O elenco da peça: troca de papeis no tempo exato da comédia

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 23.08.1997

 

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Humor que fica na memória 

Martins Pena, fonte inspiradora de Quem Segura este Bebê?, peça em cartaz no teatro Ziembinski, com seu texto As Desgraças de uma Criança, foi sem dúvida nenhuma o verdadeiro fundador da comédia de costumes no Brasil. Sua obra – 20 comédias e seis dramas, escritos entre os 22 e 33 anos, idade com que morreu – é considerada um importante documento da vida do país na primeira metade do século 19.

Foi nesse autor popular, que tão bem falava ao público de sua época, que a autora Fátima Valença se inspirou para armar a trama de quiproquós de Quem Segura este Bebê?Sem muitas concessões a um linguajar atualizado, está em cena uma deliciosa comédia de situações, que poderia agradar somente a uma plateia de iniciados, não fosse a habilidade do diretor do espetáculo em colocar em cena, acima de qualquer coisa, o teatro.

Dudu Sandroni e os atores do Núcleo de Teatro para a Infância, em seu terceiro espetáculo dedicado ao público infantil, consolidam a companhia não pelo repertório nem pela estética repetitiva, que muitas vezes serve para marcar o trabalho dos grupos, mas pela teatralidade da encenação. Mais uma vez construído como se o jogo teatral fosse um round a ser vencido, o espetáculo é quase uma peça dentro da outra: a de época que está sendo representada e a dos atores do Núcleo de Teatro para a Infância, que não escondem seus truques na moldura da cena.

Com um enredo bem amarrado, esse quase grand guignol é representado por um elenco que troca os papéis femininos pelos masculinos no tempo exato da comédia. Carmen Frenzel, mais uma vez em performance impecável, é o Sr. Manuel Igreja, o sacristão apaixonado pela viúva, mãe do bebê do título que ninguém queria segurar. No mais puro Scarlett O’Hara, Maurício Grecco é a mãe do bebê. Suas entradas e saídas super coreografadas são um achado para o personagem. Marcos Ácher, numa de suas melhores interpretações, faz a criada da casa com gestos de fino humor. Isa Vianna como o soldado que namora a babá e Vanessa Ballalai como o pai da viúva têm boas participações na trama.

Para ilustrar essa comédia, Ney Madeira cria um fake dos cenários realistas do teatrão, numa crítica muito bem-humorada. O excesso de portas e mobiliário bem colocado são exatos adereços para registrar a época. Na mesma linha, seus figurinos vestem os personagens numa crítica a seus exageros. Completando o quadro, a luz de Djalma Amaral sublinha o humor do espetáculo. Seus lustres são feitos de mamadeiras iluminadas, enquanto outros apetrechos infantis, também adereçados de luz, contornam o ambiente.

Quem Segura este Bebê? É um espetáculo de fino acabamento, como pede uma comédia de época, para ser apreciado por uma plateia de qualquer idade. Um teatro que não se entrega ao apelo do humor gratuito, mas investe na comicidade inteligente, bem construída. No humor que não abandona o espectador assim que ele sai do teatro, mas que fica na memória.

Cotação: 4 estrelas (Excelente)