Totoni Fragoso(E) é Scrooge, o avarento insensível ao espírito natalino, na peça bem-humorada de Carmem Leonora.
Foto Lydia Alves

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 04.12.1993

 

 

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Conto de Natal em tom de farsa

O local é minúsculo e mal sinalizado. Como espaço teatral, serviria no máximo para uma reunião de atores em fase de leitura. Mas, como dizia Stanislaw Ponte Preta, o lugar tem borogodó. Muito mais pelas produções que abriga do que pela infraestrutura que oferece, a sala 115 do Museu da República está se tornando um templo dos experimentos de linguagem e estética. E muito bem sucedido.

Em cartaz no momento, A Verdadeira e Maravilhosa História de Scrooge, com texto e direção de Carmen Lenora, é um bem-acabado espetáculo, inspirado no conto Uma Canção de Natal, de Charles Dickens. A sólida firma londrina Scrooge e Marley tem agora no comando somente o pão-duro Scrooge. Marley já passou desta para a melhor há sete anos. Mesmo assim, Scrooge continua a contar cada tostão, numa guerra total ao que considera desperdício. No dia do Natal, seu fiel empregado reúne toda a coragem do mundo para lhe pedir o dia de folga. O velho sovina concede, mas promete descontar cada hora perdida. Definitivamente não contagiado pelo espírito natalino, Scrooge se recusa a festejar com seu único sobrinho e muito menos contribui para o Natal dos pobres. Em meio a tantas atrocidades, o fantasma de Marley lhe aparece, anunciando a última chance para sua recuperação. Num breve espaço de tempo, Scrooge vai receber a visita dos espíritos do Natal -, passado, presente e futuro. Contrariando o ditado aqui se faz aqui se paga, ele fica sabendo que algumas dívidas continuam a ser cobradas no descanso eterno, e que o momento exato para o resgate é agora.

Se o tema parece assustador, a concepção cênica de Carmen Leonora prima pela leveza bem-humorada. Utilizando como palco um carrossel cenográfico, e contando com o reforço da música ao vivo, o espetáculo começa com uma divertida versão de Jingle Bells cantada por todo o elenco. Num tom farsesco, a trama se desenvolve no pequeno palco. Recursos que remetem a história do teatro, como a utilização do ponto, que auxilia a atriz na lembrança do texto, ainda que retarde o ritmo da ação, revela todo o esforço, por parte da direção, em não criar um espetáculo apenas linear, contando sua historinha.

Recriando um carrossel do inicio do século em material semelhante ao dos antigos brinquedos de folha de flandres, o cenário de Álvaro Assad é um achado de teatralidade. Na mesma linha, seus figurinos revelam extrema delicadeza. O vestido da atriz Carmen Leonora, como a noiva de Scrooge, é uma aparição.

No elenco, Totoni Fragoso é o velho Scrooge, com gestual exato a idade do personagem, sem exageros na caquexia. Cláudia Paiva se divide em papéis femininos e masculinos e empresta sua graça ao empregado do avarento, não se descuidando dos demais personagens, Alexandre Aragão e Carmen Leonora, além de bonitas presenças cênicas, saem-se muito bem nos tipos que criam. Embora enfocando o tema natalino, a peça pode e deve ser assistida em qualquer época do ano. O formato intimista e a plasticidade das cenas tornam o convite inevitável.

A Verdadeira e Maravilhosa História de Scrooge está em cartaz no Teatro 115 do Museu da República, aos sábados e domingos, às 17h30. Ingressos a CR$ 400.

Cotação: 2 estrelas (Bom)