Grande Otelo e Olga Renha: A Revolução dos Patos

Matéria publicada no Jornal A Notícia
Por  Armindo Blanco – Rio de Janeiro – 09.08.1978

Barra

Um Dossiê Exemplar

Acabo de receber um dossiê completo sobre A Revolução dos Patos, de Walter Quaglia, espetáculo infantil que Rodrigo Farias Lima apresentará a partir de sábado próximo, no Teatro dos Quatro. O dossiê inclui currículos de todos os intérpretes e participantes, de Grande Otelo a Ruth de Souza, passando pelo diretor José Roberto Mendes e pelo cenógrafo Tawfik, entrevistas com os atores, informações diversas e fotos do ensaio, já com os intérpretes envergando o guarda-roupa. Anteriormente, o produtor já tivera o cuidado de enviar à crítica o texto da peça.

Destaco este fato por ser bastante raro, em nosso teatro profissional. Bastará dizer o seguinte: os produtores da Ópera do Malandro, de Chico Buarque, investiram mais de milhão e meio na montagem deste espetáculo, mas, no dia da estreia, não havia programa nem uma simples folha xerografada com a vasta ficha técnica e artística, indispensável para o crítico; e até hoje, quinze dias volvidos sobre a estreia, não chegou a esta coluna uma só foto da peça. Parece que existe uma divulgadora, mas é literalmente impossível localizá-la, mesmo à custa de muitos impulsos telefônicos. E a mesma coisa se repete com peças como Apareceu a Margarida, Lá Em Casa é Tudo Doido, Os Veranistas, No Sex, Please, Cego, Surdo, Mudo, Porém Sensual, Roda Cor de Roda e outras. As empresas, que hoje gastam milhões em publicidade de sustentação na tevê, com resultados não proporcionais ao elevado dispêndio, não parecem interessadas no espaço gratuito que os jornais lhes concedem, durante a fase promocional e mesmo depois, na fixação de imagem. Deixam, assim, de atingir amplas camadas de público, numa cidade onde o número médio de leitores de jornal ultrapassa a casa dos três milhões POR DIA.

Não se trata só de desleixo, indicador de precário espírito profissional e péssima infraestrutura. Alguns empresários consideram como inimigos os críticos que picham, é a palavra que costumam empregar, as suas produções.

Não distinguem entre o colunista e o crítico. Talvez seja oportuno explicar à atual diretoria da ACET/Associação Carioca de Empresários Teatrais, que nunca mais teve qualquer espécie de eficácia, exceto na cobrança de cotas dos associados, desde que Orlando Miranda trocou a sua presidência pela do SNT, que o colunista noticia e, para isto, deve ser regularmente abastecido do material adequado, como, aliás, qualquer departamento especializado de tevê faz com exemplar eficiência; o crítico, por sua vez, opina, e deve fazê-lo com a certeza de que a sua boa fé será sempre reconhecida , mesmo quando, aparentemente, erra, o criticado nunca se julga digno da reprovação alheia, quando o crítico discorda do seu trabalho ele acha que é animosidade pessoal ou então que o crítico “não sacou”.

Sei que esta é uma briga velha, que tem no mínimo dois mil anos. Mas gostaria de relembrar um outro princípio, também bastante provecto: nenhum elogio vale, se o direito de crítica não for pleno. Por outro lado o crítico é o produto do material que tem ao seu alcance. Ele se desenvolve ou estagna, quando não retrocede, de acordo com o nível das propostas; é a outra face do trabalho criador, o seu reflexo, o se exegeta ou severo juiz. Cabe-lhe não poupar os embusteiros, defender o teatro enquanto arte contra os baixos manipuladores de negócio.

Estar ao lado dos que têm espírito de missão, dos que não incentivam o público no que tem de pior e mais rasteiro, dos que servem o teatro como meio de informação e formação e não como vulgar empreendimento comercial, sujeito estritamente ao binômio investimento/lucro.

O teatro é tão importante que, por toda a parte, os governos assumem a obrigação de o subsidiar. E uma atividade que, até hoje, sempre se socorreu dos cofres públicos, tem responsabilidade social redobrada: afinal, de um modo ou de outro, todos o pagamos, adquirindo nossos ingressos na bilheteria ou através dos impostos que, em parte, o Governo canaliza para a atividade cultural.

O teatro, em suma, é um bem comum. Nele, portanto, não devia haver inimigos, mas pessoas, artistas, produtores, técnicos, críticos, trabalhando para o mesmo objetivo, acima de naturais divergências de opinião e de interesses imediatistas, para que não se dissesse – ainda agora um conhecido ator o repetia – que o público brasileiro não gosta de teatro. Não é verdade. Rigorosamente, não é verdade. O êxito estrondoso de Gota D’Água veio demonstrar que o público brasileiro não gosta é de mau teatro e que pode ser enganado por algum tempo, mas não sempre.

Senhores empresários, profissionalizem-se. Já é tempo.