Luísa Thiré (E), Rogério Freitas(C) e Dora Pellegrino respectivamente como D.Maria, João VI e Carlota Joaquina.
Foto de Guga Melgar

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 21.11.1993

 

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O Brasil visto com bom humor

Com a naturalidade de quem criou um novo Velho Oeste em Tribobó City, e fez fantasma acreditar em gente em Pluft, Maria Clara Machado agora conta a história do Brasil. Escrita especialmente para ser encenada no Paço Imperial, Passo a Passo, que tem no texto as colaborações de Cacá Mourthé, Dora Pellegrino e Ricardo Tamm, começa exatamente no dia em que a corte portuguesa chega ao Rio de Janeiro e quase termina com a assinatura da Lei Áurea. O final apoteótico já é outra história.

A direção de Cacá Mourthé, assistido por Rubens Camelo, otimiza o espaço imperial de modo surpreendente. Logo na chegada, o espectador é convidado por três palhaços a formar uma grande ilha- público, cercada de teatro por todos os lados. Em ação simultânea, personagens e cenas aparecem por todos os cantos do pátio e nas janelas internas, como num movimentado set de filmagem. A trilha musical é de Paulo Jobim e o impacto é inevitável.

Depois da entrada da família, numa carruagem puxada por cavalos literalmente reais, é chegada à hora de subir a casa e privar da intimidade dos nobres. Amenizando a escalada, pequenas cenas ilustrativas,como a do casal que tem que ceder a moradia ao príncipe regente, são representadas pelo caminho. Enfim, no interior do palácio, o texto de humor rascante ganha vida nas performances afinadas do elenco. Cacá Mourthé, que cuidou não só do espetáculo em si, mas também da direção de atores, tem seu trabalho plenamente recompensado no variado palco.

Na realeza, o trio Dora Pellegrino, Rogério Freitas e Luísa Thiré, com concepções diversas, mas altamente harmônicas de seus personagens, responde ao público porque toda essa história deu no que deu. Rogério, como D. João VI, pensa na cultura comendo coxinhas de galinha. Luísa, no auge da lucidez de D. Maria, cacareja e bota um ovo, enquanto Dora Pellegrino vive Carlota Joaquina sapateando sobre o povo. Uma delícia. Ainda na nobreza, Bernardo Jablonski faz Pedro I com o charme dos galãs mexicanos, e Isaac Bernart dá a Pedro II os gestos ágeis de um Cantinflás.

Coringando, com precisão, diversos papeis, Eleusa Mancini, Duda Camero, Conceição Rios, Vinícius Caurio, Telma Costa, Tadeu Mello e Milo Sabino dão especial brilho à corte brasileira. Finalmente, no papel de todos nós, narrando essa história, os circenses Dinho Valadares, Miriam Freeland e especialmente Carmem Frenzell, em irrepreensível atuação. Sem usar o óbvio do tipo, a trinca diverte e informa sem didatismos.

Para a ambientação geral, Ney Madeira criou figurinos e adereços cenográficos de muito efeito.

No pátio interno, recria a vila e o mercado de escravos, enormes clowns representam a farsa da família real. No interior do palácio real, a corte se diverte em farfalhantes tafetás, veludos e brocados, sem o exagero de seus companheiros da avenida.

Mas, como a história do Brasil sempre deu bons sambas-enredo, quando a bandeira verde-amarela se abre, ao final, os atores unidos reverenciam o povo e pedem passagem, numa exaltação constrangedora para Macunaíma nenhum botar defeito.

Passo a Passo está em cartaz no Paço Imperial, aos sábados e domingos, às 17h. CR$ 500.
Cotação: 3 estrelas (Ótimo)