Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Ana Maria Machado – Rio de Janeiro – Set 1975

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Uma Longa Magia que Vem de Longe

No meio do caminho entre o real e o fantástico, entre o racional e o sensorial, entre o pensado e o intuído, o espetáculo de Ilo Krugli que o Grupo Ventoforte está apresentando na sala Corpo/Som  do MAM rodopia, gira e foge a qualquer classificação ortodoxa – e suas características de obra aberta se tornam ainda mais evidentes no desmontar e remontar com que a peça transita do público adulto para o infantil e vice-versa.

Aparentemente, seria fácil resumir seus traços mais marcantes: a grande beleza visual da montagem e a intrincada complexidade do enredo, que resulta num espetáculo longo e complicado demais para as crianças. Mas, apesar desta opinião de quem estava vendo um espetáculo infantil com olhos adultos, foi impossível deixar de constatar que, pelo menos no domingo (há testemunhos de que na estreia isto não aconteceu), as crianças assistiam à peça em absoluta fascinação, sem demonstrar o menor tédio no decorrer das duas horas de duração. Sem dúvida, era longo e confuso. Mas a plateia infantil permaneceu sentada, como se hipnotizada, mal se mexendo para trocar de posição no chão duro. Como? Por quê? Artes mágicas do espetáculo. Objetivamente, é comprido demais para crianças. Mas elas estavam quietas, acompanhando com atenção e emoção, por mais misterioso que isso possa parecer a um adulto. De qualquer modo, vale a recomendação de que se evite levar os menorzinhos a um espetáculo que se prolonga por duas horas e apresenta estímulos em excesso.

Aliás, o excesso marca todo o espetáculo. Há um sem número de ideias se desenrolando e obrigando o espectador a uma incessante atividade de decodificação. Há uma interminável sucessão de momentos lindíssimos e plasticamente criativos com bonecos animados, cada qual mais bonito e criativo que o outro, muitas vezes passando meteoricamente pela cena, deixando a plateia com pena de não voltarem mais e, ao mesmo tempo, algo receosa cada vez que vê se iniciar mais uma sequência tão sobrecarregada de elementos a prolongar um espetáculo que às vezes parece que vai prosseguir indefinidamente.

Assistindo a versão para adultos, constata-se que seu primeiro ato comprova que Ilo Krugli consegue despojar um pouco a montagem desses excessos, numa simplificação ligeira, mas que, para as crianças, pode ser decisiva. Uma crítica (por definição, racional) apontaria isso como uma medida desejável, tendo em vista o público infantil. Ao mesmo tempo, essa necessidade de simplificação é mais um problema que o espetáculo tão fecundo em levantar questões,acaba também trazendo para o debate.

Dentro dos padrões a que estamos habituados, em uma sociedade urbana e industrial, Da Metade do Caminho ao País do Último Círculo é um espetáculo longo demais e complicado para as crianças, apesar de todo o vigor de seu trabalho teatral e de toda a sua envolvente beleza musical e visual. Mas talvez essa não seja a única maneira de vê-lo; seu fascínio tem muito de mágico e primitivo. Mais ou menos como se o Grupo Ventoforte fosse uma troupe de saltimbancos medievais , acampada provisoriamente no espaço do MAM, com sua tenda mágica, seu gigante azul, suas pombas voadoras, sua flauta encantada, sua festa de cores em movimento. Seria então um tipo de espetáculo capaz de incorporar outra atividade do público, semelhante às formas primitivas de teatro, na Grécia Antiga, na Idade Média europeia ou no Nordeste brasileiro. Um teatro quase de feira, onde as pessoas pudessem chegar e sair enquanto a peça se desenrola, levando farnel, comer, ir lá fora dar uma volta, mudar fralda em criança, voltar daí a pouco, completar a sessão em outro dia. Algo muito aberto e livre, em que o País do Último Círculo pudesse ser também do o do Primeiro Círculo, na medida em que se parte da Metade do Caminho, onde a única constante, ao longo de toda a estrada, é o estímulo de beleza que se cria a cada momento, magicamente. E em matéria de beleza, por mais barroco que seja o acúmulo de elementos, o espetáculo é inegavelmente rico e estimulante.

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Crianças e adultos juntos no País do Último Círculo, matéria de Norma Couri
Poesia na metade do caminho, crítica de Macksen Luiz