Sylvia Orthof

Por Fátima Valença

Sylvia Orthof, a Tecelã

Quantas gerações descobriram o teatro e a literatura por causa dela! Das histórias que ela contou, pintou e bordou em páginas e palcos, versos e prosas, desenhos e canções. Seu amor correspondido pelas palavras, a fertilidade de sua imaginação, a leveza do seu humor e um veemente anseio de liberdade e poesia contagiaram crianças de todas as idades. Quantas vocações e talentos Sylvia Orthof terá despertado com a sua arte? Quanta vida terá tocado ao longo de sua passagem por esse planeta azul? Vidas e sonhos que segue inspirando, mesmo depois de ter virado estrela, anjo, saudade, rio, infinito. Essa é a magia da arte e dos artistas: através de suas criações, seguem vivendo, inspirando, encantando.


Se eu me for,
vou de bagagem,
sem ter mala
e compromisso.
Vou de anjo,
sem ter asa,
Vou morando,
sem ter casa.
Vou medir o infinito.


Sim, ela pressentia que estava prestes a dar por encerrada sua temporada nesse palco de risos e lágrimas, mas ainda assim não para de escrever. Poemas “escritos em bloquinhos simples” que dizem adeus, rimando saudade com esperança e horizontes. Afinal, quem sabe o que é que começa depois que tudo termina?

Hoje sou mais ontem
e me resvalo
em pensamento
e lembrança…
Virei criança.


Era assim que Sylvia escrevia. Como se criança fosse. Como uma fada feiticeira, ela se transformava para chegar mais perto do universo dos pequenos. Falava a sua língua. Pensava o seu pensamento. Imaginava com a sua imaginação. Ia longe, lá do outro lado do arco-íris, em busca das pérolas em forma de histórias, gentes e poemas.


Quando um livro se adormece
Se termina, se esquece,
O tempo vai e se avoa!
Das palavras fiz um ninho
E cantei desafinado,
Mas o canto, mesmo errado,
É cometa em céu da boca
Cometi esse escrito,
Ai, doideira e maluquice
Fiz cochicho, diz-que-disse,
Me virei pelo avesso!
Todo fim é recomeço,
Todo pouco é o bastante,
Toda linha de escrita
É um traço de horizonte!
Já é tarde, vou me embora
Toda a vida é tão memória de mil maneiras contada!
Só ousei certa saudade
Que passou no que me lembro.
Toda estrada é faz de conta,
Por isso que a poesia apronta
Sempre uma paisagem.
Boa Viagem!



O Chamado

Existem certas portas muito mágicas (…), mas a mais fantástica porta da minha existência ficava nos fundos do antigo Theatro Fênix. (01) No tempo em que eu era uma garota de 15 anos (…) Minha mãe me levou ao teatro para ver a tragédia de Shakespeare, Hamlet (…) (02) [Naquele tempo, as mocinhas de 15 anos eram mocinhas e iam ao teatro com as mães (…)] No palco, Sérgio Cardoso (o Príncipe), Sérgio Brito (o Rei), Barbara Heliodora (a Rainha) e Maria Fernanda (Ofélia) (….)  Fiquei em estado de perplexidade alucinante (…): “MÃE, EU QUERO SER ATRIZ!” Escrevo nessa letra enorme, porque a minha vontade era imensa, do tamanho do mundo (…). Minha mãe não levou a sério, achou que era bobagem de adolescente…


Não era. Ainda com o figurino do uniforme colegial, bate na porta dos fundos do teatro e dá de cara com o assistente de Paschoal Carlos Magno, “o louco iluminado”. E, “com o coração batendo dentro da esperança”, dá sua deixa: “Quero ser atriz!” Ao contrário da mãe, Paschoal – o ator, diretor, poeta, diplomata, “um D. Quixote total” – leva a jovem a sério. E Sylvia ingressa no Seminário de Arte Dramática, escola de arte cênica aberta na Casa do Estudante. No ano seguinte, 1949, adivinha quem interpreta a Julieta de Shakespeare no palco do Theatro Phoenix?

“E cá estou eu
Sem ti, Romeu
Será que sabes que
Meu coração é teu?”

Eu nunca havia sido beijada e, na hora do maior romance, eu parecia um aspargo: dura e verde, insossa e gelada. Foi aí que um rapaz bonitão, estudante de direito, começou a me acompanhar até em casa, depois dos ensaios. Um dia (…) ele me beijou. Levei um susto. Não sabia que beijo era assim. Reclamei, briguei, chorei. “Sylvia, me perdoa. Foi dona Esther, a diretora, quem mandou…”

Romeu e Julieta estreia o Festival Shakespeare promovido pelo Teatro do Estudante do Brasil, “uma das forças renovadoras do teatro nacional”, fundada em 1938 por Paschoal Carlos Magno. (03) A plateia de 1200 lugares está lotada e a chegada dos espectadores é transmitida ao vivo pela Rádio Roquete Pinto. A ficha técnica, um luxo. Dirigindo o texto traduzido por Onestado de Pennafort, “dona” Ester Leão. Assinando a coreografia, Tatiana Leskova, com participação especial do Ballet da Juventude. Cenários e figurinos? Santa Rosa. Na trilha sonora, a música de Tchaikowsky, “inspirada no drama dos amantes de Verona”. É sua primeira vez no palco e Sylvia, do alto dos seus 16 anos, desfila com graça  o ar dos seus encantos.


“Esta adolescente, cuja voz, no dizer da atriz Maria Sampaio, é de uma beleza rara, é a Julieta que imediatamente conquistou a plateia, na noite de quinta-feira, na primeira representação de Romeu e Julieta pelo Teatro do Estudante (…)”

A revelação de Sylvia Orthof como Julieta, Correio da Manhã, 21.05.1949


“Silvia Orthof, uma Julieta que evitou inteligentemente de cair nos precipícios a que podem arrastar as manifestações de dor e de romantismo, as fronteiras do teatro de declamação e do teatro lírico.”

Diário de Notícias, 21.05.1949


“(…) Nos desempenhos, quem conseguiu impressão mais favorável foi Sylvia Orthof. Há uma beleza encantadora e pura dentro do sentido do personagem. Há uma compenetração cênica que demonstra bom controle em volta das emoções (…)”

Oswaldo de Oliveira, A Manhã, 21.05.1949


“Uma Julieta como Sylvia Orthof transcende daquilo que se convencionou chamar de “amadorismo”. Com uma pequena voz, mas doce e expressiva, soube captar em sua personalidade muito do espírito daquele personagem (…)”

O Cruzeiro, 04.06.1949


“Sylvia Orthof foi (…) de uma naturalidade pouco comum nos principiantes. Isso é o suficiente para situá-la entre as grandes intérpretes dramáticas brasileiras. Bela e graciosa, a Julieta agradou sobremaneira.”

Nataniel Dantas, Correio da Manhã, 24.06.1949


“Seu nome é Silvia Orthof. Lembra, na voz, na graça dos gestos, aquela inesquecível Sonia Oiticica, que foi a primeira Julieta no Brasil, em 1938.” (04)

Correio da Manhã, 17.04.1949


Depois de Romeu e Julieta, o Festival Shakespeare apresenta Macbeth e Sonho de uma Noite de Verão. A peça seguinte seria Otelo, programada para a última temporada do TEB e teria Sylvia de volta à cena, dessa vez como a infeliz Desdêmona. Encenação que tem que ser adiada “por imperiosos motivos de ordem financeira, em consequência da crise que atravessa o Teatro do Estudante, e que se espera venha a ter um epílogo feliz, com a promessa feita pelos poderes federais”. Numa iniciativa aplaudida pela imprensa, a Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa toma a iniciativa de encenar no seu salão social cenas da tragédia de Shakespeare, incluindo “o monólogo de Otelo no Senado Veneziano e as famosas cenas do lenço e da morte de Desdêmona”.


“Beijo-te antes de te matar. Nenhuma saída era possível, mas esta: matando-me, morro depois de te beijar.”

Othelo, o Mouro de Veneza, Shakespeare


“(…) a Cultura Inglesa teve uma ideia muito feliz, proporcionando a seus alunos a possibilidade de visualizar a grande tragédia (…) É uma ideia tão valiosa que é de esperar-se que se repita. O resultado mostrou que os ensinamentos de Adacto Filho (05) não foram esquecidos pelo Sr. Jose Maria Monteiro. (06) Com poucos ensaios a mais este talentoso artista, que possui uma imensa voz de ótima qualidade, seria um Othelo de força e de sensibilidade impressionantes. A seu lado Sylvia Orthof, com pouquíssimos ensaios, mostrou que é capaz, nas cenas menos fortes, de conseguir, sem maquilagem, sem “ambiente”, um encanto todo dela. Já pode ser visto que durante sua viagem de estudos na França, Sylvia lucrará, realmente, porque tem as qualidades de uma verdadeira artista (…)”

Claude Vincent, Tribuna da Imprensa, 11.05.1950


“(…) artista convidado pelo Teatro do Estudante, tendo feito sua estreia em O Filho Pródigo, de Lúcio Cardoso (…), José Maria Monteiro foi escolhido para o difícil papel de Othelo (…) Além de possuir voz de timbre possante e amplas ressonâncias, revela ser capaz de interpretar o Mouro de Veneza, com toda força e magia exigidas pelo personagem. Sylvia Orthof, já conhecida pela sua atuação em Julieta e que está de viagem de estudos para Paris, foi uma Desdêmona segura e convincente (…)”

Diário de Notícias, 14.05.1950


Embora de malas prontas para dar continuidade a seus estudos, Sylvia já é considerada uma profissional. Em junho de 1950, sempre às segundas feiras, lá está ela no palco do Teatro de Bolso (07), ao lado de Homero Reis e do grupo Os Aprendizes, companhia que reúne Yara Cortes, Dary Reis e Jacy Campos. Em cena, três peças curtas: A Outra, de Dubeaux, Uma Partida de Canastra, de A. Gherry – ambas traduzidas por Brício de Abreu (08)  e Um Casal Burguês, de José Maria Monteiro.


“(…) as tendências dos Aprendizes estão nitidamente orientadas na direção de um teatro de pesquisa. Em Um Casal Burguês, José Maria Monteiro revela um talento dramático e uma construção de diálogo que farão dele, sem dúvida, um dos bons escritores teatrais do Brasil (…) Yara Cortez (…) tem recursos cômicos de grande efeito, sabe atacar uma frase depois de dar a expressão fisionômica, exatamente com o prazo de tempo necessário para provocar o riso (…) Dary Reis conseguiu interpretar bem o marido muito satisfeito de si mesmo (…) Sylvia Orthof (…) revelou qualidades de sensibilidade que serão certamente desenvolvidas pelo esforço dessa artista que muito promete (…) Já mostrou que possui uma força realmente invulgar.”

Claude Vincent, Tribuna da Imprensa, 14.06.1950


“Toda a crítica especializada já se manifestou, elogiando o esforço de Os Aprendizes em lançar no nosso meio um gênero tão ingrato como seja o de peças em um ato. Hoje (…) novamente teremos o espetáculo inaugural: A Outra, magnífica criação de Yara Cortez como Luiza Mall. Casal Burguês (…), onde Sylvia Orthof se destaca. Uma Partida de Canastra, onde novamente Yara Cortez e Dary Reis apresentam grandes criações cômicas. A direção é de D. Esther Leão.”(09)

A Noite, 26.06.1950



Meus Dezoito Anos

De repente eu estava em Paris estudando teatro. Em Paris, completei 18 anos. Ah! Paris foi feita para a gente, sempre, completar os eternos 18 anos!


Repleta de ilusões, “como todos os novatos”, Sylvia embarca para Paris, disposta a aprender “todos os segredos da arte de representar” e quem sabe atuar em peças e filmes franceses. Mas o dinheiro é escasso, o frio, intenso e a dona da modesta pensão, “severa e rabugenta”:

Ela dizia “bonjour, petite sauvage! Ela achava que todos os brasileiros eram habitantes da Floresta Amazônica (…) Depois mudei para um apartamento mais elegante, onde uma família (…) alugava quartos.

Em meio àquela capital fervilhante, a solidão às vezes bate à porta. Não é fácil ser estrangeiro. Quem já viveu fora do seu país, longe de sua casa, sabe disso.

Tinhas horas de profunda solidão (…) Não conhecia ninguém, não sabia falar bem francês (…) É difícil ser estrangeiro. Em certas horas, eu queria tanto chorar em português! (…) Comecei a ler Molière, Musset, Vitor Hugo, Baudelaire. E Sartre entrou na minha vida, sem eu entender bem o que era a filosofia existencialista (…) Às vezes, ficava pensando que minha ida para Paris era uma forma de meus pais ficarem mais livres. Eles haviam se desquitado, isso ainda não era frequente no Brasil (…)Recebia cartas do Brasil e ficava cheirando o papel (…) Saudade tem perfume, com certeza!


Mas Sylvia desistir? Nem pensar. Estava decidida a ser uma atriz completa e ingressa no curso do conceituado professor de interpretação, René Simon: (10)

Uma grande sala escura, repleta de bancos compridos de madeira, onde centenas de alunos se sentam. Num minúsculo palco, em frente a um spot-light, o pontífice (..) Pequeno, ágil, grisalho, gesticulando muito, brincando, rindo, tudo no espaço de um segundo (…) Não acredita na arte moderna, nem crê na sinceridade de Picasso (…)  Geralmente assiste-se a todos os cursos um ou dois meses antes de se tomar parte ativa em qualquer exercício (…) Tive sorte. Fui aceita logo no segundo dia e Monsieur Simon deixou-me representar em português, pois o meu francês naquela época era péssimo (…)  Enquanto isso, Paris continuava sendo Paris, com os seus cafés repletos de estudantes, os museus, os teatros, os concertos, tudo isso me extasiava (…) Mas o diabo é que eu gostava de Picasso. E foi isso talvez que me fez mudar de sua escola para o curso fundado por Jean Louis Barrault. (11)


Pena que ele não aparecia na própria escola fazia tempo…

Quando se começa a estudar, todos parecem gênios, mas aos poucos vem a desilusão. A gente aprende uma porção de coisas que jamais serão empregadas (…)  Fui até considerada uma boa aluna, mas em seis meses descobri que trinta dias seriam mais do que suficientes para o que estava aprendendo. (12)


Enquanto ensaiavam no Théâtre de Poche, em Montparnasse, uma peça infantil para o Natal – Cendrillon -, ela e o colega brasileiro Silva Ferreira dão de cara com um cartaz do Festival de Pantomimas que apresenta Marcel Marceau (13) e sua companhia. Programa imperdível. Além de assistirem à estreia, comparecem outras “quatorze vezes” para aplaudir o artista. A presença da galera tupiniquim não passa despercebida e o pequeno grupo de brasileiros consegue algo difícil em Paris: ter aulas particulares com o famoso mímico!

Sua casa em Montparnasse – sempre fria, pois ele deixava a porta aberta mesmo quando a neve caía – é algo que a gente não esquece mais. Uma cama, uma cadeira remendada, um armário. O resto é um lugar vazio para poder trabalhar (…)  Mas trabalhar com Marceau é sempre um prazer, mesmo gelada e exausta. Somente trabalhando com ele conheci o prazer enorme de uma fadiga construtiva (…) Um dia ele conversou comigo depois da aula. Uma conversa que me intrigou, abriu meus olhos. Disse que era preciso ser um bom escritor de sentimentos para poder fazer mímica. Explicou que as pausas são mais necessárias do que os movimentos, que o faz de conta exigia uma verdade estilizada. Comecei a fazer exercícios onde o pensamento esticava silêncios: o lado mudo da palavra (…)


Mas nem tudo era estudo. Como resistir às noites de boemia em Paris? Nas mesas do Café Capolaude, no Quartier Latin, os jovens e ruidosos brasileiros insistem em batucar os sambas tupiniquins em caixas de fósforo – o que incomoda um bocado o dono e os habituées:

Acho que o samba era o que mais nos unia. Só que o nosso repertório não era muito variado e só tomávamos cafezinho. Num baile, resolvemos tomar o lugar da orquestra e arriscamos o “Escravos de Jó” em ritmo de macumba. Só faltou a vaia…”

Em 1951, Paris dá início aos festejos comemorativos dos seus 2 mil anos e Sylvia vê tudo isso de perto, ao vivo e a cores. Que privilégio!

As ruas, as lojas, as vitrines, tudo recordava a velha Paris de ontem (…) Para a representação ao ar livre do verdadeiro Mistério da Paixão, havia a necessidade (…) de dividir a fachada da colossal Notre Dame em lado céu e lado inferno, o que assustaria qualquer cenógrafo (…) Eles adotaram um dispositivo arquitetural composto somente de planos e volumes, de escadas e plataformas no mesmo tom e imitando a mesma matéria da catedral. O céu ficava do lado esquerdo da fachada e foi simbolizado por um imenso vitral luminoso e o inferno evocava um forte com a fachada em careta de monstro, cuja ponte levadiça, ao ser abaixada, cuspia flamas e demônios rodopiantes. Um espetáculo inenarrável.


Mas chega a hora de voltar. Sem dinheiro, sem trabalho e cheios de saudade, embarcam no navio Alcântara, “de onde espiamos a França cada vez mais longe. Poucos dias depois, na mesma amurada, olhávamos o Brasil cada vez mais perto.”

Chegamos. Amigos, abraços, filmagem no cais do porto, notícias nos jornais. Paschoal Carlos Magno sorrindo contente, cafezinho, caldo de cana, sol de verdade e trabalho pela frente… porque o espetáculo continua.



Teatro, TV  e Carteira Assinada

A carioca nascida em Petrópolis, filha de pais austríacos que emigram para o Brasil fugindo da guerra e da perseguição aos judeus na Europa, agora é atriz de fato e de direito. De volta ao Brasil, além do contrato com a televisão, participa de várias montagens teatrais no Rio e em São Paulo. Seu nome volta e meia dá pinta nos jornais cariocas e paulistas e são visíveis o carinho e a admiração que os homens da imprensa têm por ela.

“Sylvia Orthof, a Julieta do Teatro do Estudante, após seus estudos em Paris, viajou para São Paulo na semana passada, convidada por Madalena Nicol a falar sobre um contrato possível. Acaba de telefonar para a família, dizendo que aceitou o convite e que estreará com a Sociedade Paulista de Teatro no dia 17 de outubro. Eis outra notícia que vem confundir aqueles que dizem “não adianta ir estudar, você voltará e ninguém lhe dará trabalho”.

Tribuna da Imprensa, 03.10.1951


“(…)  a nossa entrevistada Sylvia Orthof trabalhou na companhia de teatro de Madalena Nicol e, depois foi para o Rio, onde participou da companhia de Henriette Morineau, interpretando um dos papeis da peça A Cegonha se Diverte. Foi depois disso que ela voltou para São Paulo, ingressando na TV Record. E lá está hoje à espera, como diz ela, de uma oportunidade de mostrar o que pode fazer em televisão. Com essa parte não concordamos, pois ela é realmente uma excelente atriz.”

O Jornal, 09.02.1956


Atriz, diretora e produtora, Madalena Nicol, que Sergio Britto define como “a grande atriz que o Rio desconhece”, foi um dos grandes nomes do teatro brasileiro das décadas de 40 e 50. (14) Patrocinada pelo Governo de São Paulo, cria e dirige a SPT – Sociedade Paulista de Teatro -, que leva ao público paulista espetáculos como Arlequim, Servidor de Dois Amos, de Carlo Goldoni e Os Inimigos não Mandam Flores, de Pedro Bloch. Peças que, conforme escreve Madalena no programa da peça A Tia de Carlitos, “atraíram para o Municipal de São Paulo e o Braz Politeama pessoas que nunca poderiam se dar ao luxo de assistir a uma peça ao preço corrente das entradas”. Fazem parte da companhia Ruggero Jaccobi, Carla Civelli (15), David Garofalo, Maria Cecília Garofalo (16), Xandó Batista, Eliseo de Albuquerque, Flavio Gonçalves, Adaury Dantas, Salma Yanni, Zainha Penteado, Xandó Batista (17), Jayme Barcellos e Sergio Britto, nomes a quem Sylvia Orthof se junta para estrear no Teatro Municipal de São Paulo, sob a direção de Armando Couto (18), a peça de Brandon Thomas, A Tia de Carlitos.


“A Sociedade Paulista de Teatro é uma associação cultural para o desenvolvimento da arte teatral (…) visando essencialmente oferecer oportunidade de aperfeiçoamento aos elementos novos e promissores do teatro e atrair para o teatro as grandes massas populares (…)”

Magdalena Nicol, no programa da peça


“Eu era o Carlitos da história. Jayme Barcellos, travestido de velha senhora gorda e balofa, era o grande trunfo da peça”

Sérgio Britto, O Teatro e Eu.


“Sergio Britto elogia seus companheiros de elenco: “Gente moça decidida, muita vontade de acertar e operosidade somada ao idealismo (…) A menina que chegou da escola de Barrault, depois de haver sido a Julieta do TEB, como progrediu! Uma atriz da cabeça aos pés.”

Correio da Manhã, 28.11.1951


“O ator Adaury Dantas, que figura hoje como um dos mais promissores elementos jovens do nosso teatro, seguiu ontem de avião para São Paulo, onde interpretará um dos personagens de A Tia de Carlitos, ao lado de Jayme Barcellos, Sylvia Orthof e Elísio de Albuquerque, ex-integrantes do Teatro do Estudante do Brasil, e revelados por ocasião do Festival Shakespeare em 1949.”

A Manhã, 16.10.1951


“Armando Couto voltou ao Rio e informou-nos que está atualmente no Teatro Municipal de São Paulo fazendo um sucesso extraordinário. Há em geral seis chamadas com aplausos em cena aberta para Jayme Barcelos e Sylvia Orthof. A peça ficará ainda alguns dias no Municipal e depois irá para o Teatro São Paulo, num bairro mais popular. A peça de Brandon Thomas diverte todas as plateias.”

Tribuna da Imprensa, 26.10.1951


“A peça é popularíssima (…) São três atos de riso contínuo. E a moçada do Teatro da Semana a está vivendo com rigor e cuidado, o que significa transmitir seu conteúdo com honestidade. Fará rir mesmo o espectador mais sizudo”.

Esther Leão, Correio da Manhã, 06.11.1952


“De Romeu a Janette à comédia Tia de Carlitos há uma pronunciada evolução por parte dos senhores Paulo Francis e Cristovão Filho (…) O senhor Paulo Francis, que folgamos saber haver sido contratado pelos Artistas Unidos, é um ator de quem se pode esperar muito (…) A senhorita Sylvia Orthof nos pareceu deliciosa na sua pseudo-ingenuidade. (…) São duas horas de passatempo para grandes e pequenos. O Teatro da Semana podia realizar récitas para crianças também, que seriam um sucesso de bilheteria e de riso sadio.”

Paschoal Carlos Magno, Correio da Manhã, 16.11.1952


Em novembro de 1951, A Tia de Carlitos é a atração do teleteatro da primeira emissora de televisão da América Latina, a TV Tupi Canal 3 de São Paulo, a PRF-3, que em maio daquele ano estreia sua programação de peças de teatro exibidas ao vivo às segundas-feiras. Uma ideia que “nasce com a televisão brasileira e vai se tornar, durante toda a década de 50, o “cartão de visita” das emissoras. (19) Uma das primeiras atrizes a estrelar e a dirigir teatro na televisão, Madalena abre caminho para diversos artistas, criando em 1952, na TV Paulista, canal 5 (20),o Teatro Madalena Nicol, que mais tarde passaria a se chamar Teatro Cacilda Becker.

Eu trabalhei em televisão (…) Aquela máquina falava, mandava a imagem para a casa das gentes…em preto e branco, sem vídeo. Era tudo ao vivo em 1953. Miroel Silveira (21) dirigia um programa chamado Teatro Retrospectivo Brasileiro. As peças eram apresentadas de fio a pavio, inteiras. Tínhamos pouquíssimo tempo para decorar tudo. Uma loucura! (…) Levávamos peças de Gastão Tojeiro, Martins Penna…e até trechos de Anchieta (…) Depois Miroel resolveu montar os gregos, as comédias de Aristófanes, cheias de cortes porque eram consideradas pornográficas para a televisão. A palavra amante era sempre trocada por namorado, os beijos eram rapidinhos, tímidos.


No teleteatro da TV Tupi, onde estreia com A Tia de Carlitos em outubro de 1951, Sylvia faz também Trio em Lá Menor, de Raimundo Magalhães Júnior, com o elenco do Sociedade Paulista de Teatro. No ano seguinte, com a mesma equipe, atua em O Tenor Desafinou, de George Feydeuau, em cartaz no Teatro Municipal de SP. Em maio é a vez de O Último a Saber, de George Couterline, ao lado de Jackson de Souza, Xandó Batista e Leonardo Villar, sob a direção de Ruggero Jacobbi, “um dos pioneiros do teatro no Brasil”. Em 1956, um ano após a inauguração da TV Rio, canal 13, Sylvia já atua como assistente de Ruggero em Dois Destinos, de Noel Coward, apresentado no Teatro Philco. Naquela época, era comum os programas televisivos ganharem o nome de seus patrocinadores. Assim como foi comum dependerem dos artistas de palco para desbravarem a linguagem do novo veículo e darem um upgrade em sua programação, atraindo novos casts e espectadores.

A Record foi a terceira emissora paulista de televisão, operando através do canal 7, que entrou no ar no final de setembro de 1953. Na abertura, Dorival Caymmi, Inezita Barroso, Adoniran Barbosa, Isaurinha Garcia, Pagano Sobrinho, Randal Juliano ao som da orquestra de Enrico Simonetti. A Record já mostrando que a música seria o seu ponto forte. O primeiro seriado produzido pela tevê brasileira, Capitão Sete (22), foi ao ar no canal 7. No cast da Record, nomes como Sergio Cardoso, Nydia Licia e Sylvia Orthof. Contratada praticamente desde o início dessa aventura, a atriz dá voz e vida a diversos autores e personagens. No programa Teverama faz Chica Boa (1954), de Paulo Magalhães, e O Corcunda de Notre Dame (1955), de Victor Hugo. No Teatro Cacilda Becker, festejando o Natal, atua em Auto da Rosa de Belém (23), texto e direção de Ruggero Jacobbi. (24) Participa também de Patkull (25), drama histórico de Gonçalves Dias, “na interpretação primorosa de Cleyde Yaconis, Sylvia Orthof, Walmor Chagas e Freddi Klugger”. É também Eliza Doolittle, a florista transformada em lady no sucesso de Bernard Shaw, Pigmalião. E dá o ar de seus encantos no cinema, em 1954, atuando em O Gigante de Pedra, de Walter Hugo Khouri. (26) Mas seu coração sempre teve um regente: o teatro.


“Carla Civelli manda dizer que O Tenor Desafinou (Chat de Poche, de Feydeau) está nos últimos dias de ensaios para a estreia de fevereiro no Municipal de SP e convida a cronista a assistir. Explica que está procurando fazer um espetáculo fino e elegante, deixando ao autor e seu texto a tarefa de fazer rir. E acrescenta que os cenários e as roupas ficaram lindos. Sylvia Orthof está com o principal papel feminino, no qual terá que cantar. Durante várias meses tem estudado com dedicação com D. Alice Pincherlé (mãe de Nydia Lícia do TBC), cantora e professora conceituada, para poder cantar os versos que ela mesma traduziu do original de Feydeau.”

Claude Vincent em Tribuna da Imprensa, 02.02.1952


“O Teatro da Semana estreará a 8 de setembro sua temporada no Copacabana (…) Entre os intérpretes dessa peça figura Sylvia Orthof que surgiu, em 1949, no Festival Shakespeare. Depois de seguir para França, onde frequentou os cursos dramáticos de René Simon e o de Jean Louis Barrault, voltou no começo deste ano e participou em São Paulo do elenco da Sociedade Paulista de Teatro. A crítica confirmará segunda próxima os prognósticos auspiciosos que em 1949 fez a respeito de seu talento e de seu futuro no nosso teatro.”

Correio da Manhã, 05.09.1952


“O Teatro da Semana inaugurará dia 8 de setembro a sua temporada de seis meses todas as segundas no Teatro Copacabana. A peça de estreia será Romeu e Jeannette, de Jean Anouith, em tradução de Lucia Benedetti, com Beatriz Veiga, Lygia Nunes, Sylvia Orthof, Christovão Filho, Paulo Francis, Tarquinio Lopes e Wilson Ribaldo. A direção é de Silva Ferreira e os cenários de Anísio Medeiros.”

A Manhã, 09.08.1952


“Hoje, segunda, no Teatro Copacabana, estreia para a crítica o Teatro da Semana com A Tia de Carlitos, a famosa peça de Brandon Thomas (…) A cronista pode testemunhar o fato em São Paulo no Municipal com Madalena Nicol (…) e agora no Teatro Copacabana, com Esther Leão dirigindo o elenco: Beatriz Veiga, Dora Gama Abreu, Sylvia Orthof, Lygia Nunes, Paulo Francis, Marcelo Aguinaga, Carlos Murtinho.”

Tribuna da Imprensa, 10.11.1952


“Uma boa notícia: Sylvia Orthof contratada para substituir Maria Fernanda em A Cegonha se Diverte quando esta for para Angra dos Reis filmar uma produção da Vera Cruz (…) A própria Maria Fernanda ensaiava Sylvia no papel de Annie, dando a ela as marcações e o texto, indicado por Madame Morineau, enquanto esta ensaia Craig’s Wife, no Copacabana. As duas atrizes de talento saíram do Teatro do Estudante e as duas estudaram teatro na Europa. Os Artistas Unidos estão provando o seu interesse pelos novos talentos do Brasil. Sylvia precisa ser vista no Rio, depois de sua volta de Paris; até agora, tem trabalhado em São Paulo e só nas segundas, com o Teatro da Semana.”

Tribuna, 12 e 18.11.1952


“Sylvia Orthof em A Cegonha se Diverte. Entrou de pé direito no papel de Annie. Estava, sem dúvida, nervosa, mas isto não apareceu. De presença bonita, fez o papel da filha sem exagero e com bastante finura e naturalidade.”

Tribuna, 20.11.1952


“Volta, Mocidade
, de William Inge (…) Assim estreou o Teatro de Equipe com a participação de Olga Navarro, que volta ao palco depois de uma longa ausência, e reabrindo o Teatro de Alumínio (…) Sylvia Orthof esteve bastante adequada ao papel, ainda que precise cuidar melhor de sua dicção, o que não impediu que demonstrasse suas qualidades cênicas (…)”

Clovis Garcia em O Cruzeiro, 25.11.1953


“Sylvia Orthof (…) esteve no Rio por algumas horas. Voltou a São Paulo, onde atua na Companhia Delmiro Gonçalves ao lado de Margarida Rey. Tão cedo não voltará ao Rio, pois anda cheia de contratos de rádio, cinema e televisão. Jayme Barcelos emagreceu. São essas as notícias que nos chegam de São Paulo. Rumorejava-se que se casaria ainda este ano com Sylvia Orthof. Aquela que foi Julieta não desmentiu a pergunta que lhe fizemos a respeito. Nem disse sim. Tudo ficou no ar, como se não houvesse preciso resposta alguma.”

Correio da Manhã, 06.05.1953


“Sylvia Orthof seguiu, de perto, as pegadas de Margarida Rey com ela contracenando principalmente no terceiro ato de A Ilha das Cabras de forma magistral.  Viveu seu papel com uma segurança absoluta e pôde mantê-lo naquele crescendo sensível que atingiu o clímax no terceiro ato, quando até seus olhos brilhavam de maneira diferente, porque grande, intensa tragédia estava vivendo e sentindo em toda a sua intensidade. Uma belíssima interpretação da jovem artista.”

Correio Paulistano, 02.06.1953


“O sucesso do momento! A Ilha das Cabras, Teatro de Cultura Artística de São Paulo. Com Margarida Rey, Dina Lisboa, Sylvia Orthof e Jayme Barcellos. É realmente animador que uma companhia nova como a Delmiro Gonçalves, contando com elementos jovens, um diretor em seu terceiro trabalho como profissional, possa em sua segunda realização ter conquistado dois títulos que a recomendam: o de ter estreado pela primeira vez no Brasil uma obra de Ugo Betti e o de ter apresentado o melhor espetáculo deste semestre, até este momento (…) Das figuras femininas da peça encarregam-se Margarida Rey, Dina Lisboa e Sylvia Orthof (…), que pela primeira vez nos satisfez completamente com uma interpretação à altura do valor da peça (…)”

Clovis Garcia, O Cruzeiro, 11.07.1953


“A Toga Branca
(…) Das três intérpretes, Sylvia Orthof foi a mais espontânea e a que teve maior poder de convicção. Margarida Rey, com toda a sua classe de mulher e artista, ficou numa linha muito convencional, declamando quase que o tempo todo na intenção de marcar superioridade e afetação. Jayme Barcelos, porém, foi o mais prejudicado pela orientação dada ao espetáculo, que envelheceu seu personagem (…)”

Clovis Garcia, O Cruzeiro, 05.09.1953


“A Revista Esso (setembro/outubro de 1953) publica artigo ilustrado de Delmiro Gonçalves, o jovem jurista de SP que constituiu companhia teatral com Margarida Rey, Sylvia Orthof, Jayme Barcellos e agora contratou Leo Vilar. Fala Delmiro nas origens do Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC, que nasceu de dois grupos amadores, dirigidos por Alfredo Mesquita e Décio de Almeida Prado: o Grupo de Teatro Experimental e o Grupo Universitário do Teatro.”

Tribuna, 23.10.1953


“Mulher para tudo… quanto seja referente à arte de representar, Sylvia Orthof desenvolve múltiplas atividades, lá por São Paulo (quando a teremos aqui pelo Rio, para um filme ou num elenco teatral?). Atua simultaneamente em vários teatros de bolso (o de Graça Melo e o de Miroel Silveira e noutros mais), é contratada da TV Record (Canal 7) e já fez cinema, tendo trabalhado em Gigante de Pedra com Fernando Pereira e Paulo Monte – produção essa ainda não lançada mas que foi inscrita no I Festival de Cinema do Brasil. ”

Cinelândia, 1954


Que caminhada! Seis anos após sua estreia como a Julieta de Shakespeare, tendo participado como atriz de vários grupos cênicos e contracenado com artistas que hoje fazem parte da história do teatro brasileiro, Sylvia é convidada para integrar o elenco do TBC, a célebre companhia de teatro da rua Major Diogo.


“Parece que a direção do TBC está interessada em Sylvia Orthof. E Sylvia, por sua vez, mostra (desusado) interesse pela organização da Major Diogo. Logo, uma vez que ambas as partes se compreendem, já que se casam bem, aparece a hipótese de um contrato para a moça quase ruiva que estudou teatro na França. Silvinha tem o seu contrato quase terminado na TV Record.”

Correio Paulistano, 05.04.1955


“Depois de pensar bem, Sylvia Orthof viu que gosta muito mesmo de televisão, mas que gosta mais da ribalta. Fez sucesso na TV Record. Mas passou-se todinha pra o TBC. Desde o dia 1 do corrente.”

Correio Paulistano, 11.08.1955


“A esplêndida atriz Sylvia Orthof desligou-se do Canal 7 para ingressar no elenco fixo do TBC.”

Radiolândia, 20.08.1955

De repente, fui convidada para trabalhar no grupo de teatro mais importante da época: o Teatro Brasileiro de Comédia. Fiquei amiga de Cacilda Becker, Fernanda Montenegro, Fernando Torres, Cleyde Yáconis, Walmor Chagas, Rubens de Falco, Carminha Brandão, Ziembinski…Tanta gente querida. Citar todos os nomes seria impossível.  Com vinte e pouquinhos anos de idade, maquiada de velha, virei a ama de Maria Stuart, a grave senhora Kennedy.


Público e imprensa aplaudem e prestigiam a montagem de Maria Stuart, de Schiller, pelo TBC, com as irmãs Cacilda Becker e Cleyde Yáconis num magnífico duelo interpretativo sem vencedores.
“Duas rainhas em cena. Tanto Cacilda – fazendo valorizar, como nunca, sua beleza, num tom de dignidade excepcional – quanto Cleyde – no caráter rancoroso e perverso da soberana que defende seu trono com unhas e dentes – foram atrizes soberbas”

A Gazeta Esportiva, 21.05.1956

Eu conhecia o texto em alemão, língua dos meus pais, austríacos. Na plateia, assistindo a muitos ensaios, o velho poeta Manuel Bandeira. Quanta emoção! Era uma temeridade ensaiar em frente de tal tradutor. Cada palavra, cada pausa, tinha seu peso, sua responsabilidade. Tive a petulância, a ousadia de dizer (…) que ele conseguira trazer a mesma musicalidade de Schiller para o português. Ele sorriu. “Você gostou, Sylvia? É tão raro a gente encontrar quem preste atenção em traduções!” Ai, como os grandes poetas sabem ser simples! (…) Já estávamos em fase final de ensaios (…), a porta do camarim se abriu, lá estava o velho Manuel Bandeira (…), com seu livro Poemas traduzidos nas mãos (…): “Sinto que você gosta de poesia. Tem sensibilidade para a palavra. Acho que ainda vai acabar escrevendo…”


“Cacilda Becker, que não tem papel em Volpone, foi, no fim do espetáculo, ver a sua irmã Cleyde, a Canina da peça, e convidá-la para sair com ela e com o senhor Nelson Seabra. Mas Cleyde, tirando maquilagem e cílios violetas, dizia que não estava nela para poder ir a uma boate. No dia seguinte, Cacilda ensaiava, o dia inteiro, Peau D’Ane para seu programa da TV Record com Sergio Cardoso. E terça-feira começava os ensaios de Maria Stuart, de Schiller, no TBC. Depois de Maria Stuart interpretará Casa de Bonecas, de Ibsen, mas o TBC contratou Sylvia Orthof para o segundo papel feminino nesta peça, a fim de poder dar a Cleyde Yáconis alguns dias de descanso, já que há três anos ela trabalha sem parar.

Tribuna,  06.07.1955


“Os atores do TBC estão apavorados com a realização de três sessões de Maria Stuart aos sábados. Terminou às duas e meia a última sessão do primeiro sábado. No domingo, os espetáculos caíram de nível, com muita gente enrolando as falas. Sylvia Orthof teve uma crise de choro, num dos intervalos.”

Mattos Pacheco, Diário da Noite, 27.09.1955


“Dona Trude, mãe da Silvia Orthof, esteve em São Paulo, viu sua filha, gostou muito, muito de Maria Stuart. “Estou contente com a Sylvia no TBC.”

Mattos Pacheco, Diário da Noite, 19.10.1955


“É o grande sucesso do ano no TBC de SP, com Cacilda Becker numa interpretação elogiadíssima pela crítica teatral (…) Segundo Mattos Pacheco, Cacilda foi “única, insuperável, insubstituível. Um show de interpretação, mas de uma interpretação sentida, calada, sofrida, altiva, digna, humana (…) A cena em que foi aplaudida em cena aberta, em que se ajoelha diante de Elizabeth (…) ou quando Maria Stuart chega ao Parque e tem uma ilusão de liberdade, são momentos preciosos, antológicos”.

Mattos Pacheco também elogia a direção de Ziembinski, a tradução de Manuel Bandeira, a interpretação de Cleyde Yáconis, como Elizabeth, de Sylvia Orthof como a ama da Maria Stuart, de Walmor Chagas  (Leicester), Leonardo Villar (Burleigh) e de Alec Wellington (Melville).”

Tribuna, 29.09.1955


“Silvia Orthof. Eu tenho uma história trágica, um drama, com essa moça, bonita, e com o sorriso mais gostoso do mundo. “Depois eu conto”. Ela ali está, na sua dignidade de Anna Kennedy, ama de Maria Stuart. Perguntei-lhe o que achava de William Cecil, de Leo Villar. “Falar sobre o Leo é difícil. Não posso separar o homem do personagem. Gosto dele como colega, como amigo. Gosto dele como ator. Muito mesmo. E tenho a certeza de que você também vai gostar do personagem Burleigh, que encarna tão bem, com aquela figura bonita, aquele vozeirão redondo! É um ator…” Puxa, esse Villar tem uma sorte! ”

Brício de Abreu, Diário da Noite, 13.03.1956


“Cacilda soube ser bela como Maria Stuart o foi; altiva como uma Rainha seria. É o melhor elogio que lhe pode ser feito (….) Walmor Chagas, Leonardo Villar, Fredi Kleeman e Sylvia Orthof foram outros intérpretes que se destacaram (…)”

Correio da Manhã, 18.03.1956


“Belas evocações, as de Sylvia Orthof e Ziembinski. Ela, na Anna Kennedy, uma surpresa. Não se podia crer que a linda criatura que é a jovem atriz fosse a velha ama de Maria Stuart, não só na figura macerada, mas nas maneiras, tarde de gestos e voz cansada, enérgica e apaixonada, porém, nos momentos de grande emoção.”

Mário Nunes em Jornal do Brasil, 20.03.1956


“O público é o supremo juiz, a ele compete decidir a sorte dos espetáculos com a sua frequência. O TBC está de parabéns em face da afluência de público que vem registrando com lotações diariamente esgotadas. Isto atesta bem o agrado da célebre tragédia de Schiller, Maria Stuart (…) magistralmente dirigida por Ziembinski e desempenhada por todo o famoso elenco do TBC, composto por 22 figuras com destaque para Cacilda Becker, Cleyde Yáconis, Walmor Chagas, Fredi Kleman, Elísio de Albuquerque, Sylvia Orthof, Leonardo Villar,  Luiz Linhares (…)”

Jornal do Brasil, 05.04.1956


É possível observar nos comentários dos cronistas o encantamento que Sylvia provoca. Talento, inteligência, beleza, humor, simpatia conquistam a imprensa, as plateias, a classe artística e os pretendentes. Mas, por enquanto, ela só tem olhos para o teatro. Antes de participar de Maria Stuart como integrante do elenco fixo do TBC, Sylvia atua como atriz convidada em dois outros espetáculos do grupo: Os Filhos de Eduardo, de Sauvageon, e Pega Fogo, de Jules Renard, “um dos trunfos da carreira artística de Cacilda Becker”, eleita melhor atriz de 1954.


“Já se encontra no Rio, ensaiando duas peças para o TBC, o ator e diretor Ziembinski, uma das glórias do nosso teatro (…), muito embora sua terra natal seja a Polônia. Para isto basta lembrar os seus 13 anos de trabalho ininterruptos em nossos palcos, os sucessos que tem alcançado (justamente recompensados pelo governo brasileiro, em 1951, com a Ordem do Cruzeiro do Sul). Ziembinski está ensaiando O Banquete, de Lúcia Benedetti, e Pega Fogo, próximo cartaz de TBC no Ginástico. Ziembinski também atua nestas duas peças, ao lado de Cacilda Becker, Beyla Genauer (27) Marina Freire (28) e Sylvia Orthof.”

A Noite, 04.12.1954


“Sylvia Orthof em Pega Fogo, o grande sucesso do TBC no Teatro Ginástico (…) Ao lado de Cacilda Becker, cuja interpretação magistral ninguém pode perder, Sylvia Orthof se revela encantadora atriz.”

Tribuna da Imprensa, 13.12.1954


“Ziembinski, que hoje, às 21h, reaparecerá ao público carioca, no Ginástico, interpretando os principais papeis de Pega Fogo, de Jules Renard, e O Banquete, de Lúcia Benedetti, as duas peças a serem apresentadas pelo TBC em sexta récita de assinatura de sua vitoriosa temporada em nossa Capital. Nesse espetáculo, que apenas será realizado hoje para atender aos compromissos assumidos com os assinantes têm ainda, atuação destacada, Cacilda Becker, Beyla Genauer e Sylvia Orthof.”

Jornal dos Sports, 15.12.1954


“A noite de terça foi mais uma noite de êxito para Cacilda Becker, para o TBC, para o teatro nacional. No Ginástico, o público aplaudiu demoradamente a grande atriz brasileira, que tem em Pega Fogo, de Jules Renard, uma notável criação. Cacilda teve de voltar ao palco numerosas vezes para agradecer as palmas que, de pé, lhe dava o público. E acabou ficando para assinar autógrafos. Na primeira parte do espetáculo, assistimos à peça em um ato de Lúcia Benedetti, O banquete, outro êxito. Nessa noite brilharam no Ginástico ainda Ziembinski (diretor das duas peças), Marina Freire, Beyla Genauer e Sylvia Orthof.”

Cacilda, um Triunfo, Correio da Manhã, 30.12.1954


“(…) A seu lado, contracenando magistralmente Ziembinski e Marina Freire com a coadjuvação de Sylvia Orthof, em seu pequeno papel, em que mantém sua conhecida linha de conduta, como atriz consagrada que já o é. (…)”

Pigmalião, Última Hora, dez.1954


“Até o fim do mês, Pega Fogo e O Banquete ficarão no Teatro Ginástico, com Cacilda Becker, seu maior trabalho, Ziembinski, Marina Freire, Sylvia Orthof, Beyla Genauer.”

Tribuna, 01.02.1955


“Se quiséssemos definir a jovem Sylvia Orthof diríamos que ela é doce como um torrão de açúcar. É meiga e atenciosa com todos e está sempre de bom humor. Quando nos pediram esta reportagem o TBC terminara os personagens e iniciara as representações regulares do Pega Fogo, de Jules Renard, já apresentada em dois espetáculos, aos assinantes e em récita de benefício. Época de festas, os elementos do elenco permanente que não tomaram parte no novo cartaz se dispersaram gozando de férias merecidas. Celia Biar (…), Paulo Autran (…), Linhares (….) No Ginástico, Cacilda, Marina Freire, Sylvia Orthof e Beyla Genauer, secundadas por Ziembinski, apresentam as novas peças da temporada..

Chegamos em noite de chuva e fria. No camarim, enquanto faz o maquilagem para o papel da doce Anete, a criada de Pega Fogo, Sylvia nos atende. Muito jovem, iniciou-se na carreira dramática no Teatro do Estudante, no Duse (…) Entretanto, uma grande e sincera vontade de aprender leva-a a Paris. Lá estudou com René Simon, frequentou o Curso Jean Louis Barrault, onde foi aluna de Beachamp e colega de Maria Clara Machado. Fez com Marcel Marceau um curso de pantomima, estagiou em Hautes Études Cinematographiques durante um ano e meio, atuou em peças infantis no Théatre de Poche. E, voltando à pátria, trabalhou em São Paulo com Madalena Nicol e no Rio com Henriette Morineau.

– Qual é o papel que mais lhe agrada?

– O de Silvia, na Ilha das Cabras, de Ugo Betti.

– Você acredita na existência de um teatro realmente nosso, com características nacionais?

– Enquanto não houver autores brasileiros de verdade, não teremos um teatro brasileiro. E para haver um teatro brasileiro é necessário também tradição. Tradição e trabalho.

– E quais são seus desejos para 1955?

– Bem, em 55 não poderei trabalhar muito em teatro, pois estou presa por compromissos à televisão. Gostaria, entretanto, se fosse possível. Preciso trabalhar e aprender, aprender muito. Quanto a mim, particularmente, o que tiver que acontecer está bem (e com um jeitinho brejeiro): contanto que não haja muita confusão… (…)”

Beatriz Bandeira entrevista o TBC, O Momento Feminino, 1955


” (…) E a Annette, que nos deu o TBC, a senhorita Sylvia Orthof, de quem falaremos mais adiante, é um amor de bonita, jovem e graciosa. Na França, nunca seria criada. Nem em nenhuma parte do mundo! Mas é perfeitamente aceitável. Não queremos parecer esmiuçador, mas o TBC nos habitou a tais espetáculos admiráveis em seus mínimos detalhes que nos forçam também a sermos mais exigentes. (…)”

Brício de Abreu, 06.01.1955


“(…) Sylvia Orthof, em um pequeno papel, nos deu amostra de ter atingido a maturidade artística. Excelente, sabe dizer, inflexiona e como é bonita! A sua Annette, pontinha que ela soube valorizar, convenceu-nos de que ali temos uma excelente atriz. (…)”

Brício de Abreu, Diário da Noite, 07.01.1955


“Cacilda Becker e Sylvia Orthof em uma cena de Pega Fogo, cartaz do TBC que atravessou o ano com casas cheias. Será a última peça de Cacilda, no Rio, que se despedirá com seu maior trabalho, deixando saudades no público carioca. Cacilda fará uma temporada em São Paulo e regressará ao Rio. ”

A Noite, 17.01.1955


Em Os Filhos de Eduardo está em cena o elenco permanente do grupo: Cacilda Becker, Ziembinski, Luiz Linhares, Fredi Kleeman (29), Walmor Chagas, Leonardo Villar, Sylvia Orthof, Carminha Brandão (30), Jorge Chaia e Guilherme Correia. Na direção, Ruggero Jacobbi e a própria Cacilda, que estreia como diretora.


“Sylvia Orthof estreou no teatro, como amadora, no Teatro do Estudante no dia 20 de maio de 1959, no Fênix, representando Shakespeare. Até hoje, desde o início de sua carreira, jamais usou short em cena, nunca foi preciso exibir suas pernas. Mas isso vai acontecer agora. Sylvia entra no primeiro ato de Os Filhos de Eduardo com um modelo esportivo para tênis. “Até agora não sei se vou ter coragem”, comentou com a Ronda.”

Diário da Noite, 02.11.1955

Sylvia Orthof, em Os Filhos de Eduardo, direção de Ruggero Jacobbi e Cacilda Becker, 1956


“No elenco do TBC, que apresenta Os Filhos de Eduardo no Ginástico, Cacilda Becker mais uma vez será Denise, e sua filha será Sylvia Orthof, papel anteriormente estreado por Nydia Lícia. Em Maria Stuart, Sylvia era a velha ama Kennedy, septuagenária da rainha escocesa interpretada por Cacilda.”

Tribuna da Imprensa, 10 e 11.12.1955


“O austero senhor gaúcho Noé Chagas esteve em São Paulo anteontem. Pela primeira vez viu o filho Walmor num palco. Gostou principalmente da Sylvia Orthof no primeiro ato.”

Diário da Noite, 16.12.1955


“Todo o pessoal do TBC do elenco de Os Filhos de Eduardo viaja para o Rio na segunda feira. Tem um encontro marcado, à noite, no Cabeça Chata (31), para comemorar a chegada ao Rio. Walmor Chagas ficou com o apartamento que Célia Biar tem no Arpoador. Cacilda Becker e Carla Civelli ficarão juntas também em Copacabana. Sylvia Orthof ficará com sua mãe e, no seu apartamento de São Paulo, possivelmente, o Milton Moraes. O problema de todo mundo são as malas. Muita coisa para levar.”

Diário da Noite, 04.01.1956


“O TBC apresentará, amanhã, em première, a comédia de Sauvajeon, mundialmente aplaudida, Os Filhos de Eduardo, peça de elenco numeroso e que por isso mesmo trará de volta ao Ginástico o famoso elenco do TBC. Teremos, antes de mais nada, a volta de Cacilda Becker secundada por Ziembinski (o público de teatro já está saudoso do grande ator e diretor), Luiz Linhares, que acaba de receber o prêmio de melhor ator dramático de 1955, Fredi Kleeman, responsável pela criação de tantos tipos curiosos durante o ano passado, Walmor Chagas, uma das revelações do TBC paulista ainda desconhecido do Rio, Leonardo Villar, ex primeiro ator da Companhia Dramática Nacional, Sylvia Orthof , Carminha Brandão, Jorge Chaia, Marina Freire e Guilherme Correia (…) A peça só ficará em cena até fins de fevereiro.”

A Noite, 09.01.1956


“Apesar do calor no Teatro Ginástico refrigerado, há sempre público entusiasta. O motivo? A excelente interpretação de Os Filhos de Eduardo (…) ”

Tribuna, 11.01.1956


“(…) Sylvia Orthof demonstra que não é apenas uma atriz dramática; é uma filha encantadora e, quando Denise (Cacilda, a mãe escritora) fala em paderewski, sua reação, com uma única palavra, fez com que, na noite da estreia da crítica, a casa viesse abaixo (…)”

Claude Vincent, Tribuna da Imprensa, 14, 15 de janeiro de 1956


“Será difícil encontrar-se na literatura teatral uma comédia de arquitetura tão bem feita, de situações tão hilariantes, onde cada frase possui excelente humor. A condensação do tema, dentro dos três atos, é outra arte de Sauvajon. Em rápidas cenas, ele traça o passado da protagonista e os seus maridos aparecem com uma naturalidade que surpreende, cada tipo tão bem delineado, que somos capazes de adivinhar suas reações diante de qualquer fato (…) Com tantos personagens em cena, a direção (…) esteve brilhante, todas as vezes (…) Um detalhe, apenas, precisa ser observado por todo o elenco: é preciso que se marque as gargalhadas (ininterruptas) do público e se dê a pausa suficiente no diálogo, caso contrário, acontecerá como na noite da crítica, quando muitas falas se perdiam, abafadas pelo riso da plateia.

Cacilda Becker fez, realmente, uma volta triunfal ao TBC carioca, comandando com uma segurança maravilhosa os 3 atos de Os Filhos de Eduardo. Naturalíssima, sem forçar o riso fácil e mesmo assim valorizando as situações, os paradoxos da peça. É uma delícia encontrar em cada peça protagonizada por Cacilda uma atriz diferente, que nos faz esquecer em dois segundos a Cacilda que conversou conosco, minutos antes, no camarim.

Excelentes as intervenções de Fredi Kleeman e de Ziembinski. De um modo geral os pequenos e grandes papeis tiveram intérpretes exatos: Walmor Chagas, Marina Freire, Jorge Chaia, Sylvia Orthof, Leonardo Villar – todos formando o já famoso trabalho de equipe do TBC. Walmor (vocês vão aplaudi-lo em Volpone e Maria Stuart) (…) Em uma peça como Os Filhos de Eduardo não se sabe mais o que aplaudir, se o original insuperável, ou o elenco perfeito.”

Ney Machado, A Noite, 16.01.1956


Em meados de 1956 é a vez de Divórcio para Três, que seria o último espetáculo do TBC que teria Sylvia como atriz. Alguma coisa acontece em seu coração que irá levá-la, por um bom tempo, para longe do grupo, do teatro, do eixo Rio e São Paulo. É sua despedida, mas talvez ela ainda não saiba. Ou não tenha decidido ainda. Tanto que já havia sido reservado para ela um personagem na montagem seguinte, Casa de Bonecas, de Ibsen. Mas vamos por partes. Começando pela repercussão da peça de Sardou, Divórcio para Três, na imprensa paulista e carioca.


“No próximo dia 6 de junho teremos a volta de Cacilda Becker na comédia de Victorien Sardou (…) Divórcio para três, considerada o maior sucesso cômico de Cacilda no TBC, superior mesmo a Inimigos Íntimos e Os Filhos de Eduardo. Volpone está, portanto, condenada a ficar, tão somente, mais três semanas no Ginástico. É de se lamentar (e muito) que Volpone não faça uma grande carreira no Rio, pois esta farsa de Ben Jonson é um dos maiores espetáculos do TBC, tanto em peça, quanto em interpretação. Raramente a equipe do TBC atinge um rendimento tão grande como acontece em Volpone, onde cada ator traz o seu papel burilado como uma pequena joia e na qual o interesse do espectador não decresce um só instante nas duas horas de representação.”

“Divórcio para Três ficará quatro semanas em cena, fazendo tempo para a estreia da Casa de Chá do Luar de Agosto no Rio. Aviso aos navegantes: a montagem brasileira da Casa de Chá, de John Patrick, é cem vezes superior que a da companhia norte-americana levada no Teatro Municipal. O elenco de Divórcio para três será o seguinte: Cacilda Becker, Ziembinski, Fredi Kleeman, Luiz Linhares (32), Leonardo Villar, Elísio de Albuquerque (33), Fernanda Montenegro, Fernando Torres, Luíza Barreto Leite (34), Carminha Brandão, Sylvia Orthof, Jorge Chaia e Helio Colonna (35). ”

A volta de Cacilda Becker, A Noite, 14.05.1956


“Já está no Ginástico a peça de Sardou, Divórcio para três, último cartaz dessa série que precederá à apresentação no próximo dia 4 de A Casa de Chá do Luar de Agosto (…)”

Correio Paulistano, 8 de junho de 1956


“Victorien Sardou conquista um novo triunfo no teatro brasileiro. O primeiro, aconteceu há quatro anos, quando Alda Garrido encenou Madame Sans Gene, que ficou seis meses em cartaz no Rival. Agora é o TBC que nos apresenta outro clássico deste mestre da comédia do boulevard (…) Nesta sequência de fotos exclusivas para esta seção vemos Cacilda Becker e Fredi Kleman; Carminha Brandão e Sylvia Orthof, que fazem dois tipos deliciosos e, finalmente, Glauce Rocha, que esconde sua beleza e juventude para criar esse tipo de velha rabugenta, decididamente contra o divórcio. Destacam-se ainda no espetáculo do TBC: Fernanda Montenegro, Luiz Linhares, Elísio de Albuquerque, Helio Colonna e Fernando Torres.”

Ney Machado, A Noite, 18.06.1956


“Muita diversão nos espetáculos de Divórcio para Três no Ginástico dada a magnífica montagem que o TBC dispensou à peça de Sardou, também muito bem dirigida por Ziembinski. Cacilda Becker, Fredi Kleeman, Carminha Brandão, Luiz Linhares, Fernanda Montenegro, Fernando Torres, Sylvia Orthof e o próprio Ziembinski estão excelentes.”

Correio da Manhã, 26.06.1956


Divórcio para Três, hoje, no TBC, em reprise (…) poucos artistas daquela primeira encenação, lá mesmo na rua Major Diogo (…) No remonte que começará hoje por quatro semanas, Cacilda Becker, Fredi Kleeman, Ziembinski, Leonardo Villar, Dina Lisboa, Luiz Linhares e mais Fernanda Montenegro, Fernando Torres, Carminha Brandão, Sylvia Orthof, Sadi Cabral e Elísio de Albuquerque.

Correio Paulistano, 05.07.1956


Segundo a coluna “Ronda” do Diário da Noite, assinada por Mattos Pacheco, Ziembinski fez a leitura e distribuição de papeis para o texto de Ibsen, A Casa de Boneca, em outubro de 1955. A protagonista, Nora, nas mãos de Cacilda Becker; Leonardo Villar “tem a sua maior chance no teatro da rua Major Diogo, no papel de Kelmer. Ítalo Rossi, estreando no grupo, fará Dr. Rank. Sylvia Orthof será Madame Linde (…)”

Mas a vida – o destino? – escreve seu próprio roteiro e o coração, como sabemos, tem razões das quais até os neurônios duvidam. Alguns dias depois, nesse outubro de 1955, Sylvia declara ao mesmo colunista do Diário da Noite que estava apaixonada. “Sylvia Orthof confessou que está amando de verdade. Só não pode dizer quem, no momento. Coisa séria, a mais séria de toda a sua vida.”

Tão séria que ela toma uma das decisões seguramente mais difíceis da sua vida: abandonar o teatro para se casar.  O felizardo não é nenhum dos dois pretendentes que, segundo noticiaram os jornais, chegaram a ficar noivos de Sylvia, os atores Laércio Navarro (36) e Jayme Barcellos. Nem sequer era “do meio” o escolhido, mas sim um médico. Um médico baiano “amigo de artistas”.


“Minha mãe estava fazendo uma peça com Cacilda Becker no Rio e outro trabalho em São Paulo. Disse para Cacilda: “Estou cansada dessa vida de viagens do Rio para São Paulo. Quero casar, ter filhos e ter uma vida sossegada, muito diferente disso.” Cacilda respondeu: “Ah, então, você quer casar? Tem um médico que está dando em cima de mim e eu não quero nada com ele. Vamos sair juntos hoje, eu te apresento e você se casa com ele.” E, de fato, meus pais se apaixonaram, largaram tudo e foram morar em Nova Viçosa, um vilarejo de pescadores na Bahia.”

Gê Orthof, Correio Braziliense, 23.11.2014

Trude Orthof (mãe), Savio (marido), Gerhard Orthof (pai), Sylvia Orthof e Adalgisa Pereira Lima (sogra), novembro 1956

Casamento de Sylvia Orthof com Savio Pereira Lima, novembro de 1956


“Sylvia Orthof está de novo entre nós, despedindo-se agora de seus amigos cariocas: vai casar-se em outubro e abandonará o teatro.”

Tribuna da Imprensa, 14.08.1956


“Cacilda Becker reapareceu, no teatro de segunda feira do Canal 13, com Tio Vânia. A grande nota do espetáculo foi Sylvia Orthof, com trabalho seguro, apurado. Magnífico desempenho da atriz que estudou teatro em Paris. E que está nas vésperas de casar-se, com a ideia de abandonar o teatro. Seria uma grande perda. Fazemos votos que mude de ideia. No tocante ao teatro, é claro.”

Correio da Manhã, 28.07.1956


Casar é fácil, ainda mais quando se está apaixonada. Difícil é deixar o teatro. Quando termina o último espetáculo de Divórcio para Três, Sylvia chora. Não era só o fim de uma temporada, mas de uma carreira. Mas a virginiana está decidida. Seca as lágrimas, promove uma despedida de solteira em seu apartamento no edifício Cinderela, em São Paulo, anuncia nos classificados uma porção de móveis – “até sua geladeira Westinghouse” – e passa alguns dias no Rio antes de partir para o interior baiano onde vai morar. “E eu nem gosto de chocolate”, confessa entre sorrisos e lágrimas. Na tabela do teatro, deixa uma carta aos parceiros do palco:

Queridos amigos. Fui embora sem me despedir porque fiquei com medo de virar manteiga derretida e o adeus doe demais. Nunca esquecerei o carinho com que fui tratada no meu último dia, por mais filhos que eu crie, por mais cocos que eu plante. Devo casar em novembro e espero ter vocês comigo no dia do “enforcamento”. Até lá, mandarei notícias. Beijos saudosos da Sylvia.


“Sylvia Orthof vai se casar mesmo, mas não vai morar em Salvador. Vai para o interior, como autêntica pioneira.”

Ronda, Mattos Pacheco, Diário da Noite, 11.06.1956


O casamento se realiza em novembro. Os padrinhos são Fernando Torres e Carminha Brandão, que estavam com Sylvia e Cacilda na noite em que ela conheceu o futuro marido, Sávio Pereira de Lima. Meses depois, já instalados em Nova Viçosa, município do interior da Bahia, o casal só tem motivos para festejar.

“Atores para o futuro: Sylvia Orthof espera a visita da cegonha.”

Tribuna da Imprensa, o3.04.1957


A primeira filha do casal, Claudia Orthof, está chegando!



Terra de São Salvador

Conhecida como o maior manguezal da Bahia, “o paraíso dos caranguejos”, Nova Viçosa é repleta de belezas naturais: “resquícios da mata atlântica preservados, praias e ilhas como Abrolhos, Barra Velha, Coroa Vermelha”. A cidade turística se orgulha de ter tido célebres moradores como o arquiteto Zanine Caldas (37), Frans Krajcberg (38), o escultor da casa na árvore, e a escritora Sylvia Orthof. Quando o jovem casal chega pra ficar, em 1956, o lugar ainda se chama Marobá. E é nessa aldeia de pescadores, na época com 1100 habitantes, que Sylvia começa a lidar com o universo infantil, experimentando a arte do teatro de bonecos feitos com materiais da região, como a palha e o sabugo do milho. Na plateia, crianças e pescadores. Provavelmente ela ainda não sabia, mas o teatro voltava de mansinho a sua vida. A verdade é que pode-se deixar o teatro, mas o teatro nunca deixa você. Se um dia ele passou pela sua vida, ele a seguirá para onde quer que vá.

(…) Sávio era médico e aventureiro. Fomos morar no sul da Bahia, onde tudo era aventura! Praias longas e desertas, uma casinha de operário. Não tínhamos telefone. A luz elétrica era apagada às 18 horas (…) Que diferença da vida de televisão e teatro! (…) Em frente da nossa casa havia uma enorme gameleira. À noite, os mosquitos traziam malária e os morcegos caçavam mosquitos, tudo dentro da nossa casa.

Claudia, minha filha, morou lá, ainda bebezinha. Fui ao Rio só para o nascimento de Claudia, depois voltei com ela viajando de Caravelas para Nova Viçosa num barco pequenino, a motor. Viajávamos de sombrinha aberta, por causa do sol. Claudia completara somente um mês de idade. Pegou malária, um horror. Mas ficou boa, forte, alimentada com suco de caju e carambola. Eu ficava com Claudia, sozinha, enquanto Savio viajava, metido no negócio de peixe e sendo o único médico do lugar. Às vezes, muitas, eu abraçava a minha filhinha, com medo daquela solidão, e íamos até o cais. Depois, passávamos na pensão de dona Adélia, onde Claudia ganhava suco de caju para beber. Naquele tempo não se acreditava na força do leite materno (…) Mas Claudia resistiu e virou um bebê sorridente, alegre.

Ali, à luz de lampião, comecei a rabiscar poesias, pequenas histórias. Inventamos, a professora do lugar e eu, um teatrinho feito de sabugos de milho. No atrasado da “pedagogia”, as crianças que tivessem tido nota baixa, recebiam um cartaz, preso num barbante, amarrado no pescoço, dizendo que eram crianças vadias. Com aquele cartaz humilhante, visitavam, à força, os três estabelecimentos comerciais: o armazém, o armarinho e a quase-farmácia. Tentei dizer que aquilo não estava certo, mas ninguém me escutava. Ali era assim, e pronto.

Sylvia e a filha Cláudia Orthof, em Nova Viçosa, Bahia, 1953


Não deve ter sido fácil. No início, Sylvia e Sávio tinham a companhia de um casal amigo e companheiro de aventuras: Mariath, o comandante, e Santinha, “muito bonita, jovem”. Ele pilotava um Cessna, “que transportava peixe de Nova Viçosa para Governador Valadares e alhures”. Mas Santinha, a esposa, que seguiu com eles naquela “doideira”, acaba desistindo, “o que não era de admirar”. Mas toda experiência é válida “quando a alma não é pequena”. No caso de Sylvia, como valeu: o reencontro com o teatro, a descoberta da escrita, o nascimento da filha.

Meus pais eram muito sonhadores (…) Foram eles que levaram para Nova Viçosa o Zanine, o Krajcberg. Minha mãe ficou grávida, mas a minha irmã mais velha pegou malária e desconstruiu o projeto. Eles voltaram para o Rio, mas um amigo do meu pai falou em Brasília e eles vieram para cá. Minha mãe era diretora de teatro e meu pai médico. Ele nunca teve consultório, sempre trabalhou com saúde pública. Era diretor do Hospital de Base.”

Gê Orthof, Correio Braziliense, 23.11.2014


De Nova Viçosa o casal vai para Petrópolis, terra natal de Sylvia. Uma passagem rápida, de um ano e meio, tempo suficiente para terem o segundo filho, em 1959. Gê Orthof tem um ano de idade – e Claudia dois – quando o jovem casal ruma para Brasília no tempo da inauguração da nova capital do Brasil sonhada por Juscelino. Uma nova cidade, recém-construída no meio do cerrado, atrai o espírito aventureiro do jovem casal, “que viveria a vida dos candangos pioneiros” e teria seu terceiro filho, Pedro, em 1960.

“Brasília está ligada historicamente a Pirenópolis desde que a Missão Cruls (39) usou a cidade como base para fazer o relatório de demarcação do Distrito Federal, no fim do século 19. Ainda no começo dos anos 1960, pioneiros de capital começaram a frequentar Piri. A escritora Sylvia Orthof, por exemplo, gostava de levar os amigos para passear na cidade. Com a kombi do arquiteto Zanine Caldas, enfrentavam várias horas de viagem pelas estradinhas de terra, uma verdadeira aventura. Na década de 1970, foi a vez dos hippies, que fundaram comunidades na região. Muitos brasilienses, a partir dos anos 1980, compraram casas antigas e restauraram, fazendo da cidade o seu segundo lar (…)”

Zuleika de Souza, O sangri-la dos candangos, Correio Braziliense, 17.06.2012


“Anos atrás, nenhuma cidade do país era como Brasília. As pessoas chegavam por aqui sem saber endereço do trabalho ou de casa. Havia naquela época uma solidariedade natural entre os moradores. Quem chegava antes ensinava o caminho das pedras e do barro para o outro. Kleber Farias Pinto foi quem me deu carona do aeroporto para o cerrado que hoje é o Setor das Indústrias Gráficas. Ali seria o Correio Braziliense. O revezamento para as caronas do aeroporto para o que seria o centro era natural. Quem podia ia para lá aguardar os novos moradores. As mulheres de diferentes profissões se uniam. Lourdes, que era enfermeira, ajudou no parto da amiga Neide, quando essa deu à luz Zuleika. Golda Pietrikovski e Sylvia Orthof, depois do trabalho, faziam teatro (…)”

Ari Cunha, Cooperação quando nascia Brasília, Correio Braziliense, 29.10.2013


“Cheguei em Brasília em 1960, com um ano, antes da cidade nascer. A imagem mais forte é a da poeira. Era muita terra vermelha envolvendo a Catedral Metropolitana, a Esplanada dos Ministérios. Morava na 106 Sul, ao lado do Cine Brasília. Minha mãe providenciou um banheiro na entrada, tinha um chuveirinho, a gente entrava com roupa e tudo para lavar a poeira. Saía um caldo alaranjado. As primeiras lembranças são a terra, o espaço aberto, o vazio. O meu estar no mundo tem a ver com essa experiência do vazio. Era a coisa mais impressionante (…) Brasília é para os fortes. Não recomendo para quem não estiver bem da cabeça. Mas, para quem está bem, é a melhor cidade do mundo. Os vazios te permitem um mergulho no que você quer, no que você sonha. Brasília ajuda a este embate e te obriga a tomar decisões essenciais sobre a tua vida (…) Se você estuda a história da arte, constata que só podia ser no silêncio que os artistas se deparam com as questões fundamentais.”

Gê Orthof, Correio Braziliense, 23.11.2014


“No princípio era o ermo
Eram antigas solidões sem mágoa.
O altiplano, o infinito descampado
No princípio era o agreste:
O céu azul, a terra vermelho-pungente
E o verde triste do cerrado.
Eram antigas solidões banhadas
De mansos rios inocentes
Por entre as matas recortadas.
Não havia ninguém.”

Vinícius de Moraes e Tom Jobim, Sinfonia da Alvorada



Brasília à vista

Hoje foi um dia em que danei de escrever. Levantei às quatro da manhã, aproveitei o silêncio e fui deixando a palavra escorrer. Depois, baixou o sono, cochilei, retomei a tarefa e confesso que sinto um prazer infantil em pular amarelinha na calçada da memória.

Penso em Brasília, onde fui morar com Sávio, meu primeiro marido, pai de Claudia, Gê e Pedro (…)

Sávio tinha sido médico dos filhos do presidente João Goulart. Depois de Nova Viçosa, numa passagem de um ano e meio por Petrópolis, onde nasceu Gê, fomos para Brasília, em 1960, no tempo da inauguração.

Com Golda de Oliveira, boa amiga, fizemos o Teatro do Candanguinho na TV Brasília, com fantoches. Comecei a tomar gosto e escrevia textos para bonecos, em 1960 e 1961 (…)


“Sylvia Orthof está em Brasília, casada e com dois filhinhos, com muita vontade de voltar à ativa, se lhe derem uma oportunidade. Quem se habilita?”

Radiolândia, nov. 1960


“Foi espetacular o sucesso alcançado do Teatro do Candanguinho apresentado pela TV Brasília, sob a direção e com apresentação de Sylvia Orthof e Golda de Oliveira. Amanhã novamente (…) apresentará O Casamento de Dona Baratinha, estando convidada a petizada da Cidade do Céu. Sylvia e Golda merecem os nossos aplausos…”

Correio Braziliense, 20.10.1960


“Sexta, em Brasília, as crianças já têm um divertimento sadio e de bom nível. É o Teatro do Candanguinho, o último lançamento da TV Brasília. O estúdio fica lotado, e o trabalho de Golda Oliveira e D. Sylvia Orthof comprova a classe de um excelente espetáculo para crianças.”

Ari Cunha, Correio Braziliense, 30.10.1960


“Vem despertando e alcançando grande sucesso o Teatro do Candanguinho apresentado todas as sextas no auditório da TV Brasília (19h), pela simpaticíssima senhora Sylvia Orthof Lima.”

Katucha, Correio Braziliense, 19.11.1960


“A festa folclórica promovida em benefício da Casa do Candango (…) superou em muito a expectativa dos seus próprios organizadores. O local onde estavam instaladas as barracas com representações de todos os estados apresentava, cada uma delas, pratos e artigos regionais (…) A Bahia…com seis estilizadas baianas pra vender acarajé, vatapá, caruru, abará (…) Alagoas com um grande letreiro: vendemos armas e munições… Minas Gerais trouxe o “leite de onça” e a do Território do Acre, com moças em trajes típicos daquela região à moda de seringueiro, vendeu também muita coisa (…) o Maranhão com o seu coco babaçu e redes… Finalmente vimos a barraca de Brasília (…) um bonito e simpático conjunto da sociedade brasiliense: Sylvia Orthof, com o seu bonito sorriso, senhora Antonia de Almeida, um amoreco. Magaly com o seu charme. Delza Zanini com sua simpatia e por aí afora (…)”

Katucha, Correio Braziliense, 28 de junho de 1961


“Amanhã é dia de levar a criançada na TV Nacional. Script, direção, produção e confecção dos bonecos são realizações de Sylvia Orthof, Golda de Oliveira e Lourdes Cunha, encenadas através do Teatro do Candanguinho.”

Irene de Bojano, Sociais de Brasília, Correio Paulistano, 25.05.1961


Foi um belo começo. E a receptividade, tanto da imprensa, quanto do público, se mostrou à altura do trabalho realizado. Entusiasmados, Sylvia e seus colaboradores planejam estrear uma nova fase de seu “teatro de Fantoches”, quando não apenas as crianças serão beneficiadas, mas também os adultos. Um tipo de teatro “muito pouco usado entre nós, e que permite todas as fantasias, o irreal, a poesia e também o humor e a sátira política”. Sylvia pensa em Sonho de uma Noite de Verão, em Garcia Lorca e até em peças modernas, sempre contando com a colaboração da Fundação Cultural.


“Mas vamos aos programas infantis (…) Parece que o teatrinho estreará no dia 5 de agosto (…) As três primeiras peças serão O Chapeuzinho Vermelho, A Bruxa e o Vendedor e A Sopa de Raios de Lua. Perguntei porque novamente o eterno Chapeuzinho Vermelho. Respondeu que as crianças pedem o conto que conhecem e apreciam até hoje.  As outras histórias contam a história de uma bruxa que não pagava as dívidas e, evidentemente, acabou boazinha e a de outra bruxa que recebia um raio de lua para cada boa ação. Sylvia Orthof pensa num concurso para cenários. Quer que as próprias crianças façam cenários simples que serão aproveitados. Excelente ideia da qual falaremos novamente (…)”

Yvonne Jean, Fantoches, Correio Braziliense, 15.07.1962


Uma nova cidade, uma família feliz, o retorno aos braços de uma antiga paixão, o teatro, tudo concorre para que Sylvia siga de vento em popa na flor do cerrado. O encantamento é mútuo: Brasília também admira a mulher do sorriso bonito e reconhece e aplaude seu imenso talento para as artes. Alguns até sentem ciúme desse cartaz…


“Do amigo Castejon Branco, superintendente da Fundação Cultural do Distrito Federal, recebemos a carta “dai a Cesar o que é de Cesar”: “Meu caro Sergio: Li em sua coluna os justos elogios que fez ao Teatro de Fantoche de Sylvia Orthof. É, realmente, um trabalho de grande mérito, que se tornou possível graças ao esforço e entusiasmo de seus realizadores. Reclamo apenas em sua notícia o acréscimo de que o teatrinho de Sylvia é realizado sob os auspícios da Fundação Cultural do DF, da qual Sylvia Orthof é uma das mais eficientes colaboradoras (…)”

Correio Braziliense, 11.05.1963


“Constitui-se um grande sucesso o Festival do Teatrinho de Fantoche, realizado domingo, no Cine Teatro Cultura, sob os auspícios da Fundação Cultural e direção de Sylvia Orthof. O espetáculo foi em benefício das crianças excepcionais do Centro de Recuperação Sara Kubitschek.”

Katucha, Correio Braziliense, 05.06.1963


“Hoje, às dez horas, no Cine Cultura, as crianças que residem em Brasília terão o grande acontecimento: Teatrinho de Fantoches da senhora Sylvia Orthof, também em benefício da Paróquia G. G. Sul.”

Correio Braziliense, 16.07.1963


“Sylvia Orthof, a tiriteira da Fundação Cultural, anuncia três espetáculos de fantoches: um no Jardim de Infância da Caixa Econômica, no próximo dia 7, e dois outros na Escola Parque e no Jardim de Infância de IPASE. Os assuntos das suas peças escolhidas são ótimos: uma é O Médico à Força, de Molière, adaptado para a criançada sob o nome de Doutor Apanha Apanha. (…) A segunda peça chama-se O Anjinho Preto e é de autoria de Sylvia Orthof, sendo uma peça contra o racismo, o que é sempre útil, no momento mais do que nunca é bom apresentar o problema aos pequenos, desde cedo, através dos fantoches que compreendem. Aliás, a Fundação Cultural merece aplausos por ter resolvido começar a percorrer os jardins de infância do Distrito Federal. Esperemos que (…) sejam anunciados aos outros jardins do Plano Piloto e em todas as cidades satélites que não têm jardins de infância (…) Muitas crianças pequenas que precisam de teatro.”

Correio Braziliense, 03.10.1963


“O Teatro de Fantoches da Fundação Cultural do Distrito Federal recomeçou as suas atividades, sob orientação de Sylvia Orthof, que comandou o primeiro Teatro do Candanguinho juntamente com Golda de Oliveira e Lourdes Cunha.”

Katucha, Correio Braziliense, 12.04.1964


“Será realizado hoje na Escola Parque uma bonita Festa Junina e um concurso de Miss Caipira entre os alunos. A festa está marcada para às 15 h e será comandada pelos professores Zoé Guimarães, Ziza de Oliveira, Branco Rabelo, Sylvia Orthof (…)”

Katucha, Correio Braziliense, 13.06.1964



Meia Volta, Volver

Chegamos a 1964. Depois do golpe desferido no último dia de março, os militares já estão no poder. Em outubro, com as festas do final do ano se aproximando, Sylvia está à frente de um novo projeto: um Auto de Natal segundo São Lucas. Através dos jornais, fazem um chamado em busca de atores e atrizes com vontade de atuar, “mesmo sem experiência teatral anterior”. Com a “assistência litúrgica” do Monsenhor D’Ávila e a colaboração de vários nomes da sociedade, Sylvia dá início à preparação do espetáculo em benefício do Centro de Reabilitação Sarah Kubitschek. Ela não para. Além das atividades culturais e pedagógicas, volta e meia recebe para jantar os amigos que vêm do Rio e de São Paulo para se apresentar em Brasília.


“Após a última seção da excelente peça Grande Mentiroso, na Escola Parque, os protagonistas Nathalia Timberg e Sergio Britto (ambos magníficos na interpretação) foram recebidos na residência do casal Savio Pereira Lima, juntamente com pequeno grupo de amigos para uma reunião. Sylvia Orthof, como perfeita hostess, ofereceu aos convidados gostosíssima ceia e o bate papo prolongou-se pela noite adentro. Presentes, o diretor de cena Antonio de Cabo, seu assistente, Renato Machado, o diretor de produção Paulo Lima Osvaldo França e senhora (…) A anfitrioa em original estampado aproveitou o ensejo para apresentar o seu caçulinha (um amor de bebê) que acordou alegre na madrugada que já ia em maio…”

Katucha, Correio Braziliense, 11.10.1964


Formado o grupo, começam os ensaios. A dedicação de Sylvia, como sempre, é contagiante e atinge a própria família. No elenco, lá está o próprio marido, o doutor Sávio Pereira de Lima! Vale ler a coluna O ensino no dia a dia, que nos oferece um relato interessante e rico de toda essa aventura.


“O teatro cristão medieval nasceu na própria Igreja, em plena missa, pois o clero queria tornar o ofício divino mais vivo e compreensível ao povo, que não entendia o latim. Criaram intermédios piedosos para os quais chegaram a fazer verdadeiras encenações teatrais que falavam à imaginação. Assim, em Rouen, por exemplo, ergueram uma creche gigante atrás do próprio altar e no dia de Natal um anjo anunciava à Virgem a Natividade, pastores atravessavam a Igreja e o anjo lhes dizia uns versos de São Lucas… Pararei nas palavras São Lucas em vez de prosseguir a descrição dos mistérios, milagres, autos, jogos da Europa medieval (…) e saltarei no tempo e no espaço para chegar a 1964, em Brasília, e ao Auto de Natal segundo São Lucas que um grupo teatral ensaia para realizá-lo na Igreja Santo Antonio, no próximo dia 24 de dezembro.

“Naquele região havia pastores que viviam nos campos e guardavam seus rebanhos durante as vigílias da noite”, disse São Lucas. “Um anjo do Senhor apareceu-lhes…encheram-se de grande temor. Disse-lhes o Anjo: Não temais, pois eu vos trago uma boa nova…é que nasceu, na cidade de David, um Salvador…’ E uma multidão da milícia celestial apareceu com o anjo, e o povo ficou encantado e os pastores começaram a viagem até Bethleem…” Eis o início (…) tão teatral que dele surgiu um Auto de Natal que os Cadernos de Teatro de Maria Clara Machado publicaram e que entusiasmou um grupo de amadores brasilienses. Estavam procurando um meio de ajudar a Sala de Cirurgia do Centro de Recuperação Sarah Kubitschek, uma das mais belas e úteis instituições de Brasília, que precisa de muita, mas muita ajuda material (…) Pediram a Sylvia Orthof que dirigisse. E, no meio do entusiasmo de todos, começaram os ensaios.

Qual seria o palco? O texto sugeria a própria Igreja, como nos tempos idos em que a fé mandava. A Igreja Santo Antonio é maior que as Igrejinhas e tem melhor acústica que a catedral inacabada. Pediram licença a Monsenhor D’Ávilla, que responde pelo senhor Arcebispo de Brasília, atualmente na Itália onde foi participar do Concílio Ecumênico. Sensível à tradição dos mistérios, Monsenhor achou a ideia excelente, inclusive a de vender entradas para angariar fundos para uma bela instituição. Distribuíram-se os papeis aos atores.

(…) O bem intencionado grupo de amadores, dirigido pela profissional Sylvia Orthof, teria a ajuda do próprio coordenador do Instituto de Arte da Universidade de Brasília (…), que se ofereceu para criar os cenários, o que já garante bom gosto – e do Coral de Brasília que talvez conseguiria a participação da própria assistência ao Auto, no dia de Natal, para que cantasse, com o coro, o Magnificat (…)”

Yvonne Jean, Correio Braziliense, 22.10.1964


Pausa para reflexão. Sim, é verdade. Sylvia Orthof nasceu judia, filha de pais austríacos, no Hospital dos Estrangeiros. (40) Mas não fazia a menor ideia das suas verdadeiras origens. Tanto que, “no tempo do primeiro ano da escola”, pediu a mãe para ser batizada. “Uma coleguinha me explicou que, quem não era batizado, ia para o inferno (…) um lugar com diabos e garfos de ferro em brasa que espetam”. A mãe concordou -“religião, cada um deve escolher a sua” -, mas o pai não compareceu ao batizado. Só mais tarde, “por volta dos treze anos”, ela entendeu o motivo ao ouvir a mãe dizer “nós, os judeus…”


“- Mãe, que coisa fantástica! Nós somos judeus? (…)

– Agora vai fingir que não sabia? (…)

Por isso meu pai havia se oposto ao batismo? Por isso a família – pais, tios, avós – fugiram da Europa? Nunca haviam me explicado! Foi assim que, apesar de judia (…), eu me tornei católica apostólica romana e tive um nó na cabeça para sempre. Hoje, quando estou aflita, nem quero saber: entro numa igreja e rezo (…) Só que num dia, o primeiro, em que entrei numa sinagoga, senti uma grave emoção (…) Hoje resolvi o problema: sou judia católica e pronto. As raízes hebraicas estão aí, tal como no Velho e Novo Testamento.

Hoje compreendo meus pais: o medo da guerra. Eram estrangeiros no Brasil. Nunca me esconderam o fato, achavam que eu sabia (…) E como é que eu poderia imaginar que éramos judeus se festejávamos o Natal (…) Eu tinha paixão pelo brilho do pinheiro enfeitado (…) Foi assim aquele Natal em que meus tios e tias, em volta de uma ceia e de uma árvore, emocionados, cantavam a Noite Feliz… e eram judeus e refugiados e sofriam (…) A árvore simbolizava os pinheiros de além-mar, muito longínquos (…)


De volta ao Auto de Natal segundo São Lucas, a opção visual da diretora desperta polêmica. Seguindo a recomendação do responsável pela adaptação do texto, Otávio Lins – “nem encenação nem figurinhas adocicadas e sim um ambiente despojado” -, Sylvia cria figurinos atuais, com o povo e os anjos falando “ao coração de todos”. Apesar da total aprovação do Monsenhor D’Ávila, muitas mães fecham o tempo, causando o maior reboliço no Centro de Recuperação Sarah Kubitschek, onde estão sendo realizados os ensaios.


“(…) existem senhoras mais católicas que o Papa e muito menos imbuídas da verdadeira tradição litúrgica medieval: ” Se anjos e pastores vestirem trajes modernos, minhas filhas não trabalharão!”,  disse uma delas enquanto outra foi ainda mais incisiva: “Se for esta palhaçada não darei licença aos meus filhos para dela participar!” Uma anarquia avessa a qualquer disciplina teatral interrompeu o ensaio seguinte, pontuado por gargalhadas, gritos, “bagunça” premeditada. A diretora pediu que os anjos muito pouco angélicos saíssem e a barulhada continuou no jardim, apesar da vizinhança dos doentes no centro que é um hospital. O ensaio prosseguiu e a Virgem Maria terá um lenço na cabeça em vez de um véu, e que a tornará muito mais próxima, ainda, das mães atuais; e os pastores serão adolescentes de hoje que melhor seguiremos na sua peregrinação de que jovens de outros tempos em trajes adocicados deturpados por anos de falsa tradição supliciana…

Não podia deixar de contar o ocorrido, primeiro para apoiar a iniciativa do Auto. Segundo para lamentar a atitude dos jovens ex-atores que mães mais ortodoxas que os próprios padres da mística Idade Média e mais exigentes que as autoridades da Igreja (provavelmente por não conhecerem tão bem as exigências da fé e confundirem verdadeira e falsa devoção, arte e são suplicianices, fé e tartufaria) levaram para um caminho lamentável; mães que, sem dúvida, compreenderão seu erro humano pelo qual farão seu mea culpa ao entoarem, no ambiente de respeito criado pelo Auto na Igreja Santo Antonio, em dezembro próximo, o mais belo dos Magnificat (…)”

Yvonne Jean, Correio Braziliense, 22.10.1964


Apesar do bafafá, o espetáculo acontece e é um sucesso. Já na véspera os ingressos se esgotam para a première. Com a participação do Coral de Brasília e a bênção do Arcebispo, o Auto de Natal estreia em 27 de novembro na Igreja de Santo Antonio com Thereza Borba Gallo como o Anjo Gabriel, o ator, coreógrafo e mestre da arte culinária do Iate Clube, Jack Sidney, como um dos Reis Magos – “não diz uma só palavra, mas comove” -, João Salles de São José e Savio Pereira Lima de barba crescida interpretando o Profeta Isaías.

“Muito comentado o espírito de disciplina dos alunos do Colégio La Salle que interpretarão os mercadores e viajantes (…) Sylvia Orthof muito nervosa com a estreia do espetáculo, sob sua direção, para que saia tudo correto. (Não tenha medo, Sylvia, porque tudo em suas mãos sai sempre magnificamente)… (…)”

Katucha, Correio Braziliense, 26 de novembro de 1964


Em fevereiro de 1965, o Correio Braziliense anuncia o fim do Teatrinho de Fantoche e noticia que Sylvia – “sra. Savio Pereira Lima” – está escrevendo um livro sobre o assunto. Como todo fim sinaliza um novo começo, tem início um movimento para que Brasília tenha seu “teatro permanente de amadores” e a “professora Sylvia Orthof”, da Universidade de Brasília, é um dos nomes convocados. “Havemos de fazer do nosso teatro permanente de amadores um segundo Teatro de Amadores de Pernambuco, que congrega o que há de melhor na arte teatral e que tem se exibido em todo o Brasil com êxito notável.” (41)



Caravelas e Severina

Idealizado pelos fundadores da Universidade de Brasília, Darcy Ribeiro e Anysio Teixeira, o Centro Integrado de Ensino Médio – CIEM – funcionou de 1964 a 1970. Uma escola de aplicação de ensino público e integral com uma proposta inovadora de educação até hoje lembrada. “Os alunos tinham acesso a conteúdos variados e a atividades extracurriculares”, como música e teatro.


“(…) Sylvia Orthof é artífice da primeira fase do teatro brasiliense. No âmbito fervilhante da Universidade de Brasília (UnB) ela arregimentou pessoas para pensarem e fazerem teatro numa cidade que se esboçava como capital do poder (…) Entre os grupos formados por Sylvia estava o TEMA (Teatro de Máscaras do CIEM). Vinda com a experiência do TBC, ela circulava como uma rainha numa terra sem referências teatrais e com as primeiras iniciações ligadas à cultura popular e a um teatro mais genuíno. Estavam em torno dessa usina de ideias Murilo Eckhardt (42) e Golda Pietricovsky. (43) Juntos, fariam os primeiros experimentos de teledramaturgia na tevê brasiliense, o Teatro Candanguinho (…) Com Sylvia, o teatro brasiliense nascia sintonizado com a modernidade. Havia a preocupação com a pesquisa em sala de ensaio e com o estudo da gestualidade (…)”

Sergio Maggio, Sylvia Orthof enfrentou os generais para fazer teatro em Brasília, Metrópolis


“O CIEM, que deve ter reiniciado suas aulas ontem ou hoje, inclui, entre seus diversos (…) cursos de práticas vocacionais  (…), um curso de teatro. Sylvia Orthof, que se encarregou deste curso anuncia, para 5 de dezembro, a estreia do grupo com Os Sinos de Natal, de Lucia Benedetti. Não conhecemos a peça, mas podemos de antemão dar um crédito de confiança à pioneira do teatro infantil no Brasil, autora de Simbita e o Dragão, O Casaco Encantado, A Menina e as Nuvens, Josefina e o Ladrão, Branca de Neve, a Princesa dos Cabelos de Prata, Joãozinho Anda pra Trás. Os ensaios prosseguiram durante todo o período em que os cursos regulares foram fechados, pois quem começa a mergulhar nas descobertas, alegria, dramas (…) do teatro amador fica tão entusiasmado que ensaio acaba substituindo qualquer divertimento ou descanso (…)”

Yvonne Jean, O ensino do dia a dia, Correio Braziliense, 30.10.1965


“Foi uma festa muito animada a do Congraçamento no CIEM. A organização da tarde de alegria esteve sob o comando da professora Sylvia Orthof que apresentou, como convidado de honra, o conhecido poeta Euricledes Formiga (44), que encantou a rapaziada com o seu espírito jovial e simpático (…) Além do Formiga, foram apresentados números de Zorba, Bossa nova, Jogo do Saco, etc. O grupo de teatro do CIEM vai apresentar a peça Joãozinho Anda pra Trás, de Lúcia Benedetti, dirigido por Sylvia Orthof Pereira Lima. O grupo de teatro pretende apresentar a peça nas cidades satélites, Cidade Livre e outras. A estreia – 1 de dezembro. A animação dos alunos é grande, querendo levar um pouco de alegria às crianças esquecidas das vizinhanças do Plano Piloto… ”

Katucha, Correio de Brasília, 08.10.1965


“(…) Acabamos de saber que O Cavalinho Azul, de Maria Clara Machado, também será representado entre nós, desta vez pelo grupo de alunos do CIEM que escolheu entre as práticas educacionais o setor teatro. A coordenadora de Arte Cultura e Recreação educativas (ACRE) do CIEM, Sylvia Orthof, escolheu a peça por ser ela tão poética e por atender aos anseios de tantos jovens (…), dando a eles oportunidades de expressão e trabalho em grupo (…)

Não serão tão somente atores. Haverá todos os técnicos: aqueles que escolheram como prática educacional a arte plástica idealizarão e realizarão cenários e roupas; os de tendência mais técnica cuidarão da iluminação, colocação dos cenários, etc, etc participando da educação através do teatro, fonte de tantas atividades diversas que une.

Reginaldo de Carvalho, que compôs a música para do O Cavalinho Azul do Tablado, está sendo esperado, durante a Semana Santa, pois prometeu trazer a fita gravada e dar toda a sua ajuda para o preparo desta parte do espetáculo.

Os alunos iniciaram as leituras da peça e pensam em participar, em julho, do Festival de Arcozelo, que reunirá, por iniciativa de Paschoal Carlos Magno, teatros de estudantes de todo o país, na grande fazenda do Estado do Rio (…)”

Yvonne Jean, Esquina de Brasília, Correio Braziliense, 02.04.1966


O Teatro de Máscaras – TEMA  – é formado por alunos do Centro Integrado de Ensino Médio e da Universidade de Brasília. Cerca de 14 atores (o mais velho com 20 anos) e 15 membros da equipe técnica, entre maquiadores, figurinistas, cenógrafos, costureiros, montadores de cenários. Há também o coral masculino, que conta com o apoio do Departamento de Música da UnB e se apresenta sempre que o teatro acontece. Todos cheios de sonhos para o futuro: apresentações regulares ao longo do ano, encenação de peças de autores brasilienses e excursões a outros estados para “mostrar lá fora o que a juventude de uma cidade nova pode realizar no campo da arte e da cultura”. Um projeto que se inicia com a ida a Arcozelo, onde esperam obter o reconhecimento capaz de impulsioná-los rumo ao Brasil e, quiçá, ao mundo.

“Com a encenação do espetáculo As caravelas, de Sylvia Orthof e Santiago Naud (45), o Teatro de Máscaras – TEMA -, o primeiro que se forma nesta capital, deverá se apresentar na Aldeia, em Arcozelo, no próximo dia 18, a convite do Embaixador Paschoal Carlos Magno, como parte do Festival de Poesias Vanguarda. No seu retorno de Arcozelo, o TEMA apresentará novamente As Caravelas no Teatro Martins Penna ou no Auditório Dois Candangos.”

Correio Braziliense, 05.07.1966


“Sério, mas muito sério mesmo, o trabalho do TEMA do CIEM. Ensaiam, diariamente, o espetáculo As Caravelas sob a direção de Sylvia Orthof. A viagem do Teatro de Máscaras para Arcozelo está marcada para hoje. Estrearão no dia 18, na Aldeia de Paschoal Carlos Magno, representando a juventude de Brasília no Festival de Arte.

(…) secretário de Educação, ao ouvir o apelo do TEMA do CIEM para ajudar as Máscaras gracejou: “E um Colombo pode deixar de ingressar numa caravela?” O diretor de Turismo ofereceu 300 cartazes para o grupo do CIEM.  Os jovens estão radiantes.

As Caravelas é um espetáculo esplêndido de poesias com textos de Jorge Lima, Camões, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Florbela Espanca, Cassiano Ricardo, Santiago Naud, Ascenso Ferreira, Fernando Pessoa e Gil Vicente. Todos relacionados com as conquistas marítimas portuguesas e com a conquista do solo brasileiro pela gente luso-brasileira. As canções, de João Luiz e Hugo Almeida, já estão prontas e lindíssimas. Bico é o diretor de música e regente do Coral (…)

Sylvia Orthof está radiante com o grupo: “O trabalho mais importante é este, que estamos fazendo. Os ensaios diários, a luta para melhorar. Todos os intérpretes são muito jovens e serão a plateia de amanhã. Eles estão aprendendo a amar os textos, a conhecer Camões e Gil Vicente, a conviver com os grandes autores (…) Os jovens estão crescendo através do teatro e isso é uma grande experiência”. Na volta de Arcozelo  a simpaticíssima Sylvia nos promete representações em Brasília. Boa viagem, minha cara amiga, e muita sorte.”

Katucha, Correio Braziliense, 13 de julho de 1966


Tudo estava preparado para a partida do grupo “no ônibus ziriguidum, talvez lento e pouco confortável, mas que anda e foi escolhido com entusiasmo”. Contudo, a notícia de que a verba esperada e que lhes fora prometida não seria entregue surpreende o grupo em sua reta final. “Apesar da ajuda substancial por parte da Universidade de Brasília, a importância reunida não basta para garantir a viagem até o longínquo estado do Rio”. Faltam 2 milhões de cruzeiros – exatamente o valor que lhes foi prometido pelas fontes oficiais. Em sua coluna Esquina de Brasília, Yvonne Jean faz um apelo.


“Descrevemos, noutra página deste jornal, o papel positivo dos 22 clubes do CIEM em que os secundaristas se dedicam, três vezes por semana, a atividades complementares de toda espécie, que escolhem, planejam e executam com uma seriedade às vezes profissional e uma alegria que faz bem à alma do observador. Um destes clubes é o TEMA (o Teatro de Máscaras do CIEM) que não congrega seus membros três tardes por semana e sim todas as noites da semana durante as quais trocam descanso, cinema, esporte e tudo o mais pelos exaustivos ensaios que o teatro requer.

Dirigidos pela professora Sylvia Orthof, preparam um texto (…) que descreve as caravelas nascidas da fé dos navegantes atravessando ventos e tempestades para que o Brasil pudesse nascer. “Estamos todos (uns 40)  encarando o nosso trabalho com máxima seriedade”, declarou-nos um dos componentes do grupo teatral, “como se fôssemos profissionais”. E como profissionais repetem e repetem a mesma fala, e ensaiam luz e som, e obedecem a coordenadora do espetáculo, com a humildade e paciência do verdadeiro ator.

Preparam-se para a ida à Aldeia de Paschoal Carlos Magno (…), onde, a partir de 13 de julho (…), Festivais de Teatro, Ópera, Jazz, Dança, Cinema, recitais de música, exposições, reunirão jovens de todo o Brasil em julho. O dia 18 de julho será dedicado ao espetáculo dos estudantes de Brasília (…)

Faz pena ver o desânimo dos jovens tão entusiastas e disciplinados (…) Merecem apoio. Por isso permitimo-nos pedir à Secretaria de Educação e a Fundação Cultural que ajudem estes jovens, pois nada é mais contraproducente que o cortar das asas de um entusiasmo surgido de uma tarefa coletiva em torno da arte. Estes jovens de Brasília devem fazer sua viagem, ter contatos com grupos de outros Estados e iniciar suas férias de julho sob o signo do teatro, da camaradagem estudantil, do espetáculo, da longa e alegre viagem.

Ignoramos os impedimentos que surgiram à última hora em torno da remessa dos dois milhões prometidos. Pedimos, de coração, à Fundação Cultural que procure (e quem procura acaba encontrando) meios de ajudar um esforço juvenil dos mais simpáticos e positivos e o entrosamento de estudantes brasilienses com os jovens do resto do país. ”

Correio Braziliense, 26 de julho de 1966


O apelo sensibilizou comerciantes locais e As Caravelas aportaram na Aldeia de Arcozelo, um autêntico centro de cultura onde se reúnem estudantes de todos os cantos do país. Um cenário que envolve de saudade não apenas aqueles que o conheceram, e nele se hospedaram e contracenaram, mas todos os que adorariam tê-lo conhecido.


“(…) Os estudantes chegam com sua bagagem obrigatória: roupa de cama, toalhas e, sobretudo, muito entusiasmo e alegria. Enchem as alamedas da antiga fazenda (…) Enchem o Poema-Bar. Deitam-se na relva do pátio maior discutindo tudo que possa ser motivo de polêmica: teatro, política, música, eleições indiretas; em grupos, posam nos degraus do imenso teatro ao ar livre, de violão em punho, cantando cantigas de todas as regiões do Brasil (…) Dançam monkey e agogô no Clube Silveira Sampaio. Frequentam o quiosque, onde, com o café, comem fofocas da Aldeia.

Ãs 11h30 da manhã e às seis da tarde, um sino chama para o jantar. Moças e rapazes em longas filas diante da porta do restaurante, esperando a vez de pegar as bandejas. Dona Rosa Carlos Magno, que os estudantes há muito chamam de Tia Rosa, supervisiona com o mesmo entusiasmo dos mais jovens (…)”

Jornal do Brasil, 22.07.1966


Tudo é festa, alegria, debate, arte. A programação, intensa e variada, reúne diversas atividades artísticas. Com direito a Festival de Arte Negra e show da Rainha Quelé (46). Experiência do tipo que não se esquece jamais.


“Há no Cinema Alberto Cavalcanti a mostra Origens do Cinema Brasileiro e, na semana próxima, com a colaboração do Jornal do Brasil, haverá Semana de Filmes de Curta Metragem e Cinema de Animação. Sábado próximo haverá a primeira apresentação no Brasil do grupo TEMA, de estudantes de Brasília (…) Também sábado o início do Festival da Dança Nova (…)

Domingo, muito cedo, se apresentarão os alunos da Escola de Canto Lírico Carmem Gomes do Teatro Municipal. E centenas de jovens assistirão à inauguração da Fonte Carmem Gomes, outra que se junta às muitas fontes-homenagem da aldeia. À noite, será a primeira apresentação para o mundo do Ballet da Aldeia.

Semana próxima (…) A Noite de Verdi e A Noite de Carlos Gomes. E mais: recitais dos Meninos Flautistas de Santa Teresa (…), o Festival de Arte Negra, que encerrará o mês de julho com a Missa de São Benedito, de José Costa Neves. Missa cantada pelo Coral H. Stern, sob a regência de Antonio Lage e tendo como solista Clementina de Jesus.

Jornal do Brasil, 22.07.1966


Aldeia de Arcozelo… Quem viveu não esquece. Muito menos os aplausos e o reconhecimento tão sonhados e merecidos depois de cada apresentação.

“A estreia do grupo de atores brasilienses se revestiu de inusitado sucesso, merecendo os aplausos de cerca de duas mil pessoas, que se locomoveram da Guanabara e das vizinhanças, no Estado do Rio, para assistir à representação. As Caravelas, que permanecerá em cartaz por quatro dias na Aldeia, é um espetáculo composto de poemas (…), cujos textos foram selecionados pela diretora Sylvia Orthof e pelo poeta Santiago Naud (…)

O cronista Van Jaffa (Correio da Manhã) escreveu sobre o grupo e sua diretora: “O TEMA é o primeiro conjunto que se forma na capital do Brasil (…), todos alunos do CIEM da UnB (…) À frente dessa equipe, encontra-se, como diretora do conjunto e do espetáculo, Sylvia Orthof, que iniciou sua carreira artística interpretando Julieta no Fênix, pelo Teatro do Estudante do Brasil. Obteve imediatamente aplausos da crítica e do público. Integrou (…) vários dos nossos elencos profissionais, como principal figura, entre os quais o TBC (…) Casando-se com o médico Sávio Lima, passou a residir em Brasília, onde mantém há quatro anos um teatro de marionetes e agora, para não fugir a sua vocação teatral, o grupo TEMA, que tem muitos planos para o futuro (…) iniciando em Arcozelo a sua marcha através do Brasil.”

Correio Braziliense, 24.07.1966


“Um sucesso a estreia de As Caravelas pelo TEMA (…) dirigido por Sylvia Orthof. O espetáculo foi ovacionado em cena aberta, durante o Festival de Arte da Aldeia de Arcozelo. Ao findar o espetáculo, o público gritava “Bravos, Brasília!”, enquanto o palco era tomado de assalto pela plateia emocionada. O grupo se despediu da plateia prometendo nova apresentação em dezembro vindouro. Paschoal Carlos Magno prometeu estar presente na estreia de As Caravelas  em Brasília. Virá especialmente para apresentar o grupo TEMA do CIEM com o seu magnífico espetáculo a convite do Correio Braziliense (…)

Entre os presentes à estreia destacamos: Baronesa Clarice Von Stukar (uma das maiores autoridades em empostação vocal do RJ) radiante com o êxito do grupo jovem; Embaixador Paschoal Carlos Magno, que, no final da peça, recebeu homenagem da Universidade de Brasília pelos estudantes do CIEM e convidando os estudantes para uma apresentação especial para a crítica no Rio; professora Wanda Oiticica, brasiliense famosa, cantora famosíssima: “Nunca imaginei que meninos tão jovens fossem capazes de apresentar um espetáculo tão homogêneo”. O professor Carlos Fernando Matias, coordenador de História do CIEM, subiu a Arcozelo especialmente para assistir ao segundo espetáculo de As Caravelas: “Um grande espetáculo”.

O casal Flavio Pila, emocionado com As Caravelas: “Nunca teríamos nos perdoado de não ter assistido a este espetáculo”, declarou Sofia, esposa do diretor do Última Hora em Brasília. A professora Eunice e as tias Ana e Ivonete foram verdadeiras mães para os jovens do CIEM. Comentário geral na Aldeia: Os jovens do CIEM sabem ter classe. Sávio Pereira Lima eleito pelos meninos como o pai de todos. Sylvia Orthof está feliz: “Nunca imaginei que o sucesso fosse de tal monta. Se conseguimos, foi graças ao esforço enorme dos jovens estudantes. Eles foram disciplinados, trabalharam com alma e coração. Deram noites de namoro, de cinema, de sono, em troca de um ideal. Isso é sério e é muito bonito.” (Você também, Sylvia, está de parabéns. Você comandou esse grupo jovem. Parabéns e bola pra frente.”

Katucha, Correio Braziliense, 02.08.1966


Quase um ano depois dos “aplausos delirantes” em Arcozelo, do reconhecimento nacional do grupo teatral estudantil brasiliense, Sylvia é convidada a se transferir do CIEM para a Universidade. A princípio entusiasmada, e sem ter a menor ideia das verdadeiras razões da transferência, chega a preparar um plano de renovação para o grupo. Plano que não prospera quando o então reitor Laerte Ramos convida um diretor baiano, Carlos Petrovich, para tornar-se o coordenador geral do novo setor teatral da UnB. Caberia a ela, Sylvia Orthof, “alguns pequenos encargos – como aulas de maquiagem, leitura de peças”. Mais: o grupo TEMA deixaria de existir, sendo rebatizado para  PLANTE – “segundo nos parece, significa Plano do Teatro do Estudante”. Consternada, a dama responsável pelos primeiros passos cênicos no Distrito Federal não tem outra saída a não ser pedir demissão. A sempre atenta e solidária coluna do Correio Braziliense expressa seu lamento nas páginas do jornal.


“Em agosto do ano passado, vemos, no Teatro Martins Pena, As Caravelas, que acabara de receber aplausos delirantes na Aldeia de Arcozelo (…), com o TEMA tendo sido considerado o melhor grupo de teatro estudantil presente no Estado do Rio, assim levando o nome tantas vezes menosprezado de Brasília para o resto do país (…) Qual não foi (…) nossa felicidade ao assistir a um espetáculo de verdade, destes que transmitem a centelha! Nada de amadores de província esforçados, cheios de boa vontade e sem presença. Partilhamos um momento de emoção com jovens que aprenderam a empostar a voz, dominar o corpo, sentir o texto e transmiti-lo, num cenário que soube aproveitar meios simples e dispositivos para criar um ambiente (…) Sentimo-nos num teatro de verdade.

Tudo isso foi possível graças aos esforços, dedicação, tenacidade de Sylvia Orthof que, noite após noite, no CIEM, no seu apartamento ou no teatro ensaiava e ensaiava mais, atores, eletricistas, técnicos, transmitindo seu amor ao teatro a jovens que viraram os amadores de classe (…) imbuídos do espírito de equipe e dispostos a todas as tarefas, inclusive confecção de cenários, roupas e tudo o mais.

Após estas Caravelas, que permanecem nos anais da jovem Brasília como um esforço que deu resultados positivos, a professora, diretora e atriz responsável por tudo isso foi a Paris onde seguiu um curso de rádio educativa na Rádio Televisão Francesa. Após uns meses no estrangeiro, voltou a sua Brasília onde vive há sete anos. Foi convidada a se transferir do CIEM para a universidade (…) Preparou um plano de renovação do CENA na sala que adornara com cartazes e alguns móveis seus para, logo de início, criar um ambiente.

Não chegou a iniciar nenhum desses planos porque a universidade chamou um outro diretor (…) Sylvia Orthof (…) não teria mais responsabilidade de direção (…)  Por achar que o novo plano não precisará de sua colaboração, Sylvia Orthof acaba de se demitir da universidade. Seus ex alunos, entretanto, ficaram magoados com a sua saída. Na noite desta semana em que souberam da decisão da ex-diretora, uns quarenta secundaristas invadiram seu apartamento para lhe dar abraços de despedida que logo em seguida pediam para trocar por abraços de colaboração em novas bases: a continuação do TEMA que lhes é caro, à noite, fora do colégio, como um novo grupo amador da cidade. Ignoro se aceitou. A história me foi contada por um dos jovens que participaram da curta mas positiva história do teatro do CIEM de 1966.

Não poderíamos deixar de manifestar a esperança de que a ideia dos alunos seja aceita, pois o teatro amador é uma atividade importante, que, quando iniciada não deve ser interrompida e que, quando realizada com seriedade e entusiasmo (…) melhor aproxima do Teatro com T maiúsculo que todas as conferências isoladas dos “grandes”. Cada vez que se encontra um diretor consciente do fato e, ao mesmo tempo, capaz de se entrosar com a juventude, é preciso aproveitá-lo. É pena que a Universidade de Brasília, que já perdeu tantos valores indiscutíveis nos setores da arte, ciência e cultura, não tenha compreendido que o teatro contemporâneo, amador ou não, é, como todos os setores do saber fruto de um trabalho de equipe, ampla colaboração e perseverança, que não sofra solução de continuidade. Sucessivos inícios, derrubadas, reinícios e tentativas isoladas são contraproducentes. Já é estranho que a UNB, que tantas experiência renovadoras tentou nos seus inícios, jamais tenha conseguido o teatro do Estudante que costuma brotar espontaneamente nas outras universidades, mesmo tradicionais. Por isso, mais ainda lamentamos que, quando o setor pré-universitário da UNB parecia ter, repentinamente, tomado um embalo, cortaram-lhe as asas para recomeçar na estaca zero, talvez com planos admiráveis, porém sem levar em conta o que já fora iniciado e que, deste modo, acabará relegado no meio dos esforços desperdiçados.”

Yvonne Jean, A morte do TEMA, Correio Braziliense, 01.04.1967


“Pode ser que o TEMA morreu. Mas não morreu não. Fundou – corajosa e lindamente – o Teatro do Estudante de Brasília, nos moldes do Teatro do Estudante do Brasil, que modificou a fisionomia do teatro do Brasil e da qual você saiu, radiante de beleza, inteligência e sensibilidade. Do TEB participaram estudantes de escolas superiores, secundárias, técnicas e qualquer pessoa que desejasse estudar teatro. Cabe-lhe essa missão em Brasília. Com o apoio ou não de sua Universidade. Está fundado pois o Teatro de Estudante de Brasília. Redija os Estatutos. Torne-o uma entidade jurídica. E conte comigo Sylvia Orthof, que deu à mocidade do Brasil a beleza, a unidade artística de As Caravelas. Não pode parar…

Paschoal Carlos Magno em carta a Sylvia Orthof, Correio Braziliense, 13.04.1967


Em 1967, o presidente do governo militar instaurado em 31 de março de 1964 é o general Artur Costa e Silva, eleito indiretamente na disputa em que foi o único candidato. Ao contrário das declarações oficiais, a  ideia não é voltar a uma “democracia autenticamente nossa”, mas apertar ainda mais o cerco. A História comprova que, com o governo do marechal, têm início os terríveis “anos de chumbo”. O “milagre econômico” caminhando de mãos dadas com o “período mais repressivo da Ditadura Militar”.

Box 1: “Caravelas”, o acontecimento

Ligado ao Centro de Integração do Ensino Médio (experiência modelo da UnB fechada pela ditadura), o espetáculo “Caravelas” trazia um aspecto mais pedagógico. Com o grupo Tema (Teatro de Máscaras), Sylvia Orthof montou uma experiência espetacular com coro, trilha sonora, projeção de slides e um cenário de cordas, assinado por Nando Cosac.

Coro Feminino Mundo Novo: Mundo antigo: Caravela alucinada ancorada no Planalto com saudades da água verde, iluminando o cerrado com seu lago fabricado.

Coro Masculino Mundo Antigo: Mundo novo! Novo sonho é o que nos faz. Brasil nascendo de novo. O mar ficou pequenino. Nossa esperança é maior.

(Projeção de slides com o “Plano Piloto”, ou, que vai firmando os contornos à medida que as vozes evoluem, para um final de perfeita nitidez)

Os textos da peça eram de autores como Camões, Florbela Espanca, Manuel Bandeira, Fernando Pessoa, Pero Vaz Caminha, Caymmi, Cassiano Ricardo, Santiago Naud e Gil Vicente. Além dos textos atribuídos à equipe, há também o poema Nau Catarineta, que pertence ao folclore português.

O descobrimento do Brasil, o pacto com o público, a aventura dolorosa portuguesa, a tentação do diabo, a súbita incursão rumo ao oeste, a idealização de Brasília como um renascimento do Brasil, a crítica ao capitalismo, ao consumismo e ao senso comum são alguns dos aspectos tratados na peça. Um texto essencial para a compreensão do teatro brasiliense, uma vez que, a partir da recuperação de algum dos cânones da literatura portuguesa e brasileira, a dramaturga orquestra, em síntese, uma aula sobre a história do Brasil, sobre a história literária portuguesa até sobre os tempos em que a peça está sendo montada na moderna cidade de Brasília.”

Carlos Mateus Castello Branco, site Metrópoles


Cristo versus Bomba

Na capital do Brasil, Sylvia mergulha em um novo projeto e abraça um novo grupo: o Ponto, “conjunto teatral estável da Fundação Cultural, que vem com a incumbência de criar uma continuidade no movimento teatral de Brasília”. A estreia se dá com a peça de Lúcia Benedetti.

Joãozinho anda pra trás, de Lúcia Benedetti, sob a direção de Sylvia Orthof, é mais uma realização da Fundação Cultural do DF, que em colaboração com a Universidade de Brasília, apresentará no Teatro Martins Pena, dia 11 próximo, o Grupo Ponto, primeiro conjunto estável da Fundação a encenar naquela casa de espetáculos interessante texto para crianças e adultos também.”

Arnaldo Paz, Correio Braziliense, 08.08.1967


A Fundação Cultural, com o apoio da Universidade de Brasília, estreia a peça de Lucia Benedetti, Joãozinho Anda pra Trás, em grande gala, hoje, no Teatro Martins Pena. A renda reverterá em benefício das obras da Catedral de Brasília. O novo grupo, dirigido por Sylvia Orthof (e que integra o elenco interpretando o personagem Onça), foi batizado O PONTO. Embora a peça se destine ao público infantil, o espetáculo de hoje será exclusivamente para adultos. A partir de amanhã, o espetáculo será destinado ao público infantil.

Katucha, Correio Braziliense, 10.08.1967


E é com esse novo grupo que Sylvia prepara o grande salto: Cristo versus Bomba, sua primeira experiência como dramaturga, eleito melhor espetáculo no V Festival Nacional dos Estudantes, prêmio Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, Taça Negrão de Lima (47) e troféu Tarso Dutra  (48) oferecido pelo SNT, em fevereiro de 1968. “Brasília já ganhou!”, grita a plateia após a apresentação da peça escolhida como a melhor entre as 41 apresentadas no Festival que reúne mais de 700 jovens. Chovem convites: diversos teatros cariocas querem abrigar o grupo – Arena, Opinião, Glauce Rocha, Maison de France; o governador de São Paulo faz questão que o grupo brasiliense inaugure um novo teatro em Sampa. Mas não é só o Brasil que está de olho nos jovens de Brasília. Os franceses também sonham recebê-los no Festival de Teatro de Nancy. Uma consagração. Ao ver tal resultado no palco, poucos fazem ideia do esforço e dos revezes que os levaram até ali. Vamos a uma retrospectiva?

A estreia:

“Amanhã mesmo Cristo Versus Bomba, de Sylvia Orthof, no Teatro Martins Pena, às 21 horas. Não percam de maneira alguma. Garanto que é de alto nível, bonito, original, positivo e vai entusiasmar.”

Yvonne Jean, Correio Braziliense, 15.12.1967

Reunião na residência de Sylvia Orthof para ensaio da peça Cristo Versus Bomba: Cosac, Sylvia, Marlui, Sulvain Levy, Carlos Roberto, Lena, Antonio Augusto e Jardelina


A ideia:

“Em Cristo versus Bomba (Homem x Morte), “o tiro saiu pela culatra e virou espetáculo de protesto” – disse Sylvia Orthof ao Correio Braziliense. Tudo começou  como um trabalho de pesquisa sobre o Natal. Só que o texto tomou rumo diversos, surpreendendo até a própria autora, que não conseguia ver em Cristo senão a figura do próprio homem angustiado pela presença da bomba.

Prefiro chamar de espetáculo e não de peça: o Primeiro Homem, às vezes é Cristo, às vezes é Astronauta, mas é, sobretudo, essencialmente, o Homem. O Segundo Homem representa a visão irônica do mesmo acontecimento. Cristo é a imagem de Deus, descido à terra e humanizado. O astronauta é o homem subindo ao céu; o astronauta, envolto em azuis, perde o equilíbrio, perde a direção e grita: Onde fica a esquerda e a direita? Onde fica o peso e a medida? Meu pai, meu ai, por que me abandonaste?

(…) Sylvia não esconde os propósitos de quem simultaneamente escolhe a manifestação poética e o teatro como autora, e esse espirito está bem patenteado nessa passagem:

Primeiro Homem:
Nós protestamos
usando o Verbo como escudo
contra o cego, surdo e mudo
que aperta o gatilho
que mata o pássaro
que rouba o pão
o pão nosso de cada dia
a casa construída
o boi e o burro
o doce feito em casa
a renda feita à mão

Coro:
Não me façam atirar
vou lutar em outro campo
não no campo de batalha
mas no campo do feijão
no campo do arroz, no campo do Trigo
não quero o homem como inimigo!

A corrida armamentista, a conquista do espaço são preocupações das quais os cientistas não se afastam, enquanto a humanidade se debate em seus seculares problemas de fome, miséria e medo de externar-se e por causa disso indagamos de Sylvia se havia em seu Cristo versus Bomba uma sombra de crítica a esse estado de coisas.

– O meu trabalho não é uma crítica à conquista do espaço, mas à corrida armamentista.”

E responsabiliza o marido, Sávio Pereira Lima, como maior entusiasta dessa empreitada que nasceu de um rascunho de papel e foi parar por contingência dessas coisas do destino nas mãos de Paschoal Carlos Magno..

– O que me disse Paschoal me tocou profundamente e ainda e agita o meu coração. “Você, Sylvia vai levar isto ao Festival da Guanabara, tem que levar, sabe?” Mas teatro é assim mesmo, nos torna sentimentais e basta uma reação como a de Paschoal para nos comover.

Muitas emoções Sylvia tem vivido nesse período de ensaios (…)

– Como diretora deste meu primeiro texto não escondo que experimento também algo de novo, pois os atores, em certos momentos, têm ampla liberdade de interpretação e de movimento. No início, a coisa foi difícil, tivemos choques, porque eles queriam direção e eu não queria interferir. Mas pouco a pouco comecei a notar que eles começavam a ir exatamente para onde eu os teria comandado.”

Arnaldo Paz, Correio Braziliense, 15.12.1967


A vaquinha:

“O grupo que representará Brasília no Festival promovido por Paschoal Carlos Magno é autônomo, dirigido por Sylvia Orthof e integrado por estudantes de diversos estabelecimentos de ensino da Capital da República. Diversas firmas comerciais e pessoas amigas têm contribuído com o grupo…”

Correio Braziliense, 18.01.1968


A troupe:

“O grupo era formado por Sylvia Orthof; Luis Fernando Cosac (49) , assistente de direção (…); Sebastião Macedo, diretor musical; Marlui Nóbrega Miranda (50), Helena da Silva Guimarães, intérpretes; Ana Maria Nóbrega Miranda (51), Silvaen Levy, Antonio Augusto, Carlos Roberto Hedreia Neves, Alfredo Estáquio Pina, Jardelino Dias Souto, intérpretes; senhora Duila Nóbrega Miranda, responsável pela disciplina; e Ana Esther Cândido de Oliveira, diretora do espetáculo infantil (…)”

Correio Braziliense, 18.01.1968


A censura:

“O título desta nota – Cristo versus Bomba – é o da peça com que o Teatro do Estudante de Brasília vai participar do Festival Nacional do Teatro do Estudante. Trata-se de um original de Sylvia Orthof, que conta a história de um astronauta que ao regressar à terra se desilude com o que vê ao seu redor. A Bomba, do título, é uma prostituta que recebe toda espécie de dinheiro: dólares, rublos, libras, francos e até mesmo marcos. A censura, entretanto, pediu que se mudasse a designação de prostituta para marafona. Por que, meu Deus do céu?”

Cícero Sandroni, Correio da Manhã, 31.01.1968


Os vitoriosos:

“(…) Venceu Cristo versus Bomba, peça de teatro de estudantes de Brasília, dirigida por Sylvia Orthof, o maior espetáculo do V Festival de Teatro de Estudantes que ontem se encerrou. Entre os maiores espetáculos também se classificou Emanuel Deus conosco, cujo Cristo é um mulato, que, vestindo calça apertada e camisa vermelha, canta A Banda, de Chico Buarque. A peça vencedora ganhou NCr$ 1 mil e o troféu Tarso Dutra. Elizabeth Moreira, interpretando Antígona, classificou-se entre as melhores atrizes.”

Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 09.02.1968


O regresso:

“O grupo de estudantes que obteve a melhor classificação no V Festival Nacional de Teatro Estudantil, realizado na Guanabara, chega hoje ao meio dia na Estação Rodoviária (…)

E toda essa bela juventude dedicada ao teatro e vindo dos 4 cantos do país fez questão de manifestar sua alegria e declarar que o juri acertara e que Brasília merecia o primeiro prêmio. F. Lena, com esta sua presença no palco e bela voz profunda, e Sylvain com sua interpretação inteligente foram destacados entre os melhores atores do Festival (…)

A imprensa carioca em peso quis saber “como era o teatro em Brasília”, imaginando, repentinamente, um fervilhar de iniciativas válidas e tomando conhecimento da nossa cidade com entusiasmo, pela primeira vez. Mal sabe ela que este espetáculo foi fruto de pura teimosia. Que o grupo participou do Festival quase que por acaso, já que estava sem um tostão para viajar, que o apoio inicial da Fundação Cultural lhe fora, aos poucos, retirado, que a Secretaria de Educação exigiu que a sigla da Secretaria não aparecesse nos cartazes de propaganda, assim completando a ação da Universidade de Brasília que, antes, manifestara sua falta de interesse no prosseguimento do trabalho de teatro lá iniciado por Sylvia Orthof.

Esta cidade ficou ultimamente sem ressonância para com seus valores reais, dando, paralelamente, apoio a muitas iniciativas “chochas” e medíocres. Esperemos que a acolhida que o Rio faz, agora, que todo o país faz a estudantes brasilienses que, assim, demonstraram que Brasília existe, leve a novos rumos e que, por exemplo, recebamos condignamente o elenco, quando voltar. Às vezes Brasília sabe apreciar devidamente realizações positivas. Soube homenagear Cristiano Rocha Miranda (52), que levou o nome do esporte brasileiro para o estrangeiro. Soube aplaudir os quatro secundaristas que construíram um carro e com ele venceram uma corrida. Passando do esporte a cultura, que também manifeste sua apreciação a quem muito lutou e trabalhou, noite após noite, e sua alegria ao ver Brasília no cartaz, nesta Guanabara que sempre duvidou da nossa gente e agora ficou entusiasmada.

Na hora em que Elis Regina e Roberto Carlos conseguiram despertar o interesse e aplausos da Europa para a nossa canção, para mais um setor da nossa vida e da arte façamos uma comparação nada inoportuna ao ficarmos como o Brasil está tomando conhecimento de Brasília através do teatro.

Como brasilienses de muitos anos, cujas críticas às vezes severa são geradas pelo amor a uma cidade nova que vimos crescer e da qual muito exigimos à maneira do pai da menina bonita que a quer perfeita e chora porque isto é impossível, como brasilienses convictos, insistimos sobre a importância do destaque dado a nossos jovens. E era mesmo através deles que tinha que ser feita esta propaganda de uma cidade cuja maior qualidade é, exatamente, ser a cidade da juventude, que só ela, afirmará.”

Yvonne Jean, Correio Braziliense, 10.02.1968



Deus, o astronauta e as eternas falsas promessas dos homens

“(…) Cristo versus Bomba, que se classificou em primeiro lugar no Festival Nacional de Estudantes poderá ser encenado no Teatro Martins Pena a partir do dia 25 de março (…) Enquanto isso, Sylvia Orthof está escrevendo uma nova peça, que deverá receber o título Impróprio para 18 (…) sobre um autor lutando com o seu argumento no ato de criação artística.

A estória da peça Cristo Versus Bomba é a de um astronauta contrário à imagem de Cristo. Deus desceu à terra e se transformou em homem na figura de Cristo. O astronauta subiu aos céus e se julgou Deus. Quando o astronauta sobe, perde a noção do peso e da direção. Não sabe mais onde fica a direita nem a esquerda, que são símbolos da luta que se trava pela posse da Terra. Enquanto isso, na Terra, a luta continua entre a direita e a esquerda.

O astronauta não diz a que lado pertence. Antes de descer, aparece uma prostituta, que é a bomba. Os homens se apaixonam por ela. Gritam que com a bomba não haverá mais fome, mais desemprego. Transformam o astronauta em Deus-máquina, cantam ladainhas e novenas. Cantam também a oração do astronauta. E a bomba se apodera dos homens. O astronauta desce, diz que fincou a bandeira em posse arquidimensionais e que o lado dele venceu. Mas a essa altura não tem mais lado. Nem esquerda, nem direita. E termina dirigindo uma pergunta à plateia: “Passarás, não passarás, a 2 mil tu chegarás?”

Em declarações prestadas a esta folha, Sylvia Orthof disse que foram inúmeras as dificuldades que teve de enfrentar para levar o seu espetáculo ao Rio, a começar pela Fundação Cultural do DF, que lhe negou ajuda financeira, alegando não ter verba. “O Egrégio Conselho da Fundação Cultural votou e aprovou uma verba de 2 mil cruzeiros novos, mas, até agora, uma firma comercial, que preparou as roupas para o elenco, ainda não recebeu a conta devida, nem o grupo se apoderou de qualquer centavo daquela verba. Apesar disso, não perdemos as esperanças de receber, pelo menos, um gesto amigo do Secretário de Educação e da Fundação Cultural, já que agora voltamos trazendo para Brasília o primeiro lugar do Festival (…) Recebemos apoio de parte do comércio e geral de toda a população brasiliense, o que entusiasmou e levou o grupo a vitória. Também causou uma grande alegria em meio aos jovens e a mim o telegrama enviado pelo diretor cultural do Clube das Forças Armadas, Flávio Linhares, logo após anunciado o nosso triunfo. Recebemos grande ajuda do INPS, que cedeu seu auditório para nossos ensaios e nos recebeu com ajuda financeira, flores e carinho.”

Sylvia Orthof disse que sentiu sua maior emoção no momento em que, anunciado o resultado, os 700 jovens de todo o país, que participaram do Festival, levantaram-se e começaram a gritar: “Brasília, Brasília, Brasília!”

Teatro, Correio Braziliense, 24.02.1968



De Sobradinho a Nancy

Em abril de 1968, Brasília completa o seu oitavo ano de existência oficial. No dia do seu aniversário, 21 de abril, dia dedicado a Tiradentes, “o Papa Paulo VI estará dando a bênção e iluminando – à distância e pelo rádio – a cruz de aço de 4200 quilos recém-implantada no topo da Catedral, um dos símbolos da Capital da Esperança”.

Em matéria que registra esse momento, a revista A Cigarra faz uma homenagem à trajetória da cidade – batizada de a “Capital do Século” -, que começa “como o mais impressionante monumento da arquitetura e do urbanismo contemporâneos” e vai até sua “consolidação como cidade humana”. Ao mesmo tempo que festeja, a reportagem festeja as mulheres, “a quem cabe  grande parcela no estabelecimento desse novo marco histórico de Brasília”. A revista quer saber “como elas vivem e o que falta para tornar essa cidade mais humana, melhor amada e compreendida”. Várias mulheres, de diversos setores, foram entrevistadas. Entre elas, a nossa Sylvia Orthof. Após uma precisa biografia profissional da artista, a revista abre aspas para o seu depoimento, que reivindica um novo olhar para os que insistem em trabalhar com a cultura na nova capital do Brasil.


“Fazer arte em Brasília é muito difícil (…) O prêmio conquistado no Rio, num certame de caráter nacional, foi a sacudidela que nos deu força. Sentimo-nos responsáveis pela cidade, por sua cultura. Precisamos, no entanto, que os poderes públicos ajudem os grupos válidos de Brasília. Enquanto as companhias particulares de outros estados são apresentadas na Capital, dispondo de todas as facilidades, condução e hospedagem gratuitas, os grupos brasilienses não contam sequer com locais para ensaios, o que poderia ser remediado com salas acústicas provisórias no próprio teatro da cidade. Há uma lacuna na cultura de Brasília e nós nos propomos a preenchê-la, pois aqui se forja uma nova geração de brasileiros de mentalidade avançada e com atitudes diferentes em relação à vida e à cultura. E isto é importante.”

Mulher em Brasília, A Cigarra, 04.04.1968

Box 2: O teatro brasiliense amadureceu e ganhou ares políticos na Universidade de Brasília

Política, Cristo versus bomba ganhou, em 1968 (antes do AI-5), o prêmio do Serviço Nacional de Teatro no V Festival Nacional de Teatro de Estudantes, no Rio de Janeiro. Sylvia Orthof já era a grande personalidade teatral dessa primeira década de Brasília. Não demorou para seu trabalho ser desarticulado pela ditadura militar e ela ter que pedir exílio, interrompendo um projeto promissor de criação dramatúrgica.

Sylvia estava afetada pela violência que se acirrava na capital (sua casa, UnB e CIEM) e aquela que atingia o mundo (Guerra do Vietnã e Guerra Fria). Um dos pontos altos é a personagem Bomba, que se comunica em todos os idiomas e é capaz de seduzir todos os homens.

Bomba: Eu sou ótima, sensacional!! Viva a morte! Viva a morte!

As personagens giravam em torno da figura do Astronauta, conquistador do espaço. Há uma costura com a trajetória de Jesus Cristo, releituras de orações como o “Pai Nosso”, a “Ave Maria” e o “Credo”. O texto crítico dialoga com o teatro dialético e didático de Bertold Brecht.

De pronto, o público é convocado a não ter uma postura passiva diante do palco. As provocações são constantes:

Sylvain: Isto que fazemos não é teatro. Fiquem à vontade. Viemos procurar a fórmula da nova comunicação. Estamos na época dos empacotados.

Sylvia escrevia em tempo real do avanço gigantesco da televisão nacional, usada, na ditadura militar, como estratégia para a implantação da indústria cultural. A autora percebia que a integração nacional proposta pela massificação de vendas de aparelhos de TVs constituía um projeto de alienação e de forte controle social.

Augusto: Não queremos que você, depois do jantar, assista hipnotizado a uma emoção. Desempacote a sua consciência industrializada!

A peça se desdobra em questionamentos importantes sobre a religiosidade e a ciência a favor da guerra

Moema: Quem foi Jesus? Não viemos apresentar um cristo colorido, bonitinho, cercado de sinos, flores, santinhos. Nossa reza é outra!

Sylvain: “Meu pai, meu pai, porque me abandonaste?

Augusto: Há fome de pão no mundo!

Sylvain: Há sangue no lugar do vinho”

Lana: A capsula útero/ Mãe do homem de hoje/ útero frio, sincopado/ Cheio de cálculos… matemáticos”

E toca na ferida do preconceito racial:

Augusto: Eu sou branco/ Não tenho preconceito racial/ Mas preto quando não suja na entrada, suja na saída/ Como dizia minha avó!”

Moema: Mas as negras não querem nada! Daqui a pouco, não vão se contentar mais com a comida e a senzala…vão querer usar perfume francês. Credo!

A peça começa instigando o público a pensar o que se fazer diante do teatro, fórum de ideias e de pensamentos revolucionários.

Marlui: Então, vocês vieram ouvir os sinos, tal como os meninos que sempre pedem a história do Chapeuzinho Vermelho e do Lobo mau?

Moema: Vocês vieram para rezar ou para saber se somos capazes?

Sylvain: Vieram criticar?

A sequência de perguntas parece alertar o público de que a ingenuidade deve ser deixada de lado ao longo da encenação e que, definitivamente, esta não é uma peça de entretenimento, mas sim de reflexão crítica.

Carlos Mateus Castello Branco, site Metrópoles


Depois de alguns adiamentos, o espetáculo premiado finalmente volta ao cartaz no seu cenário original, no dia 23 de abril, “em benefício das obras de construção da Catedral de Brasília”. O ingresso custa 6 cruzeiros novos e o palco é o do Auditório da TV Brasília, canal 6. No elenco, encontramos um “carioca” que se tornaria dramaturgo no Rio dos anos 80, inaugurando com Mauro Rasi e Miguel Falabella um estilo teatral que viria a ser conhecido como besteirol: Vicente Pereira. No papel de Mefistófeles, Vicente já se destacava, mostrando porque, em 1969, se tornaria um dos braços direitos de Sylvia Orthof, atuando como seu figurinista, ambientador e assistente de direção na Oficina de Teatro do SESI de Taguatinga, o último porto da nossa protagonista na “cidade-parque, capital mundial das águas”.

Antes, porém, temos Nancy. E, antes de Nancy, temos Sobradinho, uma das primeiras cidades satélites de Brasília. É lá que se apresenta “o maior êxito do teatro brasiliense” até então, Cristo versus bomba, numa apresentação que emociona a todos, especialmente autora e diretora: “Foi a noite mais linda e emocionante que vivemos. Fazer teatro para um público desse é algo inesquecível.”


Pelo terceiro dia tenho que descrever uma esquina palpitante onde 1500 pessoas se reuniram. Mil e quinhentas pessoas simples que, em sua maioria, jamais pisaram num verdadeiro teatro. Mil e quinhentas pessoas que, ao contrário do público elegante que é displicente, chegaram todos antes da hora no pátio do Ginásio de Sobradinho (…)

Sylvia Orthof vibrava: “Como se entusiasmaram! Como entenderam a mensagem de paz da peça!”

(…) Basta examinar os desenhos que os alunos do ginásio fizeram, a pedido da professora, para explicar a peça, como a entenderam (…) “Paz x guerra” são os dizeres que envolvem muitos desenhos (…) O astronauta, a bomba e a cantora com seu violão são os personagens que mais impressionaram. Também há um Cristo cibernético. E tem um belo campo de trigo onde um ceifador trabalha no calmo ambiente da paz. Muitos desenhos apresentam o herói de braços abertos, como para simbolizar o Cristo que chamava os meninos a si, ou o homem que pede ajuda para uma era de paz em que os violões possam cantar.

(…) Sugerimos que os trabalhos dos alunos de Sobradinho sejam colocados no saguão do próximo teatro em que a peça for representada… pois são lindos e são singelos testemunhos da integração ao teatro por parte de um público que nenhuma ideia preconcebida estragou ou artificializou.

Os professores do Ginásio também pediram redações: “O povo não quer apenas cruzes”, escreve um aluno da segunda serie (…), porque foi sob sua égide que se formaram as mais duras leis. Sacrificaram em seu nome os mais autênticos líderes de todos os tempos. Tiradentes, o Santo Estevão da idade nova, foi sacrificado pelos fieis que se diziam seguidores da cruz, da Cruz de Malta, de Portugal. É em seu nome que os mais bárbaros ditadores da atualidade pronunciam as sentenças de morte, rápidas ou lentas.

A Paz na Terra aos homens da boa vontade está, por acaso, sendo cumprida tal determinação da mensagem do céu? (…)

Quando e como poderia o Teatro do Estudante conseguir um caminhão para percorrer o Distrito Federal como a Barraca de Garcia Lorca percorria a Espanha? (53) Por nós, impulsionados pelos desenhos e redações dos alunos do ginásio do Sobradinho, e por tudo que nos contaram do público reunido ao ar livre, tomamos, desde já, a iniciativa de lançar um primeiro apelo. Quem poderia oferecer um caminhão ao jovem elenco do Teatro do Estudante de Brasília para que possa dar às cidades satélites os espetáculos pelos quais anseiam?”

Esquina de Brasília, Correio Braziliense, 17.05.1968


O sonho continua e voa cada vez mais alto. Próxima estação: Nancy?


“Quando os jograis do Teatro de Estudantes de Brasília foram ao Rio concorrer ao V Festival do Teatro de Estudantes da Guanabara, o comércio de Brasília e o Instituto Nacional de Previdência Social – INPS – prestaram todo o apoio financeiro de que o grupo carecia. E eles foram e voltaram vitoriosos. Agora, para o Festival de Nancy, a necessidade de auxílio financeiro assume proporção maior e já é tempo de as autoridades se movimentarem.

O Festival de Nancy só cobre as despesas de permanência. As passagens correm por conta dos grupos teatrais. Como isso não só beneficia os jograis, mas também projeta Brasília ao exterior, é lícito e justo esperar o apoio das autoridades competentes.”

Correio Braziliense, 09.01.1969

“Ouvimos a notícia pelo programa Brasília, Urgente (…) Desta vez, a nota ali divulgada trouxe a todos nós brasileiros uma certa satisfação por sabermos, Sylvia Orthof (…) uma convidada especial (…) do Festival Mundial de Teatro em Nancy (…)

A notícia em seus primeiros momentos deve ter causado um grande impacto até na própria diretora (…). acostumada que é a grandes emoções, mas passada aquela satisfação e já de cabeça fria, soubemos através de palestra informal com a referida diretora que o Grupo dos Jograis do Estudante de Brasília (…) precisa de 12 passagens. Contribuição que o melhor espetáculo do V Festival Nacional do Teatro do Estudante (…) espera contar do nosso ministro da Educação e Cultura (…) já que o Troféu Tarso Dutra, do SNT, foi uma prova do quanto aquela autoridade estimula a divulgação do bom teatro dentro e fora do país.

Dizemos fora do país porque Cristo versus Bomba já começa a produzir seus efeitos também no estrangeiro, uma vez que é um protesto contra a guerra, a injustiça e o egoísmo dos homens, tema universal que focaliza a ilusão de um astronauta “concebido pelo fogo no útero frio de uma cápsula metálica”, tal a criação poética e teatral desse texto de Sylvia Orthof. Peça de 40 minutos e que foi, como todos sabemos, aplaudida de pé pela plateia carioca que gritava “Brasília! Brasília!” durante sua apresentação (…)

(…) ficamos torcendo aqui para que Cristo versus Bomba encontre todas as portas abertas para uma segunda consagração, agora na expectativa de um público que se encontra além fronteiras.”

Paz, Quem consegue as passagens?, Correio Braziliense, 11.01.1969

1964 trouxe uma época complicada (…) Qualquer pessoa corria o risco de ser taxada de ser subversiva, sobretudo trabalhando com operários e estudantes. De repente perdi meu espaço no Sesi. Na Universidade de Brasília, passei de professora de teatro para professora de maquiagem. O que seria aquilo?

(…) Meu primeiro texto escrito, levado por Eduardo Gabus, foi para a Sorbonne, em Paris. Era um grito contra a guerra (…) Fomos convidados para representar o Brasil no Festival de Teatro, em Nancy. Que alegria! 

Havia a censura. Meu texto, para poder viajar, tinha que ser censurado novamente. Fui ao Serviço Nacional de Censura buscar o documento, que havia caducado. Ao lado, no mesmo andar, funcionava o terrível DOPS. Diziam que muita gente havia sumido por ali.

De repente um funcionário me avisou que o diretor do DOPS queria falar comigo (…) Ingênua, respondi que não seria necessário (…) eu só queria pegar o papel para viajar com os estudantes (…)

– A senhora não quer falar com o DOPS, mas o DOPS faz questão de falar com a senhora.

(…) Entrei em pânico. Sávio (…) tinha viajado para o Rio. Eu tinha um encontro com um aluno, meu amigo Nando Cosac (…) Se eu sumisse? Pedi licença para telefonar para casa (…)

– Alô, Leo? (Leo era nossa empregada, uma pessoa adorável (…) Diga ao Cosac que estou no DOPS.

– Onde? No Drops?

– Não, Leo. DOPS.

A ligação foi cortada (…) O funcionário me olhava.

– A ligação caiu. Posso ligar novamente?

– Não, madame. Os telefones andam péssimos.

A porta da saleta foi fechada (…) Não tive coragem de verificar se o homem trancara a porta. O tempo passava (…) Será que Leo daria o recado? Se ela falasse Drops, Leo compreenderia.

A porta foi aberta (…) O diretor estava me esperando no gabinete.

Entrei (…) um enorme mapa do Brasil na parede (…)

– Então a senhora escreveu uma peça, dirige um teatro estudantil e pretende ir para Nancy, na França? (…) A senhora sabe que Nancy é um centro de comunistas? (…)

– Não. Sei do teatro, adoro meu grupo…

– Amanhã, sem falta, estou esperando a senhora aqui com a lista detalhada de todos os estudantes (…) Quero um relatório sobre cada um deles.

Tomei coragem, sei lá como, e disse:

– Mas eu não sou dedo-duro!

– A senhora não é? Mas eu sou, compreendeu? Amanhã, sem falta, às quatro da tarde, com a lista inteirinha.

– O senhor me dá licença de reunir o grupo, pedir que cada um escreva sobre si? Eu não sei a vida detalhada de cada um (…) Somos gente de teatro, lutamos pela cultura.

– Faça do jeito que achar melhor (…) Quer um cafezinho?

Aceitei. Minha mão tremia. Derramei um pouco de café, fazia força para não demonstrar o pavor que tomava conta de mim (…) Por que eu fora escrever uma peça de teatro? (…)

Na hora da despedida, evitei dar a mão ao chefe da censura, não queria que ele sentisse minha mão gelada (…)

Aí, fiz algo muito doido: ele estendeu a mão, fingi não notar … e sapequei dois beijinhos em suas bochechas!

(…) Fui pra casa, falei com Nando, que me deu a ideia de (…) ir ao DOPS acompanhada da mãe de Ana Miranda e de Marlui MIranda (…), que trabalharam no TEMA. (54)

– Eu vou de colar de pérolas verdadeiras, bem “madame”, pra não parecer comunista. (Coisa que, realmente, eu não era!)

À noite, num clima tenso, os estudantes vieram a nossa casa (…) Contei da aflição (…) Cada um, num gesto estóico, fez sua ficha e me entregou.

Bateram à porta. Um homem bem vestido disse que seu carro havia enguiçado. Pediu licença para usar o telefone e olhou de esguelha para a estudantada. Nem desconfiei (…)

O homem saiu.

– Sylvia (…), aquele homem era tira! Grampeou o telefone!

– Ora, gente, não vamos deixar que a fantasia chegue a tal ponto. A lista foi entregue, não temos o que esconder…

Um dos músicos declarou que saía do grupo (…)

– Abandono o barco (…) A situação está preta, vocês não se deram conta!

 Do lado de fora da nossa casa, parado, um carro de polícia (…)

Recebi autorização para a viagem (…) Monsieur Launnai deveria receber o texto para não perdermos a inscrição no Festival.

O pessoal do Departamento de Censura garantiu que tudo estava liberadíssimo: eu deveria ir ao aeroporto para entregar o texto para um comandante, ele o levaria diretamente ao destino (…)

Fui ao aeroporto de Brasília, com Cosac (…) Dois homens de terno azul marinho (…) garantiram que eram emissários do comandante, que eu deveria entregar o texto a eles (…)

– Sylvia, terno azul-marinho é roupa de tira. Duvido que o texto vá chegar – sussurrou Cosac.

– Ora, você está com mania de perseguição…

Cosac acertara: o texto sumiu, não fomos para Nancy.

Pouco tempo depois, abrindo o jornal, vi com espanto uma notícia estarrecedora: diziam que eu fazia parte da equipe de um senador, homem da direita absolutíssima, pessoa que eu nem conhecia.

Liguei para o tal gabinete, num ato de coragem.

– Estou telefonando por causa da falsa notícia que saiu no jornal (…)

– Mas a senhora não gostou da notícia? Queríamos homenagear a senhora que tanto está fazendo pela cultura brasiliense…

Desligaram (…)

Compreendi: a notícia, pérfida e inteligente, faria com que os estudantes, meus amigos na Universidade, desconfiassem de mim. Era um tempo de medo.

Pedi demissão da Universidade. Não havia mais clima.

Lógico que o meu grupo (…) percebeu a jogada, ficou comigo pro que desse e viesse. Mas o TEMA não conseguiu mais sobreviver (…) 

Entrei em depressão. Pior de tudo: recebi um convite para ser professora de teatro da Academia de Polícia! Vieram me apanhar em casa (…) um rapaz de cabelos compridos, sandálias de couro, camisa florida. Antes de eu entrar no carro o rapaz policial, que caprichara no visual descontraído, saiu do automóvel e avisou baixinho:

– Cuidado! Não comente nada dentro do carro, tem gravador!

– Por que está se arriscando a dizer isso?

– Porque adoro teatro. A senhora tem que ser professora da Academia de Polícia, não vai dar pra escapar.

Notei que o rapaz dizia a verdade (…)

– Mas…eu estou apavorada! (…)

– Não tenha receio (…) enfrente do jeito que a senhora é. Para mim, a senhora é inocente.

– Mas…eu nem mexo com política! (…) Vão me prender? (..) Estou ferrada?

– Não. Disseram que a senhora devia ser presa, que é comunista. Mas alguém, de força (…), defendeu a senhora.

– Quem?

– O Jarbas Passarinho. A esposa dele, dona Ruth, foi ao Teatro do Estudante, ele gosta de arte, de cultura (…) Liberaram seu nome. Por favor, esqueça tudo o que eu disse, falei demais (…)

Lembrei que o ministro Jarbas Passarinho havia assistido ao meu espetáculo, no SESI, Morte e vida severina, e que batera palmas entusiasmado (…)”

Sylvia Orthof, Livro Aberto, Confissões de uma inventadeira de palco e escrita

FIM DA PRIMEIRA PARTE – PARA LER A SEGUNDA PARTE CLIQUE AQUI

Um recado. Coloque-se no meu lugar e acredite: cada um dos artistas cujas jornadas foram aqui sumariamente resumidas para que você, que nos lê, tenha uma leve ideia de quem são merecia uma vasta biografia. Esse, aliás, é um projeto que não me sai da cabeça e que pretendo realizar devagarinho. Conto com você.

Fátima Valença

(01) O antigo Teatro Fênix (Phoenix) ficava na Avenida Almirante Barroso. Foi Cine Teatro de 1914 a 1932 e Cine Ópera de 1937 a 1944. Em 1948, tentaram em vão transformá-lo em cinema, mas a atriz Itália Fausta botou a boca no mundo: levou todos os artistas da companhia a se mudarem para os camarins e acabou ganhando a causa em juízo. Apesar da Prefeitura tentar incorporá-lo ao Patrimônio Municipal para evitar sua demolição, faltou verba e, em 1958, o Phoenix sucumbe à sanha das picaretas. Em seu lugar, foi erguido o Edifício Cidade do Rio de Janeiro, de 22 andares.

(2) “Seria impossível retratar aqui o significado de Hamlet para a história do teatro brasileiro (…) esse espetáculo (…) extrapolou não só a circunscrição do amadorismo teatral, mas os limites do próprio cenário artístico da cidade. Com uma carreira bastante longa, em comparação ao que era comum em termos de ciclo de apresentação para o teatro amador na época, a tragédia de Shakespeare encenada pelo TEB conseguiu atingir um total de 50 sessões, dadas em quatro diferentes casas de espetáculos e três municípios distintos: Teatro Fênix e Teatro República, no Rio de Janeiro, Teatro Municipal de São Paulo e Teatro Municipal de Campinas (…) Travou-se, nos jornais, um verdadeiro debate em torno do fato de haver Sérgio Cardoso encarnado um Hamlet brasileiro (…) O ator Sérgio Britto (…), responsável pela interpretação de Horácio, foi um que se pôs ao lado de Hoffmann Harnisch, ao dizer que o diretor alemão, junto de Sérgio Cardoso, havia concebido “uma nova interpretação de Hamlet (…) O cenógrafo Santa Rosa também buscou manifestar seu apoio aos jovens do TEB (…) sentenciando (…) a respeito de Hamlet como realização: “se nem sempre ela é ‘profunda’ sempre o é, porém, intensa e viva” (…) E mesmo Nelson Rodrigues, em bilhete endereçado a Paschoal Carlos Magno (…) Hamlet (…) é, sem qualquer dúvida, uma realização notável […] Quero, também, exprimir minha admiração pelo Hamlet brasileiro (…) ele é o maior talento de intérprete que já conheci no Brasil (…) O êxito de Hamlet foi tal, que, em 1949, Paschoal Carlos Magno lançou o Festival Shakespeare (…)” (Fabiana Fontana, Shakespeare (…) – a experiência do Teatro do Estudante do Brasil de Paschoal Carlos Magno)

(03) Promovido pelo TEB de maio a agosto de 1949 no Teatro Fênix, o Festival Shakespeare apresentou as peças Romeu e Julieta, Macbeth e Sonho de uma Noite de Verão, institucionalizando o Teatro do Estudante como uma escola improvisada. “Desde o seu início, era reconhecido, pela classe e pela crítica teatrais, pelos artistas que havia formado; alguns dos quais, depois, se consolidaram no âmbito do profissionalismo (…) Os jovens que atuavam no TEB passaram a não ser mais vistos, pela imprensa, somente como artistas amadores, mas sim, enquanto alunos de teatro.” (Fabiana Fontana, A experiência do Teatro do Estudante do Brasil de Paschoal Carlos Magno)

(04) O Teatro do Estudante do Brasil estreou em 28 de outubro de 1938 com a “monumental” montagem de Romeu e Julieta, dirigida por Itália Fausta. Sonia Oiticica como Julieta, Paulo Porto como Romeu, Sergio Cardoso como Teobaldo, um elenco de 20 atores, 70 alunas da Escola de Bailados do Teatro Municipal, uma orquestra composta por alunos da Escola Nacional de Música e um conjunto orfeônico. Foram 6 sessões no Teatro João Caetano, “com direito a duas vesperais no fim de semana”, e 3 no Teatro Municipal carioca em dezembro do mesmo ano. O último espetáculo, realizado no dia 21, aconteceu no encerramento do 2 Congresso Nacional dos Estudantes do Brasil (…). Em 1941, no dia 24 de outubro, patrocinado pela Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa, ele voltou à cena para arrecadar fundos para as vítimas da guerra.

(05) O diretor, dramaturgo e professor Adacto Filho foi um dos membros das companhias organizadas por Álvaro e Eugênia Moreyra: o Teatro de Brinquedo, considerada a primeira companhia moderna do teatro brasileiro, e a Companhia Álvaro Moreyra, que levava peças de Ibsen e Pirandello para os bairros da periferia carioca. Por volta do início da década de 40, junto com Brutus Pedreira, Tomás Santa Rosa e Luiza Barreto Leite, Adacto funda a companhia Os Comediantes, que entraria para a história a partir da montagem histórica da peça de Nelson Rodrigues, Vestido de Noiva, em 1943. Como professor, deu aulas de prosódia, história do teatro, caracterização e mímica na escola do Teatro Duse e de interpretação na SBAT. Cantor lírico, fez recitais de canto como barítono.

(06) O ator, diretor e dramaturgo José Maria Monteiro fez sua estreia no palco em O Filho Pródigo, de Lúcio Cardoso, com o Teatro Experimental do Negro dirigido por Tomás Santa Rosa e ao lado de Ruth de Souza e Abdias do Nascimento. Atuou na companhia de Maria Della Costa, no Teatro Popular de Arte, dirigido por Itália Fausta e na primeira peça de Jean Paul Sartre exibida no Brasil, A Prostituta Respeitosa, em 1948. Foi o diretor da primeira montagem de A Falecida, de Nelson Rodrigues, premiada pela Associação Paulista de Críticos Teatrais. Fundador do Teatro dos Novos, em 1953, dirige textos de Machado de Assis, Martins Pena, Pedro Bloch, Artur Azevedo, Noel Coward, Rachel de Queiroz, Nelson Rodrigues; atua ao lado de Nicette Bruno, Paulo Goulart, Glauce Rocha e sob a direção de nomes como José Renato e Ziembinski. Em 1955, dirige a ópera O Guarani, de Carlos Gomes, no Teatro Municipal. Como autor, escreve diversas peças de um ato como Prima Dona, O Discípulo, Abertura de um Testamento, Casal Burguês, As Medalhas de Herói, entre outras.

(07) Foi Silveira Sampaio, autor, ator, diretor, empresário quem inaugurou em 1949 o Teatro de Bolso da Praça General Osório, em Ipanema, com comédia de sua autoria, possivelmente A Inconveniência de ser Esposa. Permaneceu em cartaz até 1956. quando Aurimar Rocha, “ator e atleta do Fluminense”, arrendou o espaço com uma comédia de sua autoria, Os Elegantes. Seu repertório não tinha preconceitos. Tudo e todos tinham espaço e muitos artistas iniciaram suas carreiras no pequeno tablado, como Glauce Rocha, Jô Soares, Márcia de Windsor, Marilu Bueno, Adriana Pietro, Helio Eichbauer. Em 1968, Aurimar foi despejado, mas seguiu em frente com seu projeto, dessa vez no Leblon. (Fonte: José Dias, Teatros do Rio).

(08) O jornalista, poeta, dramaturgo e crítico teatral Brício de Abreu fundou ao lado de Álvaro Moreyra a revista Dom Casmurro, considerada a mais importante publicação literária brasileira da época, e que circulou em pleno Estado Novo de Vargas. Circulando entre maio de 1937 e maio de 1948 chegou a vender 50 mil exemplares, um assombro para a época. No cargo de redator chefe alternaram-se Álvaro Moreyra, Marques Rebello e Jorge Amado. Entre os colaboradores, nomes como Afrânio Coutinho, Joel Silveira, José Lins do Rego, Cecília Meireles, Aníbal Machado, Adalgisa Nery, Graciliano Ramos. Colaborou com a revista O Cruzeiro entre as décadas de 1950 e 1960. Escreveu o livro Esses populares tão desconhecidos, muito cobiçado por pesquisadores, fruto de seu “vasto acervo de documentos e material fotográfico referente a artistas que participaram ativamente da vida musical brasileira”.

(09) Diretora e professora de história, personalidade marcante no teatro brasileiro dos anos 1940 e 1950, Esther Leão integrou o Teatro do Estudante do Brasil e o Teatro Duse, orientando seus alunos nas técnicas de interpretação. Dirigiu dezenas de espetáculos e contribuiu com a formação de grandes nomes do teatro brasileiro. “Entre todos os atores que, vindos dos anos 40 e 50, hoje são figuras de primeiro plano, poucos são os que não passaram por suas mãos – e muitos são os que, rigorosamente, se iniciaram com ela no Teatro do Estudante do Brasil, no Teatro Universitário, na Escola de Teatro do Ministério da Educação, no Teatro de Arte do Rio de Janeiro. Além de ter tido influência na formação de muitos outros artistas, surgidos na primeira fase do TEB (…), foi a primeira mestra dos estreantes Cacilda Becker, Fernanda Montenegro, Nathália Timberg, Vanda Lacerda, Glauce Rocha (…) – uma lista que, à simples citação de nomes, é suficiente para situá-la, do ponto de vista da formação de atores, como talvez a figura responsável pelo novo teatro brasileiro, fortalecido pelo sangue novo dos jovens que iam chegando”. (Fonte: Maria Jacintha, Presença de Esther Leão, Coleção Dyonisos)

(10) O ator e professor francês René Simon fundou em 1925, em Paris, uma escola dramática que foi frequentada por inúmeros artistas brasileiros. “Meu ensino se fundamenta na morfologia e na psicologia. É assim que posso orientar meus alunos a desenvolver-lhes os dons pessoais. É preciso dar-lhes uma grande cultura artística e humana, pela explicação, comentário e a interpretação dos textos (…) O teatro devia ser uma religião”. (Fonte: Letras e Artes, A Manhã, 23.03.1953).

(11) O ator e diretor Jean Louis Barrault foi um dos professores do célebre curso “Education par le Jou Dramatique”, uma escola de teatro francesa que funcionou entre 1946 e 1952 e teve influência em diversos países, inclusive no Brasil, “notadamente por causa de Maria Clara Machado”, uma de suas alunas. Trabalhou na Comédie Française e, junto com Madeleine Renaud, percorreu o mundo apresentando grandes clássicos do teatro. Esteve no Brasil duas vezes e se apaixonou pela Bahia. Foi diretor do Teatro Nacional da França, em 1966, mas seu apoio declarado aos estudantes nos conflitos de maio de 1968 culminaram no seu afastamento. Durante o governo de François Mitterand – 1981 a 1995 – recebeu a mais alta honraria do governo francês: o título de Grand Officier da Legião de Honra.

(12) Sylvia Orthof, revista Rio, setembro de 1951;  Última Hora, 11.08.1952.

(13) Marcel Mangel tinha 5 anos quando a mãe o levou ao cinema para ver Charles Chaplin, por quem se apaixonou. Encantava seus amiguinhos imitando o ídolo e sonhava estrelar filmes mudos. Durante a guerra, o pai foi capturado e morto no campo de concentração de Auschwitz. Para sobreviver e não serem identificados como judeus,  ele, a mãe e o irmão fugiram e adotaram o sobrenome Marceau. Os irmãos se alistaram na Resistência Francesa e Marcel ajudou centenas de crianças órfãs a fugir para a Suíça e escapar da morte. Durante a travessia pelos Alpes, vestido de escoteiro, ele fazia silenciosas pantomimas para manter as crianças em silêncio. Lutando ao lado da resistência francesa, Marcel Marceau “encontrou uma unidade de soldados alemães. Pensando rápido, imitou o avanço de uma grande força francesa, e os soldados alemães recuaram. A notícia se espalhou pelas forças aliadas”, surpresas com o notável talento do “mímico”. Sua primeira grande apresentação aconteceu após a libertação de Paris, em agosto de 1944. Na plateia, 3 mil soldados americanos. (Fonte: Phil Goldfarb, Marcel Marceau, o mímico lendário que salvou crianças judias e lutou contra nazistas, Kadimah)

(14) A atriz, diretora e produtora Madalena Nicol ajudou a fundar em São Paulo o célebre TBC em parceria com Décio de Almeida Prado e Abílio Pereira de Almeida. Ao lado de Paulo Autran, criou e dirigiu a Sociedade Paulista de Teatro, tornando-se uma das primeiras atrizes a se apresentar na televisão e a estrelar teleteatros na TV Tupi e na TV Paulista, onde criou o Teatro Madalena Nicol. Entre 1954 e 1971, viveu, estudou e trabalhou em Paris e Londres e, em 1978, foi convidada para dirigir e lecionar em Houston, no Texas. Seu último espetáculo no Brasil foi em 1977, interpretando um espetáculo que reunia poemas de Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e um monólogo de Eugene O’Neill.

(15) A italiana Carla Civelli veio para o Brasil em 1947 junto com o irmão Mario Civelli e o marido, o diretor de teatro e cinema Ruggero Jacobbi. Nascida em Milão, Carla adaptou peças para o TBC e “participou ativamente do cinema industrial paulista, como montadora de filmes da Vera Cruz, da Maristela e da Multifilmes”(fundada pelo irmão, o cineasta Mario Civelli). Isso quando ainda não havia mulheres trabalhando em montagem, o que a torna uma pioneira. Foi uma das montadoras do primeiro filme da Vera Cruz, Caiçara. Em 1959, dirigiu É um caso de polícia, comédia com roteiro de Dias Gomes, em parte ambientada na mansão do ex prefeito Pereira Passos. No elenco, Glauce Rocha, Sebastião Vasconcelos, Claudio Correa e Castro e Renato Consorte. (Fonte: Folha de São Paulo, 13 de março de 2001)

(16) David Garofalo começou no cinema, em 1952, com o filme João Gongorra. Foi para a TV Tupi no ano seguinte, onde acumulou as funções de ator e diretor de estúdio. Scaramouche, Os Três Mosqueteiros, Marcelino Pão e Vinho foram alguns dos episódios em que atuou. Alternou trabalhos no cinema (Cangaceiros de Lampião, O Anjo Assassino, Vidas Estranhas, Infidelidade ao Alcance de Todos, O Menino da Porteira, Noites em Chamas, O Outro Lado do Crime e muitos Outros) e na televisão: na TV Tupi (O Julgamento, O Sol Maior), TV Excelsior (Indomável, Ninguém crê em Mim, As Meninas de Prata) e TV Record (O Tempo não Apaga). A atriz e apresentadora Maria Cecilia Garofalo, sua esposa, trabalhou no cinema, no teatro e na televisão. Um dos seus papeis de destaque foi Hortência, na novela A redenção. Formada em Teatro e em Direito, foi servidora pública na Procuradoria do Estado de São Paulo. Dos anos 1950 aos 1970, participou de várias obras e elencos televisivos, como os teleteatros da TV Tupi (Trio em Lá Menor, O Tenor Desafinou) e a TV Vanguarda (A Longa Agonia, Crime sem paixão, O Homem que vendeu a Alma). (Fonte: Elenco Brasileiro)

(17) O ator Xandó Batista iniciou sua carreira no teatro no final dos anos 40. Formado pela Escola de Arte Dramática em São Paulo, junto com Leonardo Villar e Cleyde Yáconis, atuou em diversas companhias e peças ao lado de grandes nomes do teatro brasileiro. No seu vasto e admirável currículo, estão a Sociedade Paulista de Teatro, onde atuou em A tempestade e O tenor desafinou (dirigido por Carla Civelli) junto com Sergio Britto, Madalena Nicol, Sylvia Orthof, Jayme Barcelos; na Companhia Maria Della Costa fez Moral em Concordata, com Jardel Filho e Rosamaria Murtinho; no Teatro de Vanguarda, com Ítalo Rossi, Felipe Wagner, Renato Consorte, fez Na terra, como no céu; no Teatro Arena fez Eles não usam black tie, Chapetuba Futebol Clube com Riva Nimitz, Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Viana Filho, Milton Gonçalves, Flávio Migliaccio, Nelson Xavier, Hugo Carvana, Lelia Abramo, Francisco de Assis, Arnaldo Weiss, Celeste Lima; com o Grupo Opinião atuou em Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come ao lado de Jayme Costa, Agildo Ribeiro, Cleyde Yáconis, Jofre Soares, Manuel Pêra, Odulvaldo Viana Filho, Sérgio Mamberti, Osvaldo Loureiro. Fez filmes, dublagens e muita televisão, tendo integrado o cast  de diversas emissoras, como a Tupi, a Excelsior, a Paulista, a Bandeirantes, a Cultura, o SBT, a Manchete, onde participou de O Pantanal, Ana Raio e Zé Trovão e da minissérie O Canto da Sereia.

(18) O ator, diretor, roteirista, cineasta, produtor Armando Couto foi também um dos fundadores do grupo Os comediantes, com um extenso currículo que abrange cinema, teatro e televisão e que vai do final da década de 1930 até meados da década de 1970. Vamos citar apenas alguns. Em 1943, foi o Repórter na montagem original de Vestido de Noiva, “obra de referência no teatro brasileiro”, apresentada no Teatro Municipal. Foi assistente de direção de Silveira Sampaio na peça de Guilherme Figueiredo, Um Deus Dormiu lá em Casa (1949/1950), sucesso de crítica e público do qual ele também participa como ator junto com Paulo Autran e Tônia Carrero. Em 1957 recebe o prêmio de direção pela montagem de A Bela Madame Vargas, de João do Rio, no Teatro Nacional de Comédia, com Tereza Rachel e Sebastião Vasconcelos. Integrou o elenco da TV Tupi, dirigindo Teleteatro (A Tia de Carlitos, 1951), Grande Teatro Monções (Os Inimigos não Mandam Flores), o Grande Teatro Tupi (Festim Diabólico) e escrevendo para o inesquecível Teatrinho Trol (Pedro Macaco e a Casa Mal Assombrada). Na TV Rio, dirigiu o programa Noites de Gala. Fez cinema também, dirigindo A Sogra, O Homem dos Papagaios, Modelo 19 e atuando em Carnaval em Marte, Presença de Anita, Uma Pulga na Balança. (Fontes: Casa de Dublagem, Elenco Brasileiro, Enciclopédia Itaú Cultural, Wikipédia, Adoro Cinema)

(19) Maria Cristina Brandão de Faria, Audácia e Criatividade numa TV Incipiente, dissertação de Mestrado “Grande Teatro Tupi do Rio de Janeiro – o teleteatro e suas múltiplas faces”.

(20) A TV Paulista, canal 5 de São Paulo, foi inaugurada em 14 de março de 1952, tornando-se a primeira estação concorrente da pioneira Tupi. Tinha apenas 3 câmeras e um estúdio precário num prédio de apartamentos na Rua da Consolação, quase esquina com a Avenida Paulista. Na superintendência, o diretor de teatro italiano Ruggero Jaccobi. A emissora lançou um dos primeiros seriados da TV brasileira, O invisível, inspirado no famoso personagem O Sombra.  Na direção, importado das rádios cariocas, Antonino Seabra. Aos domingos, visando a alegria da garotada, o canal 5 estreou em 1953 o Circo do Arrelia. Para incrementar a produção de teleteatros, que se tornaram a especialidade da TV Paulista, foi contratada a a atriz Cacilda Becker, que substituiu Madalena Nicol. Em 1966 a TV Paulista foi comprada pela TV Globo.

(21) Miroel Silveira é fruto de uma família de escritores. Um verdadeiro homem de teatro e um dos criadores do célebre grupo Os Comediantes, “que revolucionou a cena brasileira com a encenação de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues”. Formado em Direito, foi escritor, teatrólogo, tradutor, professor, crítico e diretor teatral, considerado “um dos grandes renovadores do teatro brasileiro moderno”. Se você tem curiosidade de saber como era a vida teatral no Brasil, sobretudo na década de 50, não pode deixar de ler os textos escritos por ele nos jornais cariocas Diário de Notícias e O Jornal e no tabloide O Radar, que ele fundou em Sampa com o sobrinho Ênio Silveira. Foram “50 anos de intensa vida artística” que ele dividiu com a função de professor da Escola de Arte Dramática e  da Escola de Comunicações e Artes da USP – onde está o Arquivo Miroel Silveira, reunindo peças censuradas em São Paulo entre 1927 e 1968. “Foi também um homem de seu tempo, quando despontava com todo vigor, em meados do século XX, uma cultura brasileira liberta, ousada e pujante, que unia a Europa às tradições indígenas e africanas, o erudito ao popular, o sul ao norte, o acadêmico ao inculto”. (Fontes: Wikipédia, USP e Enciclopédia Itaú Cultural)

(22) Carlos foi raptado por alienígenas e levado ao Sétimo Planeta, que possui tecnologia muito mais avançada. É neste universo que ele cresce, aprimorando corpo e mente. Já adulto volta à Terra, onde adquire superpoderes como voar e ser praticamente invulnerável – desde que esteja usando seu uniforme feito de uma malha atômica. Seu ponto fraco é a cabeça, que ele fortalece banhando-se com raios de invulnerabilidade que duram 7 dias. Como se não bastasse sua força extraordinária, utiliza uma arma de raios paralisantes e lentes de raio X para combater o mal e os malfeitores. Este é o Capitão Sete, o super-herói brasileiro, protagonista do seriado que estreou em setembro de 1954 na TV Record. Gravado inicialmente ao vivo foi mais tarde transformado em gibi. De físico invejável, coube ao ator mineiro Ayres Campos dar vida ao personagem que tem um arqui-inimigo, o Caveira.

(23) “Festejando o Natal, o Teatro Cacilda Becker, da TV Record, vai representar amanhã o original de Ruggero Jacobbi, Auto da Rosa de Belém. O cenarista do canal 7, Renzo Forzenigo, preparou oito lindos cenários. No cast, iremos ver: Cacilda Becker, Cleyde Yaconis, Ziembinski, Leonardo Villar, Xandó Batista, Sylvia Orthof, Léa  Surian, Rubens de Falco, Ítalo Rossi. Fredi Kleeman, Guilherme Correa, Rita Schadrak, Armando Pascoal, Luiz Sergio, Teotonio da Silva e Jurandyr Mendes. A direção é de Carla Civelli. Na direção de TV, Nilton Travesso.” (Correio Paulistano, 25.12.1955)

(24) Nos anos 1940 e 1950 uma geração de encenadores italianos chega ao Brasil para “renovar o panorama teatral” do país. Ruggero Jacobbi é um deles. Já em 1948 ele se integra ao Teatro Popular de Arte, de Maria Della Costa e Sandro Polonio, com quem estreia Estrada do Tabaco e Tereza Raquim. No ano seguinte, está com Procópio Ferreira, dirigindo O Grande Fantasma, Lady GodivaLar, Doce Lar. Nesse mesmo ano, torna-se diretor artístico do Teatro dos Doze, companhia efêmera de Sergio Cardoso e Sergio Britto, assinando direção, cenários e figurinos do clássico de Carlo Goldoni, Arlequim, Servidor de Dois Amos. No Teatro do Estudante, encena Sonho de uma Noite de Verão, destaque do Festival Shakespeare. Em 1949, o TBC o contrata como segundo diretor (o primeiro é Adolfo Celi) e “sua verdadeira força criativa” se revela em O Mentiroso, de Goldoni, que apresenta aos paulistas o talento de Sergio Cardoso. Com Cacilda Becker, com quem divide a direção, monta o espetáculo que se torna uma das dez maiores bilheterias do grupo: Os Filhos de Eduardo. Com o objetivo de “montar textos de valor dramaticamente reconhecidos”, cria uma vertente do próprio TBC – o Teatro de Vanguarda – com Ítalo Rossi e Walmor Chagas, jovens estreantes na companhia. Foi sua última encenação no teatro da Major Diogo. Vai para a companhia de Nydia Licia e Sergio Cardoso e seu carisma e influência se estendem sobre o Teatro Paulista de Estudantes, cujo trabalho desembocaria no Teatro de Arena. Um convite da Universidade Federal o leva para o Rio Grande do Sul, onde atua como diretor do Departamento de Arte Dramática, exercendo a mesma liderança na Escola de Arte Dramática, no Conservatório Dramático e Musical e no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Seu conhecimento e fascínio intelectual se exibem nas inúmeras conferências e críticas publicadas na Folha da Noite e no Última Hora de SP, sempre abordando a mesma temática: literatura e teatro. Em 1960 retorna a Itália onde atua como crítico, ensaísta, roteirista e diretor de cinema e de televisão, mas antes de partir deixa um texto de despedida: “Parto satisfeito de ver que os princípios que eu defendia sozinho há tantos anos passados, hoje se tornaram até lugares comuns: afirmação do realismo contra os delírios místicos, criação de uma dramaturgia brasileira como matéria-prima indispensável do teatro, fundação de uma cultura nacional popular. Cabe aos jovens brasileiros realizar esse programa.” Se quiser saber mais sobre ele, sugiro a leitura de Ruggero Jacobbi: Presença Italiana no Teatro Brasileiro”, de Berenice Raulino. (Fontes: Enciclopédia Itaú Cultural, Folha Ilustrada)

(25) A Gazeta Esportiva, 21 de maio de 1956. Patkull é a primeira peça de teatro escrita por Gonçalves Dias em 1843. Sinopse: Antes de partir para a guerra, Patkull deixa a noiva, Namry, aos cuidados de um amigo, Paikel, que tenta reconquistar o amor que um dia foi seu. Fiel, Namry resiste às investidas, mas Paikel faz com que Patkull acredite que ela o traiu.

(26) A sinopse da Cinemateca Brasileira faz um brevíssimo resumo da história de O Gigante de Pedra, de Walter Hugo Khouri “Capataz, operário e mulher com amnésia formam um triângulo amoroso”. No elenco, além de Sylvia Orthof, Fernando Pereira, Irene Kramer, Paulo Monte, Dalya Marcondes, Emilio Cantini, Arnaud de Castro, Emilio Queiroz, Heros Gomes, Pedro Ribeiro, Walter Toledo. Segundo uma reportagem do jornal Folha de São Paulo, o filme se encontra perdido: o único rolo que restou, praticamente um trailer, foi exibido em uma retrospectiva dos 50 anos de trajetória do cineasta. O Gigante de Pedra deu a Walter Hugo Khouri os Prêmios Saci e Governador do Estado de melhor montagem. (Fonte: Folha de SP, 2001)

(27) A atriz Beyla Genauer nasceu na Polônia. Quando os pais precisaram vender a única vaca que tinham, ela improvisou um teatrinho no estábulo onde se apresentava para amigos e vizinhos, cobrando ingressos para ajudar nas despesas familiares. Veio a guerra e a família judia teve que emigrar para o Brasil. Na adolescência foi ao teatro escondida ver Itália Fausta e saiu deslumbrada. Sonhando acordada, passava os dias vendo os ensaios do Teatro Universitário e do Teatro do Estudante. Era tão assídua que foi convidada para substituir uma atriz ausente. O papel era pequeno, mas o coração descompassado fez a voz sumir. Não desistiu. Fez aulas de dicção e impostação de voz com Esther Leão e um curso de rádio teatro na Rádio MEC. Soube pelos jornais que Dulcina de Moraes faria um teste em busca de atriz e passou um mês rondando o teatro, sem coragem de abordar a atriz. Passou dois anos nos Estados Unidos graças a uma bolsa de estudos que ganhou como professora de hebraico numa escola primária. Para complementar a renda, trabalhou como garçonete. Na volta ao Brasil, inscreve-se no concurso “À procura de uma atriz” para trabalhar ao lado de Dulcina. Perde o primeiro lugar para Yara Cortes, mas não passa despercebida. Odilon Azevedo, marido de Dulcina e um dos jurados da banca, convida Beyla para participar da peça Hipocampo. E assim, finalmente, Beyla fez sua estreia em 1948 como a filha de Dinorah Marzzulo e Manoel Pera, pais de Marília Pera. (Fontes: Pró-TV, Elenco Brasileiro)

(28) Marina Freire atuou em cinema, televisão e teatro, onde começou sua vida artística em 1938 na peça Casa Assombrada. Foi uma das fundadoras do TBC paulista, participando de diversos espetáculos. Entre eles, O banquete, Uma mulher do outro mundo, Nick Bar, Antígona, Arsênico e Alfazema e À Margem da Vida, que lhe deu o prêmio Governador do Estado de melhor atriz do ano. Na televisão, estreou na pioneira TV Tupi, onde fez teatros televisionados e novelas, como David Copperfield, A Ponte de Waterloo, Nino, o Italianinho, A Fábrica. No cinema, foram quase 20 filmes, muitos na saudosa Vera Cruz: Tico-Tico no Fubá, Esquina da Ilusão, Sinhá Moça, Floradas na Serra, Macumba na Alta, Dona Violante Miranda, Noites Quentes em Copacabana, A Infidelidade ao Alcance de Todos. Sempre coadjuvante, nunca protagonista, seu exuberante talento atraia a atenção de companhias e elencos, que disputavam sua presença.  (Fontes: Pró-TV, Elenco Brasileiro)

(29) O ator e fotógrafo Fredi Kleeman (Alfred Kleeman), nascido em Berlim, na Alemanha, emigrou para o Brasil em 1933.  Integrante do TBC, fez importantes registros fotográficos sobre a trajetória da companhia desde o seu ingresso, em 1949, no espetáculo Nick Bar dirigido por Adolfo Celi. Com o grupo paulista fez O Anjo de pedra, Seis personagens à procura de um autor, Mortos sem Sepultura e Eurídice. Quando Cacilda deixa o TBC para formar a sua própria companhia – Teatro Cacilda Becker -, acompanhada de Ziembinski, Cleyde Yáconis e Walmor Chagas, Fredi vai junto. O Santo e a Porca, Longa Jornada de uma Noite Adentro, A Dama das Camélias e A Visita da Velha Senhora são alguns dos espetáculos dos quais ele participa, atuando e fotografando. “O primeiro fotógrafo regular de um conjunto teatral fixo” deixou um valioso acervo de imagens para a posteridade. “Conhecedor dos segredos do palco, explora com sutileza os tons das imagens, fixando momentos cheios de intenções e emoções, nuançando com um tratamento verdadeiramente artístico aquilo que poderia ter sido meramente um documento”. Foi fotógrafo oficial da Vera Cruz e, depois do fim do TBC, seguiu fotografando espetáculos de teatro. Hoje é Dia de Rock, de José Vicente, montado no Teatro Ipanema em 1973 , foi seu último trabalho. Fredi, que os jornais chamam de Fredy, Freddi ou Freddy recebeu inúmeros prêmios como fotógrafo, não apenas no Brasil, mas nos Estados  Unidos, Canadá, Argentina. “Foi o 1º sul-americano a ganhar prêmio no Salão Internacional de Paris. Em 1976, seu precioso acervo de 12 mil fotos foi adquirido pela Secretaria de Cultura do Município de São Paulo. (Fontes: Enciclopédia Itaú Cultural, Pró-TV)

(30) Dois anos antes da Globo estrear, Walter Clark encomendou a Nelson Rodrigues uma novela das oito. O grande investimento da TV Rio, A morta sem espelho, “dramalhão fúnebre, enredo deletério, de neuróticos e assassinos (…) com linguagem ousada, solta e inesperada”, só conseguiu liberação do Juizado de Menores para às 22h30 e teve o fim apressado dois meses depois. Foi pena. A trilha sonora era de Vinícius de Moraes e uma estreante Fernanda Montenegro capitaneava um elenco que incluía Carminha Brandão. A mineira filha de um fazendeiro de café tinha paixão pelo palco. Trocou a Ponte Nova, onde lecionava como professora, para fazer teatro amador em Recife. Deu certo. No Rio, foi convidada para trabalhar no Tablado, onde se formou. Mudou para São Paulo em meados dos anos 1950, onde atuou no TBC e no Teatro dos Sete, fundado pelo diretor Gianni Ratto e por Fernanda Montenegro, Fernando Torres, Ítalo Rossi e Sérgio Brito. Uma das atrizes prediletas de Ivanir Ribeiro – que criava um personagem para ela em cada texto que escrevia, desde sua premiada interpretação em O Anjo Marcado – fez inúmeras novelas na televisão. Entre elas, Pouco Amor não é Amor (TV Rio); Marcados pelo Amor, Pingo de Gente, Quarenta Anos Depois (Record); Anjo Marcado, Almas de Pedra, O Morro dos Ventos Uivantes, O Tempo e o Vento, O Terceiro Pecado, Os Diabólicos, Sangue do meu Sangue (Excelsior); Minha Doce Namorada (Globo); Camomila e Bem-Me-Quer, Mulheres de Areia, Os Inocentes, A Barba-Azul, Ovelha Negra, A Viagem, O Julgamento, O Profeta e Aritana (Tupi) ; Cavalo AmareloMaçã do Amor (Bandeirantes). (Fontes: Wikipédia, Enciclopédia Itaú Cultural, Pró-TV).

(31) Manezinho de Araújo foi um dos primeiros artistas a divulgar um gênero musical sertanejo do nordeste, a “embolada”. Compôs inúmeras músicas, gravou quase 50 discos, apresentou-se em bares, boates, cassinos, rádios, filmes e cinejornais da Atlântida. Assinou colunas nos jornais e, em 1956, decidiu aposentar-se das atividades artísticas para virar dono de restaurante especializado em quitutes nordestinos. O Cabeça Chata ficava em Copacabana e a cozinha era comandada pela esposa Alaíde (cuja especialidade era o bobó de camarão) – enquanto ele se encarregava de fazer pequenas apresentações, cantando cocos, frevos, sambas e emboladas. Entre seus célebres frequentadores encontramos Edith Piaf, Yul Brinner, Carmem Miranda, Villa Lobos, Cacilda Becker, Rachel de Queiroz. Na década de 1960, resolve dedicar-se à pintura e, em 1962, fecha o restaurante no Rio para abrir outro em São Paulo, que não dura. Segue fiel a sua nova paixão, a pintura, exibindo um talento reconhecido pelos críticos, que louvam seu “estilo primitivo”.

(32) O mineiro Luiz Linhares atuou no cinema, no teatro e na televisão. Interpretou o personagem Laertes na célebre montagem de Hamlet, em 1948, no Teatro Fênix. Tornou-se um dos membros do Teatro dos Doze, companhia formada partir do Teatro do Estudante, que se destacou logo no segundo espetáculo: Arlequim, servidor de dois amos, cartaz do Ginástico Português em 1949. No TBC, o ator mineiro de Astolfo Dutra participou de “espetáculos memoráveis”, como Arsênico e Alfazema, Antígone, Leonor de Mendonça, Mortos Sem Sepultura, Assim é…se lhe parece. Estava no elenco de A dama das camélias, com Cacilda Becker, no Teatro Municipal de SP, em 1951. Ator predileto de Nelson Rodrigues – segundo conta Walter Clark em seu livro Campeão de Audiência – fez Boca de Ouro, Vestido de Noiva e Toda Nudez será Castigada.  Esteve em Gota d’Água, de Chico Buarque e Paulo Pontes, estrelado por Bibi Ferreira, no papel de Egeu. Em 1982, atuou em Réquiem para uma negra, no Teatro Cândido Mendes, com Ruth de Souza e Maria Cláudia. No cinema, trabalhou em O Desafio, de Paulo Cesar Saraceni (1965); O Bandido da Luz Vermelha, dirigido por Rogerio Sganzerla (1968); Os herdeiros, de Cacá Diegues (1969/70); Os Inconfidentes, de Joaquim Pedro de Andrade (1972); Anchieta, José do Brasil, de Paulo César Saraceni (1977); O Homem do Pau Brasil, comédia fantástica de Joaquim Pedro de Andrade (1977); Gabriela, Cravo e Canela, de Bruno Barreto (1983); Memórias do Cárcere, direção de Nelson Pereira dos Santos (1984); Césio 137 – O Pesadelo de Goiânia, direção de Roberto Pires (1990). Em novelas fez parte do elenco de Nenhum Homem é Deus, na TV Tupi de SP, com Walmor Chagas, Lilian Lemmertz e Othon Bastos (1969); João da Silva, com Lourdes Mayer, na TVE e O Noviço, adaptado por Mário Lago na TV Globo em 1975. Fez diversos teleteatros na TV Cultura de SP dirigido por Antunes Filho. Foi também dramaturgo e escritor. (Fontes: Wikipédia, Elenco Brasileiro, Pró-TV, Astolfo Dutra/Facebook, Todo Teatro Carioca)

(33) Elísio de Albuquerque iniciou sua carreira no teatro amador em Manaus, onde nasceu. Convocado para a Segunda Guerra Mundial, participou da lendária batalha de Monte Castelo, em 1945, a primeira vitória brasileira durante o conflito entre as forças aliadas e as tropas alemãs. No teatro, “participou de peças históricas do teatro brasileiro”, como A Moratória, de Jorge Andrade, em 1954, e Senhora dos Afogados, de Nelson Rodrigues, em 1947.  Fez parte do TBC, do Teatro dos Doze e integrou o elenco de diversos espetáculos. Paralelamente, mantinha uma promissora carreira na televisão, onde deu vida a personagens inesquecíveis, como o grande vilão Dom Rafael em O Direito de Nascer, em 1964, e Adalberto Dias Leme, o milionário, em Antonio Maria, de Geraldo Vietri. Chegou a atuar em diversas peças do Grande Teatro Tupi, junto com Fernanda Montenegro, Sérgio Britto, Nathália Timberg. No seriado Sítio do Pica-pau Amarelo da mesma emissora foi o Visconde de Sabugosa. Fez cinema também: Modelo 19Suzana e o PresidenteA Passionata e A Família Lero-Lero. Na TV Cultura estava sempre presente nos especiais teledramatúrgicos dirigidos por Antunes Filho. (Fontes: PróTV, Wikipedia, Elenco Brasileiro).

(34) Atriz, diretora, crítica, escritora, educadora, a gaúcha Luíza Barreto Leite projetou-se nacionalmente fazendo cinema nas décadas de 1940 e 1950. Estreou em 1946 em dois filmes de Moacyr Fenelon: Sob a Luz do meu Bairro e Fantasmas por Acaso. Sua carreira cinematográfica inclui Luz dos meus Olhos (José Carlos Burle, 1947), Terra Violenta (Edmond F. Bernoudy, 1948), Inconfidência Mineira (Carmen Santos, 1948), Falta Alguém no Manicômio (José Carlos Burle, 1948), Mãe (Teófilo de Barros Filho, 1948), Caminhos do Sul (Fernando de Barros, 1949), Aí vem o Barão (Watson Macedo, 1951), Areias Ardentes (J. B. Tanko, 1958), Sinfonia Carioca (Watson Macedo, 1955), Insônia (Emmanuel Cavalcanti, 1982). Atuou em dezenas de peças e foi uma das fundadoras do grupo Os comediantes, que estreou com o espetáculo A Verdade de Cada Um, de Luigi Pirandello, dirigido por Adacto Filho. Em seu currículo, constam dezenas de peças. Só na década de 1940 foram mais de 20. Entre elas, Uma Tragédia Florentina, É Proibido Suicidar-se na Primavera, A Mulher sem Alma, O Pecado Original, A Megera Domada, Dias Felizes, Já é Manhã no Mar. Nos anos 1950,  só para citar algumas, A Falecida, A Raposa e as Uvas, A Voz Humana, Carlota Joaquina, Escola de Viúvas, O Anjo. Em 1966 estava em Onde canta o Sabiá e Circo da Alegria e, em 1975, em Rei Lear. Dona de uma das mais fortes personalidades do seu tempo, em 1965 escreveu A mulher no Teatro Brasileiro. Lançou uma coleção de livros sobre a arte teatral, Teatro e Criatividade, na década de 1970. Foi diretora do departamento de radioteatro da Rádio Mec, dona de restaurante no Paraná, professora no Acre e, em Piraquara (PR), trabalhou recuperando presos num manicômio judiciário. Uma mulher admirável, uma artista de todos os tempos, cuja vida marcante nos palcos, nas telas, nas artes, na educação não cabe num livro, imagina em uma nota. (Fontes: Mulheres do cinema brasileiro, Wikipédia, Elenco Brasileiro, Pró-TV)

(35) Helio Colonna estreou em 1948 na peça A Rainha da Morte. Teve uma carreira curta, que durou até 1962, quando escolheu deixar a vida. Segundo amigos próximos, devido a um desencanto amoroso. Na sua filmografia constam Tem Boi na Linha, comédia de 1957 com Zé Trindade, Wilza Carla, Aída Celeste, Leny Everson, Orquestra Tabajara; O Batedor de Carteiras, com Zé Trindade na pele do malandro Benedito, acompanhado de grande elenco e com Maysa interpretando Meu Mundo Caiu (1958); No Mundo da Lua, comédia de Roberto Farias com Walter D’Ávila, Violeta Ferraz, Reginaldo Farias, Consuelo Leandro, Zélia Hoffmann (1958); Massagista de Madame, que Victor Lima dirigiu com Zé Trindade, Renata Fronzi, Nancy Wanderley, Estelita Bell, Iris Bruzzi (1958); Pintando o Sete (1960), com Oscarito, Grande Otelo, Sonia Mamede e Ilka Soares; Pequeno por Fora, roteiro de Chico Anysio, com Walter D’Ávila, Angelita Martinez, Jackson do Pandeiro (1960);  O Dono da Bola, de J. B. Tanko, com Ronald Golias, Grande Otelo, Costinha, Norma Blum (1961); As Testemunhas não Condenam, com Manuel da Nóbrega, Carminha Mascarenhas, Rafael de Carvalho (1962); As Sete Ervas, comédia com direção de Carlos Manga que tem no elenco Cyl Farney, Zélia Hoffman, Marly Bueno, Odete Lara, Paulo Autran, Adriano Reis (1962). No teatro, integrou o elenco de shows cênicos e revistas teatrais como Esta Vida é um Carnaval, de Carlos Machado e Paulo Soledade apresentada no teatro Jardel em 1954; Satã dirige o espetáculo, do mesmo rei da noite, Carlos Machado, no Casablanca (1953); Este Rio Moleque, na mesma boate da praia Vermelha, Casablanca, com Grande Otelo; Banzo Aiê, na boate Night and Day, liderada por Grande Otelo (1956); Sua Excelência, a Vedete, com Virgínia Lane, no teatro Follies, em 1957. Que pedaço de mau caminho, no Teatro Rival (1958). Na televisão, participou dos Espetáculos Tonelux e em especiais do Teatro Philco da TV Rio: Assassinato a Domicílio e Se eu Quisesse (1956). (Fontes: Wikipédia, Cinemateca Brasileira, Adoro Cinema, Sebo nas Canelas, Dicionário Cravo Albin, Enciclopédia Itaú Cultural)

(36) “A tele-atriz Sylvia Orthof, do Canal  7, ficou noiva do ator Laércio Navarro, galã da novela A Muralha, transmitida há tempos pela TV Record.”(Revista do Rádio, 1953)
“A mesma pessoa nos contou que Sylvia Orthof e Laércio Navarro desfizeram seu noivado.” (Matos Pacheco, Diário da Noite, 29.10.1954).

Até o momento, foi tudo que conseguimos sobre Laércio Navarro, que interpretou o galã na primeira das cinco adaptações para a televisão do livro de Dinah Silveira de Queiroz, A muralha, em 1954. A obra festejava o quarto centenário da cidade de São Paulo e foi a primeira telenovela escrita por Ivani Ribeiro. Exibida pela TV Record, com direção de J. Silvestre, tinha no elenco Fernanda Montenegro, Rolando Boldrin, Lolita Rodrigues, Gilberto Chagas, Gessy Fonseca, Ivone Sampaio, Nicia Moraes e Sylvio Silveira. (Fonte: Wikipédia, Teledramaturgia, Memória da TV)

(37) José Zanine Caldas é um camisa dez da arquitetura: arquiteto, designer, maquetista, paisagista e urbanista. Mais: defensor apaixonado das nossas matas. Quando Lúcio Costa, um dos criadores de Brasília, visitou pela primeira a casa de Zanine na Joatinga, se comoveu como muitos outros que tiveram a sorte de conhecer “a construção de madeira aberta para a paisagem e repousada sobre o penhasco à beira-mar”.  Temos uma sugestão para quem quiser conhecer o arquiteto e admirar suas obras: o documentário Zanine – Ser do arquitetar de André Horta. (Fonte: Casa Vogue)

(38) Vindo da Polônia, Frans Krajcberg chegou no Brasil em 1948 depois de perder toda a família num campo de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. O homem que transformava troncos queimados em obras de arte, o artista plástico tantas vezes premiado no Brasil e no mundo, transformou sua arte num grito de revolta contra a destruição da natureza. “A minha vida é essa, gritar cada vez mais alto contra esse barbarismo que o homem pratica”, revelou. “Quero que minhas obras sejam um reflexo das queimadas. Por isso uso as mesmas cores: vermelho e preto, fogo e morte.” (Fonte: Ecycle, Conexão Planeta)

(39) Desde que o Rio de Janeiro tomou o lugar de Salvador como capital do Brasil, ainda no tempo colonial, começou a ser cultivada a ideia de transferir a capital para o interior do Brasil. As cidades mais cotadas eram São João del Rey (predileta de José Bonifácio) e Paracatu, em Minas Gerais, e Formosa, no estado de Goiás. Esse desejo foi parar na Constituição em 1891, “que determinava a reserva de uma área de 14.400 km2″ para abrigar uma nova capital”. Durante sua gestão, em 1892, o presidente Floriano Peixoto formou a Comissão Exploradora do Planalto Central, que demarcaria a localização atual de Brasília. Conhecida como Missão Cruls, por ser liderada pelo engenheiro belga Louis Ferdinand Cruls, a equipe partiu do Rio em junho de 1892, “realizando demarcações de área e registrando dados sobre a fauna, a flora e os hábitos dos moradores do sertão brasileiro”. (Fonte: Brasília, a capital de todos os brasileiros, Educacional, sala de aula)

(40)  O Hospital dos Estrangeiros ficava em Botafogo, na encosta da rua Goes Monteiro, onde no final dos anos 1960 foi erguido aquele que se tornaria um dos símbolos da especulação imobiliária, o condomínio Morada do Sol. Como o idioma oficial era o inglês, ficou conhecido como Hospital dos Ingleses. (Fontes: Rio que passou, Saudades do Rio)

(41) Declaração do Maestro Paulo Burgos, Correio Braziliense, Fev. 1965

(42) Ator, diretor, dramaturgo, cenógrafo, figurinista e artista plástico, Antonio Murilo Eckhardt foi mais uma testemunha de uma cidade em construção, Brasília, onde vive desde sua inauguração. Chegou aos 17 anos ao lado da mãe, funcionária do Ministério da Justiça, e foi estudar no Elefante Branco, onde se formou o primeiro grupo amador de teatro brasiliense. O jovem virou “mestre e revolucionou a cena teatral do DF”. (Fonte: Murilo Eckhardt pintou o teatro brasiliense de cores vivas, Metropoles)

(43) “Meu marido teve uma proposta de vir pra Brasília dirigir a sucursal do Correio Paulistano. Vim num avião chamado Conver. Nós saímos à tarde, de São Paulo, e chegamos à noite. Não se via Brasília, só umas luzinhas. Brasília, todo lado que eu olhava, era prédio subindo, lacerdinhas voando. Era assim, fantástico, era uma aventura.” Assim a historiadora Golda Pietricovsky conta como foi sua chegada a Brasília no livro Poeira e Batom no Planalto Central – 50 mulheres na construção de Brasília. Funcionária pública da Câmara dos Deputados e vice-presidente da Associação Cultura Israelita de Brasília, Golda é uma das pioneiras da capital do Brasil. (Fonte: Metrópoles)

(44) Chamado carinhosamente por Chico Xavier de “Formiguinha da Luz”, o poeta nascido no sertão paraibano em 1924 assombrava as rodas de boêmios em João Pessoa por sua extraordinária memória. Não era seu único dom: a intimidade com as palavras e a poesia o levaram longe, conquistando a amizade e a admiração de poetas como Catulo da Paixão Cearense e Mário Quintana, músicos como Arthur Moreira Lima, Paulinho Nogueira, Silvio Caldas, Jacob do Bandolim, Rolandro Boldrin, políticos como Juscelino Kubistchek, cineastas como Anselmo Duarte, escritores como Silveira Sampaio, indigenistas como Orlando Villas Boas – só para citar algumas celebridades. Os saraus realizados em sua casa, combinando música com poesia, atraíam boêmios de todas as rodas e deliciavam a esposa Annabel. Euricledes Formiga foi um abençoado: viveu a vida toda de escrever. Seja como poeta, seja como jornalista, seja como escritor. (Fonte: Olhar Direto)

(45) José Santiago Naud foi batizado com o nome da cidade em que nasceu no Rio Grande do Sul: Santiago. Professor fundador da Universidade de Brasília (UnB), onde lecionava letras clássicas, deu aulas também nos Estados Unidos, nas universidades de Yale e UCLA. Também foi pioneiro na história de dois outros órgãos: Instituto Histórico e Geográfico do DF e Associação Nacional dos Escritores, que o definiu como “formidável poeta, professor e intelectual brasileiro”. Foi chefe de estudos brasileiros pelo Ministério das Relações Exteriores na Bolívia, na Argentina, no Panamá e no México. Amigo de Carlos Drummond de Andrade, Naud publicou 21 livros, entre eles Pedra azteca (1985), Memórias de signos (1993) e Antologia Pessoal (2001). (Fonte: Correio Braziliense)

(46) Esse era um dos nomes da grande Clementina de Jesus: Rainha Quelé. Cantora popular de voz potente e inconfundível, “que reverenciava os laços entre Brasil e África com cânticos religiosos em iorubá” . “Baobá da cultura afro-brasileira”, marcou seu nome na história do samba. Neta de africanos e filha de ex-escravos, Clementina nasceu em Valença, em meio a rodas de jongo. Iniciou sua carreira em meados da década de 1960, aos 64 anos de idade, ao conhecer Hermínio Belo de Carvalho. Juntos fizeram o histórico Rosa de Ouro, show que reunia Aracy Cortes e Clementina ao lado de Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, Anescarzinho do Salgueiro e Nelson Sargento. “Clementina, cadê você, cadê você, cadê você?” (Fontes: Geledes, Sambrasil, Enciclopédia Itaú Cultural)

(47) Negrão de Lima foi governador do estado do Rio de Janeiro de 1965 a 1971.

(48) Tarso Dutra foi ministro da Educação e Cultura do General Artur da Costa e Silva. Sua gestão foi marcada por intensos conflitos com os estudantes, insatisfeitos com as medidas implementadas. “Integrou a comissão responsável pela revisão final do texto do AI-5”, atitude da qual não se arrependeu, segundo entrevista dada ao Jornal do Brasil. (Fontes: Fundação Getúlio Vargas, Folha de São Paulo)

(49) Paisagista, designer e artista plástico, Luiz Fernando Cosac formou-se em arquitetura pela UnB. Foi diretor de teatro, cenógrafo e iluminador. O primeiro cenário assinado por ele foi para o espetáculo Caravelas, de Sylvia Orthof, “um dos marcos inaugurais do teatro na capital federal”. A dupla fez também Cristo versus Bomba e Auto da Compadecida. Foi iluminador e um dos produtores do show Homem de Neanderthal, de Ney Matogrosso, em 1975: “Um forte cheiro de incenso. De repente tudo se apaga e entram em cena os músicos. O holofote acompanha algo que se arrastava pelo chão, como um bicho. Era Ney que entrava em cena cantando “Homem de Neanderthal”, que falava de um homem primitivo que vivia a beira de um rio”. Foi curador e realizador de inúmeras exposições culturais, como a de Renato Russo Manfredini Júnior, que reunia fotografias, desenhos, manuscritos, figurinos, recortes de jornais e revistas, instrumentos musicais e registros de shows em vídeo no Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília (CCBB, 2004); e a exposição Uai , que abordava a paixão pelo estado de Minas Gerais, em 2007. Dois anos depois, foi a vez de Eternamente Dulcina Uma Vida Dedicada Ao Teatro. (Fonte: Ipameri – Interior de Goiás, Facebook)

(50) Marlui Miranda, graduada em arquitetura pela Universidade de Brasília e em regência pela Faculdade Santa Marcelina (SP), é uma compositora, cantora e pesquisadora da cultura indígena.

(51) Cearense de Fortaleza, formada em artes plásticas pela UnB, Ana Maria Miranda é escritora. Boca do Inferno, seu primeiro romance lançado em 1989, tem como cenário a Bahia do século XVII e como personagens o poeta Gregório de Matos e o jesuíta Antonio Vieira. Premiado como o Prêmio Jabuti de Revelação em 1990, foi traduzido para vários idiomas e incluído na lista dos cem maiores romances em língua portuguesa do século XX. O retrato do Rei (1991) aborda o ciclo do ouro em Minas Gerais. Em 1995 é a vez do poeta Augusto dos Anjos ser o tema central do seu terceiro romance, A última quimera. Desmundo, de 1996, é sobre as órfãs trazidas de Portugal para se casarem com os colonos do Brasil. Foi adaptado para o cinema por Alain Fresnot, cineasta francês que vive no Brasil. Seguiram-se a novela Clarice (sobre Clarice Lispector), o romance Amrik (a saga dos imigrantes árabes em São Paulo), Dias e Dias (Gonçalves Dias), Yuvin, alma que vem acompanhado de um cd com músicas de sua irmã, Marlui Miranda. (Fonte: Wikipédia)

(52) O velejador Cristiano da Rocha Miranda foi bicampeão mundial de vela da categoria juvenil em 1963.

(53) O poeta e dramaturgo Garcia Lorca acreditava no teatro como agente de transformação social. Foi diretor do La Barraca, um grupo teatral financiado pela Segunda República da Espanha. A troupe percorria as áreas rurais do reino da Espanha, encenando clássicos teatrais espanhóis com “releituras modernas”.  De graça. “Fora de Madri, o teatro, que é na sua essência uma parte da vida das pessoas, está quase morto, e as pessoas que sofrem juntamente, como se tivessem perdido seus dois olhos, ou ouvidos, ou o paladar. Nós estamos indo para dar isto de volta para eles.” (Fonte: Cultura Espanhola)

(54) Junto com as duas filhas ainda pequenas – Ana Miranda e Marlui Miranda – Zuíla Cesar Nóbrega passou dois no Rio de Janeiro enquanto o marido e pai das crianças ajudava a construir a capital do Brasil. Quando a casa enfim ficou pronta, lá se foram as três para Brasília: “Impressionou-me a terra vermelha e plana”, diz Ana em entrevista. “Nem uma montanha, nem florestas, parecia um deserto vermelho. O mato era marrom e preto, ressecado, queimado, um verde ali, outro acolá, árvores isoladas, retorcidas e os ipês-amarelos, redemoinhos, uma vegetação estranha, flores absurdas, como a caliandra, e uma fauna incrível, lobos guarás, tucanos. Não havia mar. As casas eram quadradas, geminadas, os móveis estranhos. Tratores para todo lado, manilhas, caminhões, valas, montes de material. Pensei, em minha mente infantil, que era outro planeta.” (Fonte: Casa do Ceará, A escritora Ana Miranda recebeu a Sereia de Ouro)

Pesquisa de fotos: Antonio Carlos Bernardes. Acervo: Claudia Orthof