Entrevista publicada no Informativo Teatro de Anônimo
Vinicius Longo – Rio de janeiro – 19.10.2007
Viva as crianças!
Marcia Frederico e atriz, produtora e diretora teatral da Cia de Teatro Medieval. Atualmente é presidente do Conselho de Administração do CBTIJ – Centro Brasileiro de Teatro para a Infância e Juventude, instituição sem fins lucrativos, criado em dezembro de 1995 por profissionais da área de teatro para crianças, que visa a união dos profissionais da área e expansão de um teatro de qualidade que contribua para a formação da infância e da juventude brasileira. É também representante no Brasil da ASSITEJ – Associação Internacional de Teatro para a Infância e Juventude.
Só neste ano de 2007, a instituição já organizou eventos, como: 5° Seminário Nacional CBTIJ de Teatro para a Infância e Juventude, CBTIJ em Ação – Boa Praça, CBTIJ em Ação – Criança Feliz, Programação Teatro para Crianças Antonio Fagundes, a 7ª Mostra SESC CBTIJ de Teatro para Crianças e foi o mentor da criação do Dia Nacional do Teatro para a Infância e Juventude, dia 20 de março atualmente na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Confira a Entrevista.
Vinicius Longo: Dos anos 90 para cá, você poderia traçar algum panorama do teatro infantil no Brasil? Em que contexto surgiu o CBTIJ?
Os anos 90 foram bastante produtivos neste ramo, foi o período em que tivemos um grande número de companhias e grupos surgindo ou podendo desenvolver seus trabalhos. Em parte pela variedade de incentivos que existiam então, como os Prêmios: Coca-Cola, Mambembe, SATED, Molière, Sharp. Tínhamos também patrocínios da própria Coca-Cola, da Light. Eram promovidos, pela Coca-Cola, seminários e mesas-redondas reunindo a imprensa e diversos segmentos da produção teatral carioca. A imprensa escrita possuía em todos os jornais críticos em teatro infantil, especializados ou não. Ou seja, éramos felizes e reclamávamos, achávamos pouco. Hoje em dia perdemos o pouco que tínhamos, perdemos o espaço na mídia, não temos mais críticos, não temos mais Prêmios, apenas o Zilka Salaberry recentemente implantado. Quanto aos patrocínios temos os editais do Prêmio Myriam Muniz da FUNARTE / PETROBRAS, o FATE da Prefeitura, e a Oi Futuro com a Lei do ICMS. Apesar disso, sentimos que o período de efervescência que vivemos no princípio dos anos 90 já não existe mais, as pessoas tentam se manter e manter seus repertórios quando possível.
O CBTIJ surgiu nesse contexto de ebulição através do Ricardo Brito, que na época gerenciava as verbas da Coca-Cola através de seus projetos. Nesse período entramos em contato com o Festival de Teatro de Lyon e com ele a porta se abria para conhecermos a ASSITEJ, que é a Associação Internacional de Teatro para Infância e Juventude. Ricardo convocou os representantes de grupos, companhias e produtores constantes da área para reuniões sobre a importância de abrirmos um Núcleo no Brasil, que fosse algo que representasse uma determinada classe, que fizesse sentido para esses profissionais e que eles fossem capazes de administrar essa entidade, pois não era algo patrocinado por uma multinacional ou algo do gênero, era preciso entrar em contato com estatutos específicos que regiam tal associação. Foi aí que surgiu o CBTIJ, nome sugerido por Sílvia Aderne do Grupo Hombu, e nós estávamos lá assinando a fundação na Casa de Cultura Laura Alvim, então administrada por Marcos Edom.
Márcia Nunes: Quem são os artistas que integram o CBTIJ? Quantos grupos fazem parte hoje em dia?
O Conselho de Administração do CBTIJ é integrado por: Alberto Magalhães, Alvaro Assad, Ana Barroso, Antonio Carlos Bernardes, Fátima Café, Heloísa Frederico, Ine Baumann, Leo Carnevale, Ludoval Campos, Márcia Frederico, Marcos Edom, Mônica Biel e Sérgio Miguel Braga. Atualmente fazem parte do CBTIJ cerca de 400 associados. Em sua maioria, profissionais de teatro infantil, como diretores, autores, produtores, atores e técnicos. Mas também temos como associados da entidade, professores e profissionais de outras áreas.
Márcia: Qual o papel do CBTIJ? Nesses mais de 10 anos de instituição, quais os resultados já alcançados? E quais as dificuldades encontradas?
O Centro Brasileiro de Teatro para a Infância e Juventude é uma associação cultural sem fins lucrativos que trabalha pelo desenvolvimento de um teatro de qualidade e que contribua para a formação da infância e da juventude brasileira. Entre os objetivos da entidade está o de promover ações para a divulgação, a difusão e o desenvolvimento do teatro, defendendo a profissionalização da classe. Os resultados estarão esmiuçados mais adiante, mas em linhas gerais podemos dizer que o CBTIJ hoje tem uma sede onde podemos realizar reuniões com nossos associados, com nosso conselho e com quem mais for necessário. Em época de campanha política pudemos receber em nossas salas todos os candidatos e ouvir seus planos de governo em relação à política cultural e específica para a infância e juventude. Temos salas de ensaio disponíveis para os associados desenvolverem suas produções. Mantemos relações internacionais com as outras associações repassando para todos o panorama teatral e as solicitações de inscrição em Festivais e etc. Fomentamos projetos de circulação como a Mostra SESC CBTIJ, projetos na área de teatro-educação, como os Seminários anuais, as revistas distribuídas com o conteúdo de toda a discussão e apresentação de idéias para todo o Brasil. Exigimos um nível de profissionalização nas produções que compõem nossas mostras, o que vem servindo de modelo para outras entidades como critério de seleção para seus projetos. Estamos presentes na Secretaria de Cultura do Estado nas reuniões sobre política de ocupação dos espaços, opinando sobre as pautas e lutando por espaços dignos para o teatro infantil. Ampliamos nossa atuação nos Projetos que chamamos CBTIJ em Ação (ver adiante) e CBTIJ Criança Feliz .
Quanto às dificuldades, podemos dizer que ainda é difícil conscientizar à algumas pessoas da classe artística sobre a importância de se associar às organizações como o CBTIJ, à associação de Grupos e Companhias, à APTR e outros tantos movimentos que vêm lutando por uma união e organização maior da classe. Se essa é uma dificuldade interna na classe, imagine o que é em outras dimensões. Outro fato que estamos atentos e tomando providências diz respeito ao cumprimento da Lei dos direitos da Infância e da Juventude e que os editais de patrocínios muitas vezes não estão atentos à essa responsabilidade.
Conceitualmente ainda temos uma barreira de preconceito contra quem trabalha para as crianças, isso não é só no teatro, na educação e na saúde ainda é considerado menos importante o profissional especializado.
Vinicius: Alguma dificuldade está no campo político? Como está sendo o processo da institucionalização do dia 20 de março, como Dia Nacional do Teatro para a Infância e Juventude, no Brasil?
O CBTIJ através de sua existência tem sistematicamente entrado em contato e enviado ofícios a todos os dirigentes (municipal, estadual e federal) na luta para a defesa dos profissionais que trabalham para crianças e jovens terem os mesmos direitos dos profissionais que trabalham no teatro adulto. A esfera federal foi a que mais realizou ações em prol desse objetivo. Acreditamos que já estamos devidamente organizados para começarmos uma nova etapa na luta por estes direitos.
Em 2001, a ASSITEJ – Associação Internacional de Teatro para a Infância e Juventude, representada no Brasil pelo CBTIJ, criou o Dia Mundial do Teatro para a Infância e Juventude. Desde então o CBTIJ realiza na data programações em homenagem ao teatro para crianças, como seminários e uma festa no dia 20 para a classe artística. O Rio de Janeiro foi o primeiro estado a reconhecer a data e a instituir em seu calendário oficial o Dia Estadual do Teatro para a Infância e Juventude através da lei nº 191/2003. Por iniciativa também do CBTIJ, a lei sobre a criação do Dia Nacional do Teatro para a Infância e Juventude já foi aprovada pelo Senado e pela Câmara dos Deputados, estando no momento em apreciação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, em caráter conclusivo. Bem provável que em 2008, a data já esteja oficializada.
Márcia: Qual a formação de um teatro infantil? Ele deve ter um contexto mais educacional, voltado à formação de público? Você acredita que se deve ter uma linguagem específica para o teatro infantil? Se sim, onde está a diferença do teatro infantil para o adulto?
Acho que deveria ser informado aos profissionais que decidem se dedicar a essa faixa etária, algumas especificações sobre o desenvolvimento infantil, talvez isso possa contribuir na forma como irão explorar o conteúdo e a forma na suas apresentações. Não sou, pessoalmente, a favor de segmentar demais, acho que quanto mais amplo mais artístico pode ser o trabalho, ou seja quando nos deparamos com aquilo que chamamos de obra de arte geralmente é algo que atinge uma comunicação com diferentes idades em diferentes contextos socioculturais. Porém, se quisermos nos especializar mais e mais, poderemos pensar que para cada etapa do desenvolvimento pode ser desenvolvida uma linguagem específica, o que pode ser bem rico.
Um exemplo disso é o que vemos, não em teatro, mas na produção cultural que nos é trazida pelas TVs à cabo, no canal Discovery Kids temos uma série de programas para crianças bem pequenas, até uns 6 anos, todos primam por um conceito em comum: o da não violência. Acho que tem diferenças entre o teatro adulto e o infantil sim, porém podemos ter espetáculos que podem ser apreciados por toda a família. A arte é dinâmica e complexa, seria um reducionismo da minha parte estabelecer regras sobre o que é teatro adulto ou infantil, devemos analisar caso a caso o que caracteriza um e outro e não generalizar.
Vinicius: Dos projetos realizados pela instituição, como CBTIJ em Ação – Boa Praça, Criança Feliz e Programação Teatro para Crianças. Qual desses têm mostrado bons resultados e têm alcançado maior público?
O CBTIJ em Ação – Boa Praça teve bons resultados de público nas praças onde foi apresentado. Ao todo foram apresentações em praças da Zona Sul, Zona Norte, Zona Oeste e Centro. Sempre é muito gratificante realizar o CBTIJ em Ação – Criança Feliz: todo ano, as produções dos espetáculos selecionados para a Mostra SESC CBTIJ de Teatro para Crianças se comprometem a apresentar-se gratuitamente em alguma instituição ou comunidade carente. Essa foi uma forma que o CBTIJ encontrou para levar diversos espetáculos para crianças que não têm acesso a teatro. Diferente dos anos anteriores, em que as apresentações aconteciam nos mais diversos locais, este ano, todos os espetáculos do CBTIJ em Ação – Criança Feliz estão sendo apresentados no teatro da ONG Solar Meninos de Luz, na comunidade do Pavão-Pavãozinho, um excelente teatro de 400 lugares com todas as especificidades técnicas necessárias. Crianças que não tinham o hábito de ir ao teatro pouco a pouco, desde o começo do ano, foram lotando o teatro.
Marcia: Quais tipos de parceiros vêm se associando ao CBTIJ para realização e viabilização desses projetos e ações?
O primeiro parceiro que há sete anos trabalha com o CBTIJ é o SESC Rio, através da Mostra SESC CBTIJ de Teatro para Crianças e também na participação dos seminários. Desde o princípio, a FUNARTE nos apoia através da cessão de nossa sede. Embora as despesas relativas à reforma tenham sido realizadas pelo CBTIJ, é um local importante, sem o qual, dificilmente o CBTIJ poderia ter se desenvolvido. A FUNARTE também contribui através do Centro de Documentação uma importante colaboração, como base de pesquisa para nosso site.
Shirley: O SESC Rio é um parceiro para a realização da Mostra SESC CBTIJ de Teatro para Crianças, que nesse ano já está no sétimo ano. Fale desse projeto, dessa parceria:
A Mostra SESC CBTIJ de Teatro para Crianças é um projeto de circulação de espetáculos realizado desde 2001, em unidades do SESC Rio presentes na Baixada Fluminense, interior do estado e capital. O projeto tem a proposta de levar quinzenalmente as melhores produções de teatro para crianças para essas unidades. Atualmente quatorze unidades fazem parte do circuito. Para se mostrar a importância da mostra, basta comparar que de 2001, ano da primeira edição, tivemos um público de pouco mais de 23 mil espectadores. E na sexta mostra, realizada no ano passado, atingimos um público de mais de 38 mil espectadores. Este é um trabalho de longo prazo para reforçar nestes locais o hábito das crianças assistirem peças teatrais.
Vinicius: Quais são os critérios e como é o processo da escolha dos espetáculos infantis para participar da Mostra, que esse ano traz 13 peças, algumas inclusive que já estão em cartaz faz algum tempo, não é?
Todos os anos, o CBTIJ disponibiliza em seu site e no site do SESC Rio o regulamento e material de inscrição. É formada uma comissão com membros do CBTIJ, do SESC Rio e de profissionais convidados da área teatral, que escolhem os espetáculos do ano seguinte. A Mostra prioriza espetáculos de dramaturgia, mas produções de clown, contadores de história e de dança também já foram selecionados em alguns anos. O critério principal é a qualidade.
Márcia: Você teria algum dado estatístico sobre o desenvolvimento da produção de teatro voltado para o público infantil?
Dado estatístico propriamente não. Esse é uma mal que padece o meio cultural como um todo. Como trabalhadores da cultura, até o ano passado, não estávamos incluídos nem em pesquisas do IBGE.
Vinicius: Fora do eixo Rio – São Paulo, você destacaria alguma outra cidade na produção de teatro para crianças?
Poderíamos destacar Porto Alegre e Belo Horizonte. Gostaríamos, porém de lembrar que a enorme quantidade de espetáculos produzidos no eixo Rio – São Paulo não significa qualidade. É importante também ressaltar eventos como o FENATIB – Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau, que há onze anos, apesar das dificuldades de patrocínio, continua sendo um importante ponto de encontro de profissionais da área; o Festival de Teatro Infantil de Pernambuco, realizado há cinco anos e o Festival Internacional de Londrina que desde 2006 possui em sua programação uma mostra de teatro infantil.
Vinicius: Como você avalia o teatro voltado para área da Infância e Juventude, hoje? E qual caminho ou caminhos ele tende a seguir nos próximos anos, no Brasil?
Estamos num momento crítico. O teatro para crianças passa por uma situação deverás preocupante e acredito que o principal motivo é a falta de patrocínios. Diretores e grupos que tradicionalmente montavam um espetáculo novo a cada um ou dois anos pararam de fazê-lo. Outro fator é a falta de divulgação pelos jornais. Acabaram-se as críticas e os bons espetáculos não tem a divulgação merecida. Para se ter alguma nota em jornal é sempre necessário ligar algum fato do espetáculo a alguma coisa televisiva. Se bem que isso acontece até nos espetáculos adultos. Quanto ao resultado dos editais, se nota que 90% dos espetáculos escolhidos são para público adulto. Quando indagamos o porquê aos organizadores, a resposta é sempre a mesma: a maioria dos projetos inscritos foi de espetáculos adultos. Assim, os que fazem espetáculos para crianças não colocam projetos, pois sabem que dificilmente serão escolhidos. A solução seria ter um edital apenas para espetáculos para crianças, com um júri conhecedor da área.
Quanto ao que vemos nos teatros é de se lamentar. Fomos invadidos por produções amadoras, que acham que fazer teatro para crianças é repetir os bordões e as piadas dos programas humorísticos. Como a bilheteria não cobre os custos do espetáculo, cada vez mais atores profissionais participam destas produções. Então vemos atores inexperientes, sem maturidade, ou pior, crianças e jovens, que fazem esses cursinhos de fim de semana e acreditam que subir no palco é o melhor caminho para chegar na TV Globo. É claro que a culpa não é dos atores. Os que dirigem e escrevem para crianças se contentam com pouco, e a falta de imaginação reinante faz das velhas fabulas e de desenhos animados uma contínua remontagem dos velhos clássicos (velhos). Conclusão, a criança vê um espetáculo ruim e não quer saber mais de voltar ao teatro.
Mas apesar desse clima pessimista, não nos deixamos abalar. Ainda existem profissionais sérios no mercado e o CBTIJ, que agora já tem uma estabilidade e uma respeitabilidade no meio artístico está estudando como reverter essa situação.
Temos que pensar que dias melhores virão para a felicidade dos profissionais que atuam nesse meio e principalmente de nossas crianças.