultural brasiliense nos vários setores (…) Estão convidados artistas de Brasília, de modo geral (…)”

Correio Braziliense, 24.04.1982



Tapete de rendendê, onde as flores singelas (…) teci, pensando em você

[…] foi justamente aos sete anos que resolvi escrever um livro: comprei um caderno, enfeitei com desenhos, comecei a escrever uma história sobre uma catedral que tinha perdido a cabeça. A catedral de Petrópolis, naquela época, só tinha um pedacinho de torre, ou não tinha torre alguma, pois estava incompleta. Aí, mostrei o início da história para uma garota mais velha, minha vizinha. Ela leu, disse que o meu escrito era uma heresia. Eu não sabia que era heresia, devia ser algo terrível! – Escrever sobre catedral sem cabeça é pecado! – explicou a garota, e me fez rasgar o caderno todo, depois queimar. Meu primeiro livrinho, queimado tal qual bruxa na inquisição, credo!


A fertilidade da imaginação de Sylvia Orthof impressiona. É um lançamento atrás do outro. A relação de todos os seus livros, com as respectivas sinopses e o merecido crédito de seus ilustradores, podem ser encontrados em diversos sites dedicados a ela, nas editoras que tiveram o privilégio de publicar suas obras, nas inúmeras teses escritas sobre sua dramaturgia e literatura. A rede os disponibiliza com generosidade. Nossa intenção aqui, além da homenagem à escritora tantas vezes e ainda hoje lida, relida, montada e remontada, é traçar um painel de sua rica vida profissional, oferecendo uma atmosfera da época em que ela viveu. É verdade que nos estendemos além das próprias expectativas, mas você há de concordar comigo: foi por uma bela e talentosa causa. E, depois dessa longa jornada Sylvia adentro, perseguindo seus passos muito antes da estreia de A Viagem de um Barquinho, quando ela se torna nacionalmente conhecida, agora talvez possamos fazer um apanhado sobre seus últimos trabalhos. Sem preocupações com cronologias, apenas seguindo algumas pegadas do que ela escreveu – e do que disseram e escreveram sobre ela.


“Ganhadora do Prêmio Jabuti por A Vaca Mimosa e a Mosca Zenilda, publicado pela editora Ática, Sylvia teve vários trabalhos adaptados para o teatro e quebrou tudo quanto é estereótipo na literatura infantil brasileira, com o seu texto desobediente, esmerado, abusado, feito de riso e arrepio. Afinal, a criatividade de Sylvia Orthof jamais coube em rótulos. Como ela mesma já disse, as histórias clássicas da literatura infantil sempre tiveram um ponto de vista muito machista. “Ninguém pergunta à Cinderela se ela quer casar com o príncipe. Cinderela casa com o príncipe porque ele tem dinheiro e poder. Ela se prostitui”, provocava.

Mas, ao mesmo tempo, a autora defendia a leitura dos contos tradicionais, desde que houvesse uma reflexão. “Se Chapeuzinho Vermelho tem tanta força até hoje, é porque tem o seu valor. Só precisamos tomar cuidado para não apresentarmos essas histórias com uma mensagem moralista. Vamos discutir um pouco. Por que não podemos sair do caminho e procurar um atalho na vida? Será que em todo lugar há um lobo? E será que devemos ter tanto medo dos lobos?”, questionava.

Além de questionar velhos conceitos, Sylvia Orthof sempre vivia do modo como escrevia: espalhando encantamento por onde passava. Autora do clássico Uxa, Ora Fada, Ora Bruxa, que mostra com estilo único os dois lados de todo mundo, Sylvia era apaixonada por jardins e flores. Aliás, a sua favorita era a Maria sem Vergonha. “Gosto muito dessa flor. Lá em casa, temos uma escada, no jardim. E as flores não quiseram nascer no canteiro. Não foram exatamente as marias, mas também são sem vergonha. Elas nasceram por entre as pedras do muro. sempre assim. Nascem nos lugares mais impossíveis. Aí um rapaz queria cortá-las das pedras, mas eu reagi: – Não faça isso. Elas lutaram tanto por esse lugar”, disse Sylvia, numa entrevista (…)”

“Querida por todos os que tiveram o privilégio de conviver com ela (pessoalmente ou por meio dos seus livros), Sylvia Orthof deixou saudade. Mas a verdade é que ela está mais viva do que nunca, porque as suas histórias continuam espreguiçando, ou melhor, despertando leitores de todas as idades. E essa é uma colheita que atravessa gerações.”

http://deachet.br.tripod.com/educ/Sylvia.Orthof2_arquivos/texto.htm


Escritora, poeta, dramaturga, professora. Na inauguração da Casa das Artes de Laranjeiras – CAL -, ela é uma das profissionais escolhidas para formar a equipe de titulares responsáveis pela formação dos futuros artistas do país. Ao lado dela, entre outros, artistas como Sergio Britto, Luis de Lima, Aderbal Jr, Juliana Carneiro da Cunha, Doc Comparato, Joaquim Pedro de Andrade, Heloisa Buarque de Hollanda, Tarik de Souza, Yan Michalski.

Suas histórias são apreciadas não só nos palcos e livros, mas também nas rádios. Segundo a revista da Telerj, Sino Azul, as crianças não param de ligar para a Rádio Globo, solicitando cópias das histórias ouvidas pelo telefone. É a campeã dos “mais pedidos”.

Em 1988, Fanny Abramovich e Laura Sandroni, “duas competentes especialistas em literatura infanto-juvenil”, indicam os dez livros mais interessantes da última década. Livros que, “pelo seu encantamento, provocam a sensação de definitivo no leitor”. São eles: Os Ciganos, de Bartolomeu Campos Queiroz; Uma Ideia toda Azul, de Marina Colassanti; João Lampião, de Ciça Fittipaldi; É isso aí, de José Paulo Paes; O Dia de meu Pai, de Viviani de Assis Viana; Um Menino e uma Menina: Papel de Carta, Papel de Embrulho, de Flávio Souza; O reizinho mandão, de Ruth Rocha; O menino maluquinho, de Ziraldo; Coleção Ping Pong, de Eva Furnari e Os bichos que tive, de Sylvia Orthof – recheado de prêmios: melhor livro infantil do ano (1983) da Associação Paulista de Críticos de Arte – APCA;  melhor livro para a criança da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ); Certificado de Honra do Ibby (International Board on Books for young people).

Ilustrado pelo filho Gê Orthof, Os Bichos que Tive – Memórias Zoológicas, tem Rã, Coelho, Cachorro, Gato, Bicho Papão e até Bicho de Pé. Todos animais de estimação. Ao recordar seu relacionamento com eles, a autora esbanja humor e poesia. Como sempre.


Era uma vez uma ovelha chamada Maria. Onde as outras ovelhas iam, a Maria também ia… Se as ovelhas iam para baixo, a Maria também ia para baixo…Quando as ovelhas iam para cima, a Maria também ia para cima… A Maria ia sempre com as outras…Um dia, todas as ovelhas foram para o Pólo Sul. A Maria também foi. Ai, que lugar tão frio! As ovelhas ficaram todas com gripe. A Maria apanhou gripe também…Atchim! (…) Depois, todas as ovelhas foram para o deserto. A Maria foi também. Ai, que lugar quente! As ovelhas apanharam um escaldão. A Maria apanhou um escaldão também…ufa! (…) Até que as ovelhas resolveram saltar lá do alto da montanha para dentro da lagoa. Todas as ovelhas saltaram…Saltava uma… Mas não caía na lagoa, caía na pedra, partia o pé e chorava: méééé! (…) E assim 42 ovelhas saltaram, partiram o pé e choraram: mééé, mééé’, mééé! Então chegou a vez de Maria saltar…mas teve medo. Pensou, e viu que estava enganada…Então entrou num restaurante e comeu uma feijoada! (…)

Maria vai com as Outras, desenhos e história de Sylvia Orthof


“Uma palavrinha sobre a imagem dos livros de Sylvia. Todos os que ela ilustrou têm o aviso: texto e rabiscos de Sylvia Orthof. Ou: Sylvia Orthof escreveu e rabiscou. Ela sabia que não era ilustradora. Assim como na relação com seus editores (em que ela sempre pedia que corrigissem as vírgulas), ela era sinceramente modesta. Pessoalmente gosto de grande parte dos livros rabiscados por ela. Da mesma forma, o parceiro Tato é muito questionado. Em alguns livros eu acho que o traço caricato dele funciona muito bem. Se nas aulas eu terminava falando de poesia e dos seus últimos poemas, deixando no ar uma ponta de tristeza, para ser mais fiel à Sylvia, temos que terminar com uma gargalhada ou, pelo menos, com um sorriso embora banhado de saudade. De uma entrevista citada por Rosa Amanda Strausz no site da Agência Riff, que cuida da obra de Sylvia: “O jardim é uma coisa que precisa de atenção, como os livros. Mas não gosto daqueles jardins muito cuidados. Podados demais. As plantas, como as histórias, têm direito de espreguiçar onde quiserem.” Da apresentação da coleção Eles são sete: “Escrevo errado, não sei gramática, respingo vírgulas e peco literatura. Mea culpa! (…) Acho que escrever é como desfilar numa escola de samba: tem enredo, alegorias, fantasias, ritmo”. Do Livro aberto: “Dizem, sei lá… dizem que sou escritora. Eu acho que sou inventadeira de fantasiosas doidices. Será a mesma coisa?”

Luiz Raul Machado, Sempre Viva, Viva Sylvia

“Antes de tudo, quero agradecer o espaço aberto para nós que batalhamos pelo teatro infantil e pela literatura destinada às crianças. Muito agradecida, obrigada mesmo.

Sou obrigada, no entanto, a bem da verdade, a esclarecer um engano que houve na reportagem sobre mim na edição de 13 de setembro do Globo-Botafogo: não sou austríaca de nascimento. Nasci no Rio, sou carioca, faço questão de ser carioca, nascida e criada aqui. Meus pais nasceram na Áustria e vieram, muito antes da guerra, para o Brasil. O resto da minha família, esta sim, veio depois, fugindo do nazismo. Também não vieram para Laranjeiras; quando criança, morei com meus pais no Jardim Botânico.

(…) Esclareço também que o espetáculo Adeus, Fadas e Bruxas não foi escrito por mim (…) Foi o ator Daniel Barcelos, que hoje trabalha conosco em O Cavalo Transparente, que trabalhou com outro elenco no texto mencionado acima, espetáculo que ganhou o Mambembinho, se não me engano, em 1982.

A culpa dos erros foi inteiramente minha. Falei muito, atordoei o jornalista.  Atordoo as pessoas, perdão. Peço desculpas a ele e só escrevo esta carta por um motivo simples: sou brasileira e não quero negar isso.

Sylvia, a brasileira, Seção de Cartas, O Globo, 06.12.1983


E por falar em O Cavalo Transparente, o espetáculo estreia no Teatro Imperial em Botafogo em setembro de 1983 e é remontado alguns anos depois no teatro J. Theotônio. “Não há cenários e a luz não tem movimento, apenas ilumina o espaço cênico”, escreve Renato Neto na Tribuna da Imprensa de 1 de agosto de 1988. “É que a montagem é também meio cigana e por isso dispensou qualquer coisa que dificultasse o seu pouso em praças e escolas ou outro lugar qualquer que a acolha.”

Dois anos depois, o musical O Cavalo Transparente – a história de um casal de ciganos que, “galopando um cavalo invisível, viaja pelo mundo atrás de um “vidro cheio de mistérios” – é montado pelo grupo Tespis, de São Paulo, e arrebata o Prêmio de melhor espetáculo do ano em teatro infantil da APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte. Mais um reconhecimento a Sylvia – e mais um livro!


“Faz parte da Coleção Terceiras Histórias esse surrealístico O Cavalo Transparente que Sylvia Orthof escreveu e Tato ilustrou (…) (…) Sylvia (…) fez parte da Escola de Arte Dramática do Teatro do Estudante (…), foi pioneira na TV Record com suas telepeças ao vivo. Não parou de viajar. Por circunstâncias ou para atender a um espírito naturalmente inquieto, foi para Nova Viçosa, sul da Bahia, pequena aldeia de pescadores (…) Depois muda-se para Brasília onde dedica-se a lecionar teatro, monta um teatro universitário e escreve peças (…) Volta para o Rio e continua sua carreira de diretora, produtora e atriz. Agora, mãe de três filhos, casada com Tato, seu ilustrador preferido, é autora de dezenas de obras infantis e juvenis editadas pela Ática, Rio Gráfica, Nova Fronteira, Editora Lê, Salamandra, Ao Livro Técnico, Rocco, Ebal, Antares, Melhoramentos, Salesianas, FTD, etc., e já abiscoitou inúmeros prêmios nacionais e internacionais.

O Cavalo Transparente conta a história da cigana Carmelita e do cavaleiro Montaria que saem em busca do tempo perdido, montados no invisível Rocinante – “cavalo diferente (…),  todo feito de água, por isso é transparente” -, cheio de tristeza dentro. Estilo ágil e dando vez à imaginação do leitor, Sylvia conta, com extrema simplicidade, tamanha complicação (…)”

Rafael Costa, Diário do Pará, 31.07,1987


“Carmen, a cigana, procurava um vidro de quase cristal, contendo tristezas. Ela gostava de ser chamada de Carmelita e, como toda cigana, sentia que tinha o dom de adivinhar o futuro, saber do passado. E isso era possível graças a um velho baralho especial que só as ciganas têm. Tendo Carmem previsto a chegada de um cavaleiro, este chegou montado em um cavalo invisível. Como procurava seu vidrinho, Carmelita aceitou montar no cavalo invisível, ajudada pelo cavaleiro Montaria. Assim seria mais fácil galopar pela terra, pelo mar e quem sabe chegar a uma ilha que tenha uma só bananeira. Acharia ela seu livrinho?”

O Cavalo Transparente é um inventivo livro da Sylvia Orthof para a editora FTD com desenhos do Tato. Neste trabalho, a Sylvia mostra como é fácil inventar uma história quando se solta o pensamento no lombo de um cavalo invisível. A leitura deste livro, garanto, permite uma rica viagem pelo mundo encantado do texto. Livro curto, letras não tão miúdas, bem do jeito para quem já aprendeu a ler e quer provar que saber ler mesmo. Que tal montar no cavalo transparente, então?”

A Cigana Carmem e o Cavalo Invisível, Correio Braziliense, 27.09.1987


“Se alguém for procurar uma grande história, neste livro não vai encontrar. Ele resolveu escolher o caminho do singelo, e livro, se a gente não deixar ele ser como ele cisma, fica amarrado (…)”
Assim Sylvia Orthof abre seu Gato pra Cá, Rato pra Lá. O poeta Carlos Drummond de Andrade fica encantado: “É das fábulas poéticas mais encantadoras que já vi. Exala afetividade, graça, compreensão ideal da vida” – escreve o poeta mineiro num cartão para a tímida, mas radiante Sylvia Orthof. Pudera. Quem não sairia cantando na chuva, no sol, sozinho ou acompanhado, depois de um elogio de Drummond?

– Era um gato, muito viajado, que andava pulando sobre o telhado…E encontrou, de repente, de cinza vestido, um ratinho choroso que estava perdido.

As crianças de respiração presa, olhar atento, escutam a fábula contada pela própria autora, que continua a narrativa:

–  (…) O gato, de fato, que não gosta de rato, quis morder e pegar seu eterno inimigo.

O cotidiano de Sylvia Orthof é quase sempre este, entre crianças. Quando não está contando, está escrevendo ou encenando peças como atriz e diretora, com vários prêmios nacionais e até internacionais em todos esses gêneros.

– De repente descobri que o rato da história sou eu! Foi de repente que descobri e me espantei. Realmente, nós que trabalhamos para crianças somos todos uns ratinhos, num mundo de gatos sabidos, viajadores de telhados e culminâncias.

Na semana passada, ela percorreu escolas para lançar seu livro Gato pra Cá, Rato pra Lá (…) dentro do Projeto Fundação Escolar Pan Americana, que adquire exemplares e faz doações para escolas públicas. Sylvia (…) já publicou mais de 30 livros infantis, tendo sempre como ilustrador seu marido Tato, um polonês naturalizado brasileiro. Os dois criam juntos cada história, ilustração e textos surgidos no mesmo processo. Indagada se estão casados há muito tempo, ela explica com bom humor.

– Para nós, que somos velhos, o tempo é pouco. Mas, para vocês, jovens, 12 anos é muita coisa.

Admite que não tem segredo para cativar as crianças, mas exist
e uma temática presente em todos os seus trabalhos:

– A fantasia. Eu sou uma pessoa que me solto muito. O importante é a criação vir de dentro, é aquilo que você realmente vivencia e toca a quem está ouvindo.

Entre as muitas ocorrências gratificantes de seu trabalho, ela faz questão de citar a carta que recebeu de Drummond (…)

Acho que histórias infantis não devem ter lição de moral. Literatura infantil não é um livrinho a mais, estamos conseguindo convencer as pessoas de que é uma coisa séria (…) A gente tem que fazer um texto que os adultos também gostem de ler (…)

O Globo, 20.05.1986


O gato pra cá, miando pro rato.
O rato pra lá, com medo do gato…
Mas vendo a lua, o gato, de fato,
ficou amoroso, miando poesia.
A lua, tão gata, tão prata, sorria.
O rato cinzento aproveitou o sossego,
Pulou no ar e virou um morcego!

Sylvia Orthof, Gato pra Cá, Rato pra Lá


“(…) Prêmios? Muitos. Podemos exemplificar com o Molière, em 1978, por A Viagem de um Barquinho. Ou o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte por Os Bichos que eu Tive, considerado o melhor livro infantil de 1983.

– Gosto de escrever sempre. É vital para mim. A premiação é uma consequência.

Aluna excelente? Era péssima em todas as matérias. Só gostava mesmo é de redação. Aí, sim, posso dizer que me destacava.

Aos 12 ganhou seu primeiro prêmio. Um concurso de poesia, realizado por uma revista. Foi dada a largada para a carreira de escritora. Mas ela ainda não sabia disso.

– Fiz Escola de Arte Dramática. Nunca estudei Literatura. Não acredito que as pessoas nasçam com uma vocação determinada. Elas desenvolvem essa vocação ao longo de suas vidas. Tudo é uma questão de estilo.

– O mercado de livros infantis nunca esteve tão bom. Apesar do custo de vida, da televisão, as crianças estão lendo muito. Pais e professores interessados. Não existe mais aquele conceito de que qualquer bobagem serve. Antigamente o quente era escrever livros pregando moral, ensinando crianças a serem boazinhas. Atualmente, a ironia e o sarcasmo são muito bem aceitos.

– Não sou contra a tevê. É um grande veículo de comunicação para a crianças. Só falta ser bem utilizada. É uma pena que os diretores não tenham ainda dado um bom espaço para a literatura infantil. A única exceção é O Sítio do Picapau Amarelo. A criança merece mais do que enlatados.

No teatro, ela salienta a existência de bons grupos. A crítica vai para a comercialização das peças.

– Há espetáculos em que a criança grita, participa e o pessoal diz que foi um grande sucesso. Na verdade, foi uma grande brincadeira, sem nenhum conteúdo.

Manda um recado para educadores e pais:

– Tenham senso crítico. Se você não gosta de determinada coisa, provavelmente a criança também não gostará.

PS: Paralelamente, Sylvia também está no palco do Teatro Arena com Lustrosa Mimosa.

Vera Lucas, O Globo, 25.06.1985 


Com músicas de Nelson Carega, adereços de Tato, texto, direção e figurinos assinados por ela e a produção de Salete Bernardi, Sylvia estreia mais um musical. Dessa vez – uau! – uma legítima ópera rock, à altura da sua exuberante criatividade. No elenco, por ordem de entrada em cena, Paulo Dias (Mordomo), Dalny (Gato Acoelhado), Nelson Carega (Orquestra), Reinaldo Godinho (Piano e Cauda), Paulo Soares (Teclado), Salete Bernardi (Lustrosa).

Aventura, comédia e suspense. Tudo carinhosamente combinado como ingredientes da mais saborosa das receitas.  Lustrosa é uma cantora. Uma cantora do Teatro Municipal “rica, mandona, arrogante” – e misteriosa. Apesar de todas essas qualidades, Lustrosa não vive só, mas muito bem acompanhada: uma Orquestra, um Piano de Cauda, Deodato, um Gato Acoelhado, e Carusinho, “um mordomo muito atrapalhado que trabalha o dia inteiro para manter tudo arrumado e muito bem lustrado”. Mas Madame Lustrosa tem um segredo. Um segredo que só vamos descobrir ao longo de muitas peripécias e muita gargalhada.


“Usando do seu já conhecido estilo nonsense, Sylvia Orthof vai transformar todos os sábados e domingos em dias de festa para as crianças no Teatro de Arena. Com muitas cores no figurino criado por ela, e auxiliada pelos demais membros da equipe, Sylvia estará mostrando Lustrosa Misteriosa, a “primeira ópera rock infantil”.

– Há uma história dentro da história. Eu fundi um circo com a chanchada que ele está apresentando e transformei tudo em um espetáculo só. Para as crianças, fica o colorido, o som, a festa. Para os adultos, uma sátira ao grande circo no qual se transformou o Brasil nos últimos trinta anos. Procurei abrir um painel de tipos da nossa sociedade atual. O mordomo que trabalha para Lustrosa tem cara de palhaço e nunca recebe seu salário em dia. Enquanto isso, ela acumula riquezas. Como acontece na vida de muito operário por aí.

Nelson Tarega, compositor e diretor musical, compôs cerca de 20 músicas. “Usei do bolero ao tango, passando pela polca, algumas árias de ópera e ainda o xaxado (…) A preocupação é manter a garotada presa pelo som durante os 50 minutos de duração da peça.”

E a direção? Sylvia prefere uma direção livre, “onde todo o elenco opine”.

“Ela é tão democrática a ponto de não aceitar as críticas que a gente faz”, brinca Paulo Dias, que faz o Mordomo explorado na peça. “Ela se preocupa de fato com a liberdade do ator”. Reinaldo Godinho, o Piano de Cauda, concorda. “Ela aproveita as características de cada um. ”

O grupo é muito harmônico. E o resultado é um trabalho afinado.

– Não entendo o teatro sem um enfoque social.

O Globo, 15.04.1985

Box 5:
“Um livro custa menos que uma caixa de bombom. E não engorda (…)

Já tenho escrito aqui que não preciso de muito pra me lembrar do passado. Algumas pessoas fazem essa viagem quando encontram uma rosa murcha no meio de um livro. Eu preciso de menos. Ou só da rosa ou só do livro.

E livros não faltaram nesta semana. A Fanny Abramovich, querida amiga de São Paulo, me mandou cinco de uma vez (…) Entre eles, A mesa de botequim e seu amigo Joaquim, da amiga que há tanto eu não vejo, Sylvia Orthof (…)

Manoel Carlos, Coisas de Crianças, Tribuna da Imprensa, 06.09.1986



Teatro Livro Aberto

Um paninho de crochê,
um lencinho de cambraia,
uma caixinha de fósforos,
e inventei uma praia,
e inventei um navio.
Depois chorei um pouquinho
e fui inventando um rio.
Do crochê deste paninho
eu fiz um jardim de água;
as flores são tão molhadas
como as poesias passadas.
Do lencinho de cambraia
eu inventei um veleiro.
E da caixinha de fósforos
fiz o chão do meu navio.
Puxei depois uma brasa
do fósforo desta caixinha.
Botei fogo na história,
com toda a chama que tinha.

Sylvia Orthof, Ponto de Tecer Poesia


“A desconfiança de que poesia não é coisa de criança começa a ser domada pela experiência cada vez mais vivida por pais e mestres sem preconceitos que, observadores, descobrem a grande aliança entre imagens e ritmo no aprendizado da língua pelas crianças. Sem compromisso com a lógica adulta das nomenclaturas e designações, a criança “inventa” seu vocabulário como o poeta inventa a língua (…)

Mas essa literatura, em seleção, feita com o olho infantil, não é vasta no Brasil. Por isso a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil resolveu criar o prêmio de poesia para crianças Odylo Costa Filho (…)  encaminhando inclusive a obra vencedora a uma edição imediata (…) O resultado do concurso não revela um nome, mas uma poeta, Sylvia Orthof, já consagrada como narradora lúdica com 46 livros editados que encantam as crianças com seus jogos verbais. Usando o sugestivo nome de Penélope, Sylvia leva o prêmio com a obra Ponto de tecer poesia.

Falando dessa experiência de se lançar “poetisa”, Sylvia assinala que tem na gaveta inúmeros trabalhos, mas preferiu aguardar uma oportunidade como esta pra “conferir” o valor de seu trabalho. Essa modéstia, para quem usa e abusa das rimas em seus textos de prosa, é exagero. Como a poesia é mais que isso, e Sylvia Orthof bem sabe disso – acabamos de rever pela TV sua tradução hábil e poética para As Aventuras de Igor na Antártida -, ela exibe, no texto premiado, uma reflexão metalinguística sobre o fazer poesia. Um convite para curtir a linguagem como música e pensamento.”

Eliana Yunes, A linguagem poética da infância, Jornal do Brasil, 17.10.1987


Mais um prêmio para a coleção. E o reconhecimento oficial da poetisa que sempre esteve presente em sua vida, tanto pessoal quanto profissional, seja no teatro, na literatura, no cotidiano. Dois anos depois de mais esse aplauso, e já vivendo de novo em Petrópolis desde a década de 70, Sylvia Orthof funda a Companhia Teatro Livro Aberto. Sob sua direção, e com produção de Eliane Maciel, os atores Fernando Vianna, Marise Manhães e Marco Aureh levam seus textos para os palcos.

Em 1991, o grupo apresenta no Teatro do SESC a peça infantil Ponto de Tecer Poesia, “o musical em forma de livro que mistura literatura clássica com folclore brasileiro”.


“Misticismo, mitologia grega e cultura brasileira. Esta é a receita do sucesso que o grupo de teatro Livro Aberto vem alcançando ao apresentar a peça Ponto de tecer poesia, uma rapsódia que visa despertar o senso crítico dos espectadores mais dispersos (…)

Penélope, a dedicada esposa de Ulisses, espera todos os dias pela volta do esposo que viaja pelo mar. Para poupar tempo, a ávida Penélope tece durante o dia e o desfaz à noite. Assim dá-se partida em Ponto de Tecer Poesia, história baseada na obra Odisséia, de Homero, um dos clássicos da literatura universal.

A trajetória da personagem Penélope é marcada pela fantasia. A prendada esposa vira uma rendeira e divaga sobre a personalidade, enquanto o navegador Ulisses incorpora a figura de Lampião, uma homenagem ao cangaceiro nordestino.

A peça pode ser classificada como uma rapsódia musical, reunindo cantigas do cancioneiro popular, com algumas canções compostas especialmente para a montagem. Complementando a apresentação estão o texto poético, muita música, trapos e bonecos (…)

É sob o ângulo de Sylvia Orthof, atriz, teatróloga, que a peca se transforma. A atriz, que também se dedica à direção do espetáculo, possui mais de 62 livros publicados, tendo conquistado vários prêmios (…)

Folha de Caxias do Sul, 10.10.1991


Em julho de 1993 o Grupo de Teatro Livro Aberto está em frente à praia de Ipanema, na Casa de Cultura Laura Alvim, estreando Folia dos Três Bois, a jornada de um casal de retirantes em sua volta para casa às vésperas do nascimento do filho

“A escritora Sylvia Orthof já tem 85 livros infanto-juvenis publicados e transformou o seu último trabalho em peça, encenada pelo Grupo de Teatro Livro Aberto. Folia de Três Bois, com direção da própria autora, é uma festa folclórica dos personagens bois-bumbá, que acompanham Das Graças e seu marido Juvenal numa viagem em busca de um lugar para a mulher ter o seu bebê. Uma historinha que fala da alegria do nascimento. A montagem conta com a participação especial do violeiro Beto Ferreira (…)”

Tribuna da Imprensa, 23.07.1993


Folia dos Três Bois. A conceituada autora de livros infantis, Sylvia Orthod, traz a cena um espetáculo diferente, em que figuras do folclore brasileiro e personagens do show business americano se misturam numa aconchegante encenação. Teatro Laura Alvim. Até 15 de agosto.

Jornal do Brasil, Jul. 1993


Em julho de 1999, na sua coluna do Jornal do Brasil, Danusa Leão anuncia os dez anos da companhia de teatro criada para levar ao palco as peças de Sylvia Orthof, que chegou a dirigir com a equipe oito dos seus textos teatrais. Em homenagem a sua criadora, a companhia permanece atuante, mantendo vivas as histórias e personagens do rico repertório da dramaturga.


“(…) A Cia. Teatro Livro Aberto mantém suas atividades até os dias de hoje encenando os textos de Sylvia Orthof pelo Brasil sob a direção de Fernando Vianna. Atualmente seu repertório é composto por 7 espetáculos: O Cavalo Transparente, A Viagem de um Barquinho, Se as Coisas Fossem Mães, Ponto de Tecer Poesia, Ervilina e o Princês, Zé Vagão da Roda Fina e sua Mãe Leopoldina e Lustrosa, Cantora Misteriosa.

Em 2002, o músico, ator e compositor Marco Aurêh lança o CD Cantando Sylvia Orthof. O disco reúne uma seleção das melhores músicas compostas por ele sobre as letras de Sylvia.

Lá vai o barco, lá vai / Papel de jornal, papel / Dobrado em velho jornal / Em novo mar / Tão gaivota / Na asa branca do dia / Na estrela da lua nova / Lá vai o barco, lá vai / Navio, tão grande barco / Veleiro branco da água / Lá vai o barco crescido / Sem âncora / Sem marinheiro / Sem nada, além de um papel”

Silvia Orthof, A Viagem de um Barquinho, Wikipedia


“(…) A ideia do Livro Aberto era poder montar uma companhia que se apresentasse em qualquer lugar, com cenários carregados em caixas e malas repletas de encantamento”, recorda Fernando Vianna.

Foram 10 anos viajando com a escritora e embarcando nas viagens literárias mais criativas e inusitadas possíveis. Juntos, percorreram de Petrópolis a Uberaba, indo parar na fronteira do Brasil com a Argentina, até fizeram temporada na Alemanha.

O grupo acompanhava a escritora por diversas bienais e turnês literárias pelo país. Em 1991, na Jornada Literária de Passo Fundo, ao apresentar as histórias Luana Adolescente Lua Crescente, Se as Coisas fossem Mães e Deu a Louca em Ervelina, acabaram emendando uma série de apresentações e esticaram a viagem por dois meses de trabalho.

Sylvia era uma mãezona, colega, hiperdisciplinada. Aprendi a ser cidadão ouvindo o que ela dizia. Tem texto que falo há quase 30 anos e sempre acabo enquanto ator descobrindo uma dimensão maior. Ainda consigo, brincando com as palavras, descobrir tantas coisas através do texto dela, nesses recadinhos que ela mandava nas entrelinhas, por isso a sinto cada vez mais viva no universo da poesia, me inspirando e inspirando outras pessoas”, diz o amigo Fernando Vianna (…)

Com 152 textos publicados numa carreira meteórica na literatura infantil, se levarmos em consideração que Sylvia Orthof começou a escrever livros com 48 anos e morreu aos 65, sua obra é considerada altamente recomendável para crianças e adolescentes de todas as épocas (…) Ainda existem muitos leitores a serem conquistados, educadores que precisam ser apresentados a incrível obra dessa fantástica escritora, e por isso, a Cia Livro Aberto continua adiante, levando espetáculos para temporadas nas escolas, maratonas da rede Sesc, jornadas literárias.”

Claudia Lins, Mundo Leitura


“Sylvia criou, nos anos 1980, o Teatro do Livro Aberto que há mais de vinte anos atua e encena muitas das suas peças que viajaram pelo país (…) As peças continuam sendo montadas por escolas, educadores e artistas de teatro que, partindo do teatro infantil, questionam valores e certamente provocam transformações, mas principalmente encantam e emocionam crianças e adultos.”

Claudia Orthof, Sylvia Orthof e seu teatro infantil



Gelo, água e poesia

Enquanto a TV Globo anuncia a estreia, em fins de fevereiro de 1987, da novela O Outro, de Aguinaldo Silva, com Francisco Cuoco de volta às novelas, a TV Manchete tem outros planos antes da estreia de Kananga do Japão. Em coprodução com a Intervídeo lança Os Constituintes, um programa de entrevistas com políticos comandado pelo jornalista Roberto D’Ávila, e um documentário de ficção dirigido por Jorge Bodansky com participação da TV francesa Antènne 2: Aventuras de Igor, com narração de Othon Bastos e texto de Sylvia Orthof.


“(…) Bodansky e o fotógrafo francês Serge Gitton embarcam no próximo dia 16 no veleiro do físico francês Oleg Belly, que há 14 anos vive velejando e já deu três voltas ao mundo. Seu filho, Igor, de 3 anos, nasceu e mora no barco. É a terceira vez que o menino vai à Antártida e o filme gira em torno de sua relação com a natureza. Com pretensões também de programa infantil, Igor conversará com focas e pinguins – com os quais mantém, segundo Bodansky, a mesma intimidade que uma criança “normal” teria com gatos e cães. Os diálogos serão montados aqui no Rio pela autora infantil Sylvia Orthof (…)”

Marcia Cezimbra, Jornal do Brasil, 07.01.1987


“A Intervídeo, em coprodução com a TV francesa e em associação com a Rede Manchete, está finalizando a produção de um especial chamado Aventuras de Igor, que foi gravado inteiramente na Península Antártida. O especial, que tem a direção de Jorge Bodansky e texto de Sylvia Orthof, é uma história de fantasia sobre um garoto de 3 anos – Igor – e sua relação com os animais da Antártida.

A equipe, formada pelo diretor Jorge Bodansky e os fotógrafos Serge Gitton e Andreas Wiedman, passou seis semanas na Antártida, a bordo do veleiro da família Belly, e gravou cerca de 12 horas de material com o pequeno Igor. A família Belly, de origem francesa, vive no mar. Igor filho único, foi criado no veleiro (…)

Segundo Jorge Bodansky, Aventuras de Igor será um trabalho de ficção: “O especial será um poema musicado que vai mostrar a convivência de Igor com os animais do Pólo Sul como o pinguim, o elefante marinho, as gaivotas, focas e skuas. A música ficará a cargo de Aécio Flávio que compôs diretamente em cima do texto de Sylvia Orthof (…)

Um poema musicado vivido na Antártida, Correio Braziliense, 13.05.1987


(…) Essas imagens inspiraram a escritora Sylvia Orthof a criar uma história, em prosa poética, que foi musicada pelo maestro Aécio Flávio (…)

Correio Braziliense, 13.07.1987


(…) é o principal personagem do musical que a Rede Manchete apresenta hoje, às 19h. O diretor Jorge Bodanksy confessa que não tinha planos de realizar um musical: “Aconteceu naturalmente. A escritora Sylvia Orthof viu as imagens que gravamos e produziu um texto poético que, então, foi musicado pelo maestro Aécio Flávio com dez canções originais”. (…)

O mundo mágico da região gelada, Correio Braziliense, 26.07.1987


“(…) as aventuras de um menino de  3 anos que viaja de veleiro até a Antártida em companhia dos pais. Lá ele faz amizade com focas e pinguins. A partir das poéticas imagens filmadas pelo diretor Jorge Bodanksy, a escritora Sylvia Orthof criou um texto magnífico todo em versos (…) Uma bela história infantil onde pinguins, focas, elefantes marinhos, pessoas e paisagens viram personagens do Continente Gelado em uma obra-prima que marcou os anos 80.”

Renato Motta


Vou te contar uma história feita de gelo e de água. Quem me contou foi a asa da gaivota em sua fala. Ali moram as comadres, os compadres de casaca que compreenderam a mensagem que voava com a gaivota. Foi um disse me disseram, não diga, me contaram.

– Que coisa, dona Pinguim!
– Mas foi, contaram pra mim.
– É coisa de muito medo.
– Que segredo.

Gaivota voa que voa levando em toda a parte a notícia aterradora. Mas que notícia tão grave que voa em vento e em ave? A Foca não acredita, diz que tudo é invenção.

– Isso tudo é de fato besteiragem de boato. Será verdade a fofoca que trouxe a dona Gaivota?

Aventuras de Igor, Sylvia Orthof

Carlos Alberto Cabral (Diretor da Coca-Cola), Lucia Cerrone (crítica Teatral), Maria Helena de Araújo (Divisão de Artes Cênicas da FUNARJ), Beatriz Veiga (Diretora da Casa de Cultura Laura Alvim), Sura Berdtchevski, Sylvia Orthof e Ricardo Brito



Em 1992, Sylvia Orthof foi convidada para fazer parte da comissão julgadora do Festival de Ecologia no Teatro infantil, com a incumbência de escolherem os quatro melhores textos de dramaturgia para crianças referente ao tema. O concurso foi patrocinado pela Coca-Cola e realizado pela Brito Produções.



Literatura não é moda

Em nome da editoria de cultura, repórteres do Jornal do Brasil ouvem personalidades do momento para saber o que elas estão lendo e o que recomendam para os seus leitores. Na edição do dia 4 de julho de 1977, Sylvia dá suas dicas e revela seus prediletos: “A poesia de Florbela Espanca. Ela me toca muito como poetisa, como mulher, como vida. Hoje em dia só se fala nos últimos livros que saíram, as pessoas deviam olhar um pouco mais para a qualidade de suas leituras. Literatura não é moda. Recomendo também Shakespeare, Monteiro Lobato, Cecília Meireles, Carlos Drummond, Garcia Lorca – é a minha paixão! – e Jean Genet, de quem estou lendo agora O Diário de um Ladrão.

Alguns anos depois, o mesmo Jornal do Brasil quer saber de diversas celebridades quais seriam os três desejos que gostariam de ver realizados caso um gênio da lâmpada aparecesse em suas vidas. Resposta de Sylvia:

1) Que o Brasil tome jeito;

2) Que o Brasil tome jeito;

3) Que o Brasil tome jeito.

Três Desejos, Revista do Jornal do Brasil, 26.06 a 01.07.1993


Poesia, meu passarinho,
bordada em tico-tico,
ponto de asas abertas,
estrelas de penas claras,
tapete de rendendê,
onde as flores mais singelas,
rosas brancas, amarelas,
teci, pensando em você.


(…) A casa da Dona Velha era uma casa velha com uma velha torneira que vivia resfriada, pingando água, plim, plim, pelo nariz da torneira.
A casa da Dona Velha também tinha uma poltrona: era uma poltrona balanço, onde a velha balançava até dormir.
Era uma cadeira descanso.
Quando a velha cochilava, a torneira respingava, a velha tirava os sapatos, dormia e descansava, balançava.
Aí o gato Deodato entrava, bem de mansinho, para dentro de um sapato, e se enroscava e dormia, o gatinho Deodato.
Enquanto isso, de fato, a cadeira balançava, Dona Velha cochilava, e a torneira pingava (…)

O Sapato que Miava, Sylvia Orthof, Prêmio de Jornalismo em abril de 1985


“(…) Fazia cenários, figurinos, letras de música, coreografias, iluminação, maquiagem, era diretora e escrevia textos. Algumas vezes foi atriz, substituindo artistas ou remontando peças. Do ofício de teatro, sabia de tudo: bastidores, coxias, plateia, divulgação, camarins e boca de cena. Sylvia formou muitos profissionais das artes que hoje são artistas e técnicos reconhecidos. Contrarregra era sua especialidade. Contra as regras dos tempos da ditadura, criou e dirigiu o Teatro Operário do SESI de Taguatinga. Os tempos difíceis vieram, o teatro infantil foi a solução para falar, por metáforas, de liberdade. O Brasil passava pela censura e o início da longa ditadura que cerceava, entre tantas outras questões, a liberdade dos artistas.

Cartaz do espetáculo Ponto de Tecer Poesia, apresentado na Alemanha, em 1999

Montou A Viagem de um Barquinho, com toda a família trabalhando no Museu de Arte Moderna (…) A peça ficou um ano em cartaz, e toda uma geração de pessoas sufocadas pela ditadura levara seus filhos para assistir a história de um barquinho que fugia para o mar em busca de liberdade e de sua amiga lavadeira, que era contra as regras, mais uma vez, sempre a mesma história… Ventos de esperança sopravam ainda uma pequena brisa que traria, mais tarde, a Anistia e a volta ao estado de Direito. O Barquinho era um símbolo deste tempo.”

Claudia Orthof, Sylvia Orthof e seu teatro infantil


Cada espaço em branco
pode ser lido do jeito
que você quiser.
O resto é o que se segue.
Espaço em branco, também,
pode ser uma forma
de engrossar este livro.
Afinal,
se vou assassinar
uma pessoa, não posso ser
um modelo de virtude

Mais que perfeita adolescente, Sylvia Orthof


“Era uma vez um rei que tinha só um soldado para defender seu reinado…” O começo da história parece comum, mas não se engane. Você está frente a frente com a dinâmica literatura de Sylvia Orthof. Sylvia dispensa apresentações? Espero que sim! Sylvia talvez seja a escritora que mais nos proporcione agradáveis surpresas. A escritora constrói seus textos como se constroem labirintos. Dá vontade de, sempre, buscar mais surpresas e ir penetrando no labirinto dessa brincalhona literatura séria. Não é de se espantar se, um dia, dermos de cara com um Minotauro. Nessa história, por exemplo, há um boi que executa fantásticos passos de balé.

Enferrujado, lá vai o Soldado é uma história em versos, versos cheinhos de rima. A escritora trabalha uma literatura crítica, em que a criançada tema possibilidade de, ao mesmo tempo, rir com as peripécias do soldado; se emocionar com as transformações do rei e questionar o poder dos “monarcas da vida”.

A história se passa num reino tão pobre, mas tão pobre que só possuía um soldado para defendê-lo. Além do soldado, o reino possuía também um monarca, um pobre monarca. Assim mesmo, para justificar sua força, o rei necessita mandar o soldado para a guerra, mesmo que não haja com quem guerrear. Sylvia Orthof expôe para nós, leitores, a face ridícula do poder. O soldado, coitado, mesmo com medo, resolve defender seu emprego… Sai no mundo a atacar qualquer um, “sem quê nem mais”. E o poder, muitas vezes, ataca, prende e arrebenta sem ter razões verdadeiras. Mesmo assim, o soldado parece não ter nenhuma vocação para repressor: as armaduras são feias e enferrujadas, o capacete é mal feito e faz não enxergar direito, a espada pesa-lhe nas mãos… Por isso, são vítimas do soldado uma vaca leiteira, uma centopeia de cem pés, além de um touro feroz…

Em certo momento, um tropeção provocado por uma rasteira da centopeia, faz a armadura cair e, de dentro dela, surge um rapaz mocinho que, com a queda brusca, desenferrujou. Foi só desenferrujar para o rapaz começar a perceber as coisas boas do mundo (…) Uma rosa cor de rosa reforça a liberdade do rapaz – ex soldado – que se transforma em jardineiro. As transformações não param por aí: o rei, que já tinha sumido, se transforma em colibri. A vaca – vejam só! – se transforma em bem-te-vi. E a centopéia, o que foi feito dela? Criou asas e virou astronauta da Nasa … Não disse? Ler Sylvia Orthof é abrir uma caixa de surpresas.

Os desenhos em preto e vermelho de Tato acompanham o dinamismo lúdico do texto. Reforçam o conteúdo do texto literário.

Para quem está com a cabeça e o coração descorados, não resta outro caminho senão desenferrujar os soldados enferrujados!

Paulo Nunes, O liberal, Belém, 09.09.1989


Era uma das estrelas dos festivais de teatro e das Feiras de Livro. Junto com Ziraldo, Ana Maria Machado, Ruth Rocha, Maria Clara Machado estava sempre circulando pelos stands, lendo – e interpretando – passagens de seus livros, dando entrevistas, distribuindo autógrafos. Em 1983, na recém-criada Feira Internacional do Livro – que depois passaria a se chamar Bienal Internacional do Rio e se tornaria um dos principais eventos culturais do país -, Sylvia está presente, lançando e autografando mais uma cria: A Barriga de H. Linha.


“Cláudia, uma menina de 3 anos, passeava com sua avó Gertrudes pelas ruas movimentadas de uma grande cidade, quando apareceu um ser estranho. Tinha bicos, pernas separadas e penas. A Cláudia olho para o tal bicho e este olhou para a menina. A avó explicou que aquilo era uma galinha. A galinha apresentou-se como sendo H. Linha. E Cláudia começou a pensar como a H. Linha poderia brincar com ela de boneca ou de roda. Cláudia via os dentes da galinha, mesmo que a avó Gertrudes corrigisse que galinha não tem dentes. Cláudia conversava com a H. Linha e esta entendia o que a menina dizia. A avó não entendia nada, pois depois de uma certa idade a gente deixa de entender um punhado de coisas, justamente por pensar que passou a entender outras. Como entender, por exemplo, onde começa e termina a barriga de uma galinha?”

A Barriga de H. Linha é mais um livro da Sylvia Orthof, esta escritora que morou em Brasília e que dedica-se também ao teatro. Conforme suas declarações, Sylvia confessa que para escrever para crianças tem que se virar criança, sentir como elas sentem e olhar o mundo de seus ângulos. E isto ela fez em A Barriga de H. Linha, um livro infantil que acaba de sair pela EBAL e que traz desenhos do Tato. E que criança não vai gostar de saber onde está a barriga da galinha? O livro diz e deixa a criança dizer também, pois para cada um a barriga pode começar em um ponto e terminar em outro bem diferente.”

Correio Braziliense, 28.11,1983


Se a lua fosse mãe, seria mãe das estrelas,
o céu seria sua casa, casa das estrelas belas.
Se sereia fosse mãe, seria mãe dos peixinhos,
o mar seria um jardim e os barcos seus caminhos.
Se a casa fosse mãe, seria mãe das janelas,
conversaria com a lua sobre as crianças estrelas,
falaria de receitas, pastéis de vento, quindins,
emprestaria a cozinha pra lua fazer pudins.
Se a terra fosse mãe, seria mãe das sementes,
pois mãe é tudo que abraça, acha graça e ama a gente.
Se uma fada fosse mãe, seria mãe da alegria,
toda mãe é um pouco fada…nossa mãe fada seria.
Se uma bruxa fosse mãe,
seria uma mãe engraçada:
seria mãe das vassouras, da família vassourada!

Se a chaleira fosse mãe, seria mãe da água fervida,
faria chá e remédio para as doenças da vida.
Se a mesa fosse mãe, as filhas sendo cadeiras,
sentariam comportadas, teriam “boas maneiras”.
Cada mãe é diferente: mãe verdadeira ou postiça,
mãe vovó e mãe titia, Maria, Filó e Francisca.
Toda mãe é como eu disse, tem rainha e princesa
Tem até pai que é tipo mãe… esse então é uma beleza”

Se as Coisas Fossem Mãe, Sylvia Orthof


Lista dos mais vendidos? Sylvia é figurinha carimbada e repetida. Em 1985, Ora Fada ora Bruxa – dedicada ao pai, Geraldo Orthof, e a Edna, “com carinho” –  encanta crianças de todas as idades, fascina crítica e imprensa especializada e bomba nas livrarias do país. Só mesmo Sylvia pra criar Uxa,  uma bruxa diferente, que às vezes até parece fada, de tão legal.


No dia do “SIM”,
Ela se veste assim:
Vestido de cetim,
varinha de condão,
peruca escandinava…
que é uma peruca muito loura (…)
Nesses dias, no dia do “SIM”, ela, Uxa,
faz um bombom puxa-puxa…tão puxa,
que puxa…como puxa!
Aí ela coloca a peruca, põe um chapéu de fada
e faz uma porção de bondades.
Só que Uxa, sendo bruxa, não acerta de verdade.
Para uma bruxa, é difícil fazer tanta caridade,
mas Uxa tenta…e o mundo…aguenta (…)


(…) Começou a usar sua criatividade na TV Brasília, com um programa infantil de fantoches, o Teatro do Candanguinho. Contava histórias na Rádio MEC, era júri do concurso de Miss Brasília e desenhava fantasias para o cabeleireiro Augusto, nos bailes carnavalescos, onde ele ganhava todos os prêmios da categoria “Originalidade”. Foi professora na Universidade de Brasília, sem nunca ter sido universitária, e criou um grupo de teatro amador com operários, no Sesi, onde encenou Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, numa montagem com atores operários que entusiasmou Paulo Autran, que viajava com a mesma peça numa turnê nacional (…)”

Celso Sisto, Construir Notícias, Sylvia Orthof, o bom humor na literatura brasileira


Cada livro tem uma história… mas este livro que você está começando a ler é um livro diferente. A começar pelo nome: Bruzundunga da Silva.

Você quer saber quem é Bruzundunga da Silva? Eu vou contar, só pra você, a vida dele. Bruzundunga nasceu numa casa em Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Nasceu numa tarde de muito calor, no dia 6 de fevereiro de 1985. A mãe do livro, a escritora que o escreveu, ficou logo aflita quando Bruzundunga chegou neste mundo. Porque Bruzundunga chegou, olhou em volta… e ficou encharcado.

– Eu não sabia que livro chorava, eu não sabia! – disse a escritora, buscando um lenço para enxugar os olhos do seu filho-livro. – Por que você está chorando, hein? – perguntou pra ele.

– É que sou um livro, já nasci sabendo o que me espera.

(…) A mãe do livro entendeu o filho, botou no colo, ninou.

Bruzundunga foi crescendo: completou a primeira página.

(…) Cresceu meio magrela, sempre dando umas choradinhas. A Dona Mãe de Bruzundunga, ao contrário, nervosa com o nervosismo do filho, desatou a comer farofa com caldo de feijão. Era só o livro-filho demonstrar um nervosinho, Dona Mãe de Bruzundunga corria pra cozinha e desatava a comer, pra ficar calma. O livro ficou magrela, a Dona Mãe, ao contrário, já estava da grossura do Novo Dicionário Aurélio, por parte de pai, e de … E o vento levou, por parte de mãe (…)

Quando ele está numa livraria, todo bonito, exposto para ser vendido, e alguém chega, olha pra ele, gosta e compra… aí, Bruzundunga fica feliz, feliz… e parece até que engorda, pois fica inchado.

Mas tem certas gentes que olham para um exemplar de Bruzundunga, torcem o nariz e dizem:

– Gastar dinheiro com livro? Para quê? Criança lê, depois não liga… É dinheiro jogado fora!

Quando isso acontece, Bruzundunga chora, se desmancha todo: molha a estante, desbota, encharca a livraria (…)

– Buá… livro sofre! (…)

Bruzundunga da Silva, Sylvia Orthof



Selvagem e deliciosa

Passando a Limpo é o título de uma coleção da editora Atual que reúne quatro biografias de autores que escrevem para crianças e jovens: José Paulo Paes (Quem, eu?), Ana Maria Machado (Esta força estranha), Fanny Abramovich (Ziguezagues) e Sylvia Orthof com seu delicioso Livro Aberto – Confissões de uma inventadeira de palco e escrita, lançado em 1997, e que já reproduzimos aqui em diversos momentos, inclusive agora.

(…) Eu ralava os joelhos em correrias de patins (…) Meus joelhos viviam cheios de iodo…e eu berrava.

Depois do iodo, mamãe contava uma história (…) Lembro de Grimm e Andersen, livros grossos, cheios de patinhos feios, soldadinhos de chumbo, madrastas, princesas, fadas.

E quando mudamos para a Epitácio Pessoa, de frente para a Lagoa Rodrigo de Freitas, ganhei um livro de Monteiro Lobato! Ai, que maravilha maravilhantemente maravilhosa!

(…) minha casa tinha um quintal comprido, como eram os quintais de antes…e ali brinquei de ser Emília (…)

Era época da Segunda Guerra Mundial. Havia black-out, tudo tinha que ficar escuro, à noite; o pessoal tinha medo de bombardeios nazistas. Nossa casa foi enfeitada com cortinas negras, para que nenhuma luz denunciasse nossa moradia. Aí, Tia Nastácia virou cortina, na minha imaginação. A casa, linda, toda embandeirada de negras Nastácias!

Monteiro Lobato criançou a minha infância e foi minha primeira paixão literária!


“(…) Nele reencontramos (…) a autocrítica, a agilidade narrativa, o ludismo e, como não poderia deixar de ser, o humor, que conseguem transformar acontecimentos dramáticos, como sua passagem pelo DOPS e os embates com a censura, em cenas provocadoras de um riso amargo. Ela encara o ato de biografar-se com “um prazer infantil em poder pular amarelinha na calçada da memória”. Consciente dessa busca da alegria, que a faz deixar de “falar das coisas tristes, as chateações, os desencontros”, cria lacunas intencionais em seu depoimento. Numa atitude de cumplicidade, deixa ao final uma página em branco para que o leitor imagine o que ela deixou de contar, concluindo com uma paródia a Shakespeare: “o resto é vida”.

Marta Morais da Costa


Em 2007, a editora Paulinas lança a Coleção Entreato, em que “escritores importantes falam sobre escritores importantes”. Cabe a Fanny Abramovich escrever sobre sua “amiga-irmã” num livro que batizou de Sylvia Sempre Surpreendente.


“Delícia deliciosa, gostosura completa é mergulhar nos seus livros e se descobrir de boca aberta, soltando uma gargalhada redondona e enorme. É pura alegria, é espanto arregalante, é maravilhamento!!!” (…)”

Sylvia Sempre Surpreendente é uma homenagem bem humorada à escritora  Sylvia Orthof, no qual Fanny Abramovich relata a amizade e a admiração  que experimentou em sua convivência com a divertida escritora  de livros infantis.

Dividido em um prólogo e três atos pela autora, o livro começa homenageando Sylvia já pelos títulos de cada capítulo – cada um leva o mesmo nome de obras assinadas pela homenageada – e soma informações e curiosidades sobre o seu trabalho, rotina e costumes. As ilustrações sugestivas e coloridas são assinadas pelo do artista plástico e filho de Sylvia, Gê Orthof, duplicando a homenagem.

Segundo a autora, Sylvia Orthof não recebeu – em vida – todos os prêmios e homenagens que merecia: “nenhum autor teve o humor, a graça, a inventiva, a imaginação delirante, a poetura, a soltura gostosa, o jeito de fazer a maior misturança de tudo, de botar todos de cabeça para baixo, de sempre surpreender o seu leitor que ela teve sempre…” O desafio lançado por Sylvia – e admirado pela fã e amiga Fanny – é, sobretudo, o fato de que todas as obras de Sylvia provocam o questionamento de seus leitores e fogem do lugar-comum, a fim de entrar em estado de “surpreendência”. (…)

Amizade entre escritoras é tema de Sylvia Sempre Surpreendente, Edições Paulinas


“Vou falar de Sylvia Sempre Surpreendente, que é um livro especial do meu coração. A Sylvia Orthof foi uma grande, grande escritora para crianças (…) Depois do Lobato, a figura mais importante da literatura infantil brasileira foi ela. Nós fomos muito, muito amigas… Assim, amigas e irmãs. E ela morreu faz doze anos, mas, quando fez dez anos, achei que devia escrever alguma coisa para ela. Eu sabia de quinhentas histórias da Sylvia, e pedi ao Gê, filho dela e artista plástico, para ilustrar, e ele topou. As Irmãs Paulinas editaram. Montei o livro em quatro atos, porque a Sylvia era uma pessoa de teatro. E cada ato tem o nome de um livro dela. E aí no final, tem o programa do espetáculo, com um monte de coisas, inclusive com os 18 melhores livros dela, porque 18 é o número da vida para nós judeus. Então não pus nem 10, nem 20; pus 18, os 18 melhores livros.”

Fanny Abramovich, A única função do educador é por a criança na rua, no mundo


“Dez anos após a morte, a escritora de livros infantis e teatróloga Sylvia Orthof, que teria completado 75 anos no último mês de setembro, ganhou homenagem em forma de livro. Sylvia Sempre Surpreendente (…) mergulha no universo dessa que é, talvez, a mais satírica e divertida entre os autores brasileiros dedicados à infância.

“Satírica, não”, observa Gê, filho e parceiro na criação das ilustrações de livros e na luta travada com dignidade contra o câncer, a dor e os fantasmas decorrentes dele. “Selvagem”, corrige, após pausa para encontrar a palavra que acredita ser correta. “A escrita dela era selvagem, direta”.

(…) Diz-se que selvagem são os não domesticados, os que seguem poucas regras e podem até ser ferozes. Nesses tempos em que viceja o politicamente correto, soa estranho falar assim de uma autora cuja obra se destina ao público miúdo – peço empréstimo aos lusos que assim nomeiam infantes e infantas.

Foi exatamente essa capacidade de escrever abstraída da preocupação com o certo ou o errado, isentando-se da responsabilidade de dar ou passar lições de moral, que fez de Sylvia uma autora até hoje única no cenário da literatura infantil brasileira e ganhadora de alguns dos mais importantes prêmios nacionais (…)

Finda a leitura de Sylvia Sempre Surpreendente, resta a impressão de que a autora, com seus personagens “deliciantes” e imprevisíveis, foi para a literatura infantil uma espécie de Dercy Gonçalves. A comparação vem do mesmo Gê, durante entrevista em que recupera memórias e faz rápida análise da obra da mãe. À primeira vista, a comparação parece esquisita, mas ele logo explica: “no sentido de que ambas são debochadas”. Concluo o raciocínio: e também por que uma fala e a outra escrevia sem medir as consequências, em um fluxo verbal distanciado do controle racional. Era inteira e íntegra, diz Fanny sobre Sylvia.

Essa despretensão linguística, sendo rara, acaba sendo sofisticada. No Brasil, poucos autores conseguem atingir esse nível de limpeza de linguagem. Lembra, às vezes, Mario Quintana, jorrando histórias loucas, flertando com o absurdo, provocando viagens deliciosas. Há, em suas histórias, uma ligação direta com a linguagem resgatada do coração da criança que cada um pode ter sido ou ser.

“Ela desfez a ótica de extremos dos tipos nas histórias infantis brasileiras”, assegura Ligia Cademartori, doutora em Teoria da Literatura, autora de (…) O que é literatura infantil. Nos anos 1980, junto com personagens como Uxa, ora fada, ora bruxa, que romperam com o perfil bifronte tradicional dividido entre seres do bem e do mal, Sylvia não teve receio em incluir em seus textos palavras que pertenciam ao cotidiano das crianças, mas ausentes dos livros destinados a elas, como “pum” e “bumbum”.  Não poupou ninguém dos despropósitos naturais da existência.

O resultado de tal visceralidade foi a adesão imediata do público, mantido sempre o pacto incondicional com as crianças, que não censurava as histórias brotadas em fluxos desenfreados. Precisava usar “uma camisinha” de proteção nos dedos, tal era a profusão de histórias que teclava. Estimava-se que escreveu cerca de 500, tendo publicado mais de uma centena de livros por 30 editoras. O resto perdeu-se, foi rasgado, pertence ao registro oral ou televisivo ou está em lugar incerto e não sabido.

Fanny apresenta uma lista dos melhores livros que a amiga escreveu. Pode funcionar como um roteiro para o leitor que ainda não teve o prazer de ser apresentado à escritura orthofiana. Gê possui uma história inédita, presente/tesouro íntimo bem guardado. A filha mais velha, Claudia, encontrou um poema pouco depois da morte da mãe, em um pequeno bloco de anotações, dentro da bolsa que usava. Pode ter sido escrito em seus últimos dias. Fala de partida, lembranças e saudade (…) “Se eu me for / vou de bagagem / sem ser mala/ e compromisso. / Vou de anjo, / sem ter asa (…) /…  vou medir o infinito.”

De família de imigrantes judeus, Sylvia nasceu em Petrópolis e cresceu, filha única de pais separados, desenvolvendo muito a imaginação. Em termos artísticos, teve que responder às exigências de pai rigoroso Gerald Goldbert, artista gráfico, ex-companheiro dos expressionistas Oscar Kokoschka (…) e Egon Schiele (…). Jovem, ela morou em Paris, onde aprendeu arte dramática, desenho, pintura e mímica (…)

No Rio, participou da Escola de Arte Dramática do Teatro do Estudante (…) Amiga de Cacilda Becker, Sergio Cardoso e outros grandes nomes (…), um dia disse que estava cansada da vida de atriz, gostaria de conhecer um médico, se casar e ter uma vida “normal”.  Cacilda a apresentou a um fã do qual queria se desenredar, o médico Sávio Pereiro Lima (…)

“Se hoje há um teatro em Brasília, ele nasceu de ombros de gigantes como Sylvia”, diz Golda Pietricovsky, mãe de Iara, a atriz que desde o final da década de 1970 atua nos palcos brasilienses. “Ela era muitas em uma só: divertida, bem-humorada, mas séria com a vida”, resume Golda. “Quando criava, bagunçava tudo e tudo dava certo”.

Em seu livro, Fanny apenas se refere à passagem brasiliense, que durou até 1968, ano em que a família se mudou para Paris, onde Sylvia voltaria a estudar. Nos anos 1970, regressará rapidamente à cidade. Serão tempos difíceis, em que Sylvia, após ter enfrentado o câncer do marido, já viúva, percebe que sobreviverá melhor no Rio, para onde retorna. São essas dificuldades que a levam a ser profissionalizar como escritora (…)

Nos primórdios brasilienses, Sylvia convidou a amiga Golda para trabalhar no Teatro Candanguinho, no qual criava e adaptava histórias encenadas por bonecos, manipulados também por Murilo Eckhart. Golda era o Candanguinho, personagem que fazia a ligação entre as passagens. Sylvia inventava também o figurino e construía os bonecos. Como não havia muito material na cidade, ela os montava com o absorvente higiênico Modess. Eram muitos leves, encaixavam-se com perfeição nos dedos e nunca ninguém descobriu do que eram feitos. Somente anos depois é que viria a trabalhar com papel machê.

Ao vivo, o Teatro do Candanguinho foi exibido inicialmente na TV Nacional e, depois, na TV Brasília, durante quase 2 anos. Nos finais de semana, o grupo se transferia para o hospital Sarah Kubitschek. As crianças amavam as histórias e Candanguinho hoje pertence à memória de muitos que aqui viveram no princípio dos anos 1960. “No Sarah, eu falava com garotos e garotas, mas eles só respondiam ao boneco”, conta Golda.

Sylvia trabalhou também com teatro para adultos. Decidiu montar Morte e Vida Severina (…)  Vestidos com os figurinos, os atores lembravam os bonecos de barro de Mestre Vitalino. Pela primeira vez, Brasília assistia atores saindo do palco e interagindo com a plateia. O ator apontava o dedo para alguém e dizia: “é o pedaço que te cabe neste latifúndio”.

Como era provocadora e irônica, cutucou gente sem senso de humor. Fazia trabalhos de teatro com operários em Taguatinga (…) e decidiu montar com eles a mesma estória. Em uma solenidade, a peça foi exibida na presença do então presidente (…) Médici. Consideraram provocação. Foi o suficiente para os órgãos de repressão da ditadura militar começarem a vigiá-la de perto.

Embora já se tenha passado uma década de sua morte, ocorrida em Petrópolis, levará ainda um tempo para que se tenha completo mapeamento de sua produção, diante da quantidade de histórias que criou e de editoras pelas quais publicou. Os direitos autorais, pelo mesmo motivo, permanecem confusos. Embora fosse organizada em outros aspectos da vida, tudo o que se referia à produção artística tendia à desordem, como ocorria com seus personagens barulhentos e inquietos. Na época em que produzia, foram poucos os críticos a valorizar os devaneios, a teatralidade exacerbada daqueles seres destrambelhados. (…)

A leitura do livro de Fanny, assim como conversas com o filho e amigas, indica que Sylvia se expunha como nenhum outro autor do universo infantil. Convidada para conferência sobre literatura infantil, em meio a doutores e críticos, ficou muito ansiosa e decidiu improvisar o que chamaríamos hoje de performance, algo em que o filho Gê vem a ser expert. No início constrangido, o público, acadêmico, acabou cantando e dançando junto com ela. Do caos, ela fez um método de criação e de trabalho. Da precariedade, construiu um mundo de coisas e personagens. Tímida, colocou em cena a personagem que criara para si. Convocara seus amigos imaginários para se livrar dessa gaiola que pode ser a palavra e a linguagem dos outros.”

Graça Ramos, doutora em história da arte, Literatura não é brincadeira, Correio Braziliense, 03.11.de 2007


Vovó turista vai pro fogão,
Faz a comida em alemão,
Frita “salsichos”, é tirolesa,
Come na Áustria a sobremesa
Tudo acontece lá na cozinha,
Como viaja a vovozinha!
Vovó turista vai pro Japão,
Desde a escada lá do porão,
Vai com seu gato que é siamês,
Mia com ele em japonês (…)
Vovó turista, como viaja!
Inventa tanto, não sai de casa!

Vovó Viaja e não Sai de Casa, Sylvia Orthof



Escrever sobre gente é complicado

O boom da literatura infantil começou na década de 70. Foi nessa época que surgiram Os filhos de Lobato, escritores importantes, alguns dos maiores contadores de histórias do país, com inúmeras obras publicadas, todas muito bem recebidas por seus leitores e aplaudidas pela imprensa especializada. Entre eles, Ana Maria Machado, Marina Colasanti, Lygia Bojunga Nunes, Ruth Rocha, Ziraldo e Sylvia Orthof.


“Já Sylvia Orthof, em Zoiúdo, o monstrinho que bebida colírio, resolve virar personagem do seu próprio livro junto com o seu marido, o ilustrador Tato. Tudo começa quando (…) um monstrinho feito apenas de uma par de olhos arregalados e sorridentes passa a morar com o casal, onde altera a rotina com seu jeito ao mesmo tempo autoritário e sentimental. O livro mistura realidade e fantasia, criando um universo novo e cheio de imaginação.

Correio Braziliense, 29.09.1990


Esta história aconteceu e acontece aqui.

Aqui, é Petrópolis, uma cidade serranamente linda, onde moro. Aqui, também, é minha-nossa-vossa casa. Fica num morro, com jardinzinho, pomarzinho e hortinha. Por favorzinho, não pense que sou dessas escritoras que escrevem tudo em inho! Nunca de nuncão de nunquinha! O problema é que nossa casa é modesta, porém sincera.

Ela é sincera, de portas sempre abertas para as visitas amigas.

Aqui, comigo e com Tato, ilustrador deste livro e marido da abaixo assinada (eu, ora!) mora Zoiúdo… e depois, quem mais chegou, ou veio, ou chegará. Porque a vida é cheia de mudanças. Até uma casa, que é chamada de’ “imóvel” é cheia de transformações.

Pois eu estava no pomarzinho… por que “inho”? Porque ele tem cinco árvores de frutas, ora! Uma de ameixa, outra de tangerina, um pé de limão azedo, um pé de pitanga, um abacateiro… e é só.

Eu estava sentada ali, quando escutei uma voz, que vinha da ameixeira:

 — Ei, Sylvia, você escreve uma história sobre mim? Escreve? Você escreve? Escreve? Creve? Creve? Creve? Ve? Ê?

A palavra ia diminuindo de extensão, mas aumentando de chateação. Quem seria?

Procurei no meio dos ramos e achei, ali, perto de umas três ameixas ainda verdes, um monstrinho fantástico, feito só de um par de olhos arregalados e sorridentes. Você já viu olhos sorridentes? Pois ele era assim, muito do encantador.

– O que é isso? – Perguntei, dando um pulo para trás.

– Isso? Eu não sou “isso”, eu sou Zoiúdo.

– Você só tem olhos?

– Não tem gente que não enxerga, parece que não tem olhos?

– Tem – respondi.

– Pois eu sou olhos que não têm gente, ora bolas, caraminholas! Meu nome é Zoiúdo, muito prazer e faço questão de ser personagem de um livro para crianças-adolescentes-adultos.

Zoiúdo, o Monstrinho que Bebia Colírio, Sylvia Orthof


“Nos anos 60, morava em Brasília a escritora Sylvia Orthof (…) era casada com um médico apaixonado por medicina popular (…) Tinham três filhos pequenos e uma bonita casa no lago, com uma atmosfera artística, bons livros, quadros e peças de artesanato, muitas informações e significados em cada um daqueles objetos. Sylvia montou um grupo (…) e tinha a ideia de semear um movimento teatral na cidade que deixasse raízes. Minha irmã e eu fazíamos parte desse grupo, assim como os queridos Sylvain Levy, a cantora Lena, Cacá Hedreira, Nando Cosac, Jardelina, Sebastião Moema, o belo capoeirista Fritz, Vicente Pereira – citando assim de memória, meu Deus, eu tinha 15, 16 anos. Sylvia realizava leituras de grandes autores da dramaturgia clássica, principalmente os gregos, tendo em vista a nossa formação. Assim fiquei conhecendo Ésquilo (Prometeu Acorrentado), Aristófanes (Lisístrata), Sófocles (Édipo Rei), entre outros. E ela mesma escrevia. Encenávamos, na época, uma peça de sua autoria, chamada Cristo versus Bomba, uma espécie de jogral bastante inovador, metáfora contra regimes opressores na história da humanidade, já que não se podia falar do que nos oprimia, a nós, brasileiros, em 1967.

Essa peça foi selecionada para participar do Festival de Teatro de Estudantes, no RJ, um encontro de grupos de todo o Brasil, organizado pelo embaixador Paschoal Carlos Mago, um homem da cultura, que teve grande influência naquele período. Sem apoio de nenhuma instituição, nosso grupo andou pedindo ajuda pelas lojas e empresas da cidade, era impossível deixar de ir, e com aquela obstinação de jovens conseguimos o que precisávamos para viajar. Fomos de ônibus para o Rio, em uma alegria imensa. Apresentamos nosso trabalho entre tantos, numa noite discreta. Poucas pessoas se interessaram por aquele espetáculo vindo de uma cidade sem tradição teatral. Inesperadamente, a peça recebeu o grande prêmio do festival, além de prêmios para os atores Sylvain e Lena. Na noite de encerramento, os mais de 700 participantes do festival foram assistir à peça de Brasília. Vieram, então, convites para o nosso grupo se apresentar em muitos lugares do país.

Em vez disso, de volta a Brasília, Sylvia programou uma série de apresentações em cidades satélites, em espaços abertos, praças, escolas, imaginando que poderiam florescer movimentos e atividades teatrais estimulados por essa experiência. Foi um trabalho emocionante e pioneiro, que mostrava uma visão avançada de formação cultural e enraizamento de expressões artísticas locais. Assim era Sylvia Orthof.

O talentoso Vicente Pereira tornou-se, anos depois, um dos criadores do teatro de humor ferino que movimentou a cena carioca dos anos 1970. Pouco antes de morrer, Vicente declarou que estava cansado de estigmatizarem suas peças, andava em busca de temas mais universais. Se estivesse vivo, seria com certeza dos nossos maiores dramaturgos. Eu me tornei romancista, minha irmã, Marlui Miranda, cantora e musicista. Sylvain é psicanalista, e dos outros não tenho notícias, apenas saudades adolescentes. Reencontrei o Fritz, que continua com toda a sua beleza, e capoeirista. As crianças de Sylvia cresceram. Sylvia tornou-se uma das melhores escritoras de livros infantis, até que morreu, no fim dos anos 1990. São os rumos da vida.

Ainda hoje me lembro, os atores deitados no palco, e, representada por Sylvia, levantava-se a Bomba vestida com um longo manto prateado. Ela estendia seus braços e dizia: “L’Etat c’est moi!”

Ana Miranda, Correio Braziliense, 04.09.2005


“Brasília nasceu com vocação para as artes cênicas. A modernidade da capital evocou o teatro e a dança, que entravam em ciclo de rompimento com as formas tradicionais de encenação no Brasil. O que seria desse caminho se não fosse o golpe militar ceifando o fomento cultural? Entre as brechas da ditadura, brotou, na capital federal, uma arte teimosa que se impôs pelo desejo ardente de se expressar no palco na rua sem esquina e até numa oficina mecânica. Com a chegada dos anos 1980 e duas escolas de teatro em atividade, os criadores ganharam fôlego para inscrever os seus nomes numa arte feita a ferro e fogo.

Com pesquisa realizada no Centro de Documentação do Correio Braziliense (…) foram levantadas 50 montagens que tiveram presença marcante de público e de crítica, além de importância histórica (…)

3) Morte e Vida Severina, de Sylvia Orthof (1970)

A diretora enfrentou a ditadura para realizar a montagem no Sesi de Taguatinga e a fez sob forte repressão militar. No dia seguinte, teve a sala de ensaios invadida por máquinas de costuras a fim de acabar com seu espaço de trabalho. “Disseram-me apenas que, daquele momento em diante, ali funcionaria uma oficina de corte e costura”. Foi obrigada a deixar o teatro. Sylvia Orthof foi a figura mais perseguida pelo regime.

Marina Severino e Sergio Maggio, Correio Braziliense, 09.05.2010


Você provavelmente não sabia; nem eu, mas adorei saber. Sylvia escreveu livros de auto-ajuda! Usando um pseudônimo: F. Ramon.


“A poesia é um núcleo fundamental na obra de Sylvia Orthof. Do clássico Se as coisas fossem mães, passando pelo Ponto de tecer poesia (primeira vez que a FNLIJ deu um prêmio de poesia para crianças), a poesia de Sylvia atinge os bem pequenos (A poesia é uma pulga) e os mais crescidos (Adolescente poesia). Perpassa sua prosa e está presente até nos livros de “auto-ajuda” que ela assinou com o pseudônimo de F. Ramón (O livro da sorte). No capítulo dos contos e novelas, participou de obras coletivas como a coleção Eles são sete, sobre os pecados capitais (…)”

Luiz Raul Machado, Sempre Viva, Viva Sylvia


Angela Carneiro, Ivanir Callado, Leo, Lia Neiva, Luiz Antonio Aguiar, Sonia Rodrigues Mota e Sylvia Orthof são os autores escolhidos para criar contos sobre cada um dos pecados capitais, que são sete: a Avareza, a Gula, a Ira, a Inveja, o Orgulho, a Preguiça, o Orgulho, a Inveja. “Polindo aqui, lixando ali, vão esmerilhando aqueles unhas-de-fome que até do próprio Criador escondem seus tesouros”. Sobre a Inveja, Sylvia escreveu Seca Pimenteira. No livro O Baile do Fim do Mundo a autora reuniu todos os seus pecados. Ou melhor, todos os seus contos sobre os pecados capitais.


Neste livro, a autora conta os sete pecados em narrativas irreverentes e bem humoradas. São os pecados capitais do ponto de vista orthofiano. Por isso, aqui eles têm uma abordagem muito pouco ortodoxa, mas divinamente literária. Não ler os contos O Baile do Fim do Mundo (Luxúria), Preguicite Aguda (Preguiça), Um Tanto Quanto...(Orgulho), O Doce Pecado (Gula), Nem Toda Ira é Justa (Ira), Unha de Fome (Avareza) e Seca Pimenteira (Inveja) é mesmo Cometer o Oitavo Pecado: não se permitir o prazer desta leitura.

Editora Rovelle

Escrever sobre gente é complicado. Existem duas verdades: a nossa e a do outro. Ou existem três verdades, hein? A nossa, a do outro e a verdade!?!

Tchauzinho, Sylvia Orthof


Patrona da cadeira número 7 da Academia de Letras do Brasil de Santa Catarina, Sylvia foi nome escolhido para batizar duas bibliotecas: a Infanto-Juvenil do Tucuruvi, bairro da Zona Norte de São Paulo, e a fundada pela Gay Lussac, uma das mais tradicionais instituições de ensino da cidade de Niterói, inaugurada dois meses antes de sua partida.

Mais do que merecida. Além de todas as suas obras na literatura e no teatro, Sylvia Orthof também fez adaptações. Na série Reencontro, da editora Scipione, em que escritores reescrevem obras célebres da literatura mundial, como O Fantasma de Canterville (Oscar Wilde por Rubem Braga), Sonho de uma Noite de Verão (William Shakespeare por Ana Maria Braga) e Frankenstein (Mary Shelley por Claudia Lopes), entre outros, coube a Sylvia adaptar a obra de Nicolau Gógol, O Inspetor Geral.

“Esta história aconteceu na Rússia, mas poderia ter acontecido em qualquer outro país”, diz Sylvia ao apresentar esta que é uma das melhores sátiras de todos os tempos e escandalizou a sociedade de São Petersburgo em 1836 quando a peça foi encenada. A mediocridade e a corrupção da administração pública nunca havia sido expostas tão claramente.”

O Pioneiro, 12.04.1988



Virei criança

“Nesta ciranda feita de rede tecida
vem trançada toda a vida
que uma estrada caminhou.
É muita rede, muita fome, muita sede
céu aberto sem parede
muita seca já passou.
É numa rede, numa fome, numa sede
Que a ciranda se acende no brilho
de um lampião.
Novo caminho, nova estrela, novo ninho
Milagre pariu um filho
na rede do meu sertão.”

Fantasma de Camarim, Doideiras com Apolônia Pinto, Sylvia Orthof


No dia 24 de julho de 1997 (…) interrompemos nosso trabalho na editora, providenciamos uma coroa de flores (alegres) com os dizeres “para nossa Fada Fofa Sylvia dos amigos da Ediouro” e fomos para Petrópolis nos despedir dela. Era o desfecho inevitável de uma brava luta de um ano contra a doença. Poucos meses antes, ela ainda ia a lançamentos e palestras, bem mais magra mas com o largo sorriso sempre presente. Além do humor, a poesia também tinha ficado com ela até o fim. Em cima do caixão, os filhos colocaram uma pequena caderneta com os poemas escritos no hospital. Estes versos, junto com outros que vinham sendo preparados para a editora Paulinas, vieram a formar o livro Pequenas orações para sorrir (…)

(…) Aquela escritora naturalmente engraçada recriou em textos memorialísticos fatos de sua vida (Se a memória não me falha, Os Bichos que Tive: Memórias Zoológicas, Livro Aberto: Confissões de uma Inventadeira de Palco e Escrita). (…) Aquela pessoa naturalmente libertária criou textos leves e engraçados sobre assuntos seríssimos, contra a opressão e a injustiça em todas as suas formas (Uma Estória de Telhados fala de anistia para crianças), feminismo (Mudanças no Galinheiro Mudam as Coisas por Inteiro) e respeito às minorias e às diferenças (Leãozinho Feroz de Fina Voz, em que aborda a temática gay). Mas é no conteúdo de humor e non-sense e na forma da linguagem coloquial liberta de gramatiquices e recheada de neologismos saborosos que Sylvia Orthof se espalha em todos os seus (quase) 130 livros publicados. As fadas (Uxa e Fofa, entre outras) tão originais, cômicas, gorduchas e tão distantes do maniqueísmo tradicional, os monstros tão doces (Cabidelim e Zoiúdo, entre outros) encantam os pequenos leitores e ouvintes pela irreverência, pela surpresa a cada lance, pelo jeito sempre engraçado de resolver seus problemas ou conviver com seus conflitos.

Figuras da história e da vida real não escaparam do humor de Sylvia. A começar de Mozart (Cadê a Peruca de Mozart?), passando pelos pintores (Brueghel, Botticelli e outros), inventores (Santos Dumont), artistas (Aleijadinho, Vitalino) e atrizes (Apolônia Pinto, em Fantasma de Camarim). A série sobre os pintores é especial porque ela dá primazia à imagem que homenageia os mestres do pintor (e ilustrador) que tinha em casa. Tato, o pintor de palhaços, parceiro em ene livros. Há uma paródia notável. Do conto bem-humorado e irônico de Andersen A Princesa e o Grão de Ervilha, Sylvia extrai Ervilina e o Princês ou Deu a Louca em Ervilina, que precisa ser reeditado com urgência. (…)

Hoje certamente ficaria espantada mas feliz em se ver objeto de teses universitárias e de um livro como Ora fada, ora bruxa: estudos sobre Sylvia Orthof, organizado por Vera Maria Tietzmann Silva (Cânone, Goiânia, 2006). Um dos autores (Rubens A. Feliciano Jr.) diz: “Sylvia Orthof, aproveitando-se desse imenso campo de trabalho que é a mente ou a imaginação da criança (…) concebe um manejo de palavras capaz de atingir pontos altíssimos de criação.”

Luiz Raul Machado, escritor especialista em literatura infantil


“O mundo perdeu uma fonte de alegria e criatividade das mais importantes”.

Regina Pereira, editora da Salamandra, 1997


Algumas semanas depois da sua viagem rumo às estrelas do céu e do mar, acontecia a 8ª Bienal de Livros, que entrava pela primeira vez na era virtual para atender aqueles que não podiam se deslocar até o Riocentro. De alguma forma ela esteve presente. Em forma de suspiro, pensamento, desejo, lembrança, quem sabe? Só sei que ela deu um jeito de estar lá. Por amor aos livros e às crianças, bebeu o nectar da invisibilidade e foi assistir, de longe, ao lançamento do seu último trabalho, lançado nesta Bienal. Como uma borboleta colorida. Ou, quem sabe, como uma fada, só vista pelos encantados? O pai da aviação deve ter ficado nas nuvens.

Viemos convidar o leitor a conhecer Santos Dumont, este personagem que me inspira ternura e respeito. Um dia, almoçando num restaurante em Petrópolis, onde moramos, olhei para a casa de Santos Dumont e tive vontade de escrever sobre ele. Porque, apesar de ele ser um homem muito rico, a casa é modesta, mas construída com fantástica inteligência. Fica no morro do Encantado e se chama A Encantada. Lá perto há uma praça com relógio feito de flores, que deve estar cheio de gnomos e duendes. Eu mexo tanto com coisas encantadas que não pude resistir, e nasceu este Sonhando Santos Dumont.


“Com lirismo e humor, Sylvia Orthof conta os sonhos de menino que, em tempos antigos, desejava voar. Ele realizou essa façanha, e é hoje chamado de “Pai da aviação”. E não foi só o 14-Bis que ele criou. O relógio de pulso também foi invenção de Santos Dumont, nosso “brasileiro voador”. O livro narra, em versos, a trajetória deste grande inventor, desde a cidade em que viveu, em Minas Gerais, até os dias de glória em Paris, desafiando a lei da gravidade naquelas incríveis e fantásticas máquinas voadoras…”

Livraria Fundação Getúlio Vargas


Quando era garotinho,
um garotinho mineiro,
Alberto Santos Dumont
brincava com os amiguinhos
(muito arteiro)
e perguntava assim:
– Passarinho voa?
– Voa!
(Todos levantavam os dedos)
Eta vidinha tão boa
Quantos folguedos,
enredos, folguedos, artes,
histórias de Malasartes,
Cinco semanas num balão!
Eram as histórias preferidas
de Alberto Santos Dumont.
No meio de uma zoeira,
voltavam à brincadeira:
– Borboleta voa?
– Voa!
– Borboleta voa à toa!
– E será que gente voa?
– Não voa!
Alberto Santos Dumont gritava
e exclamava:
– Gente voa, voará,
voaremos, voarei,
Eu sei que sei! (…)


” (…) Um dos lançamentos da editora na última Bienal foi Sonhando Santos Dumont, de Sylvia Orthof , um livro que conta a história do pai da aviação para crianças e adolescentes, lançando mão de uma linguagem lírica e muita ilustração.

Sonhando Santos Dumont foi o último livro de Sylvia Orthof, que morreu um pouco antes da Bienal. Foi durante um encontro com amigos que a escritora teve um insight. Almoçando num restaurante na Praça Liberdade, em Petrópolis, Sylvia se viu no meio de uma conversa sobre morar com luxo e riqueza. Distraidamente, a autora escutava aquilo tudo observando a praça em frente, com seu relógio de flores, visualizando mil duendes por entre elas. Num determinado momento, no auge da conversa, Sylvia parou os olhos na Casa Encantada (no Morro do Encanto), a casa que Santos Dumont ergueu e virou ponto turístico da cidade. Naquele momento, num estalo, a autora teve noção do verdadeiro sentido de luxo e riqueza: foi neste instante que se deu conta de como um homem extraordinário e rico como Santos Dumont, na hora de erguer a sua, fez uma casa tão simples quanto particular.

Sylvia juntou os duendes da praça em frente com a casa e o encantamento de Santos Dumont e decidiu contar a história deste “brasileiro voador” – da pequena cidade de Palmira, em Minas Gerais, até Paris, quando em 1906 percorreu, em céu francês, 60 m em 7 segundos, com o célebre 14 Bis. Assim surgiu Sonhando Santos Dumont – que acabou sendo o seu último livro – com ilustrações de seu parceiro Tato. Nele, Sylvia, uma das maiores recordistas de vendas de livros no país, conta de maneira muito particular a história (…) do pai da aviação que também foi o inventor do relógio de pulso e de todas as particularidades da Casa Encantada, com sua escada em que cada degrau só comporta um único pé, o chuveiro feito de balde com água, quentinha, por aquecedor a álcool, “coisa por ele inventada”, entre outras deliciosas “doideiras” (…)”

Jornal do Commercio, 02.09.1997


Meus caminhos de barquinhos
Marinheiros navegantes
Minha onda de luar
Sou quem manda nesse mar
Sou sereia Iemanjá
Saravá de maresia
Olha a onda de alegria
Quem quiser ser meu peixinho
Bata palmas para o mar
Que os navios são teus sonhos
São caminhos de Iemanjá “

Sylvia Orthof, Salve Iemanjá!!!


“Entrar numa história de Sylvia Orthof é encher os olhos de susto. Mas esse não é um susto de tremer perna. O susto que as histórias de Sylvia dão na gente são carregados de perplexidade, arregalam a pele por dentro. E ficar com a pele arregalada, acima de tudo, dá quentura na vida.”

http://deachet.br.tripod.com/educ/Sylvia.Orthof2_arquivos/texto.htm

Escrever para criança é ser
 adulto-criança no momento mágico
da escrita ou da leitura. A sintonia vira pipa,
o fio que se avoa-inventa-tenta-volta-e-vem,
busca de liberdade e céu. As asas-páginas
devem bater dentro de nós, escritores e leitores.
Não existem mais barreiras de idade,
o mais infantil dos textos, quando bate na magia da arte, vira viagem!”

Um recado. Coloque-se no meu lugar e acredite: cada um dos artistas cujas jornadas foram aqui sumariamente resumidas para que você, que nos lê, tenha uma leve ideia de quem são merecia uma vasta biografia. Esse, aliás, é um projeto que não me sai da cabeça e que pretendo realizar devagarinho. Conto com você. Até um próximo encontro!

Fátima Valença

(54) Junto com as duas filhas ainda pequenas – Ana Miranda e Marlui Miranda – Zuíla Cesar Nóbrega passou dois no Rio de Janeiro enquanto o marido e pai das crianças ajudava a construir a capital do Brasil. Quando a casa enfim ficou pronta, lá se foram as três para Brasília: “Impressionou-me a terra vermelha e plana”, diz Ana em entrevista. “Nem uma montanha, nem florestas, parecia um deserto vermelho. O mato era marrom e preto, ressecado, queimado, um verde ali, outro acolá, árvores isoladas, retorcidas e os ipês-amarelos, redemoinhos, uma vegetação estranha, flores absurdas, como a caliandra, e uma fauna incrível, lobos guarás, tucanos. Não havia mar. As casas eram quadradas, geminadas, os móveis estranhos. Tratores para todo lado, manilhas, caminhões, valas, montes de material. Pensei, em minha mente infantil, que era outro planeta.” (Fonte: Casa do Ceará, A escritora Ana Miranda recebeu a Sereia de Ouro)

(55) O pernambucano Joaquim Cardoso foi engenheiro e poeta. Pós modernista, amigo de Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto, “trabalhou com Oscar Niemeyer realizando cálculos estruturais em diversas obras de Brasília”. (Fonte: Ebiografia)

(56)Meu bem, não chora, arruma a trouxa, diga adeus e vá se embora” (Sai da Raia, Sinhô)

(57) Casa de Ensaios: A criatividade em busca de um núcleo familiar, O Globo, 17.02.1975

(58) Filho de imigrantes alemães, Carlos Henrique Kroeber – Carlão, para os íntimos – nasceu na capital de Minas Gerais, cidade onde fundou o Teatro Experimental de Belo Horizonte, em 1955. Ator experiente e bastante requisitado, fez cerca de 40 filmes. Entre eles, Navalha na carne, Bye bye Brasil, Joana Francesa, Os Inconfidentes, É Simonal e Vera. No início da década de 1970, em Brasília, foi premiado com o Troféu Candango e com o Kikito de Ouro de melhor ator pelo seu desempenho em A Casa Assassinada. De 1976 a 1998, participou de uma série de novelas na TV Globo. Desde Estúpido Cupido, a primeira, até Torre de Babel e Labirinto, as últimas, passando por Anjo Mau, Pai Herói, Baila Comigo, Sol de Verão, O Tempo e o Vento, Roda de Fogo, Mandala, Fera Radical, Que Rei sou Eu?, Rainha da Sucata, Sonho meu – só para citar algumas. Participou também do Teatrinho Troll, na TV Tupi. No teatro, Carlão jogava nas onze: interpretava, dirigia, produzia, escrevia. (Fonte: Pró-TV)

(59) Publicada pela Editora Abril, a revista Recreio era destinada ao público infantil e vendida junto com “brinquedos, fascículos e outros brindes” que integravam coleções temáticas. A tiragem era de 75 mil exemplares por edição. “Entre as peculiaridades do seu conteúdo, estão os gêneros de categoria informativa, enquanto representantes de um jornalismo infantil, com todos os aspectos lúdicos que lhe são necessários, e também os gêneros diversionais, como os passatempos.” (Fonte: Recreio, uma Revista Brinquedo, João Victor Melo Sales, Universidade Federal do Ceará)

(60) A carioca Eliane Ganem é escritora, dramaturga, jornalista, psicoterapeuta. Autora de livros infantis e juvenis, tais como Um Segredo Guardado no Bolso, A Fada Desencantada, Sigismundo do Mundo Amarelo, O Outro Lado do Tabuleiro, As 13 Chaves, O Caso do Elefante Dourado. São mais de 20 livros publicados no Brasil e no exterior. “Consta definitivamente do Catálogo da Feira de Frankfurt como um dos 25 principais escritores do Brasil no gênero Infanto-Juvenil.” (Fonte: Site da autora e da Editora Record)

Para Eliane Ganem, com admiração, carinho… e aquele chope que ambas não bebemos! Explicação do chope: Uma vez eu estava matando saudades de Eliane Ganem pelo telefone. Conversa vai, conversa vem, Eliane propôs: – Sylvia, que tal a gente marcar um encontro, tomar um chope e botar as novidades em dia? Respondi que era uma ótima ideia. Continuamos a papear e, na hora da despedida, confessei: – Eliane, eu não bebo álcool, nem chope… – Eu também não, Sylvia! Danamos de rir: nós, duas mulheronas feitas, com vergonha de marcar encontro para um suquinho de laranja, fazendo “pose de chope”! Pois é, adolescência é isso: não tem idade. (Sylvia Orthof na dedicatória do seu livro Papos de Anjo)

No Teatro do Estudante do Brasil
1949 – Festival Shakespeare – Romeu e Julieta, tradução Onestaldo Pennafort, direção Esther Leão, TEB, estreia 19.05, Teatro Fenix
1949 – Festival Shakespeare – Othelo, o Mouro de Veneza, direção Esther Leão, Saguão da Sociedade Brasileira Cultura Inglesa

Em Brasília
1962 – O Chapeuzinho VermelhoA Bruxa e o Vendedor e A Sopa de Raios de Lua, inaugurando o Teatro de Fantoches de Sylvia Orthof, em 05.08
1963 – Doutor Apanha Apanha, adaptação de O Médico à Força, de Molière, estreia em outubro
1963 – O Anjinho Preto, de Sylvia Orthof
1964 – Auto de Natal segundo São Lucas, adaptação Otávio Lins, com a colaboração de Monsenhor D’Ávila, estreia dia 27.11, Igreja Santo Antonio
1965 – Os Sinos de Natal
, de Lucia Benedetti. Grupo de Teatro do CIEM – Centro Integrado de Ensino Médio, em dezembro
1966 – As Caravelas, de Sylvia Orthof e Santiago Naud, Grupo Teatro de Máscaras – TEMA, estreia 18.07 na Aldeia de Arcozelo, (04 apresentações no total). Teatro Martins Pena, Brasília
1967 – Joãozinho Anda pra Trás, de Lúcia Benedetti, Grupo Ponto, estreia dia 11.08, Teatro Martins Pena
1967 – Cristo versus Bomba, de Sylvia Orthof, estreia dia 1612 no Teatro Martins Pena. Volta em cartaz em Brasília 23.04.68
1969 – Pluft, o Fantasminha, estreia 11.11, Teatro SESI, e 22 e 23, no Teatro Martins Pena

No Rio de Janeiro (Casa de Ensaio)

1975 – A Viagem de um Barquinho, estreia 15.03 até 15.07, MAM – Museu de Arte Moderna
1975 – A Viagem de um Barquinho, estreia 13.09, Teatro SENAC
1975 – Zé Vagão da Roda Fina e sua Mãe Leopoldina, estreia setembro, Teatro SENAC
1976 – Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove, estreia 05.06, MAM – Museu de Arte Moderna. Nova temporada no Teatro Cacilda Becker
1977 – Cantarim de Cantará, estreia 16.04, Teatro Gláucio Gill
1977 – A Viagem de um Barquinho, nova temporada no Teatro Gláucio Gill
1978 – A Viagem de um Barquinho, estreia 01.04 no MAM – Museu de Arte Moderna, Sala Corpo e Som
1978 – A Viagem de um Barquinho, estreia 01.07, no Teatro Nacional de Comédia (atual Glauce Rocha)
1979 – Folia dos Três Bois, estreou em 04.08, Teatro SESC Tijuca
1979 – Folia dos Três Bois, reestreia em 26.10, no Teatro Glauce Rocha
1980Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove, estreia 03.05, Teatro SENAC
1981 – Zé Vagão da Roda Fina e sua Mãe Leopoldina, estreia 17.01, Teatro Clara Nunes
1980/81 – Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove, Teatro SENAC
1980 – A Gema do Ovo da Gema, estreia 01.05, Teatro SENAC
1985 – Lustrosa Misteriosa, Teatro de Arena
1988 – O Cavalo Transparente, Teatro Imperial

No Rio de Janeiro (Cia do Livro Aberto)

1989/90 – Se as Coisas fossem Mães, Museu da República
1991 – Ponto de Tecer Poesia, Teatro do SESC
1991 – Se as Coisas fossem Mães
1992 – Ervelina e o Princês, estreia 09.08, Mercado São José das Artes
1993 – A Folia dos Três Bois, estreia 05.06, Casa de Cultura Laura Alvim
1995/96 – A Viagem de um Barquinho, apresentações no Rio e em Porto Alegre

No Rio de Janeiro
1950 – A Outra, de Dubeaux, tradução Brício de Abeu, direção Esther Leão, estreia 12.06, Teatro de Bolso
1950 – Uma Partida de Canastra, de A. Gherry, tradução Brício de Abreu, direção Esther Leão, estreia 12.06, Teatro de Bolso
1950 – Um Casal Burguês, de José Maria Monteiro, direção Esther Leão, estreia 12.06, Teatro de Bolso
1951 – A Tia de Carlitos, de Brandon Thomas, direção de Armando Couto,
1952 – Romeu e Jeannette, de Jean Anouith, tradução Lucia Benedetti, direção Silva Ferreira, estreia setembro, Teatro Copacabana
1952 – A Tia de Carlitos, de Brandon Thomas, direção Esther Leão, estreia novembro, Teatro Copacabana
1952 – A Cegonha se Diverte, direção Henriette Morineau
1953 – Volta, Mocidade, de William Inge
1953 – A Ilha das Cabras, de Ugo Betti
1953 – A Toga Branca
1954 – Os Filhos de Eduardo
, de Sauvageon
1954 – Pega Fogo, de Jules Renard, direção Ziembinski, (TBC ), Teatro Ginástico
1954 – O Banquete, de Lúcia Benedetti, direção Ziembinski (TBC), Teatro Ginástico
1955 – Casa de Bonecas, de Ibsen (TBC)
1956 – Maria Stuart, de Schiller, tradução Manuel Bandeira, direção Ziembinski, (TBC), estreia 15.03, Teatro Ginástico
1956 – Os Filhos de Eduardo, de Sauvageon direção, Ruggero Jacobbi e Cacilda Becker, (TBC), Teatro Ginástico
1956 – Divórcio para Três, de Victorien Sardou, direção Ziembinski, (TBC), estreia 06.06, Teatro Ginástico
1974 – O Carteiro do Rei, de Rabindranath Tagore

Em Brasília
1969 – As Mãos do Trabalhador (Jogral com poesias de Vinicius de Moraes e Joaquim Cardoso, SESI Tabatingua, Brasília
1970 – Morte, Vida, Severina, de João Cabral de Melo Neto, maio. Participou dos Festivais de Berlim e de Inverno de Ouro Preto
1971 – Ciranda de Vila Rica, com poesias de Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Alfonsus de Guimarães Filhoapresentada nas cidades satélites e no Festival de Inverno de Ouro Preto
1971 – Auto da Barca da Boa Esperança, Grupo Realejo
1981 – A Gema do Ovo da Ema, avant-première em Brasília, em 21.04, Teatro Martins Pena

Teleteatro da TV Tupi
1951 – A Tia de Carlitos, estreia em outubro
1951 – Trio em Lá Menor, de Raimundo Magalhães Júnior
1952 – O Tenor Desafinou, de George Feydeau, Teatro Municipal de SP.
1952 – O Último a Saber, de George Couterline, direção de Ruggero Jacobbi, estreia em maio
1955 – Auto da Rosa de Belém, texto e direção de Ruggero Jacobbi, Teatro Cacilda Becker, estreia em dezembro
Patkul, de Gonçalves Dias

TV Record
1953 – Pigmalião, de Bernard Shaw
Teatro Retrospectivo Brasileiro, Série Gastão Tojeiro, direção Graça Mello e Manoel Silveira

Teleteatro Philco – da TV Rio
1956 – Dois Destinos, de Noel Coward, como assistente de Ruggero Jacobbi

Teleteatro – Canal 13
1956.07 – Tio Vânia, de Tchecov

TV Brasília
1960/61 – Teatro do Candanguinho, Programa com bonecos realizado em parceria com Golda de Oliveira

TV Manchete
1987 – Aventuras de Igor, texto de Sylvia Orthof, direção de Jorge Bodansky


1954 – O Gigante de Pedra, direção Walter Hugo Khouri

1968 – Cristo versus Bomba
Melhor espetáculo no V Festival Nacional dos Estudantes
Prêmio Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro
Taça Negrão de Lima e Troféu Tarso Dutra (oferecido pelo SNT)

1974 – A Viagem de um Barquinho
1º lugar no I Concurso Nacional de Textos para Teatro Infantil da Fundação Teatro Guaíra, Curitiba

1975 – A Viagem de um Barquinho
Um dos cinco melhores espetáculo do ano, pelo SNT – Serviço Nacional de Teatro

1975 – Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove
1º lugar no II Concurso Nacional de Textos para Teatro Infantil da Fundação Teatro Guaíra, Curitiba

1977 – Cantarim de Cantará
Prêmio Mambembe, indicações nas categorias Figurinos e Produção

1978 – A Viagem de um Barquinho
Um dos cinco melhores espetáculo do ano, pelo SNT – Serviço Nacional de Teatro
Prêmio Molière de Incentivo ao Teatro Infantil, como autora, diretora, atriz, cenógrafa e figurinista

1979 – Folia dos Três Bois
Prêmio Mambembe, indicações nas categorias Texto, Direção, Figurino e Especial pela confecção dos bonecos (para Sylvia Orthof), Ator (João Moita) e Produção (Casa de Ensaio)

1979 – A Gema do Ovo da Gema
2º lugar no X Concurso Nacional de Dramaturgia Infantil do SNT – Serviço Nacional de Teatro

1979 – O Pé e a Mão Furada
Este conto foi premiado no 1º Concurso Nacional de Contos Infantis do Banco Auxiliar de São Paulo

1983 – A Vaca Mimosa e a Mosca Zenilda
O livro recebeu o Prêmio Jabuti na Categoria Literatura Infantil

1983 – Os Bichos que Tive
Prêmio de Melhor Livro Infantil da APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte e o melhor livro para criança da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ

1985 – O Sapato que Miava
O livro recebe o Prêmio de Jornalismo da Abril Cultural

1987 – Ponto de Tecer Poesia
O livro recebe o Prêmio Odylo da Costa Filho, da FNLIJ – Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil

1987 – Prêmio da  IBBY – International Board of Books for Young Peoples
Melhor Livro Infantil do Brasil

1990 – O Cavalo Transparente
Adaptado pelo Grupo de Teatro Tespis, o espetáculo é escolhido como o melhor do ano pela APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte

1992 – Ervelina e o Princês
Indicação de Melhor Texto no Prêmio Coca-Cola de Teatro Infantil

1994 – Chamuscou, não Queimou, de Angela Carneiro, Lia Neiva r Sylvia Orthof
O livro foi escolhido pela APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte, como o melhor livro infantil do ano (Ediouro)

A Barriga de H. Linha
A Décima Terceira Mordida, Editora Global
A Fada Lá de Pasárgada
A Fada Sempre-Viva e a Galinha-Fada, Editora FTP
A Família Eco-Eco, Imago, 1993
A Fraca Fracola, Galinha d’Angola, 1993
A Gema do Ovo da Ema
A Limpeza de Teresa
A Mesa de Botequim e Seu Amigo Joaquim
A Onça de Vitalino Vitalino, 1994
A Poesia É uma Pulga, 1991
A Vaca Mimosa e a Mosca Zenilda, Editora Rovelle, 1991
Velhota Cambalhota, Editora Lê
A Viagem de um Barquinho – Teatro para a Lieteratura, Editora Rovelle
Adolescência é Janela que se Abre em Ventania, Editora Rovelle
Adolescente Poesia, Editora Rovelle
As Aventuras da Família Repinica
As Casas que Fugiram de Casa, Editora Record
As Visitas de Dona Zefa
Ave Alegria, Editora Global, 1989
Avoada, a Sereia Voadora
Bóia, Bóia, Lambisgóia!
Bruzundunga da Silva
Cabidelim, o Doce Monstrinho
Cadê a Peruca de Mozart?, 1997
Canarinho, Cachorrão e a Tigela de Ração, Editora Rovelle
Cantarim de Cantará, Editora Rovelle
Chora Não!
 Editora Nova Fronteira, 1991
Ciranda de Anel e Céu, Editora Global
Cordel Adolescente, Ó Xente, Quinteto Editorial, Editora FTP
Currupaco, Paco e Tal, Quero Ir pra Portugal!
Dita-Cuja, a Coruja
Doce, Doce… e Quem Comeu Regalou-Se, 1987
Dona Lua Vai Casar
Duas Histórias de Perna Fina
Enferrujado, Lá Vai o Soldado
Ervilina e o Princês
Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove, Editora Objetiva
Eu sou mais Eu! Editora Rovelle
Fada Cisco-Quase-Nada, Editora Ártica, 1992
Fada Fofa e a Onça Fada, Ediouro
Fada Fofa e os Sete Anjinhos
Fada Fofa em Paris, Editora Nova Fronteira
Felipe do Abagunçado, Editora Rovelle
Foi o Ovo? Um Ova!
Folia dos Três Reis, Editora Rovelle
Fraca Fracola, Galinha D’Angola
Galo, Galo, Não Me Calo!, 1992
Gato pra Cá, Rato pra Lá, Editora Rovelle
Guardachuvando Doideiras, 2005
História Avacalhada
História de Arrepiar o Cabelo
História Engatada
História Enrroscada
História Vira-Lata
Histórias Curtas e Birutas, Editora FTP
João Feijão, 1993
Jogando Conversa Fora, Editora FTP
Joselito e seu Esporte Favorito, Editora Rovelle
Livro Aberto
Luana Adolescente, Lua Crescente, Editora Nova Fronteira
Mais-que-Perfeita Adolescente, Editora Nova Fronteira
Malandragens de um Urubu, Editora Record
Manual de Boas Maneiras das Fadas, Editora Nova Fronteira,
Maria-vai-com-as-Outras, Editora Rovelle, 1982
Mas que Bicho Lagarticho
Meus Vários Quinze Anos
Mudanças no Galinheiro Mudam as Coisas por Inteiro, Editora Rovelle
Mula sem Cabeça, Editora Rovelle
Nana Pestana, 1987
No Fundo do Fundo Fundo, Lá Vai o Tatu Raimundo, Editora Rovelle, 1984
O Baile do Fim do Mundo, Editora Rovelle
O Cavalo Transparente
O Jogo de Espelhos
, Edusp, 1993
O Livro que Ninguém Vai Ler
, Editora Rovelle
O Sapato que Miava, Editora, 
FTP, Editora Rovelle
Os Bichos que Tive: Memórias Zoológicas,
Editora Salamandra
Ovos Nevados
Papai Bach, Família e Fraldas,
1997
Papos de Anjo,
Editora Rovelle
Pé de Pato
Pererê na Pororoca
, Editora Record
Pirraça que Passa, Passa…
Pinguilim, voz de Flautim…
, Editora Nova Fronteira
Pirraça que Passa Passa
, Editora Nova Fronteira
Poesia D’água,
Editora Rovelle
Pomba Colomba, 1991
Ponto de Tecer Poesia
, Edusp, 1987
Que Raio de História!
Quem Roubou o Meu Futuro?
Quincas Plim, Foi Assim
Rabiscos ou Rabanetes
São Francisco Bem-Te-Vi,
 FTD, 1993
Saracotico no Céu
Se a Memória Não Me Falha,
Editora Nova Fronteira
Se as Coisas Fossem Mães,
Editora Nova Fronteira, 1984
Se Faísca, Ofusca, Ediouro
Sonhando Santos Dumont,
Editora Nova Fronteira, 1997
Senhor Vento e Dona Chuva,
Editora Rovelle
Sou Miloquinha, a Duende,
1988
Tem Cachorro no Salame
Tem Cavalo no Chilique
Tem Graças no Botticelli,
1996
Tem Minhoca no Caminho,
1995
Tia Anacleta e Sua Dieta
Tia Carlota Tricota e Tricota!
Tia Januária É Veterinária
Tia Libória Conta História
, 1998
Trem de Pai… Uai!
Tumebune, o Vaga-Lume
, 1989
Um Pipi Choveu Aqui
, Editora FTP, 1983
Um Ramalhete de Histórias
, Editora Bambolê
Uma História de Telhado,
Editora Rovelle, 1981
Uma Velha e Três Chapéus
, Editora FTP, 1986
Uxa, ora Fada, ora Bruxa
, Editora Nova Fronteira, 1985
Você Viu? Você Ouviu?
, Editora FTP
Vovó Viaja e Não Sai de Casa
, Editora Rovelle, 1994
Zé Vagão da Roda Fina e sua Mãe Leopoldina
Zoiudo, o Monstrinho que Bebia Colírio
, Editora Rovelle, 1990

Se não me Falha a Memória, Texto escrito por claudia Orthof, que foi lido em sua missa de 7º dia.

Pesquisa de fotos: Antonio Carlos Bernardes. Acervo: Claudia Orthof