Marcos Achér e Carmen Frenzel estão no elenco de A Inacreditável História de Marco Polo e sua Exuberante Viagem ao Oriente. Crédito: Camila Maia

Matéria publicada no Jornal O Globo (Bairros)
Por Virgínia Honse – Niterói – 12.06.1996

Teatro Infantil não é Brincadeira

A classe discute a qualidade dos espetáculos e reclama mais incentivos

Qualidade e incentivo entram em pauta na discussão sobre o teatro infantil em Niterói. Diretores, atores, produtores, figurinistas, muitos inclusive trabalhando no Rio, são unânimes em considerar que a Prefeitura e os governantes, de um modo geral, estão no papel do vilão, por absoluta falta de interesse em ajudar as montagens.

Com isso, o circulo vicioso de produções duvidosas tropeça no preconceito e chega às salas de espetáculo que hoje, basicamente, limitam-se a duas para os infantis: o Teatro da UFF e o Municipal, este último, ainda assim, com restrições à presença das crianças, porque elas podem avariar o mobiliário, preocupação que acabou alijando as crianças também no Teatro Abel.

Mas afinal, quem é que vai formar o público? Sem incentivo, fica difícil manter a qualidade e, sem qualidade, como formar plateias? Esta é a questão central, além da falta de espaço reclamada por alguns profissionais e refutada por outros que, desistindo de Niterói, partiram para o Rio.

Caso da produtora Márcia Eltz, em cartaz atualmente com A Inacreditável História de Marco Polo e sua Exuberante Viagem ao Oriente, uma montagem do Núcleo de Teatro para a Infância, com roteiro e direção de Dudu Sandroni, até o final deste mês no Teatro da UFF. Para Márcia, que produziu também, A Caixa de Música de Bia, que está no Municipal, o que falta é apoio cultural e patrocínio:

– No Rio, o teatro infantil está superando o adulto, em qualidade. Mas enquanto a Prefeitura do Rio investe milhões para levar espetáculos a praças e hospitais, nós aqui em Niterói carecemos de investimentos. Existem profissionais capacitados, mas faltam apoio cultural por parte dos órgãos governamentais e leis que incentivem o patrocínio do empresariado.

Então, será que a Gulta, dublê de atriz e faz-tudo do grupo Artistando, vai ter que continuar perambulando todo fim de semana pelo Campo de São Bento para divulgar as produções de Jorge Azevedo?

Para o figurinista Ney Madeira (A Inacreditável…, Malandragens de Scapino, O Cabaré La Boop) há, de fato, um certo preconceito do próprio público em relação à produção dos infantis em Niterói:

– Estou meio afastado dos infantis agora, mas continuo com essa impressão. E não sei por que não se criam em Niterói, horários populares ou festivais de teatro infantil, por exemplo. A formação de plateia é fundamental.

O diretor Leonardo Simões é da mesma opinião. Fundador do grupo Dois Pontos, um dos mais profissionais da cidade, ele, que é funcionário da UFF há dois anos, está agora experimentando o outro lado da moeda: ajuda a fazer a programação do teatro no projeto Vamos ao Teatro da UFF. E Simões, que sempre fez questão de qualidade, diz que agora mesmo é que não abre mão dela.

– Minha geração tem a prática de aprender a fazer. O que é legal, mas leva a vícios, inclusive ao de limitar-se às coisas de um ponto só. O pessoal do Dois Pontos sempre circulou por outros grupos, inclusive no Rio. Isso traz respiração extra, sangue novo.

Leonardo acredita que é por aí: é preciso estar além das relações pessoais pois, apesar de serem cômodas, são também limitantes:

– Numa época em que tudo gira em torno da qualidade total é necessário pensar, e muito, sobre a qualidade dos espetáculos. O Dois Pontos, por exemplo, acabou optando por amparar-se numa empresa, a Terceiro Sinal Produções Artísticas Ltda., para fugir ao caráter pessoal das negociações em torno das produções.

Leonardo pensa ainda que uma boa saída para contornar as limitações que a classe enfrenta seria a abertura de um espaço experimental em Niterói, que não fosse usado para pautas normais, de grupos já estruturados.

– Mas, de uma maneira geral, acho que a limitação de espaço na cidade tem um saldo: quem quer fazer tem que sair da concha. Não pode haver teatro infantil de Niterói ou teatro infantil do Rio. Tem que haver teatro infantil.

Ressentido com o fato de não ter estreado na UFF este ano, o diretor do grupo Papel Crepom, Eduard Roessler, acabou faturando o palco do teatro Municipal para estrear O Fantasminha da Ópera, em abril. A peça tem hoje sua última apresentação no Abel, onde entrou como infanto-juvenil.

– A temporada no Municipal teve casa cheia o tempo todo. No primeiro dia, colocamos quase 400 pessoas no teatro, quando a lotação é de 435 – comenta Roessler.

Ele acha que a falta de espaço é rigorosamente o maior problema do teatro infantil:

– Niterói é difícil de divulgar, mas o grupo tem mantido uma sequência de trabalho o ano inteiro, inclusive em várias capitais do país.

O Fantasminha da Ópera é uma produção de R$ 8.500, muito dinheiro para um grupo de Niterói segundo Roessler. Ele acha que este ano está sendo um dos mais difíceis para a equipe, mas ressalta que isto vem servindo para espantar o marasmo.:

O fato de não ter tido pauta para o Papel Crepom em abril na UFF, como acontecia todos os anos, foi bom porque nos obriga a pensar em todos os estados e não apenas em nossa cidade. Estamos levando as montagens de Peter Pan, Aladin e A Bela Adormecida a todo o Brasil.

Os atores Marcos Achér e Carmen Frenzel, ambos crias do Dois Pontos e no elenco de A Inacreditável… acham que escapar para o Rio foi uma coisa natural. Marcos diz que já tinha trabalhado com todo mundo que o interessava em Niterói:

– Quando me formei, em 1988, fui para o Centro de Demolição e Construção do Espetáculo, de Aderbal Freire-Filho, e à partir daí a gente formou o Núcleo de Teatro para a Infância, com direção de Dudu Sandroni. A coisa que mais gosto é fazer teatro infantil porque adoro trabalhar com crianças. Me interessa horrores saber que estou formando plateias.

Carmen Frenzel também trabalhou com Aderbal, mas não tem preferência por espetáculos infantis. Os dois estão no elenco de Ludi na TV, que vai para o Centro Cultural Banco do Brasil em julho, e foi o único espetáculo a conseguir patrocínio da casa este ano. Prova de que Niterói pode. Basta querer.