Crítica publicada no Jornal A Notícia
Por Armindo Blanco – Rio de Janeiro – 12.08.1978
A Boa Lição do Patinho Preto
Uma das ambições de Rodrigo Farias Lima é a de produzir teatro infantil sem as limitações habituais, vale dizer, com todos os recursos financeiros técnicos e artísticos indispensáveis a um trabalho consequente. Não se trata de gigantismo pelo gigantismo, nem de adaptar os métodos do teatrão apenas para chegar a um aparato capaz de impressionar pelo luxo e os nomes no cartaz. Simplesmente teatro infantil ainda é sinônimo de improvisação, de amadorismo, quando não de ludibrio. Salvas as raras exceções, Sílvia Orthof, Maria Clara Machado, Ilo Krugli, para citar alguns exemplos, o que se vê mais regularmente, nas beiradas do teatro para adultos, é a aventura destinada a caçar subsídios e a atrair pais desinformados. Todos os fins de semana, no roteiro de teatro infantil, há dezenas de ofertas, mas, na realidade, apenas três ou quatro atingem um bom nível de criatividade e cumprem a função que devia ser a mesma de todos: o de proporcionar recreio instrutivo a mentes em formação. O resto…
Rodrigo Farias Lima fez o seu aprendizado teatral na produção executiva de peças como: A Teoria na Prática é a Outra, Mumu, A Vaca Metafísica, Lampião no Inferno, Viva o Cordão Encarnado, O Santo Inquérito, O Último Carro e outras. Coordenou a campanha Teatro Para o Povo, do SNT – kombis nas ruas, em dezembro, vendendo ingressos a preço reduzido – e também a implantação dos teatros do SESC em São João de Meriti e Tijuca. O teatro infantil veio por extensão natural, em sua atividade: em 1974, ano da Teoria, montou, juntamente com Vera Raiser O Gran Circo Gonzaga, de Paulo Afonso Gregório; em 76, com Pedro Porfírio, Faça do Coelho Rei, que transformaria o mês de julho no grande mês do teatro infantil, através de promoções no Teatro João Caetano que chegaram a atrair mais de 40 mil crianças; ainda no mesmo ano, produziu Dom Quixote de La Mancha, de Alexandre Marques, que reuniu vários atores profissionais, entre eles a esfuziante Elba ramalho, que no momento se destaca em Ópera do Malandro, de Chico Buarque, sob a direção de Luís Mendonça; este ano montou O Mago das Cores, aproveitando a presença entre nós dos marionetistas e animadores culturais franceses Ruest e Pato.
Agora, ele parte para o seu empreendimento mais audacioso: A Revolução dos Patos, de Walter Quaglia, com música de Chico Buarque, cenografia e figurinos de Tawfik; direção musical de Octávio Burnier; coreografia de Zdnek Hampl e um elenco de que fazem parte Grande Otelo, Ruth de Souza, Alby Ramos, Beth erthal, Aline Molinari, Mira Palheta, Olga Renha, Eduardo Rodrigues e Roque Bittencourt, além de Teresa Mascarenhas, atriz substituta. O espetáculo, dirigido por José Roberto Mendes, que, embora jovem, tem ampla experiência como ator e diretor de teatro infantil, sobe hoje à cena no teatro dos Quatro, Rua Marquês de São Vicente, 52, 2º andar do Shopping Center da Gávea e será apresentado sempre aos sábados e domingos às 17 e 16 horas, respectivamente.
Este projeto resume a filosofia de Farias Lima, enquanto produtor: ele quer unir competência profissional a textos de qualidade. E qualidade é o que não falta à peça de Quaglia, já encenada em São Paulo com grande sucesso de público e de crítica. Trata-se de uma parábola que começa na base do “era uma vez…” e tem a sua moral, ainda que apenas sugerida pelo narrador, para que o público mirim possa refletir sobre ela, questioná-la, descobrir-lhe o significado. Na floresta, patos brancos, pretos e amarelos viviam divididos pela cor e pelas propriedades exclusivas: os primeiros tinham o lago, os segundos o milho, os terceiros as casas. Só os brancos podiam nadar no lago, só os pretos comiam o milho, só os amarelos moravam nas casas, embora sobrasse muito milho, muitas casas permanecessem vazias e o lago tivesse espaço para todos. O nascimento ocasional de um pato preto no domínio do Rei Pato Branco dará origem a uma revolução. E é a partir desta que a plateia infantil receberá a informação de que os patos não devem ser discriminados pela cor de suas penas , nem lucram nada com a desunião. O que, transferido para o reino dos humanos permite aferir, sem qualquer ambiguidade a insensatez suicida de uma sociedade em que uns têm demais, e outros, a menos; e em que a cor da pele ainda marginaliza milhões de pessoas no mundo inteiro.
A produção de um espetáculo como A Revolução dos Patos é bastante dispendiosa, muito acima da média vigente no gênero. Mas Rodrigo Farias Lima acredita que o público corresponderá e que esta montagem poderá solidificar o caminho para a implantação mais sistemática de padrões qualitativos e éticos, sem os quais o teatro infantil continuará sendo uma aventura, nem sempre pautada pela boa fé, e menos ainda por um sadio profissionalismo.