Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 16.04.2013

 Barra

A repórter mais dengosa da televisão

Se você tem em casa uma criança que já fala em ser jornalista quando crescer, não deixe de levá-la para ver, no Teatro Alfa, em São Paulo, o espetáculo Penélope, A Repórter Cor-de-Rosa. A versátil atriz Angela Dip, que fez esse personagem durante anos no programa infantil de televisão Castelo Rá-Tim-Bum, voltar a encarnar a dengosa mocinha com muita desenvoltura e carisma.

O espetáculo, sem Angela Dip, não seria o mesmo. É uma peça com muitos momentos de interação com as crianças da plateia e, por isso, se Angela vacilar o ritmo quebra, a graça pesa, o tom escorrega. Felizmente, a atriz dá conta de seu recado com muito talento e graça. De quebra, canta muito bem ao vivo – as canções, aliás, são ótimas, com letras escritas pela própria Angela Dip, mas tendo Helio Ziskind e Ivan Rocha na supervisão da trilha sonora.

Penélope apresenta à plateia como funciona um estúdio de gravação de programa de entrevistas. Ensina até quais são as perguntas básicas que todo jornalista tem de fazer, independentemente de quem seja o entrevistado: Quem? Como? Onde? Por quê? A personagem tem alguns bordões, entre eles o engraçado “É modo de dizer…”. Isso é certeiro para fisgar o interesse da garotada.

Também funciona bem o momento em Penélope explica de onde vem seu nome e faz alusão à cultura grega, com a mítica história da moça que tece e desmancha o mesmo tapete por anos. Cenários, figurinos e adereços – tudo na cor rosa – são um show à parte, da grife do premiado Marco Lima. Destaque para o criativo vestido feito todinho com bichos de pelúcia acoplados uns nos outros.

Uma das perguntas que a personagem Penélope faz às crianças, quando elas sobem ao palco para participar da entrevista, é a clássica “O que você vai ser quando crescer ?”

Angela Dip selecionou para nós algumas das respostas mais divertidas e curiosas que já ouviu na peça até hoje:

(Sofia, 4 anos) – Vou ser amiga da minha mãe!
(Carla, 4 anos) – Vou ser trabalhista.
(Marina, 3 anos) – Vou ser entrevistadeira.
(Leticia, 4 anos) – Vou ser lavadora de cachorro!
(Pedro, 5 anos) – Vou ser policial dos Estados Unidos.
(Filipe, 8 anos) – Não vou ser médico, porque meu pai é e eu acho muito entediante…
(Lorenzo, 3 anos, vestido de Batman) – Batman!

E agora é a vez de Angela Dip responder a algumas questões sobre o seu trabalho. Confira:

Crescer: É um espetáculo cujo andamento e eficiência dependem muito da participação da plateia, você não acha?

Angela Dip: Sim, desde o inicio da peça me reporto a eles. Não existe a “quarta parede”! É como se o tempo todo eu estivesse “conversando” com as crianças .A interação aumenta quando os convido a gravar comigo o programa, já que o tal diretor nunca chega.E o ápice é com a plateia no palco para a entrevista e o “teatrinho gravado”.

Crescer: Como isso tem ocorrido?

Angela Dip: Tem sido muito prazeroso. Durante a entrevista sempre obtenho respostas e atitudes inesperadas, espontâneas e na maioria das vezes engraçadas.Tive uma experiência incrível com duas escolas de periferia. Eram crianças de 3 a 16 anos. Divertiam-se o tempo todo e no final repetiam os bordões da personagem! Até hoje foi o público mais numeroso e mais “esperto”. Me pareceu que a maior quantidade de crianças na plateia e o o fato de estarem sem a presença dos pais fez a diferença, contribuindo para um entusiasmo maior ! Mas mesmo em menor número e junto com os pais, o que tenho sentido é que as crianças ficam muito interessadas. Aliás, esta era uma grande preocupação, tendo em vista o alto nível de dispersão dos nossos pequenos (e grandes também!) Eu morria de medo de ser desbancada por um joguinho de celular …

Crescer: Há dias em que ninguém participa?

Angela Dip: Pelo contrário tenho sempre que limitar a subida das crianças no palco para participar !

Crescer: Há dias em que, ao contrário, há excesso de entusiasmo das crianças?

Angela Dip: O que ocorre é que às vezes uma criança começa a perguntar e comentar com muita frequência. Para manter o ritmo do espetáculo e não perder o propósito da interação, vou gradativamente “ensurdecendo” e a criança automaticamente “emudece”!

Crescer: Conte-nos sobre sua interação com a diretora Carla Candiotto.

Angela Dip: Fomos colegas num trabalho com os Parlapatões no século passado…. Depois segui acompanhando o talentoso grupo Le Plat Du Jour, do qual ela faz parte. Já há um certo tempo ensaiávamos fazer algo juntas novamente. A nossa parceria tinha muitas chances de ser bem-sucedida, pois sempre me identifiquei com as escolhas artísticas da Carla.

Crescer: Quais aspectos da direção mais agradaram a você como atriz? O que ela mais recomendou a você?

Angela Dip: “Trate as crianças com doçura, mas se mantenha no controle. Criança gosta de limites.” “Se a criança não quiser participar não insista.” “Seja menos Angela e mais Penélope” “Precisamos de menos texto e mais ação” “Você só vai conseguir fazer isto, se estiver gostando de fazer isto”. Além disso tudo, a principal preocupação da Carla foi de não usar referências do Castelo Rá- Tim- bum, pois as crianças não têm a obrigação de conhecer quem foi a Penélope. Para ela, mais importante que a história era tornar a personagem Penélope interessante por si só. Justamente por se tratar de um monólogo, sugeriu a criação de um contra-regra (o ator Robson Villsac) para criar mais um conflito e resolver questões práticas de deslocamento de cenário e brincadeiras. A Carla tentou durante os ensaios criar uma estrutura para possibilitar o encontro ou favorecer a relação entre a personagem e a criança durante a temporada, que para ela é o que interessa mais. É o que ela chama de teatro (essa relação do ator com plateia). Carta também teve a sensibilidade de perceber e respeitar a atriz que sou com minhas habilidades, limites e idiossincrasias não impondo uma assinatura pessoal! Como somos duas artistas criadoras, fizemos todos os “trabalhos” juntas.E o processo não foi convencional, já que tínhamos de ir criando e recriando o texto à medida que ensaiávamos.

Crescer: O texto original é de Flávio de Souza, mas você e a diretora assinam juntas a “adaptação”. O que teve de ser adaptado por vocês?

Angela Dip: O texto original tinha muitos personagens do Castelo Rá-Tim-Bum e, para utilizá-los, a negociação com a TV Cultura seria muito complexa. O segundo texto contava praticamente toda a história da Grécia, de uma forma muito adulta.Textos que ficariam perfeitos com recursos de projeção,vídeo etc… E como não tínhamos recursos financeiros para fazermos algo high tech, decidi voltar para o passado e falar de câmeras , TV , super 8, máquinas de escrever, livros. Nesses dois textos, buscamos a resposta para três perguntas que me interessavam: por que a personagem chama-se Penélope; por que ela usa tudo cor de rosa e por que se tornou uma jornalista. Focadas nestas questões, fizemos uma adaptação criando uma história exclusiva de Penélope. Às vezes eu chegava com um texto e a Carla ordenava que aquilo virasse música…

Crescer: E o que mais funciona, a seu ver, na dramaturgia deste monólogo musical?

Angela Dip: Não sei te dizer. O que sinto é que as crianças ficam atentas, divertem-se e pulam na cadeira durante as músicas. É uma peça com espaço para improviso. Acho que tenho quase que total responsabilidade na condução do espetáculo/show….

Serviço

Teatro Alfa – Sala B
Rua Bento Branco de Andrade Filho, 722
Tel. (11) 5693-4000
Sábados e domingos às 16 horas
Ingressos a R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia)
Até o dia 25

*Este texto foi publicado anteriormente em 16.11.2012, no Blog Pecinha é a Vovozinha