Primeiras Lembranças e Formação Profissional
Nasci no interior do sertão baiano, na cidade de Xique-Xique, mas passei boa parte da minha infância e juventude em Feira de Santana, Bahia. A primeira peça que assisti foi Os Saltimbancos, montado por um grupo aqui de Salvador, eu tinha cinco anos. A apresentação aconteceu em Feira de Santana. Infelizmente, não assisti muitos espetáculos neste período e com dezesseis anos eu vim morar em Salvador.
Sou bacharel em Artes Cênicas pela UFBA – Universidade Federal da Bahia, pós-graduada em Psicopedagogia e mestre em teatro pela UFBA. Apesar de ter começado no teatro adulto trabalhando como atriz, minha vida acadêmica sempre foi pautada por trabalhos com crianças. Meu último espetáculo como atriz, antes de trabalhar com a Companhia Novos Novos, foi Paparutas, dirigido pelo Lázaro Ramos. Eu saí deste caminho, pois achava difícil o processo de atriz. Quando comecei a enveredar pela direção, fui percebendo que este era meu caminho.
Em 1993 a Reitoria de Extensão da UFBA tinha um projeto com os estudantes de teatro para trabalhar com grupos de apoio às crianças com câncer. A proposta inicial era ser um projeto mais recreativo e trazer alegria para aquelas crianças. No segundo ano da faculdade fui selecionada para este estágio. Era um trabalho muito delicado por causa de suas características especiais. O coordenador das atividades era um professor chamado Sérgio Farias. Mas o que me levou propriamente a fazer teatro para crianças foi um curso que resolvi abrir para ensinar crianças, no último semestre da faculdade. Me formei em 1995 e este curso acabou ao mesmo tempo. Acabei me casando, tive filho e fiquei afastada de tudo por dois anos.
Os Novos Novos
Em 1997, vim para o Teatro Vila Velha para dar aulas de teatro para crianças. Em 2000, o Márcio Meirelles, então diretor do teatro, estava montando um espetáculo adulto, chamado Pé de Guerra, que tinha um núcleo infanto-juvenil, e por isso me chamou para trabalhar como assistente de direção deste núcleo. Assim, acabei trazendo também algumas crianças do curso para atuarem no espetáculo. Quando terminou a temporada, em 2001, resolvemos fundar, com aquelas crianças, a Companhia Novos Novos. Uma companhia formada por elenco infanto-juvenil de diversas realidades sociais que busca refletir sobre o posicionamento da criança e do adolescente em relação ao mundo ao seu redor. O nome é uma homenagem aos fundadores do Teatro Vila Velha, que se chamava Companhia de Teatro dos Novos. Já o segundo Novos é referente ao trabalho com crianças, os novos artistas, o que estar por vir.
Apesar de o Teatro Vila Velha ter enorme importância para a companhia, para as apresentações e para desenvolvermos projetos maiores, creio que seria importante se tivéssemos um espaço próprio, para que nós crescêssemos e desenvolvêssemos nossa prática e atingíssemos outras crianças e não apenas as que estão em cena.
Trabalhamos com crianças, adolescentes e jovens, e dividimos os integrantes em três núcleos: o Núcleo dos Atores aprendizes, com idade de cinco a vinte anos, o Núcleo dos Artistas Colaboradores, que agrega profissionais de diferentes áreas artísticas, e o Núcleo dos Pais. No momento estamos num período que alguns estão com 21 e 22 anos e já fazendo faculdade. Mais cedo ou mais tarde, eles não terão mais o perfil para ficar no elenco da companhia, embora eu quisesse continuar a fazer teatro com eles. Entretanto, no momento, não temos uma estrutura física e financeira que comporte tanta gente, porque além dos espetáculos, nós trabalhamos também com projeto escola, fazemos intercâmbios etc. Nós já conseguimos estabelecer uma rede que inclui Argentina, África e Inglaterra.
O interessante dessa rede é a diferença cultural em relação a estes lugares. Na Argentina, por exemplo, eles trabalhavam com cerca de duas mil crianças e o foco deles não era teatro, mas o esporte. O teatro servia apenas como ferramenta para trabalhar a dinâmica com aquelas crianças. O grupo ficava localizado numa região da grande Buenos Aires, um subúrbio da capital Argentina e lá a arte era trabalhada para instigar, um meio para desenvolver um trabalho maior com eles.
O Processo de Criação
Em 2001, nós montamos nosso primeiro espetáculo, Imagina Só… Aventura do Fazer. Usamos as crônicas de Carlos Drummond de Andrade e a poesia Mariana, do autor infanto-juvenil de Porto Alegre, Sergio Caparelli. Nas nossas produções nsempre usamos música ao vivo. Como em todos os outros espetáculos do grupo Novos Novos, sempre partimos da literatura, que é nossa constante fonte de inspiração. Nunca pensamos em produzir espetáculos para uma faixa etária específica. Primeiro elegemos um tema, baseado na vontade e necessidade de expressão do grupo. Nesta etapa, as crianças participam bastante e são decisivas na escolha do tema.
Com o tema escolhido, a equipe artística também entra neste diálogo e coloca em prática as ideias. Depois que os textos estão mais organizados, convidamos um dramaturgo para trazer um conceito a partir de nossas improvisações. É importante ressaltar que todos os jovens da companhia entram em cena. No início eram apenas treze, mas em nosso último trabalho tivemos no elenco quarenta jovens, entre crianças e adolescentes. Nosso principal objetivo com as crianças da companhia é que elas tenham propriedades e que seus potenciais sejam trabalhados, independente se vão ser ou não futuros atores, este não é o objetivo.
Os Espetáculos
Em 2003, nós montamos o segundo espetáculo que foi o Mundo Novo Mundo. Este projeto surgiu de uma viagem que fiz para Londres com jovens fazedores de arte, a convite do Lift – Festival Internacional de Teatro de Londres. Fui para acompanhar, a Elaine Adorno, integrante da companhia que na época tinha onze anos de idade. O tema do encontro era sobre questão do futuro, pois recentemente tinha acontecido o episódio do 11 de Setembro. O debate a partir deste acontecimento, era sobre a perspectiva das crianças e jovens e o que eles esperavam do futuro.
Quando voltamos da Europa, conversei muito com o grupo e chegamos à questão da Ecologia, mas também decidimos falar sobre o preconceito, a solidariedade e sentimentos como raiva, medo, esperança e amor. Encontrei o livro O Barão nas Árvores, do Ítalo Calvino, que tinha um personagem chamado Cosme que por protesto não descia nunca da árvore. Apesar de ser um texto difícil, nós conseguimos usa-lo para as improvisações e este personagem acabou ficando no espetáculo.
Experiência Internacional
Quando comemoramos os 40 anos de existência do Teatro Vila Velha, montamos Alices e Camaleões, a partir de estudos sobre o disco Yellow Submarine dos Beatles, e como muitos dos atores já estavam na adolescência, procuramos fazer uma peça mais colorida, mais arejada. Optamos por este tema porque o teatro foi criado em plena ditadura. Foi no dia primeiro de abril, de 1964, que teve início o período militar no Brasil e naquele mesmo ano, em julho, o Teatro foi inaugurado.
Em 2006, estreamos Diferentes Iguais, um espetáculo realizado somente com os adolescentes da companhia. Este projeto surgiu de um trabalho de intercâmbio de seis meses que o grupo fez em Manchester, na Inglaterra, chamado Contacting The World. A troca de conhecimento e informações entre culturas diferentes foi muito intensa e demandou um trabalho muito complexo do grupo para refletir as informações recebidas e ao mesmo tempo manter a cara da companhia. Mesmo com a comunicação constante entre os diretores das companhias, o mais importante era a troca de experiências entre os jovens, que eram nossos verdadeiros portadores de informações.
Confesso que o inglês foi uma grande barreira para mim, mas alguns adolescentes falavam bem a língua e no final não houve problema. Por outro lado, as crianças que não falavam bem, ou não falavam inglês nenhum, acabavam se isolando das demais. Esta questão da língua e como ela ao mesmo tempo aproxima e afasta, foi inserida por nós na peça. Nós estreamos lá uma versão que misturava português, inglês e línguas inventadas, por isso na concepção prevaleceu a comunicação estabelecida através das impressões estéticas do que pelos diálogos em si.
Ainda em 2006, nós apresentamos, num mesmo período, nossos três primeiros espetáculos, que chamamos Uma Trilogia Infanto-Juvenil. Foi um trabalho muito interessante, pois as crianças que participaram, num total de sessenta, mesmo não sendo do elenco fixo da companhia, absorveram bastante as peças. Foram crianças do Projeto Vila Novos Novos e durante três meses desenvolvemos oficinas de teatro, dança e de outras linguagens desenvolvidas para se chegar a um espetáculo. Ao final, os alunos seguiram para as áreas que tinham mais aptidão e alguns foram incorporados na companhia.
No ano seguinte, em 2007, nós montamos Ciranda do Medo, considerada a produção mais rápida que elaboramos. O processo foi bem diferente dos outros trabalhos. Desta vez, nós já tínhamos um texto pronto escrito pela Sonia Robato, baiana e uma das fundadoras do Teatro Vila Velha. Nosso desafio foi adaptar sua ideia inicial para nossa realidade, criando novos personagens. Em 1964 ela foi para São Paulo e fundou com Ruth Rocha, também escritora, a Revista Recreio. A Sonia sempre teve uma participação ativa nesta área da literatura infanto-juvenil e acompanhou todo o processo de criação da peça.
Público e Registro
Nós sempre tivemos um bom público, nossos espetáculos sempre tiveram uma boa repercussão, um bom espaço de mídia. É um trabalho que é reconhecido mais pela mídia do que pela classe propriamente dita.
Mesmo sendo um grupo recente, em 2010 completamos dez anos, nós temos publicados todos os nossos trabalhos, pois é importante preservar nossa história com textos e possuir um material palpável. Para isso, nós contamos com a colaboração do jornalista Edson Rodrigues que sempre teve a visão da importância destes registros. O Edson já trabalhou em vários cadernos de cultura dos jornais de Salvador e foi o dramaturgo da maioria dos nossos textos. E em todos os programas dos nossos espetáculos, ele procurou divulgar e registrar nossa história.
A Dissertação de Mestrado
Minha dissertação A Cena da Novos Novos: Percursos de um Teatro com Crianças e adolescentes buscou revelar toda a mecânica da Companhia Novos Novos. Para tanto fez-se necessário narrar a história do Teatro Vila Velha, como ele surgiu, sua filosofia e importância no nosso contexto artístico nacional. O foco do trabalho era a estrutura da companhia, como ela funciona e qual o porquê de estarmos fazendo este tipo de trabalho. Foi importante ressaltar também que era um trabalho realizado dentro de um Teatro, o que já é um diferenciador e contribui bastante no processo de criação. No primeiro capitulo abordei todo o histórico do Teatro e sua relevância. No segundo, analisei sobre o fazer teatral e a importância das crianças neste processo. E no terceiro eu explano sobre a companhia e os motivos para fazer teatro com e para crianças, o que se busca em cena com eles, sempre enfatizando que, mesmo sendo feito por crianças, são produções profissionais com qualidade. Entretanto, após a defesa percebi que o trabalho precisava de novos acréscimos, pois ao longo do período que estava produzindo a dissertação a companhia sofreu algumas transformações, afinal trata-se de um trabalho em progresso.
2001 – Imagina Só… Aventura de Fazer, Edson Rodrigues
2003 – Mundo Novo Mundo, de Edson Rodrigues
2004 – Alices e Camaleões, de Edson Rodrigues
2006 – Diferentes Iguais, de Edson Rodrigues e Fábio Espírito Santo
2006 – Diferentes Iguais (Livro)
2006 – Uma Trilogia Infanto-Juvenil, remontagem de Imagina Só, Mundo Novo Mundo e Alices e Camaleões
2007 – Ciranda do Medo, de Sonia Robatto
Depoimento dado à Antonio Carlos Bernardes, no Teatro Vila Velha, em Salvador, no dia 26 de março de 2009.