Ludoval Campos. Foto: Antonio Carlos Bernardes

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Projeto Encontros & Oficinas

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Primeira Lembrança

Minha primeira lembrança foi a partir de brincadeiras de rua. Da rua que me criei, que não era asfaltada, de casas de madeira, com valas a céu aberto e onde eu e meus amigos brincávamos todas as tardes, às vezes todo o dia.
Tinha época de soltar pipa, época de jogar bolinhas de gude, de futebol, de soltar pandorga, de brincar de “sela”, de mocinho e bandido, ou simplesmente correr…

Em um determinado momento dessa rotina, quando eu tinha uns seis ou sete anos, apareceu uma menina que foi morar em uma casa, duas depois da minha, e essa menina era meio esquisita, porque ela tinha uma brincadeira diferente que era brincar de “faz de conta”. Ela representava histórias e eu comecei achar aquela brincadeira muito interessante e comecei a participar sem ter muita ideia do que era. Lembro vagamente que tinha as histórias do Chapeuzinho Vermelho, dos Três Porquinhos, e as brincadeiras aconteciam na garagem, na verdade, ensaios. As apresentações eram no fundo do quintal entre panos de varal que eram os cenários. Vizinhos e parentes eram convidados. Depois de um tempo perdi totalmente o contato com essa menina esquisita.

Cursei o primário em um colégio de padres Maristas em Porto Alegre – Colégio Assunção – e eu era considerado meio festeiro, desinibido. Então, na Coroação de Nossa Senhora da Glória, na Igreja, era eu que coroava a Santa. Acho que por que era aplicado na escola, educado e eu sempre era convocado para essas coisas. Nas aulas de Educação Física, por exemplo, era o monitor. Pra mim, isso já era “teatro”. Tinha uma coisa de encenação e eu sentia que estava representando. Nesta escola só tinha meninos e, bem próximo, tinha a escola Nossa Senhora da Glória, de freiras, de meninas. Quando elas precisavam de meninos para representar, vinham buscar em nossa escola e assim eu acabei indo curtir novamente a brincadeira de “rua” de representar.

Eu curti isso até os 8, 9 anos e depois teve um momento em que tudo parou. Foi só mais adiante, estudando em uma escola pública, quando eu tinha uns 11 anos, que o assunto voltou, quando fiz uma redação cujo tema era “o que você quer ser quando crescer?” e eu falei que queria ser artista. Fiz um trabalho com vários recortes de jornal e revistas com artistas da época, nacionais e internacionais. No meu quarto tinha uma parede com recortes colados. Eu tinha uma admiração por cantores como Elvis Presley, Neil Sedaka, Paul Anka, Cauby Peixoto e cantoras como Brenda Lee. Eu queria ser artista de cinema, queria ser artista de Hollywood, sonhava cantando músicas de Rita Pavone na janela do meu quarto. Minha mãe foi chamada ao departamento de orientação pedagógica para explicações.

O teatro entrou definitivamente em minha vida lá pelos 16 anos, em 1967. Eu fazia um curso para ser Sargento Especialista da Aeronáutica na Rua Duque de Caxias, bem no centro da cidade de Porto Alegre. No caminho, subindo a Av. Borges de Medeiros, eu ficava parado na frente do Cine Vitória, olhando as fotos das cenas. Certa vez, no inverno, estava frio e chovia, e pra fugir daquele mau tempo, eu fiquei vendo as fotos dos artistas, me espremendo pra aproveitar a marquise do cinema. Neste dia conversei com um cara que também estava olhando as fotos e esperando a chuva passar e ele estava segurando um livro de teatro chamado Milagre de Maio, de Dias Gomes. Começamos a conversar e ele disse estar indo para o Curso de Teatro, do Teatro de Arena de Porto Alegre. Imediatamente lembrei-me dos meus desejos da infância.

Eu o acompanhei ao local, que era quase um porão, e fiquei impressionado com toda aquela gente que eu nunca tinha visto. Era realmente um pessoal diferente. Eu me lembro de que no primeiro dia em que cheguei, havia uma roda de pessoas fazendo uma leitura. Deram-me para ler Prometeu Acorrentado, de Ésquilo. Eu não conseguia ler três frases sem tropeçar. Era muito desinformado. Não tinha hábito de leitura, o colégio em que eu estudava não era bom, enfim tive um longo caminho até chegar perto do conhecimento daquelas pessoas.

A ideia do dono, do líder do G.T.I. (Grupo de Teatro Independente) neste porão, Jairo de Andrade, era fazer um teatrinho de arena em forma de “U”, com arquibancadas. Fui muito bem tratado e comecei a frequentar o espaço. Eu era muito novinho e lá havia adultos de 22 a 40 anos. Ajudei a construir o teatro mesmo.. Saía na noite roubando tijolos das construções próximas. Passava o dia e parte da noite em função dessa ideia. Em casa, relutava para ajudar nos serviços domésticos e lá no teatro era ajudante dos serviços pesados, de pedreiro, de faxineiro, etc. Cavamos um buraco, um rebaixamento pra dar lugar ao palco/tablado, que mais tarde virou quase uma sucursal do Teatro de Arena de São Paulo.

Fiz cursos de interpretação, expressão corporal, história do teatro, etc. Abandonei o curso de Sargento Especialista da Aeronáutica sem minha família saber e fui voar numa outra história. Minha sorte é que eu fui meio que adotado por aquele grupo e durante os cinco primeiros anos do Teatro de Arena de Porto Alegre, eu era o mascote e fui fazendo de tudo, além de ir trabalhando como ator. Neste período, fui dirigido por João das Neves, Luiz Carlos Arutim, Wagner Mello (do eixo Rio-São Paulo, alguns deles do Teatro de Arena de São Paulo), além dos diretores de Porto Alegre como: Câncio Vargas, Araci Esteves, Jairo de Andrade, Alba Rosa, Antonio Senna e outros.

No Palco

A primeira peça que eu fiz foi O Rapto das Cebolinhas, de Maria Clara Machado. Comecei fazendo “teatrinho infantil” e me lembro de que em Porto Alegre, as apresentações eram de manhã, às 10 horas. Era terrível porque eu ficava na gandaia até de madrugada e tinha que ir para o teatro cedo. Parecia que eu tinha areia misturada à maquiagem nos olhos. Um dia, saiu uma foto minha no jornal, alguém descobriu e foi inocentemente mostrar para meus pais. Meu pai era um cara legal, mas às vezes bebia um pouco além da conta e durante um período, nossa relação foi meio tensa. Ele era meio radical e achava que teatro não era coisa pra homem. Minha mãe era e é mais doce e aceitou de pronto o que eu tinha escolhido. Mas mesmo assim tive que dar muita explicação. Eles estavam, cada um do seu modo, preocupado com o meu futuro. Meus pais tinham uma relação muito legal com a música. Ele tocava violão e ela acordeom. A casa era muito musical.

Voltando ao espetáculo, em O Rapto das Cebolinhas, durante os ensaios eu fazia o Cachorro. Era muito dedicado e não faltava nunca. Tinha um ator que também era cantor, que fazia o Detetive Camaleão Alface e eu meio que me via no personagem dele. Um dia, ele não pôde ensaiar e já estava muito próximo da estreia e, sem me dar conta,eu me ofereci para fazer o Camaleão, uma vez que as minhas cenas não eram coladas com as dele. No dia seguinte, o ator voltou e deram a possibilidade dele ser o Cachorro. Acabei estreando como Camaleão Alface.

Em seguida, fiz A Revolta dos Brinquedos, de Pernambuco de Oliveira, que também foi uma experiência muito boa. Fiquei praticamente uns cinco anos no Teatro de Arena de Porto Alegre. Eles mantinham um curso profissionalizante, um curso de formação de ator e a grande maioria dos professores eram da Universidade. Tive aulas com Charlote Kahle, Gerd Borheim, Fernando Peixoto, entre outros. Nesta época trabalhava-se muito com o método de Stanislavski.

O grupo tinha uma organização profissional muito interessante. Na realidade é uma coisa muito maluca para os dias de hoje, porque eu nunca mais fiz contratos como fiz naquela época, contratos com todas as cláusulas estabelecidas, como período de ensaios, salários, e etc…

O Teatro de Arena acabou fechando, em parte por falta de recursos e também porque foi muito perseguido pela polícia e pelo Comando do CCC. (Comando de Caça aos Comunistas). Recebíamos cartas de ameaça. Eu mesmo recebi algumas. Meus pais ficavam apavorados e eu também. Toda hora uma peça era censurada ou o texto dilacerado. Colegas foram presos e torturados. Foi um período complicado de muito medo, de muitas incertezas, mas muito produtivo pra mim. Muito da relação que hoje quero desenvolver com os estudantes, no meu teatro para a Infância e Juventude, vem desse período, em que apresentávamos os espetáculos com conteúdo político, para estudantes universitários com os famosos debates.

Teatro Escola

Depois do Teatro de Arena, eu fui trabalhar com o Fernando Strelhau, que fazia teatro para estudantes. Era um empresário teatral com experiência nesta área em São Paulo. Foi a primeira pessoa, que eu tenho conhecimento, que levou o teatro para a escola em Porto Alegre, como um projeto profissional, montando espetáculos específicos para ela, com temas de interesse dos professores. Isso no início da década de 70. Durante três anos fiquei com esse produtor popularizando o teatro. Fui me envolvendo cada vez mais e acabei, além de ator, também vendendo os espetáculos nas escolas. Fiquei craque nesta atividade e acreditava mesmo que levar teatro para quem nunca tinha assistido poderia mudar o rumo desse futuro espectador. Percebi que se tivesse, eu mesmo assistido e convivido com essa prática, de espectador, teria adquirido mais conhecimento na vida.

Fernando, percebendo o meu envolvimento na venda de espetáculos, patrocinou a minha ida para São Paulo, e abrimos uma filial da empresa dele, a Carrossel Produções Artísticas Ltda. Em São Paulo a Nídia Alice já mantinha um trabalho permanente e fazia teatro para escola. Era diferente o sistema que nós desenvolvíamos. Eu levava o teatro até a escola e ela trazia a escola até o teatro, num esquema bastante profissional. Comecei a formular que uma coisa era popularizar o teatro e outra era realmente formar um futuro público para as artes cênicas. Segui um pouco esse modelo e consegui, durante o ano de 1976/77, viver em São Paulo e mandar alguns lucros para Porto Alegre.

Acabei retornando à Porto Alegre. A saudade era grande. Recebi uma proposta financeira muito boa pra ser só ator. A proposta era do diretor do Teatro de Arena, que estava retomando as atividades.

Comecei a me interessar pela área de produção e de venda de espetáculos e rapidamente constatei que vendendo eu ganhava mais do que atuando. Comecei a fazer os dois. Optei por popularizar. Não quis mais fazer teatro no teatro. Queria levar o teatro para fora dos palcos. Eu ia para as escolas e dizia que queria apresentar um espetáculo na escola. As pessoas desconheciam o que era  isso, não tinham o hábito. Muita gente, no Rio Grande do Sul, viu teatro pela primeira vez comigo.

Em 1978 fiz, em parceria com o ator e produtor José de Abreu, um projeto infantil de grande repercussão O Macaco e a Velha, de Ivo Bender, com direção de Nara Keiserman, que lotou o Teatro Leopoldina durante meses. Em 1979 produzi, em parceria com Nilton Negri, mais dois grandes projetos infantis Gato Malhado e A Andorinha Sinhá – Uma História de Amor, adaptado de Jorge Amado e Céu Terra Águia e Ar, Tudo Fede Sem Parar, de Reriner Súcker e Stefan Reisner, com direção de Wolfang Kolneder, do Grips Theater de Berlim, Alemanha, em colaboração com o Instituto Cultural Brasileiro e Alemão de Porto Alegre (na época, do Diretor Manfred Ott, o melhor diretor do ICBA de Porto Alegre). Em 1979, já estava fazendo um projeto ecológico. Também foram grandes sucessos.

Comecei a formar um novo público para o teatro. Nesse projeto trazíamos as escolas pra dentro do teatro e fazíamos um itinerário que mostrava o Rio Guaíba e o riacho Ipiranga que corta parte da cidade e é muito poluído. Nós íamos mostrando os lugares que foram desmatados até chegar ao teatro.

Era muito interessante chegar à escola e conversar com o professor e ver que conteúdo a gente poderia abordar para fazer com que o espetáculo teatral tivesse uma boa acolhida dentro da escola, coisa que a literatura tem com mais facilidade e a cada dois meses a criança conhece um livro novo. Queria que o mesmo acontecesse com o teatro e que a criança pudesse assistir a uma nova peça que tivesse a ver com o conteúdo que o professor estava dando.

Durante muito tempo, de 1974 a 1982, eu me dediquei ao teatro para estudantes, indo para as escolas. Mas não deixei de fazer os espetáculos adultos, porque eu gostava de me aproximar de bons diretores e de bons profissionais, alguns deles, que só trabalhavam com o teatro adulto. Eu queria levar esses técnicos e artistas de espetáculos “adultos” para me ajudar a montar os espetáculos para “crianças”. Essa aproximação me colocou em contato com grandes diretores do teatro gaúcho, como Dilmar Messias, Irene Brietzke, Nestor Monastério, Nara Keiserman entre outros.

Saindo de Porto Alegre

Isso foi me dando um gás muito grande e comecei a achar que Porto Alegre estava ficando pequena demais. Recebi prêmios como ator, como produtor e na elaboração e execução de projetos específicos na formação e popularização de teatro para a infância e juventude. Fui neste caminho de produção e atuação de projetos infantis, dividindo com atuações em espetáculos adultos. Comecei a pensar na possibilidade de fazer um projeto maior, em que eu pudesse chegar até Brasília ou que eu pudesse chegar ao eixo Rio-São Paulo. Eu nunca havia pensado em viver no Rio, mas minha mulher, Ine Baumann, também queria vir para o Rio de Janeiro, que ela sempre gostou.

Juntou-se a isso o fato que rodaram em Porto Alegre o filme Noite, produção de Marisa Leão e direção de Gilberto Loureiro, da Morena Filmes. Fui de boy de filmagem à gerência de platô, em poucas semanas. Assim, em 84, fiquei muito entusiasmado com eles, com a perspectiva de mudança, peguei nossas coisas e viemos para o Rio.

Chegada ao Rio

Ao chegar, minha primeira ação foi solicitar uma reunião com Orlando Miranda, ex-presidente do extinto SNT (Serviço Nacional de Teatro). Eu já o conhecia desde o inicio dos anos 80, quando fui Presidente da Associação dos Produtores de Teatro de Porto Alegre, a APTERGS. Eu tinha esse contato com ele e achava que o grande problema da falta de público no teatro era a falta de teatro na base da formação do indivíduo, a escola. Essa operação deveria ser feita no nível federal, com o Ministério da Educação.

Queria pôr em prática minhas experiências com teatro para a infância e juventude. Fui imbuído das melhores intenções para conversar com o Orlando, experiente produtor de teatro com muitos anos de experiência, em seu gabinete, mas ele me tirou totalmente o estímulo. Disse-me que viver do teatro infantil no Rio de Janeiro era muito difícil e que não valia a pena investir nisso. Acho que eu não vou perdoá-lo nunca, embora ele tivesse um pouco de razão, mas foi uma ducha de água fria. Ele, falou que a área de teatro infantil, não só no Rio de Janeiro, mas em todo o Brasil, era muito difícil. Ele tinha certa razão. Anos depois, através do CBTIJ, estamos conseguindo mudar essa mentalidade e os projetos para essa área começam a ser encarados com mais responsabilidade.

Continuei tentando. Nessa época, no SNT, o Humberto Braga era responsável pelo Teatro Infantil e o Almério Belém pela área de Teatro Alternativo. Eles viajavam muito pelo Brasil e conheciam o trabalho que desenvolvia no Sul. Eles tinham muitos contatos com grupos de teatro para crianças que frequentavam o Teatro Cacilda Becker. Na sobreloja – me emociono quando me lembro, pois anos depois, volto nas mesmas salas lutando pelo teatro para a infância e juventude através do CBTIJ – numa daquelas salas, eu falei da importância do teatro infantil e que a gente tinha que fazer o projeto de ir para as escolas, que devíamos nos unir para que pudéssemos levar o teatro infantil numa proposta maior para o Ministério da Educação e da Cultura. Mas eu não encontrei, naquele momento, parceiros para dar continuidade ao meu sonho.

Para sobreviver, comecei a fazer espetáculos em escolas, que era o que eu sabia fazer. Com mais algumas pessoas do Sul fizemos muitas apresentações de espetáculos que trouxe em repertório. Paralelamente continuava fazendo espetáculos adultos, como ator e conhecendo mais gente de teatro.

Não posso deixar de relacionar alguns diretores que ainda são referência na minha formação profissional como Luiz Antônio Martinez Corrêa, Luiz Arthur Nunes, Moacir Chaves, Nara Keiserman diretora de teatro que mais me dirigiu em projetos infantis, sendo a maioria deles premiados e principalmente Aderbal Freire Filho, um grande diretor de ator.

Até que em 86, recomendado pela atriz Vera Holtz, que conheci fazendo um espetáculo, fui fazer um curso na CAL com o diretor Gerald Thomas e dei uma guinada na minha vida profissional.

Gerald me provocou, com o seu teatro, a mesma sensação de brincadeira, de excitação que me deparei no Teatro de Arena de Porto Alegre. Fiquei durante um bom tempo trabalhando com a Dry Opera. Viajei muito pelo Brasil e para o exterior. Fiquei uns seis ou sete anos afastado do teatro infantil e comecei a conhecer o teatro de outros países. Foi aí que vi a importância que era dada ao teatro infantil no exterior, Dinamarca, Alemanha, Portugal e outros países.

Voltando ao Teatro para Crianças

Quando me afastei da Companhia, em 1996, retomei o trabalho do teatro para crianças. Cheguei a fazer mais alguns trabalhos com a Dry Opera. Participei de um festival na Croácia e produzi, no SESC de Copacabana, O Príncipe de Copacabana, com Reynaldo Gianecchini. Nesse período, já estava começando um movimento teatral muito interessante alavancado pelo projeto de patrocínio da Coca-Cola.

Achei que poderia estar junto e foi assim que começamos, eu e minha mulher, a participar novamente dos projetos infantis. A primeira produção que fizemos, foi dentro de um projeto ecológico. Chamava Rastros, Faros e Outras Pistas, com direção e texto de Ivanir Calado. Aos poucos, fui encontrando pessoas muito interessantes na área e constatando que já se iniciava um movimento muito legal na área de teatro para a Infância e Juventude. Mais adiante, nova montagem patrocinada pela Coca-Cola, Um Conto Para Rosa, de Claudia Valli, com direção de Nara Keiserman.

Começamos a comercializar alguns projetos também em São Paulo e, eventualmente, voltamos a Porto Alegre para algumas apresentações. Tiramos alguns projetos do baú e até que em um determinado momento, eu comecei a achar que teria que me organizar melhor para ter uma companhia, ter um grupo de pessoas que trabalhassem com continuidade.

Repertório

A Associação Cultural Teatral Tibicuera, ou Tibicuera & Companhia é, na realidade, muito recente. O nome me acompanha há muito tempo porque o espetáculo As Aventuras de Tibicuera, adaptado do livro homônimo de Érico Veríssimo, já passou por uma série de montagens, modificações e de readaptações, desde 1972 e nunca parei de representá-lo. Esse personagem, Tibicuera, é como um renascimento, pra mim, depois de um acidente automobilístico grave que sofri em 1973. A última remontagem foi em 2000, com direção Nara Keiserman na comemoração dos 500 anos do Descobrimento do Brasil.

A este espetáculo, com o passar dos anos, a Companhia montou M’Boiguaçu, a Lenda da Cobra Grande do dramaturgo gaúcho Carlos Carvalho, direção de Julio César Saraiva. Na época que montei me envolvi com a ANAÍ – Associação Nacional de Apoio ao Índio e fiquei impressionado com as questões indígenas. Essa lenda simboliza o extermínio dos índios Guaranis nas missões jesuíticas, há trezentos anos. Este espetáculo teve a indicação para o Prêmio Mambembe INACEN de texto e melhor produção.

Depois montamos Um Conto pra Rosa, com texto da Claudia Valli e direção de Nara Keiserman, cujo tema trata da separação de pais. Em 2005 fizemos uma remontagem e participamos da Mostra SESC CBTIJ. Foi considerado pelo crítico Carlos Augusto Nazareth, do Jornal do Brasil, um dos 10 melhores espetáculos infantis do ano.

A seguir, em 2004, foi a vez de Histórias para Não Dormir com texto e direção de Ivanir Callado. Em 2006 montamos O Neurônio Apaixonado ou O que é que Você tem na Cabeça, Menino? Baseado na coleção de livros infantis As Aventuras de um Neurônio Lembrador, do neurocientista Roberto Lent. Também em 2006, montamos Uma Odisseia no Amasso, um espetáculo para jovens que trata de DST’s e gravidez indesejada.

Conscientização

Hoje, em 2006, como presidente do CBTIJ – Centro Brasileiro de Teatro para a Infância e Juventude – estou mergulhado cada vez mais, na ideia de conscientizar os novos atores, atrizes e trabalhadores da área de teatro que estão se formando, a perceberem a importância dessa atividade. Mas ainda há muita coisa para ser feita.

Existe ainda preconceito, mas acho que atualmente ele é bem menor, se compararmos com o de alguns anos atrás. Hoje já conseguimos, com ações e com posicionamentos junto a órgãos governamentais, dar ênfase, com quase igualdade, em editais e projetos. Basta conhecer o Estatuto da Criança e Adolescente. Mesmo a classe artística tem preconceito. Meu sonho era colocar um Hélio Eichbauer para fazer cenário para uma produção para crianças, ou até mesmo um Gerald Thomas, que me valeu muita discussão sobre a importância do tema, para dedicar-se, pelo menos uma vez na vida, a um projeto infantil.

O que faz o teatro infantil ficar numa eterna crise são os oportunistas.

É muito maluco, porque um médico ou um engenheiro tem que estudar muitos anos para se habilitar. No teatro, qualquer pessoa vai, faz qualquer coisa e ainda cobra entrada. E o público também não se informa sobre o que vai ver, quem é o diretor, quem são os atores e etc…

Eu sempre gosto de citar o exemplo do profissional correspondente. Quando levamos um filho a um médico, nos orientamos para levar ao melhor profissional, ao melhor pediatra. Quando se leva o filho para assistir teatro infantil, qualquer “teatrinho” serve. Eu faço a minha parte. Para mim é uma questão de cidadania.

Meu grande sonho é trabalhar de segunda a sexta-feira em um teatro, fazendo espetáculos de manhã e à tarde. Trazer o público de estudantes para assistir o teatro, para conhecer o espaço cênico e entender nossa atividade.

Essa conscientização é difícil, mas não impossível. Eu tenho encontrado pessoas – na mesma sobreloja da galeria do Teatro Cacilda Becker, no mesmo local em que estive há 22 anos, quando cheguei no Rio, querendo mudar a forma de entender o teatro infantil – que estão desenvolvendo uma série de atividades com seriedade e não permitindo que outras pessoas achem nossa atividade menor.

É dessa forma que eu vejo o teatro para a infância e juventude.

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Participação em Espetáculos para Crianças e Jovens

Como Ator

Na cidade de Porto Alegre

1967 – Rapto das Cebolinhas, direção Câncio Vargas
1968 – A Revolta dos Brinquedos, direção Alba Rosa
1971 – Memórias de um Sargento de Milícias, direção Antonio Sena
1974 – As Aventuras de Tibicuera, direção Ligia Lopes e Fernando Strehlau
1975 – O Palhaço Imaginador, direção Fernando Strehlau
1978 – O Macaco e a Velha, direção Nara Keiserman
1979 – Céu, Terra, Água e Ar… Tudo Fede sem Parar, direção Wolfang Kolneder
1979 – O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, direção Léo Ferlauto
1980 – A Lenda da Cobra Grande, direção Julio Cesar Saraiva
1981 – Os Palhaços do Circo Beija-Flor, direção Léo Ferlauto
1982 – As Aventuras de Tibicuera, direção Nestor Monastério
1982 – As Aventuras de Tibicuera, direção Ludoval Campos (projeto escola)
1983 – Escravos de , direção Nestor Monastério
1988 – A Lenda da Cobra Grande – Uma Lenda Missionária, direção: Julio Saraiva

Na cidade do Rio de Janeiro

1984 – Jacaré Espaçonave do Céu, direção Carlos Lagoeiro
1986 – As Aventuras de Tibicuera, direção Ludoval Campos (projeto escola)
1987 – Escravos de Jó, direção Ludoval Campos
1988 – A Gema do Ovo da Ema, direção Nara Keiserman
1992 – Rastros, Faros e Outras Pistas, direção Ivanir Calado
1997 – Um Conto para Rosa, direção Nara Keiserman
2000 – As Aventuras de Tibicuera, direção Nara Keiserman
2002 – Histórias para Não Dormir, direção Ivanir Calado
2003 – M’Boiguaçu, A Lenda da Cobra Grande, direção Julio Cesar Saraiva
2005 – Um Conto para Rosa, direção Nara Keiserman
2006 – O Neurônio Apaixonado ou O que Você tem na Cabeça, Menino?, direção Ivanir Calado
2006 – Odisséia no Amasso, direção Claudia Valli

Como Diretor

1982 – As Aventuras de Tibicuera (projeto escola – RS)
1986 – As Aventuras de Tibicuera (projeto escola – RJ)
1987 – Escravos de Jô (RJ)

Como Produtor

2010 – Zé Neurim e o Super Cérebro, direção Ivanir Calado

Participação em Espetáculos Adultos

Como Ator

1968 – Os Fuzis da Senhora Carrar de Bertold Brecht, direção Wagner Mello
1969 – Cordélia Brasil de Antônio Bivar, direção Wagner Mello
1970 – Arena Conta Tiradentes, de Boal e Guarnieri, direção Jairo de Andrade
1970 – Jornada de um Imbecil até Entendimento, de Plínio Marcos, direção João das Neves
1971 – A Resistível Ascensão de Arturo Ui, de Bertold Brecht, direção Jairo de Andrade
1977 – Lá, de Sérgio Jockmann, direção Pereira Dias
1977 – Transe, texto e direção Ronald Radde
1978 – Faça-se a Luz para o Esclarecimento do Povo, de Bertold Brecht, direção Dilmar Messias
1981 – Os Palhaços do Circo Beija-Flor de Karl F. Waechter, direção Léo Ferlauto
1981 – Happy End de Bertold Brecht, direção de Irene Brietzke
1982 – O Rei da Vela de Oswald de Andrade, direção Irene Brietzke
1984 – Love, Love, Love de Luiz Arthur Nunes, direção José de Abreu
1984 – Jacaré Espaçonave do Céu de Zé Zuca e Carlos Lagoeiro, direção Carlos Lagoeiro
1985 – Bailei na Curva, texto e direção de Júlio Conti
1986 – Mahagony de Bertold Brechet e Kurt Weill, direção Luiz Antônio Martinez Corrêa
1987 – Gardel uma Lembrança, de Manoel Puig, direção Aderbal Freire Filho
1988 – Vaidades e Tolices de Anton Checov, direção Axel Rippol Hamer
1989 – JK, texto e direção Luiz Arthur Nunes
1989 – Que Pena ser Só Ladrão de João de Rio, direção Jaqueline Laurence
1990 – Machado em Cena de Machado de Assis, adaptação e direção Luis de Lima
1990 – Carmen com Filtro 2.5, texto e direção Gerald Thomas
1990 – M.O.R.T.E, texto e direção de Gerald Thomas
1991 – The Flash and Crash Days, texto e direção Gerald Thomas
1992 – The Saints and Clowns, texto e direção Gerald Thomas
1993 – O Império das meias Verdades, texto e direção Gerald Thomas
1994 – Unglauber, texto e direção de Gerald Thomas
1995 – Don Juan de Luiz Otávio Frias, direção Gerald Thomas
1996 – Nowhere Man, texto e direção Gerald Thomas
1996 – No Verão de 82, texto e direção Aderbal Freire Filho
1997 – Don Juan de Moliére, direção Moacir Chaves
1998 – O Congresso Dos Intelectuais, de Bertold Brechet, direção Aderbal Freire Filho
1998 – Conversas com o Diabo, adaptação P. D. Ouspensk, direção Shimon Nahmias
2000 – Crioula, texto e direção Stela Miranda
2003 – Fausto, de Goethe, direção Moacir Chaves
2003 – A Violência da Cidade, texto e direção Moacir Chaves
2004 – Boca de Ouro de Nelson Rodrigues, direção Carlos Gregório
2004 – Vestir os Nus de Pirandello, direção Antônio Guedes

Participação em Cinema

Como Ator

1982 – Às Margens Plácidas
1982 – Adiós América
1985 – Noite
2002 – Roleta

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Depoimento realizado na Casa da Gávea, para a Projeto Encontros e Oficinas, no dia 13 de Setembro de 2006.