Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 28.09.1991

Barra

Um Delicioso Musical Rural

A arte de representar está cercada de mistérios capazes de confundir mesmo aos que dela participam ativamente. Que outro profissional acreditaria que guardar pregos tortos encontrados no cenário lhe traz sorte? Já o inverso acontecendo se alguém assobiar em seu camarim. Antes de entrar em cena é considerado de bom tom desejar alguma atrocidade aos companheiros do elenco, como o internacional break a leg ou o mesmo aqui impublicável “m….”.

Os autores também têm suas esquisitices. Contrariando a máxima “aposta no fracasso”, resolveram provar que papéis considerados menores podem reverter em grande sucesso. Dentro desse espírito existe o coro, sempre identificado nos cartazes como “e grande elenco” e existe Chorus Line. Tem a loura burra e tem Marylin Monroe, tem a “ingênua”, sempre representada pela segunda atriz da companhia, e tem Lelé, a vaca.

Em cartaz no teatro Princesa Isabel, A Vaca Lelé, mais um premiado texto do superestimado autor Ronaldo Ciambroni, chega aos palcos sob a sensível direção de Neuza Maria Faro, revelando ao público um espetáculo bem cuidado, tanto na concepção cênica como na direção de atores. De enredo simples, esse musical rural conta a trajetória de Matilde, a vaca que tinha absoluta certeza de que um dia lhe cresceriam asas e poderia voar, o que acaba lhe valendo um apelido, já em total esquecimento, Lelé (da cuca). Esse anacronismo, no entanto, não compromete em nada o desenrolar da peça.

O elenco, afiadíssimo com a proposta e a direção, envolve o espectador nesta viagem musical campestre, fazendo-o esquecer que está num teatro e, ainda mais incrível, em Copacabana.

Odília Athayde compões sua ingênua Vaca lelé com gestos delicados, fugindo do óbvio que poderia torná-la só mais um personagem bobo. O versátil ator Elísio José tem as medidas exatas do lírico/cômico, destacando essas nuances nos três personagens que interpreta, seja o matuto pardal, um touro mucho macho ou a engraçadíssima galinha que veio de Maceió. Rakel Libório faz uma mosca atacadíssima, dando um excelente contraponto par à interpretação do sonhador Espantalho de Luciano Maia.

As músicas e a direção musical de Gilda Vanderbranden são um presente para os atores e principalmente para o público, que canta por vontade própria sem que seja preciso nenhum apelo didático do elenco.

A Vaca Lelé é um delicioso e bem cuidado espetáculo que merecia da direção do teatro Princesa Isabel um pouco mais de atenção no que se refere ao espaço reservado para as apresentações de teatro infantil. Mas enquanto trais, coçar e faturar for só começar…

Cotação: 3 estrelas (Ótimo)