Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Flora Sussekind, Rio de Janeiro, 27.05.1983

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Palhaços ou Meninos Pelados?

Há muito tempo não se via uma temporada de teatro infantil com tantos espetáculos de qualidade. Entre a teatralização da linguagem circense, as adaptações de livros infantis famosos e montagens de alguns “bons exemplos” de dramaturgia infantil, há um vasto leque de opções para as crianças na área teatral.

Tá Faltando Um (no Espaço Petite Galerie) e Um Segundo… O Menor Circo do Mundo (Teatro Ipanema) pertencem à mesma linhagem: espetáculos sem dúvida “teatrais”, mas com forte influência das performances e situações características ao circo. Em Tá Faltando Um é a história de um mendigo que se vai transformando aos poucos em palhaço e passa a integrar uma pequena troupe reunida numa praça. Aproveitando-se bem da disposição em arena e do exíguo espaço do Teatro Petite Galerie, a direção de Fernando Berditchevsky chama a atenção para aquilo que a plateia infantil costuma não ver, a preparação de um ator para entrar em cena, por meio daquilo a que está habituada: as palhaçadas dos artistas de circo. Desse modo, é possível a esta plateia não apenas rir dos sketches cômicos, mas percebe-los como representação. Perceber Tá Faltando Um como a representação teatral de um circo, da mesma maneira que o mendigo interpretado por Carlos Loffler, maquilado e vestido de modo extravagante, vai aos poucos assumindo a máscara do palhaço.

Em Um Segundo…O Menor Circo do Mundo o clima do espetáculo está bem mais para o humor rasgado, a palhaçada. Fala-se de um circo, mas de um circo bem pouco espetacular. Sem artistas, sem dinheiro, com apenas três integrantes que se veem obrigados a interpretar todos os papéis, desde a fera amestrada ao equilibrista ou ao trapezista. E, em meio a um desfile caricatural das habituais atrações circenses, assiste-se a um trabalho cuidadosíssimo de Breno Moroni, Maluh Morenah e Arturzinho, que aproveitam sua experiência na Escola de Circo para recriá-la comicamente.

Espetáculos como A Terra dos Meninos Pelados (Sesc da Tijuca) e A Fada que Tinha Ideias (Teatro Arte-UFF) são belas realizações de uma das tendências mais fortes no teatro infantil nestes últimos anos: a adaptação de textos literários para crianças. Com linguagem radicalmente oposta, tanto Bia Lessa e Tonico Pereira, em A Terra dos Meninos Pelados, quanto Eduardo Tolentino, em A Fada que Tinha ideias, conseguem bons resultados cênicos.

O segundo com soluções mais tradicionais, e auxiliado pela excelente interpretação de Alice Viveiros de Castro e Eduardo Wotzig e pelo texto de Fernanda Lopes de Almeida. Já Bia Lessa e Tonico Pereira, mesmo com uma adaptação extremamente fiel da narrativa de Graciliano Ramos, têm uma linha de direção mais ousada. Sem cenários, sem grandes gastos em figurinos, é do corpo dos atores que tiram toda a plasticidade do espetáculo. E, auxiliados pela inteligente direção musical de Mauro Perelmann, produzem uma das melhores montagens em cartaz.

Na linha de uma dramaturgia especialmente voltada para o público infantil, duas montagens diferentes e de excelente qualidade: O Rapto das Cebolinhas, remontagem feita pela própria Maria Clara Machado de um de seus textos de maior sucesso, em cartaz no Tablado há mais de 6 meses; e As Sete Quedas do Meu Pobre Coração, mais uma montagem de um dos poucos autores-encenadores com uma linguagem própria, surgidos nestes últimos anos: Tônio Carvalho. Desta vez trata-se de uma recriação mágica do episódio das Sete Quedas num espetáculo com atores, bonecos, máscaras e sombras, plasticamente muito bonito e utilizando-se bem das possibilidades cênicas do palco do Teatro Gláucio Gill.