Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 03.05.2013

Barra

Brincando nos quintais da periferia

Rua Florada, Sem Saída emociona e diverte, retratando as brincadeiras e as angústias de quatro crianças vizinhas

Desde 2009, passando por algumas reformulações e remontagens, um espetáculo tem feito boa carreira em São Paulo. Se vocês se lembram, Rua Florada, Sem Saída até entrou em minha lista das dez melhores peças infantis de 2012. Temos agora nova temporada, em cartaz até 30 de junho, no bairro do Tatuapé. Vale muito a pena, garanto. É um encanto para crianças e, ao mesmo tempo, é atração de fazer adulto chorar.

Escrevi rapidamente aqui em dezembro – e torno a repetir – o seguinte parágrafo: A peça remete ao tempo em que criança brincava no quintal e com amiguinhos da vizinhança. De quebra, fala de morte e de culpa com uma boa solução poética no final, carregada de emoção. Elenco impecável.

Dirigida por Daniela Giampetro, a peça da Cia. Casa da Tia Siréconta a sensacional história de quatro amigos que crescem juntos, enquanto também cresce a árvore que plantaram no quintal e que, depois, terá de ser derrubada para a construção de um shopping no mesmo terreno. Lila (Andressa Ferrarezi), Lua (Juliana Liegel), Mônica (Ruth Melchior) e Toninho (Glauber Pereira) batizam a árvore de Florida.

Auxiliadas pelas ótimas canções de Renato Gama e pelos músicos (ao vivo no palco) Juh Vieira e Danilo Santos, as caracterizações desses personagens são certeiras e competentes. Mônica sonha em ser Gisele Bündchen (vai crescer e virar telefonista) e ainda não sabe definir o tempo com palavras, misturando ontem com amanhã. Lua é uma divertida filha de mãe ‘natureba’, que não pode comer transgênicos. Toninho fala palavrão, cospe no chão e até coça o traseiro o tempo todo, irritando as meninas. Lila é a típica sapeca falastrona. O melhor de tudo é que os quatro atores conseguem vencer a dificílima tarefa de interpretar crianças sem cair na caricatura ou no tatibitate. Suas atuações nos remetem de fato ao universo dos pequenos, com uma incrível riqueza de detalhes e de nuances.

Os subtemas, dentro do tema principal da peça (o rito de passagem da infância para a adolescência), são inúmeros e muito bem explorados pela dramaturgia (assinada por Andressa Ferrarezi e Luciano Carvalho), incluindo o recurso esperto de dar um nome diferente para cada cena.

Permeadas por saudosistas brincadeiras de antigamente (que os pais vão adorar relembrar), algumas dessas situações abordadas são: pais ausentes que trabalham muito, morte da mãe por bala perdida (deixando o filho culpado), primeiro beijo na boca, diferença sexual entre menino e menina, a primeira menstruação (chamada hilariamente por eles de ‘misturação’), provocações típicas da idade (como dizer “Eu tenho esse brinquedo e você não tem!”), amor à natureza, a importância da solidariedade nos momentos difíceis.

Nas palavras da própria companhia, leia um pouco sobre como todos esses temas foram estudados empiricamente pelo grupo, até virar esse espetáculo lindo: “O projeto só começou depois de um ano de pesquisa no espaço de fronteiras entre o bairro de Heliópolis – Ipiranga (onde está a maior favela de São Paulo) e a Cidade de São Caetano do Sul (cidade mais bem colocada do Brasil de acordo com o índice do IDH-M). Em parceria com o CEU Meninos, a Associação Eremim e par¬ques das duas cidades, o grupo pôde realizar algumas intervenções junto às crianças que frequentavam esses locais. A partir de uma experiência denominada Vivências de brincadeira, os atores, em espaços abertos, jogavam, brincavam e conversavam com quem passava e se interessava pela pesquisa. Assim, após alguns meses de investigação, foi desenvolvido o material artístico para a construção da peça.”

Viu como é sério? Vamos ao teatro?

Serviço 

Engenho Teatral. Clube Escola Tatuapé
Estação Carrão do metrô
Rua Monte Serrat, 230
Telefone: (11) 2092-8865
Sábados e domingos, às 15h
Grátis. Estacionamento gratuito no local
Em cartaz até 30/06