A autora jovem, à esquerda, com Maria Julieta Drummond: foi a amiga que a convenceu a estudar em Paris

Maria Clara Machado no Tablado, em 1972, com algumas das crianças que ela contagiou com sua paixão pelo teatro

Matéria publicada no O Globo – Obituário
Por Barbara Heliodora- Rio de Janeiro – 01.05.2001 

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No caso específico de Maria Clara Machado fica perfeitamente claro que o teatro brasileiro deve muito às Bandeirantes do Brasil: todas as integrantes do núcleo fundador de O Tablado, Maria Clara, Kalma, Viroca, Edy, tinham sido bandeirantes juntas, e a disciplina, a noção de responsabilidade, de serviço à comunidade, de cumprimento do dever que ali eram fortemente estimulados foram decisivos para o desenvolvimento, a afirmação e a longevidade do grupo, agora com 50 anos; em Maria Clara o espírito de liderança se afirmou desde logo, assim como desde logo se revelou sua vibrante visão teatral.

Diferentemente das outras, Maria Clara queria especificamente fazer teatro, e por isso mesmo ela foi estudar na França, de onde voltou com sólida base técnica. Poucas revelações pessoais por parte de alguém de teatro me impressionaram tanto quanto a que me fez Maria Clara, ao falar de seu desapontamento ao se dar conta de que jamais viria a ser uma grande atriz. Para uma jovem que sonhava com o palco, o próprio fato de ela ter a autocrítica necessária para enfrentar essa constatação; muito mais extraordinário, no entanto, é o fato de tamanho desapontamento não destruir a paixão pelo teatro mas, ao contrário, fazê-la procurar outros canais para viver essa paixão.

Se o destino de Maria Clara não era pisar no palco, ele se revelou mesmo assim ligado ao teatro, de forma ainda mais ampla: ela populou o palco com seus personagens, ela formou atores para vivê-los. Ela soube melhor do que ninguém contagiar os jovens com a paixão de servir ao teatro, seja no palco, seja nos bastidores, seja até mesmo como bons espectadores aptos a apreciar toda a complexidade da criação cênica. Trabalhar no Tablado sempre foi saber que teatro não é brincadeira que se faz de qualquer maneira; a bandeirante sempre levou ao seu sonho a ideia de que não basta fazer, é preciso fazer bem.

Passadas essas cinco décadas, muitos não se lembrarão mais que durante vários anos o Tablado apresentou, em seus primeiros anos, espetáculos para adultos com uma qualidade de produção muito superior a praticamente tudo o que o dito teatro profissional oferecia; a primeira geração de O Tablado, Kalma Murtinho, Carmete Murgel, Claudio Corrêa e Castro, Napoleão Moniz Freire, Emílio de Mattos, e tantos outros, apresentava um nível de surpreendente qualidade, e Maria Clara desde sempre foi quem norteou o caminho a ser trilhado. Mas depois de algum tempo o seu outro talento, o de autora, abriu caminhos absolutamente novos para o teatro infantil no Brasil, que se divide em duas épocas distintas: a antes-do-Tablado, que partia do princípio de que para criança qualquer coisa servia, e era apresentado com péssimos textos e piores montagens e, uma outra, nova, que nasceu quando a cortina se abriu no palco do Tablado e Pluft, o Fantasminha, ao perguntar “Mamãe, gente existe?”, fez nascer um novo tempo, de espetáculos inteligentes e cuidados, que sempre foram produto do amor e do respeito que Maria Clara Machado sempre teve tanto pelas crianças quanto pelo teatro.

Pluft, O Rapto das Cebolinhas, Chapeuzinho Vermelho, A Bruxinha que Era Boa, Maroquinhas Fru-Fru, e tantas outras peças nos enriquecem permanentemente por serem inesgotáveis: o talento de Maria Clara sempre soube embarcar com Noé em sua viagem salvadora, como “cavalgar pelas Capitanias Hereditárias”, graças a seus muitos talentos e à sua incansável paixão pelo teatro.

Uma Vida Para o Teatro

“A estreia de Pluft foi muito importante para mim, foi quando eu disse não ao teatro profissional, quando desisti de ser atriz” 1975

“A criança é um ser em formação a quem precisamos dar o melhor”1975

“Muita gente vem me perguntar por que não monto peças infantis de outros autores. E por que deveria montar? Gosto das minhas, ora!” 1980.

“Às vezes eu chorava e meu pai, para me consolar, dizia que os fracassos dão caráter. Eu preferia ter menos caráter e mais sucessos” 1980 (sobre os fracassos de algumas peças adultas do Tablado)

“O Tablado sobreviveu porque sempre foi fiel ao seu princípio de se manter amador. Nunca quis colocar o dinheiro como elemento de troca entre nós” 1981, nos 30 anos do Tablado

“Eu escrevo, interpreto, dirijo peças, mas na realidade sinto que sou essencialmente uma diretora de grupo, uma matriarca cercada de filhos. Gosto de formar gente” 1981

“Eu já sou uma instituição dentro do teatro brasileiro. Não tenho que provar mais nada” 1981

“No Cavalinho Azul ele identificou a minha eterna busca da felicidade” 1994. (comentando a observação de seu psicanalista)

“Quando o Tablado fez 30 anos eu disse que ia ser empalhada. Mas a gente resiste porque está trabalhando” 1995