O Gruparte Teatro Educação de São Paulo, desde 1969, formado por Dora Oselka, Acácio Vallim, Marina Picolli, Luzia Toyama, Cilo Lacava, Miriam Dascal, Joana Lopes, é um teatro Escola, organizado como oficina de experimentação artística, onde toda aspiração converge para a potencialidade de criação e expressão de cada participante.
A arte dramática é o meio fundamental, regulada pelo princípio diretor do movimento, que concilia as outras artes que são exploradas no processo de realização do jogo dramático.
Nos dirigimos não apenas aqueles que estão diretamente ligados às atividades artísticas, mas a todos que, tradicionalmente espectadores de teatro, queiram se apossar de sua própria condição de atuantes na sociedade, devolvendo ao teatro sua natureza de ser propriedade e bem comum.
“Arte não me interessa Me interessam os artistas” Marchei Duchamp
Teatro Educação:
NÃO É: Teatro Amador.
NÃO É: Levar crianças adolescentes, estudantes operários ao teatro…
NÃO É: Teatro como recurso Terapêutico… NÃO É: Representar peças em comemorações cívicas, religiosas e festas de fim de ano…
Demonstrando a Evolução Espontânea do Jogo Dramático
Introdução
Teatro é um meio informal de educação. Desde a Antiguidade, catalizador de experiências humanas em espaço e tempo determinados, projetando as através da criticidade do momento artístico. Destacando a experiência cotidiana, apresentando a em outra dimensão aos olhos e ouvidos, cria espontaneamente uma “situação pedagógica”, podendo não estar de acordo com os valores aceitos no seu tempo. Essa situação pedagógica poderá ser transformada em objeto, explicitada a favor de propostas definidas; caracteriza-se, então, o momento teatral em “veículo para a catequese”.
O teatro Jesuítico, o Teatro da Reforma e os grupos de Agit-pop motivados por razões ideológicas diametralmente opostas visavam os mesmos resultados, ou seja, educação para a defesa e/ou estabelecimento de seus valores ou interesses. De tal maneira e por processos semelhantes, pode agir o professor que, desejando “fixar” a aprendizagem de história ou geografia, por exemplo, na cabeça de seus alunos, colocados a memorizar o texto da matéria, para depois dramatizá-lo espontaneamente.
A esse enfoque, vamos opor nosso ponto de vista. Um teatro-educação não mais veículo, mas um desenrolar dramático, que vivido, participado, criticado, seja elemento catalizador de um processo “não escolarizado”, voltado para uma educação tridimensional. O conceito de “educação-tridimensional” refere-se a uma preocupação básica com o individual raciocínio-emoção-sensibilidade (sentidos), instituindo’ uma educação que se fundamenta na percepção e no conhecimento corporal corpo forma tridimensional no espaço) e nas suas relações como matéria flexível aplicando racionalmente para construir e exprimir a verdade de um grupo social.
O teatro, como processo de educação, não se destina apenas aqueles que frequentam uma escola de arte, crianças ou adolescentes; deve estar incluído nas atividades dos adultos, sejam professores, operários, comerciários, onde quer que existam grupos cientes e presentes para expressar sua participação na História. Será o teatro de quem o faz, isto é, seus participantes representam a própria plateia, eles próprios. Seu conteúdo, dimensionado pela experiência concreta, porém recriada pela força de atuação artística, convencionado pela forma livre de autoexpressão. Seu processo de realização não deverá estar condicionado aos padrões estéticos ou a processos didáticos relacionados com teatro oficial.
Sua base será o jogo dramático, ou seja, um jogo de troca realizado através de recursos corporais (gesto, movimento) e verbais, harmonizados para a construção de ações sequentes.
Sua organização poderá ser improvisada – jogo de momento – ou planificada anteriormente – roteiro dramático – no jogo dramático de livre forma e conteúdo, o atuante não é um mediador da expressão de um autor literário, de um diretor de cena, será ele a própria fonte da expressão exteriorizadas pela expressão.
A Evolução do Jogo Dramático
O conjunto de acontecimentos deste século impôs a psicólogos, artistas e filósofos da arte a pesquisa de como se processaria o significado evolutivo das imagens resultantes dos fatos, ideias e memórias exteriorizadas pela expressão.
Herbert Read (1), um dos mais importantes, senão o mais representativo dos pesquisadores e filósofos de Arte-educação, examinou comparativamente centenas de desenhos e outras manifestações plásticas de várias origens e faixas etárias. Read codificou etapas expressivas através da análise da forma apresentada em suas relações espaciais, psíquicas ou mentais. Essa interpretação e codificação representada para o artista-educador ou para o artista representa um valioso instrumento de compreensão, além do que orienta os critérios de apreciação empregados para acompanhar a evolução da expressão.
Somente para a educação que parte da realidade concreta, das particularidades individualizadas, que rejeita as generalizações simplistas e simplificantes, essa codificação será útil. De outra parte, aqueles que fazem da “educação” e, porque também não dizer, do “ensino da arte”, um meio facilitado e destinado ao desenvolvimento da cultura de consumação, acharão desnecessária essa codificação. A esses será mais proveitoso e rentável copiar modelos aceitos e padronizados, garantindo, inclusive a acelerada narcotização dos atuais padrões educativos. Muito considerados e arbitrariamente chamados de “técnicas” são os efeitos usados para garantir um sucesso (principalmente estético) fácil, permitindo ao pseudo trabalho de comunicação-expressão ser uma atividade seriada e graduada de pré-conceitos artísticos e educacionais. Essa realidade ostenta o rebuscado título acadêmico de “disciplina de educação artística”.
Partindo do ponto demonstrado por Read, observamos a evolução da expressão dramática e chegamos a uma primeira caracterização. Algumas co-relacões de ordem histórica são levantadas, porém constituem apenas uma “ousadia a espera de um estudo que leve mais adiante uma observação de caráter incidental” (2). Propormo-los a mostrar a observação do “jogo espontâneo”, sem entrarmos na educação ou disciplina do mesmo, o que faremos no capítulo dedicado à sistematização em Arte-educação, por um animador de jogos dramáticos.
A arte dramática não produzirá imagens fixadas por lápis ou tintas ou ainda por outros materiais que produzem resultados bi ou tridimensionais de caráter perene. Aqui, teremos imagens móveis realizadas pelo corpo tridimensional do
participante, sua voz, em ações sequentes que se fazem e desfazem instantaneamente, construídas que são no espaço tempo, delimitado pela ação de caráter ficcional (3). Empregamos a conceituação dada por Adolphe Appia.
A importância de conhecermos as fases evolutivas da livre-expressão dramática prende-se aos interesses formativos que pretendemos alcançar e desenvolver: a criatividade do jogo dramático espontâneo, o desenvolvimento da expressão e o crescimento de uma cultura criativa.
A criatividade assim como a expressão não são capacidades com níveis inalteráveis. Ambas derivam da absorção de diferentes coisas e acontecimentos contidos no ambiente mais próximo e/ou mais distante que, selecionados pelos indivíduos, tornam-se estímulos e motivações para a capacidade criadora e expressiva reelaborar. A motivação poderá ser aparente, estando no passado, residindo apenas na memória, seja consciente ou não. A essa “mobilidade” constante, determinada pela “vitalidade”, correspondem estruturas variáveis de expressão. Essas estruturas variáveis, estarão caracterizadas e organizadas, sendo, portanto, observáveis.
A dramatização que traduz a expressão pessoal (e a mesma expressão situada num contexto grupai), ordena os estímulos recebidos, transforma-os em ações sequentes que correspondem a uma realidade recriada segundo a capacitação da inteligência, do nível de informações adquiridas, da sensibilidade e percepção do indivíduo que estará demonstrando essa realidade e agindo sobre ela, isto é, ocorre uma atuação criativa sobre a Realidade interior e individual, e a Realidade exterior, social.
Na dramatização espontânea, o atuante não é um mediador da expressão, criado por um autor literário e/ou por um diretor de cena, ele é a fonte da expressão. É o jogo do autor-ator.
A metamorfose não deverá ser proposta nem imposta (como requerem as técnicas do teatro profissional para “formação” de um ator), ela será uma manifestação que responde à necessidade de ampliar o universo da comunicação. Metamorfose está aqui conceituada como momento em que o indivíduo ultrapassa a si próprio, tem a personalidade e circunstâncias de um outro, independendo de sua própria vontade, interesses e características, sem contudo abandonar a visão que ele, indivíduo, possui e que, através dessa visão lhe foi possível criar uma nova circunstância. Será, na totalidade corpóreo-mental, uma vivência imaginária de onde o indivíduo extrairá, conscientemente criativo, a compreensão necessária para desenvolver a comunicação, não só no plano estético, porém e possivelmente, no plano de relações cotidianas. Nesse plano do cotidiano a experiência da comunicação dramatizada poderá interferir como um fator de crítica e renovação dos valores que demonstrada mente sejam meios de estagnação, bloqueando a atividade criadora, a consciência e a prática social.
No exercício dramático verificamos que a metamorfose é um fenômeno básico e que para tanto é necessária, em primeiro lugar, a capacidade de abstração e “descentralização” de si. Podemos frequente mente encontrar atores formados pelas escolas dramáticas que, diante de um estímulo qualquer para criar e expressar como sujeito e objeto (instrumento), não conseguem fazê-lo, por não estarem treinados para pensar em nível de abstração, da conceituação, não possuindo um comportamento criativo. No entanto, são capazes de decorar um “papel” e imprimir a esse papel uma emoção adequada, caminho pelo qual será possível o metamorfosear-se. Consideremos, então, que a sua formação é parcial e de cunho estritamente estetizante, não alcançando uma educação global, que deveria visar o homem-artista. Limita-se, por princípio, a “formar” indivíduos com alguns conhecimentos técnicos da arte de dramatizar, sem implicações, no desenvolvimento criativo e expressivo, limitando “por formação” a expansão de atuação social desse homem que se transformou, de repente e reconhecidamente, numa outra espécie e a que damos o nome de ator.
A arte dramática, na plenitude do conceito que adotamos, é desempenhada por indivíduos capacitados mental e cor poreamente, os quais conscientes de sua arte (meio de comunicação – pleonasmo?) saibam elaborá-la na maturidade de seu pensamento, o que equivale dizer, enquanto possibilidade por indivíduos adultos.
As formas primárias ou pré-esquemas da transformação do fato (jogo dramático) existem em latência desde a primeira infância e a essa manifestação expressiva daremos o nome de brinquedo dramatizado, ou melhor, brincadeira dramatizada.
METAMORFOSE
Momento de comunicação
COMUNICAÇÃO METAMORFOSE
Jogo dramático
COMUNICAÇÃO
Metamorfose
Metamorfose, elemento fundamental do jogo, seu aparecimento e desenvolvimento dependerá da continuidade do processo expressivo estimulado pela Arte-Educação
ATÉ ONZE ANOS APROXIMADAMENTE
Brincadeira dramatizada
Forma definida
Segundo conceito de metamorfose total
APÓS ONZE ANOS
Forma definida
Brincadeira dramatizada
Forma inicial e o jogo dramático
Situações e condições da observação
A realização teórica que objetiva este -capítulo foi extraída da observação prática em oficinas de Arte-educação. Essas oficinas estavam formalmente instaladas ou constituíam apenas um local de encontro com materiais móveis e dentro de um caráter provisório. No período de 67 a 71 e de 72 a 73, os grupos que definiram essa teorização foram de dois tipos:
1°) GRUPO FIXO
a) Atividades dramáticas duas vezes por semana, no decorrer do ano letivo.
b) Constância de presença.
c) Variação numérica mínima das pessoas do grupo.
d) Avaliação de resultados expressivos feita individualmente em conjunto
(avaliação flexível, levando em consideração as próprias condições de cada grupo. Assim, a avaliação com participante de 7 anos diferenciava-se das realizações com participantes de 17 anos).
2°) GRUPOS MÓVEIS
a) Atividade diária por períodos curtos variando de uma semana a dois meses.
b) Inconstância na presença.
c) Variação numérica do grupo.
Avaliação sem nenhum caráter metodológico, feita apenas como troca de
ideias e estímulos para a possível continuidade.
Exteriorização simbólica – 1 a 3 anos
Brincadeira dramatizada
1ª FASE
a = fundo de quintal – 4 a 6 anos
b = faz-de-conta – 6 a 8 anos
situamos como uma fase “pré-ilusionista” pré-realista, não sendo um ato consciente do uso e do meio dramático como linguagem.
Brincadeira dramatizada
2ª FASE
Realismo – 8 a 11 anos
Jogo dramático
Forma definida, inicialmente esquemática situamos com uma fase ilusionista de intenção realista, não sendo um ato totalmente consciente do uso e do meio como linguagem.
Ilusionismo ou anti-ilusionista na consciência de si e do meio empregado. Criação estética. Interesse voltado para a comunicação com outros grupos, qualitativa e quantitativamente.
Nos grupos fixos a idade limite inferior foi de 4 anos e a superior de 23 anos. Nos grupos móveis a inferior foi menor que 4 anos (aproximadamente 3 anos) e a superior maior que 23 anos, variando entre 25 e 27 anos.
As classes sociais onde essa pesquisa operacional se realizou foram as seguintes:
a) burguesia intelectual, incluindo artistas ou filhos de artistas (plásticos, dramáticos, músicos e escritores).
b) operariado industrial.
c) população marginalizada vivendo no subemprego e morando no perímetro
urbano, porém trabalhando na lavoura e ocasionalmente na zona urbana.
d) burguesia comerciante.
Nos grupos móveis foi possível realizar uma experiência de 30 dias consecutivos co madolescentes peruanos, oriundos do litoral e das serras. Esse grupo vivia em regime comunitário numa experiência de reeducação realizada em Lima. Essa experiência será relatada no capítulo “Descrição das Experiências”.
Situamos como uma fase “pré-ilusionista” pré-realista, não sendo um ato consciente do uso e do meio dramático como linguagem. Chamamos o participante do jogo dramático de ator-atuante, na medida em que ele (participante) atua com a performance pessoal, dando aos personagens apenas classificações genéricas como ladrão, amigo, professor, etc, sem revelá-las com traços pessoais que caracterizam um personagem e lhes confere uma situação na obra do atuante-ator. Isso nos leva a pensar que ele, o meio e a obra, conferindo não ao personagem, mas a ele próprio a designação de atuante-ator. Posteriormente, quando inicia a metamorfose, ele será comediante, transferindo ao personagem, criando a condição atuante-ator, pois existirá a caracterização de personagem com particularidades desprendidas desse e não do atuante. O personagem que anteriormente era apenas ladrão, amigo, professor, aparecerá como ladrão, Antônio, com 24 anos, etc…
Quanto à denominação usada para marcar as fases expressivas, foram criadas a partir da denominação dada à experiência dramatizadora por grupos infantis espontâneos. Assim, o fundo de quintal é porque eles procuram o fundo, de quintal ou um equivalente; faz-de-conta é porque eles dizem “vamos fazer de conta…”; intenção realista é porque eles desejam “de verdade…”; jogo dramático é a denominação tradicional para o trabalho dos comediantes e que encontramos expressa em muitas línguas, englobada no conceito de jogo. Exemplo: Play the Theater.
A idade cronológica tem nessa observação valor relativo, porém é um marco inicial para questionarmos o nível de maturidade demonstrada, o modus-vivendi da expressão questionada ou as influências do ambiente no indivíduo e repercussões na formação da expressão. É seguramente um outro critério que deverá estar presente, quando avaliarmos o trabalho expressivo.
As etapas evolutivas não são, naturalmente, definidas com rigidez. Elementos da etapa anteriormente imediata são secundários na etapa vivida presentemente, e a aquisição dos novos elementos que caracterizam a presente geram a estrutura e as particularidades que caracterizarão a forma futura. No processo de desenvolvimento dramático, uma determinada estrutura estará ultrapassada quando o indivíduo desenvolve capacitação e adquire novos elementos. E, então teremos um momento misto e intermediário entre a fase antiga e a nova fase. Gradativamente, pela acentuação da nova estrutura, a fase anterior é “engolida” e passamos a denominar a fase da atualidade. As fases expressivas possuem características particulares e que de uma maneira geral, são iguais nos indivíduos do mesmo nível de maturidade emocional, de pensamento e de condições físicas. Essa afirmação não se restringe, contudo, aos indivíduos de um mesmo grupo cultural. Podemos comparar expressões de diferentes latitudes em diferentes condições mesológicas e culturais, e encontraremos uma semelhança de comportamento expressivo, uma mesma espinha dorsal, sustentando as nuances da criação em seus aspectos regionais. Essa afirmação está restrita, na nossa experiência, à cultura ocidental. Esta espinha dorsal representa a ordem expressiva ou a organização subjetiva consciente, ou não, das manipulações e reações do indivíduo sobre o tempo e o espaço, e que resultam na concreção expressiva.
Da forma surgida espontaneamente (não excluído elaborações em profundidades), podemos dizer que a forma é o conteúdo. Não sendo, forma e conteúdo, duas indicações independentes, podendo o conteúdo ser resumido logicamente e explicar a obra. Na forma existe, em latência, toda a manifestação da vida sincreticamente percebida.
O conteúdo, separado da forma e determinando a obra artística, afirma uma supremacia de pré-conceitos intelectuais, num processo de racionalização de criação. Exemplo: Arte conceitual. Na manifestação artística espontânea não existe essa parcialidade ou intencionalidade, mas o jogo dialético entre inteligência, intuição e sensibilidade. A forma fala por si, mas não apenas de si. Ela é um primeiro passo na abertura de um sistema de identificação que alcança camadas inexploradas, respondendo de imediato ou não à comunicação lançada. Aqui, existe uma unidade entre conteúdo e a forma, numa atividade em contínuo desenvolvimento, pois em constante movimento está a moral, o sentimento e a cultura. Os valores implicados na obra são sempre discutíveis, porém no nível da história da cultura e não da realização artística, que é, como produto original da criação indiscutível porquanto só tem parâmetros nela própria. Exemplo: A arte do povo ou dos homens “simples” (4) é um exemplo de expressão espontânea que não comporta processos de racionalização e intelectualização tanto na obra como na apreciação da mesma.
Da Brincadeira Dramatizada ao Jogo Dramático
Brincadeira dramatizada ou simples mente “brincadeira”, exprime uma etapa de jogo caracterizada por ser recreação espontânea, por ter vitalidade lúdica, espontaneidade formal, relações afetivas mais desenvolvidas e mais motivadoras que as de ordem intelectual, e por fim criação de soluções dramáticas originais. Essa etapa não se fixará assim que inteiramente manifesta. Evoluirá, alterando-se e indicando as novas apreensões que se sucedem.
O ser humano demonstra, desde cedo, uma capacidade para imitar, tendo mesmo necessidade de fazê-lo. No esquema apresentado nas páginas anteriores com, o título de “esquema da evolução expressiva”, encontramos no gráfico uma referência à “exteriorização simbólica”. É o período em que as crianças muito pequenas, via de regra, solitariamente brincam com seus brinquedos favoritos, realizando com eles o que os adultos praticam com elas. São os primeiros passos no desenvolvimento da expressão dramática.
Por ser esse período uma etapa em que a criança vive apenas em casa ou em casas maternais, e por ter uma característica mais individual que de grupo, não nos deteremos para analisá-lo. A nossa intenção é relatar a expressão dramática a partir do momento que obtém uma significa ção social mais abrangente. Contudo, sabemos que o respeito pelas exteriorizações da criancinha é de suma importância para seu equilíbrio e que favorecerá o desenvolvimento de todos os jogos e brincadeiras futuras.
l. a Fase da Brincadeira Dramatizada
a = fundo de quintal
a = fundo de quintal – SENTIDO GERAL
b = faz-de-conta
Esta fase expressiva é vivida na faixa etária que se inicia aos quatro anos, e pro longa-se até os seis anos, quando a outra fase, que estava embrionária, aparece e prolonga-se até os dez ou onze anos, dividida entre faz-de-conta e intenção realista. O fundo de quintal será “jogo dele próprio” na situação dramática proposta. O eu atuante-participante enriquece e equilibra-se com experiência expressiva, acomodando os atritos que surgem na gradatividade descoberta das regras e valores que orientam a sua sociedade. O “jogo dele próprio” significa que a personalidade do indivíduo e seu modo de viver predominam e caracterizam no desenrolar criativo. Nessa fase o atuante-participante realiza uma trama dramática ou uma construção estórica de pouca duração, efetivando um único nó dramático, dando à situação um trata mento finalista. Vive na imaginação as ações que ligam o princípio ao fim, sem, contudo concretizá-las numa vivência exterior. Essas ações intermediárias são par ticularidades no esquema geral do tema e situações criadas, nada alterando para ele, que busca apenas o seu contentamento. Assim, o orientador de teatro-educação, ou teatro em arte-educação, deverá contentar-se em canalizar e disciplinar os elementos da atuação, sem forçar a presença de outros elementos construtivos que poderiam emprestar maior estética e co municabilidade ao jogo.
O brinquedo dramatizado ou brincadeira dramatizada, particularmente o fundo de quintal, é uma manifestação expressiva espontânea da idade pré-escolar. O fundo de quintal ainda que jogado em grupo, não é uma expressão criativa grupai. Diremos que são elementos agrupados e justapostos enquanto comportamento de atuante-participante e resultado. Cada um, de por si, realiza seu jogo em torno de uma temática central ou simplesmente de um estímulo. O jogo estrutura-se com as derivações particulares de cada um e de maneira pessoal construirá o do “personagem”.
Características de Fundo de Quintal
Nos primeiros instantes de uma brincadeira dramatizada, o atuante-participante assume traços dos personagens, porém os abandona, em seguida, em favor de seu próprio comportamento e gosto. Assim, o personagem, ainda que vegetal ou animal, andará, correrá, comerá, falar á (entonação, inflexão, vocabulário) como o participante.
Os temas preferidos serão as festas de aniversário, as situações de casinha, ninar filhos, fazer arrumações, trabalhar para o sustento da família, ralhar com os filhos, medicá-los. Poderão acontecer como cenas-situações isoladas ou fazendo parte de uma pequena trama. Nesta fase, mais próxima da precedente exteriorização simbólica, não há “estória”, mas uma relação afetiva simbolizada; aqui a imaginação constrói uma pequena estória constrói rudimentarmente personagens, elabora materiais funcionais que apoiam o jogo. No limite superior da fase podemos reconhecer o fascínio que o mundo dos animais exerce sobre o atuante. No entanto, esses animais estarão numa condição humanizada. O personagem criado é apenas uma motivação psicodramática para que o atuante desenvolva a sua própria movimentação. A expressão corporal é, nessa fase, mais importante como instrumento para comunicação expressiva que a palavra. O movimento é, principalmente, o meio de comunicação dos sentimentos e das ideias. Nele, está a força geradora de criação do “fundo de quintal”.
Os papéis criados resumem-se unicamente no protagonista podendo estar em atuação mais de um protagonista (apenas enquanto quantidade, pois serão do mesmo tipo) como mais de um antagonista. Ex. Um bando de lobos que procura comida encontra um bando de coelhos que faziam aniversário e que promoviam uma festa. Os papéis não são assumidos definitivamente. Assim, quem é o protagonista passará a antagonista segundo a motivação do momento.
Em relação aos materiais de apoio, que não são agregados ao jogo, observamos que obedecem um estrito sentido funcionalista. Se na fase anterior – exteriorização simbólica – os materiais possuíam o sentido de materializar-se ou ser um conduto afetivo, nessa fase começam a adquirir uma função de objeto. O jogo necessitará de poucos objetos e qualquer latinha será usada como panela, qualquer pano será uma capa a ausência de materiais não é sentida como frustradora e não impede a realização do jogo – brinquedo – dramatizado – talvez porque, principio, o desenrolar dessa ação requer um espaço amplo, aberto, indefinido, sem qualquer espécie de limite definido, facilitando a criatividade do atuante que corre e percorre desenrolando a trama que vai sendo criada. Observamos que o elemento construtivo de maior importância é o movimento e suas relações com o espaço.
b = faz-de-conta – SENTIDO GERAL
O faz-de-conta é a nova experiência. Será o jogo de “brincar de teatro”. Este continua sendo uma oportunidade para canalizar e equilibrar as emoções; reconhecer e discutir o conhecimento, criar espontâneas e gratuitamente. As descobertas do eu em face da sociedade encontram no desenvolvimento da expressão dramática oportunidade para desenvolver os conflitos inerentes daquelas descobertas e acomodações.
Essa fase do brinquedo dramatizado coloca em evidência, no nível da criatividade e do comportamento, os reflexos da sociedade, a experiência dramática no nível da atuação. As experiências anteriores de expressão dramática vão preparando gradativamente o indivíduo para assumir integralmente o seu papel de participante, criador de situações, diversificando cada vez mais e progressivamente seus papéis.
Em última análise, representa, embora refletindo sem espelhar (não esqueçamos que essa é uma atividade criativa), o macrocosmo das relações psicossociais da sociedade em que ele, participante, existe. Dessa verificação podemos inferir que uma prática social formativa prepara e discute os vários papéis que o indivíduo cria e tem naturalmente no cumprimento de sua dinâmica pessoal e coletiva.
Nessa fase do brinquedo dramatizado, o faz-de-conta ou brincar de teatro, o atuante do faz-de-conta é a tal ou a qual personagem em determinada situação, que é criada a partir dele próprio em sua função. Somente nas fases mais expressivas superiores (não nos referimos a valores) teremos o participante partindo de uma ideia ou motivação, configuradamente exterior, convergindo para si e propondo uma solução, na medida de sua criatividade, inventividade e imaginação. Em síntese, nas duas etapas de brincadeira dramatizada, fundo de quintal e faz-de-conta, ele, o atuante, é o jogo. Situação que irá até a fase inicial da experiência do realismo e que será modificada gradualmente, até alcançar o jogo dramático, quando o participante será o intérprete de um jogo qualquer de relações, adquirindo o significado de atuante-ator. Desde que aparece autônomo em relação ao participante, o personagem perde a classificação genérica como: objeto, o amigo, o ladrão, para: o bispo Antônio, o amigo João, etc.
O faz-de-conta é ainda uma atividade expressiva de elementos agrupados sem características de criação coletiva. Os participantes do jogo se contrapõem e justapõem com um comportamento criativo, cujo resultado exemplificaremos com uma colcha de retalhos. A imaginação sobrepuja a realidade e reformula agressivamente as apreensões do meio ambiente. A ficção é uma força que demonstra a capacidade do ser humano em vivência, hipóteses as mais originais e longínquas.
Observar um grupo nessa fase é, sobretudo, apreciar arte dramática. Essa brincadeira dramatizada possui contornos de uma linguagem estética definida, trazendo uma ludicidade refinada, derivando ingenuamente para um tragicômico, embora não haja da parte do participante a intenção da criação de gêneros ou alguma preocupação com classificação estética. Essas observações são particularmente dirigidas à brincadeira dramatizada da criança, que é “original na sua forma de percepção de experiências de vida e nas suas fantasias” (5). Os grupos adultos, na mesma fase de experiência expressiva, estão particularmente condicionados e embotados na sua capacidade criativa. Para estes, inicialmente, restará apenas a pobreza de fórmulas estereotipadas, em contradição com a possibilidade e mesmo a obrigatoriedade de se expressarem espontaneamente. Geralmente começam pelo realismo na medida do modelo teatral absorvido e do senso comum. Gradativamente, passam para o faz-de-conta, fase em que a maioria deixou a expressão dramática. Suas estórias não são as mesmas que as crianças desenvolvem na mesma fase, porém a maioria das características estão presentes (inclusive as lutas pela sobrevivência), permitindo que também a nominemos de faz-de-conta.
No brincar de faz-de-conta a estrutura estética, ou o comportamento comunicativo, transmitindo emoções e sentimentos, corresponde de tal maneira ao indivíduo e com esse está imbrincada que não pode ser considerada um achado ou produto de uma inspiração poética, porém uma propriedade que esse atuante recria e que pertence historicamente à humanidade. Podemos encontrar uma equivalência de atuação e apresentação nas dramatizações medievais, certamente com os limites peculiares de cada tempo histórico, na elaboração de seus mitos. A propósito do sentido e da representatividade das dramatizações medievais, encontramos na obra de Jean Duvignaud (6) o seguinte parágrafo: “As sociedades ocidentais da Idade Média representaram e viveram dramaticamente os atos essenciais da vida. Desde a parte até os torneios de amor, as condutas e os papéis acontecem diante do público. Não é estranho que as festas organizadas, verdadeiras liturgias civis, tenham jogado nesse período um papel determinante naquilo que chamamos o conjunto dos acontecimentos, a história coletiva”. Na Idade Média aqueles que executavam tarefas em jogos dramáticos possuíam condição de atuantes-participantes, não realizando a metamorfose em razão dos temas, que geralmente eram frutos da ideologia cristã ou representavam fielmente vidas sagradas. O aparecimento do ator, no sentido teatral da palavra (aquele que encarna sentimentos e condutas imaginárias), data do fim desse período, no momento em que, pela divisão do trabalho, constitui-se o grupo social dos comediantes (7). O atuante-participante medieval empregava sua criatividade e força expressiva para animar com movimentos e palavras um determinado personagem, sem contudo procurar metamorfosear-se. “Ser” Jesus ou Maria, além de ser pretensão era heresia. Nikos Kazantzakis constrói a trama de seu livroCristo recrucificado em torno de uma dramatização coletiva numa pequena aldeia grega, que pretendia, como era tradição, reviver a estória da paixão de Cristo. Na sequencia do romance acompanhamos o drama de um jovem escolhido para ser o Cristo e que não se sentindo absolutamente puro entrega-se à solidão e ao jejum. No mesmo processo, aquele que será o Judas também escolhido entre os membros da comunidade, sofre, maltratado e repelido pela população. Assim também vive a mulher que será Madalena e todos que encarnam outros papéis pouco simpáticos no drama. Cristo e Judas purgam suas penas através dos personagens eleitos. Esse atuante-participante não deseja colher aplausos da plateia em sinal de reconhecimento por uma grande atuação cênica conquistada com todas as dores e trabalhos. Ele deseja a aprovação de Deus e os bens da vida eterna. Por eles aceitou representar o papel. Essa “teatralização social” chega ao seu ponto máximo no romance de Kazantzakis quando aquele que representaria o Cristo assume as injustiças e as dores de seus concidadãos, investindo contra os poderosos que oprimem a população. Cristo e homem fundem-se pela semelhança de contexto social, e como o Cristo, o homem é sacrificado. Essas verdadeiras liturgias civis ou dramatizações sociais continuam existindo em sociedades mergulhadas no subdesenvolvimento, num contexto socioeconômico que se aproxima do medieval em comparação com o desenvolvimento atual das regiões muitas vezes próximas. No Brasil a paixão de Cristo é revivida, assemelhando-se à organização medieval, na cidade pernambucana de Nova Jerusalém. Muitas dezenas de pessoas do lugar e dos lugarejos próximos se reúnem aos artistas (comediantes) que são contratados para reviver a paixão durante a Semana Santa. Da mesma forma que na Idade Média ou como relato de Kazantzakis, os participantes devotam-se à tarefa dramática com religiosidade, ensejando um tipo de comportamento, em face da dramatização, que podemos caracterizar como faz-de-conta.
Características do Faz de Conta
Na elaboração do faz-de-conta, o indivíduo não está empenhado em representar bem e bem caracterizar. Ele ilustra com seu desempenho os fatos mais representativos para ele e seu grupo. Ele, atuante, sabe de antemão o que se passou historicamente e, sem receio de quebrar a magia da ilusão, anuncia-o a seus companheiros e a seu eventual público, descomprometendo-se da intenção de enganar o tempo do verbo e dar a impressão que tudo se passa pela primeira vez.
Esse anúncio acontecerá de duas formas:
1) Ele (atuante) age demonstrando o fato e verbaliza o fato já acontecido; o verbo, então, estará no passado (comentário retrospectivo). Exemplo: Verbalização – Eu agarrei o cara pelo pescoço e… pulei a janela… Ação: agarra o antagonista (atuante-personagem, presente) pelo pescoço e… pula a janela…
2) Eu agarro o cara pelo pescoço e… pulo a janela…; Age demonstrando o fato e verbaliza com o verbo presente. Ação e comentário verbal simultâneo.
Através da particularidade da atuação verbal, podemos também correlacionar o faz-de-conta com o teatro Nô japonês. Anatol Rosenfeld (8) assim se refere ao Nô: “… o teatro é portanto caracterizado como teatro e faz-de-conta. Embora curta, a peça “Nô” tem caráter épico, pois a ação é geralmente recordada e não atualizada. Trata-se de peças sobre uma ação e não da ação propriamente dita”.
O faz-de-conta gira, quase sempre, em torno de necessidades fundamentais. O tema preferido, central, e tratado generalizadamente, é a luta pela sobrevivência: a procura e o trabalho para obter alimentos, brigar com os inimigos divertir-se. Marcadamente, alguém será punido nesse combate, assim como alguém fará uma conquista, só ou em grupo.
O faz-de-conta revela com autenticidade o sentido dramático que possuamos e que usamos intuitivamente, ludicamente. Exemplo: Uma pessoa relatando a outra o roubo acontecido em sua casa. Ingenuamente, nessa fase, encontramos separado, e com rigor, o bem e o mal. O bem estará representado pelas coisas ou personagens bonitos (o que é agradável) e o mal pelo feio (o que é desagradável). O interesse que os atuantes de qualquer crença possuem para criar jogos, com a encarnação do mal configurado no diabo, da morte em sua configuração clássica, faz ressurgir mitos arcaicos, que a imaginação soluciona em situações abstratas para esses atuantes participantes. Essa colocação declarada do bem e do mal interferirá na divisão dos atuantes para a animação dos personagens. Ultrapassadas as primeiras dificuldades e objetivando-se o grupo que está ali para jogar, alguém deve fazer, mesmo que não goste muito, determinado papel. Os atuantes, frente aos papéis pouco simpáticos, distanciam-se, reforçando um tipo de participação que descrevemos anteriormente, ou seja, ilustrar apenas com atitudes corporais e verbais, sem realizar uma caracterização. Essa é a natureza do desempenho que, se não obedece normas ou intenções estéticas, revela, no entanto, a organização mental do atuante e seu nível de operação, deixando claro que o personagem em jogo não é imaginário na realidade.
Para exemplificar o aspecto, relataremos uma experiência infantil acontecida na Escola de Arte de São Paulo, em 1968.
Os atuantes participantes tinham entre sete e nove anos de idade. O grupo era heterogênio, dividido entre alunos que frequentavam a escola de arte desde algum tempo (dois em média) e outros recém-chegados (um semestre de frequência). Aqueles já possuíam um desenvolvimento expressivo e criativo que permitia estabelecer as regras do jogo, provenientes da interação atuante-ator. A fase do faz-de-conta estava praticamente ultrapassada e já buscavam uma realização realista incluindo posturas ilusionistas e metamorfose. Os outros atuantes-participantes, com um semestre de frequência, logicamente não possuíam domínio total da atividade expressiva. Com esses participantes uma reunião criativa foi montada para desenvolver um tema proposto pela direção da Escola de Arte Brasil, em comemoração ao centenário de Gandhi. No capítulo “Descrição de Experiências”, vamos aprofundar a discussão dessa proposta: por ora, nos interessa, na medida da apresentação da fase do faz-de-conta, descrever apenas uma cena de pequena montagem. Os participantes faziam-de-conta…
… que eram soldados e assaltaram uma praça onde o povo estava serenamente mercando e conversando. Na luta travada entre o povo e soldadesca, os soldados mataram os indianos, porém esses (a maior parte que animava os personagens indianos era do grupo de atuantes recém-chegados), se recusaram a morrer apesar de metralhados. A lógica dramática não apenas nada significava como contra ela os atuantes se revoltaram porque não admitiam serem vencidos. Com gritos de “não vale” “assim não vale”, o jogo ficou confuso, embora alguns atuantes continuassem a trama dramática acrescida desse último acontecimento inesperado. A situação realmente chegou ao caos quando um dos soldados ingleses amarrou um pano no pescoço de um dos soldados indianos e arrastou-o enquanto acusava: “Ladrão de automóvel! Vai preso! Ladrão de automóvel!” O atuante indiano deixou o jogo porque ele não era ladrão, nunca havia roubado coisa alguma. Vale ressaltar que a escolha dos papéis foi feita livremente, porém esse fato não determina uma obrigatoriedade por parte do atuante em assumir, incorporando o personagem com todas as implicações. O atuante participante chegará ao momento de ser ator-atuante.
Outra característica do faz-de-conta, que observamos, é o atuante dirigir-se a outro em plena ação pelo nome social e não pelo nome do personagem, seja gente, coisa ou animal. Será uma norma na etapa mais próxima à fase do fundo de quintal, já desaparecendo na etapa mais próxima à fase posterior, ou seja, à segunda fase da brincadeira dramatizada, cujas características serão ilusionistas por pretensões e necessidades de realismo.
A expressão oral ganha importância no jogo ainda que o movimento continua sendo a grande força geradora de novas ações, assim como a linguagem mais adequada para transmitir os sentimentos. A importância ocupada pela linguagem oral é ganha pouco a pouco, na medida, também, em que a estrutura da brincadeira dramatizada passa a necessitar de diálogos curtos. Se o movimento é a força básica que gera novas ações, a palavra antecederá, estimulando como justificando tudo que acontece durante a brincadeira. Nessa fase, os diálogos são econômicos e prendem-se, quase que unicamente, à informação. Não temos ainda o discurso dramático, mas apenas a palavra chave ou a palavra indicando uma circunstância que será vivida ou que esteia sendo vivida.
Os diálogos podem acontecer paralelamente sem uma interpretação lógica (do acordo com a estória em curso). Exemplificando: dois ou mais atuantes prosseguem um diálogo referente a uma ação X, outros dois ou mais atuantes prosseguem a ação num diálogo Y. Se a resultante for uma decisão (sobre qualquer coisa) divisória, teremos o grupo automaticamente fragmentado, partindo para soluções diferentes. No desenvolvimento que se segue, ou um grupo discordará do outro, parando inclusive a ação dramática para discutir, ou espontaneamente, sem parar a ação dramática, combinará as duas vontades e experiências, encontrando um prosseguimento fruto dos conflitos anteriores. Os diálogos paralelos podem ter uma característica dispensável, não influindo no desenvolvimento da trama ou enredo em curso. Exemplo: simples comentários sobre um ou outro personagem, ou sobre a estória, ou ainda sobre a pessoa do atuante.
Os diálogos paralelos poderão estar em cenas simultâneas, montadas a partir de um mesmo tema inicialmente desenvolvido por todo o grupo. Do diálogo poderá originar-se uma outra dramatização que será levada adiante por uma fração do grupo inicial e que, gradativamente, se distanciará da dramatização original.
Em relação aos materiais de apoio à dramatização, diremos que são indispensáveis para a concretização das ideias. Nessa fase do faz-de-conta já há quase que a condição de materiais de caracterização. Os materiais de apoio à dramatização são divididos e escolhidos atendendo a duas funções básicas: construção de local e para enfeitar os personagens.
Os cenários são montados na medida das necessidades impostas pela improvisação, porém inicialmente é construído aquele que corresponde à localização central do tema que será improvisado. O “cenário” inicial será transformado em outro local sem que para isso seja necessário parar a dramatização. Uma outra alternativa será construir, na medida que a improvisação prossegue, outros locais que possam ambientar a ação. Com o desenrolar da dramatização teremos vários “passos” que os participantes ocuparam, abandonando-os um a um. Nesses “passos” podem ocorrer, e são frequentes, as cenas simultâneas na situação descrita anteriormente.
Ainda, em relação a ambientação, observamos que na fase do faz-de-conta a ação dramática tende a concentrar-se (na fase anterior ela se dispersa) e conferir ao espaço uma condição de local. Portanto, a construção de “cenários” é uma consequência lógica e indispensável, sobretudo porque as relações do atuante dessa fase necessitam de referências concretas, palpáveis. Os cenários obedecem também à postura do faz-de-conta.
Na elaboração dos cenários, verificamos a força da imaginação e da fantasia, que confere desenvoltura à essa fase expressiva e produz uma possibilidade de criação superior a outras fases. Entretanto, a utilização desses espaços construídos, ou “cenários”, é marcada por uma funcionalidade realística originária da vivência do participante no nível de seu cotidiano. Exemplificando: a dramatização exige uma casa, ela é montada com originalidade, obedecendo sua criação principalmente à imaginação, que determina formas inusitadas. Porém guardará o esquema de funcionamento de uma casa vulgar: ela terá um exterior e um interior, e as ações usualmente vividas no interior serão encerradas, enquanto as do exterior serão vividas no espaço externo.
O fato da dramatização ter momentos encerrados, demonstra claramente que os atuantes não estão nessa fase interessados em construir um trabalho com uma significação comunicadora extensiva, basicamente uma relação palco X plateia. Desse raciocínio podemos inferior que qualquer estímulo para que as crianças ou adultos elaborem peças-espetáculos, será imposição, e os resultados estarão apenas num nível de mecanização, repletos de estereótipos. Outro ponto que merece atenção é o fato da dramatização se desenrolar num local fechado por quatro paredes e, sendo necessária uma casa, não considerarem os atuantes as quatro paredes do local onde se encontram como as quatro paredes que necessitam. Mais adiante, na Bincadeira Reacista, é que iremos encontrar a solução.
Complementando a ambientação do espaço no apoio à dramatização, os materiais de adorno contribuem para que a dramatização responda mais integralmente à natureza instintiva de imitação (mimése) (9). As vestimentas e, eventualmente, as máscaras, aparecem espontaneamente, realizada por cada um dos participantes no decorrer ou no início da própria brincadeira dramatizada. Muitas vezes o encontro desses materiais se tornam o estímulo básico necessário para iniciar a improvisação. Então teremos uma improvisação a partir de personagens que foram criados individualmente e que devem se relacionar numa trama com as características já descritas. O momento em que os atuantes se enfeitam (não se caracterizam: vide contexto da brincadeira dramatizada, já descrito) pode ser considerado não apenas como um momento anterior (preparação), mais como o próprio desenrolar da brincadeira dramatizada, pois já existe um relacionamento inter participantes ao nível da ficção. As velhas roupas de baú exercem uma atração e possuem o poder de direcionar a dramatização. Esse é um aspecto que será negativo porque condicionador e restritivo, caso o orientador não saiba manipulá-lo conscientemente a favor da criatividade e do desenvolvimento da expressão dramática. No período mais excessivo do faz-de-conta as roupas de baú são usadas transfiguradamente, mas obedecendo a uma função determinada. Um chapéu será uma bolsa ou um sapato talvez passe por um disco de eletrola. Um guarda-chuva fará-de-conta que é um bebê dormindo. No período superior da fase da brincadeira dramatizada, e que chamamos de etapa de intenção realista, esse material de baú estará condicionado à sua forma e uso convencionais.
Sintetizando, as possíveis estruturações dramáticas dessa fase são:
1) Dramatização acontecimento num. só cenário com todos os atuantes concentrados e respondendo à proposta em questão.
2) dramatização acontecendo em dois cenários diferentes, com divisão dos atuantes e formação de diálogo paralelos pertencentes à mesma estória.
3) dramatização acontecendo em dois cenários diferentes, com divisão dos atuantes, diálogos paralelos, sem relação, acontecendo então uma dramatização diferente da outra – estórias totalmente independentes.
a) Dramatização num cenário só, com. formação de diálogos paralelos, obedecendo ao mesmo tema entre dois atuantes ou mais.
2. a Fase da Brincadeira Dramatizada
Intenção Realista e Realismo
Anteriormente não encontramos uma defasagem entre aquilo que o atuante-partipante deseja e o produto que alcança. O ideal era alcançado e alguma dificuldade impedia um melhor resultado estava sempre localizada no comportamento social de um ou de outro atuante-participante, e não na reavaliação em si. Na brincadeira dramatizada – realista vamos encontrar uma defasagem entre a vontade e a intenção do participante, e o produto conseguido, sendo que essa constatação é encontrada no momento em que ele avalia o resultado, após a improvisação. No processo expressivo das artes plásticas, o indivíduo, na medida em que tem diante de si o trabalho, vai criticando, reelaborando, constatando a defasagem entre suas intenções e o resultado, tendo facilitada concretamente a busca e o encontro de técnicas que o levem a alcançar o desejado. No processo dramático, essa operação é mais complexa. Pois o indivíduo é o material com o qual se trabalha. Se o ato dramático é uma improvisação total sem qualquer apoio pré-estabelecido, a operação ficará num nível ainda mais abstrato e diluído. A improvisação total ou jogo de momento foi, até então, a maneira marcante e, digamos, única da brincadeira dramatizada; mas agora o indivíduo recorre à brincadeira basicamente planificada, que corresponde, dentro de sua própria condição, à materialização expressiva do processo plástico, possibilitando a comparação do resultado com as ideias motivadoras da ação e dando condições também do encontro de meios e técnicas que façam da intenção uma realidade. Tanto nas artes plásticas como na arte dramática, nesse período pré-adolescente, o indivíduo tem como intenção expressar-se realisticamente. No desenho, por exemplo, a terceira dimensão é um dado de realidade manifestado pela busca de perspectiva, e que ocorre em sucessivas tentativas, que vão do chamado “rebatimento” (10) ao modelo da realidade. Equivalendo à terceira dimensão, teremos na expressão dramática a busca da unidade entre espaço-tempo e ação, o que resulta, como aquela, na provocação do efeito ilusionista.
A intenção realista ou intenção de modelar é consequência de um amadurecimento mental, de um desenvolvimento da percepção, que muda o ponto de vista do atuante e o conduz gradativamente a uma “descentralização” (11), colocando-o diante de uma realidade de que faz parte. As primeiras manifestações dramáticas sempre revelaram a realidade, porém essa estava restrita, na concepção expressiva, a ser mostrada ou revelada com base na sua diminuta vivência, incluindo o aspecto afetivo-emocional. A fantasia e a imaginação que caracterizava a expressão dramática do fundo de quintal e faz-de-conta vai cedendo lugar ao reconhecimento objetivo da realidade, sem que essa transformação ocasione sua perda. A emoção, o sentimento, a imaginação, são e sempre serão constantes, porém sua significação no processo expressivo varia de fase para fase.
Quanto mais avançada estiver a fase da intenção realista em direção ao jogo dramático, etapa que se seguirá, menor a defasagem entre a intenção de realismo e o produto realista que, numa expressão mais apropriada, poderíamos chamar de verismo. A fase é marcada por uma filtragem intelectual. Desde o início da expressão dramática, sempre esteve ativa a capacidade intelectual e, aqui, sua predominância nos leva a perceber que o universo do atuante se ampliou, incorporando, ainda que em traços leves, porém voluntários, a circunstância extensiva da comunicação teatral ou a inter-relação simultânea entre ator-atuante e plateia.
Nas fases anteriores que descrevemos, os atuantes-participantes não apresentavam a ordem de sucessão dos acontecimentos, o que equivale à unidade de espaço-tempo-ação; o acontecimento mais importante, ou seja o núcleo do conflito, podia ser apresentado após cenas que não estavam numa ordem lógica de sucessão dos acontecimentos, sendo cenas vividas sem relação causal, mas apenas aparentemente. Na fase presente relatamos que o participante exige a apresentação encadeada pelos acontecimentos, e para isso tenta organizar-se mentalmente e instrumentalmente (planificação da estória, cenários, roupas, organização e distribuição dos papéis) para realizar a sua expressão. Não responde mais às suas necessidades as cenas independentes, a improvisação total no jogo do momento e resolução dos problemas apenas intuitiva. Na verdade, o atuante-participante, nessa fase, mesmo que deseje um jogo de momento não tem condições de realizá-lo, pois agora possui um número maior de informações para serem ordenadas e interpretadas, e não lhe basta resolver a situação-problema da maneira como resolvia anteriormente. O desafio em que se encontra é uma constante produtiva no processo de desenvolvimento da capacidade criadora e expressiva.
A apresentação dos fatos, dentro de uma dinâmica de causa-efeito, na progressão espontânea da capacidade dramatizadora, vai além do faz-de-conta-que-é. Ela pretende ser ou ela quer ser-sendo; essa é uma das razões que nos leva a considerar o ilusionismo como uma consequência da intenção realista, própria do amadurecimento, e não como a opção de atuante por um tipo de representação da realidade.
A sucessão dos acontecimentos terá como ponto de partida o início real, evoluindo para as cenas intermediárias e o final, seguindo sempre, enquanto intenção do participante, a vida e não o teatro, na acepção total de seu significado estético. Anteriormente, o começo da apresentação dramática surgia assim como desaparecia, pois ali nada havia de conclusivo, sendo ela própria um estado. Os atuantes-participantes da intenção realista dão margens, quando apresentam sua estória, às nuanças e discussões que, originadas de um fato, provocam outros. Ele procura seguir rigidamente ou esquematicamente, apresentando os contornos, sem penetrar pelo caminho das variáveis que criticamente criaram uma nova ordem dos acontecimentos.
A postura do participante, como sua expressão modificou-se gradualmente, sendo que, nessa fase, ele se coloca diante do momento de fazer teatrinho, rejeitando toda interferência que quebre sua intenção. Assim ele chamará seus companheiros de atividade pelo nome dado ao personagem. os nomes próprios dos personagens, chegando até a conservar essa denominação, passado o momento da atividade. As discussões entre os participantes sobre o comportamento negativo que impede a realização do teatrinho é o grande desafio dessa fase, o que solicita do orientador do teatro-educação um conhecimento profundo de todos os participantes do grupo, dentro e fora da sala de expressão. Esse fato, ligado à conquista dos meios que levam de uma intenção realista ao produto realista, via de regra é o fator de desestímulo e abandono do processo criador-expressivo em grupos formalmente constituídos numa escola de arte, escola curricular, ou ainda nos grupos espontâneos formados pelos próprios participantes. O relacionamento entre os participantes é, sem dúvida, um fator de sucesso ou fracasso da experiência, mesmo em grupos que tenham o teatro como ocupação comercial. A realização dramática solicita um alto nível de socialização por parte da equipe, talvez na mesma medida que o teatro tem condições para discutir e socializar a sociedade que existe.
O espaço e a caracterização estão agora limitados pela intenção realista e ao mesmo tempo pela consciência que o atuante possui diante de seu próprio ato (que ele sabe ser mentira, mas com ele concordando como proposição inicial), a partir da qual assume um compromisso com a verdade.
O participante chega ao realismo mais depressa na construção espacial do que na eloboração dramática que envolve uma abstração mental maior e mais complexa. A preparação do cenário é uma atividade mais gratificante (pois que concreta) do que a elaboração e representação da estória. Muitas vezes os grupos se empolgam com a realização espacial, desprezando sua finalidade dramática inicial. Porém a funcionalidade é mantida segundo as necessidades da estória pré-fixada. Quando se trata de uma improvisação total ou (sem a mínima planificação) jogo de momento, os cenários são reduzidos a um esquema básico, obedecendo a intenção realista, acentuando-se durante a improvisação os elementos enriquecidos. Essas ocasiões são bastante raras entre o número de cenários planificados conforme as necessidades dramáticas.
As roupas, maquiagem e outros elementos de caracterização seguirão o mesmo esquema da planificação e utilização realista, sendo rejeitadas soluções teatrais como máscaras superpostas ao rosto ou pintadas no próprio rosto.
Nessa fase, os participantes farão a distribuição de papéis a serem encarnados, exigindo um respeito à determinação, porém esses papéis serão cumpridos quando cada um escolhe o seu.
Não admite imposições autoritárias para sua atuação, pois ainda guarda sua experiência anterior como regra moral para sua experiência dramática.
A expressão oral tende a dominar a expressão corporal, dando a intenção realista os primeiros passos em direção à formulação de um texto, que surge como um roteiro de ações e alcançará posteriormente a realidade de um texto escrito e notado de fase, a oral, e com a fascinante possibilidade de descobrir o significado das palavras, outra forma, segundo a criatividade e o espírito inventivo dos participantes. Podemos imaginar que um grupo tenha por texto um trabalho gráfico incluindo linhas, sinais matemáticos, palavras ou entre uma infinidade de outras possibilidades, palavras e sinais de pontuação, como Machado de Assis realizou “O velho diálogo de Adão e Eva” nas Memórias Póstumas de Brás Cubas. Um bom trabalho expressivo dramático também é representado pela ação, sem violentar a linguagem que é, nessa fase, a oral, e com a fascinante possibilidade de descobrir o significado das palavras, organizá-las, descobrindo-lhes o som, inventar-lhes novos sentidos, e novas palavras para novos sentidos.
Além dos temas inspirados na sua própria vivência, o participante dessa fase tem preferências por estórias heroicas que leu ou viu no cinema. A televisão é, hoje em dia, uma fonte de inspiração para essas dramatizações heroicas, assim como as revistas em quadrinhos. O heroísmo é, de um modo geral, a postura essencial e o leitmotiv. Constantemente são construídas estórias à semelhança dos acontecimentos, em evidência na sociedade. Exemplo: Viagem à Lua, campeonatos de futebol, etc… Esses acontecimentos são divulgados e explorados até os limites da saturação pelos meios de comunicação de massa, alcançando até uma audiência “ausente”, como por exemplo, as populações interioranas distantes, que não possuem aparelhos elétricos ou mesmo redes elétricas. Nessas localidades, verificamos que a informação e a mitificação dos ídolos dos campeonatos, viagens espaciais, demonstrações militares, também acontecem, porém transmitidos indiretamente por viajantes de passagem, parentes chegados da capital, pela literatura de cordel, cantadores populares de desafios e outras modalidades. O mito do herói toma roupagens da sociedade histórica em que vivemos, roupagens fornecidas pelas determinações econômicas, políticas e sociais. Para o participante que vive na sociedade urbana, em contacto direto e constante com a propaganda e a comunicação de massa, é obrigatória e compulsória a presença desses acontecimentos e personagens em suas dramatizações. Através, e quase que exclusivamente, da ótica de comunicação de massa, o participante demonstra a visão do mundo, e somente através da recriação crítica dos mesmos elementos ele poderá acrescentar outras temáticas de seu próprio interesse que se encontram encobertas.
Jogo Dramático
A fase seguinte à brincadeira dramatizada é a do jogo dramático, diferenciando-se da brincadeira anterior (que, lembremos, também era um jogo) por possuir regras próprias que são manipuladas pelos atuantes-atores numa experiência grupai. O jogo dramático é uma atividade estética onde os indivíduos que participam revelam em estágio mais avançado de suas qualidades lúdicas, associadas à flexibilidade da personalidade em encarar papéis que não são os seus, embora possam com eles se identificar. A dramatização, ao longo do tempo individual, começou pela exteriorização afetiva através de circunstâncias simbolizadas e chegou, através das brincadeiras, a esse estágio que chamamos de jogo dramático, como forma esquemática definida, tendo a vida como ponto de referência. Durante o fundo de quintal e o faz-de-conta, a dramatização era um estado de vida, passando, nessa fase, a vida e o teatro a se desdobrarem em duas possibilidades de uma mesma manifestação, buscando cada uma finalidade, e o teatro tem em si sua própria finalidade. Caminham paralelos, ora a vida, ora o teatro, numa espécie de rivalidade integradora,
Nas fases anteriores eram fundamentos a recreação, as relações do indivíduo com o mundo (principalmente subjetivas) e a capacitação mental para resolver e mostrar essas relações. Esses fundamentos prosseguem, porém transformados em uma experiência descentralizadora. A recreação será de caráter coletivo, implicando num contentamento próprio e num aproveitamento lúdico de todos. À prática social coletiva juntar se á aquela que foi a primeira motivação (subjetiva), sendo que o pensamento lógico e a intenção deliberada recriarão essas determinantes. O indivíduo é agora um intérprete de um jogo qualquer de relações. Como um pássaro que, em sucessivas tentativas, pretende colocar-se de pé e voar, o atuante-ator ganha novas dimensões, e não é mais possível analisar e caracterizar uma dramatização a partir do indivíduo participante,
A consciência de si e do meio aplicado para a manifestação, deixa ao atuante-ator uma liberdade de movimentos no desenrolar de uma linguagem composta criativamente. Os atuantes-atores voltam os seus esforços para uma expressão comunicável inter-participante, e desta para os espectadores, mediante a convenção básica do teatro, que é o jogo dramático. Este será um jogo ilusionista, como por exemplo, o drama naturalista; será anti-ilusionista, como o teatro de Brecht; ou ainda, recorrerá a outros modelos, podendo logicamente criar novas formas de representação.
A dramatização continuará como elemento vital, seja na teatralizacão social ou no teatro no sentido próprio da palavra, com os atores representando seus papéis obrigatórios na sociedade, ou, na condição de comediantes, encarnando personagens imaginários. A capacidade dramatizadora do homem torna o teatro uma propriedade comum. Baseados nesse fato, os artistas e educadores, através da compreensão histórica do desenvolvimento do teatro, chegaram a criar o movimento de teatro-educação.
Objetos Intermediários
Objeto intermediário é tudo aquilo que possa servir como mediador entre personagens e participante, fazendo do atuante apenas um suporte e deslocando-o para um segundo plano.
As máscaras, como os fantoches, marionetes e outras formas de bonecos, são objetos intermediários que possuem a função básica de distanciar a criação de seu criador, dando a esse a condição de um observador. Essa função distanciadora tem mais sentido no teatro de fantoche e nas máscaras móveis, como a máscara oriental, que é segura pelo participante por uma vara, dando-lhe alternativas variadas na exposição do personagem. As máscaras, como os fantoches, não precisam ser necessariamente aquelas que conhecemos e que podem ser adquiridas nas lojas especializadas, ou realizadas por um artista plástico. Consideramos máscaras o que cobre o rosto tornando ausente o participante, parecendo o personagem ser autodeterminado, e fantoches toda a espécie de coisa que receba animação, entrevendo-se o participante.
Os objetos intermediários não são do mesmo modo realizados em todas as fases da progressão dramática espontânea e nem aceitos do mesmo modo. Na fase da intenção realista o objeto intermediário é rejeitado pelo participante, pois que esse necessita afirmar-se sem qualquer expediente que o desloque do primeiro plano. Na primeira fase da brincadeira dramatizada, fundo de quintal e faz-de-conta, o objeto intermediário, principalmente a máscara, responde ao jogo da imaginação que caracteriza essa fase. É realmente a etapa em que poderemos observar a criatividade, elaborando os mais inusitados objetos intermediários de atuação. Uma frigideira colocada atrás de um anteparo e segura pelo cabo poderá ser o sol, quando a sua face anterior estiver deitada para a plateia, e ser a lua, quando a sua face posterior estiver voltada na mesma direção. O jogo com fantoche pode ser desenvolvido com o corpo, com a cabeça, pés ou mãos, caracterizados e separados da realidade corporal total. Esse tipo de dramatização é um valioso instrumento para o orientador de teatro-educação quando os participantes necessitam ultrapassar as dificuldades como a timidez, que impede a atuação direta e a agressividade que também impede, ou ainda como elemento disciplinador para todo o grupo. Independente do esforço, a dramatização com objetos intermediários, com seu valor próprio, faz parte naturalmente da progressão dramática e só dentro dessa perspectiva deve ser estimulada e proposta. Todos devem ser livres para elaborar seus objetivos intermediários dentro das suas limitações artesanais, como devem ser livres para usá-los sem qualquer obediência as regras tradicionais dos teatros de fantoches ou máscaras. O objeto intermediário, ou a dramatização do objeto intermediário exige, no teatro de máscaras, domínio corporal e, no teatro de fantoche, domínio da palavra. Vemos que estimular as duas atividades paralelamente é dar domínio de meios para o participante se expressar de corpo presente.
Com essa afirmação não estamos situando o teatro com objetos intermediários como recurso didático ou terapêutico? Não são essas as finalidades do teatro-educação. Apenas queremos valorizá-lo pelas características técnicas simples e ricas que lhe são implícitas, para desenvolver criticamente a expressividade do participante.
1. Hebert Read, Educación através del arte, Editora Paidós, Buenos Aires
2. Antônio Gramsci, Literatura e vida nacional, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1968, pp. 35, 36 e 37
3. Adolpho Appia, A obra de arte viva,. Editora Arcádia, Lisboa pp. 28-34
4. Antônio Gramsci, Los intelectuales y; Ia organización de Ia cultura, Ediciones Nueva Vision, Buenos Aires, 1972, pp. 11 a 17
5. Maria Helena Novaes, Psicologia da Criatividade, Editora Vozes, Petrópolis, 1971, p. 78
6. Anatol Rosenfeld, Teatro épico, Editora Buriti, São Paulo, 1965, pp. 104 e 105
7. Jean Duvignaud, Sociologia del teatro, Fondo de Cultura Econômica, México 1966, pp. 80 a 99
8. Jean Duvignaud, L´acteur, Editora. Gallimard, Paris, 1965, p. 46
9. Aristóteles, Arte poética, Editora Difusão Européia do Livro
10. G. H Luquet, Arte infantil, Companhia Editora do Minho, Barcelos, pp. 159-194
11. Jean Piaget, Três estudos de psicologia Editora Forense, Rio, 1972.
Joana Lopes
Integrou o Gruparte Teatro Educação de São Paulo, fundado em 1969. Desenvolve estudos especializados nas técnicas de teatro na educação. É crítico de teatro da Folha de Londrina, no Paraná, onde reside.
Obs.
Este texto foi retirado da edição especial da Revista de Teatro da SBAT, referente ao Seminário de Teatro Infantil de 1975, organizado pelo antigo Serviço Nacional de Teatro, do MEC, realizado no Auditório Salvador de Ferrante da Fundação Teatro Guairá, em Curitiba, no período de 3 a 7 de fevereiro de 1975.
Fazem também parte desta Revista os seguintes textos, que também podem ser encontrados em nosso site:
Apresentação do Seminário de Teatro Infantil – 1975, de Orlando Miranda de Carvalho e Beatriz Veiga
A Criança e a Linguagem Televisual, de José Renato Monteiro
A Coragem de Fazer Teatro Infantil, de Maria Helena Kühner
A Propósito de um Concurso de Textos para Teatro Infantil, de Oscar Von Pfull
Desenvolvimento da Linguagem Teatral da Criança, de Helena Barcelos
Possibilidades do Teatro como Processo Educativo, de José Antônio Domingues
Observação Pessoal sobre o Julgamento de Textos para Teatro Infantil, de Zuleika Mello
O Mundo Subjetivo da Criança e sua Interação com o Teatro, de Monica Laport
Realidade Atual do Teatro Infantil no Estado da Guanabara, de Ana Maria Machado
Teatro, Educação Tridimensional, de Joana Lopes