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Osvaldo Gabrieli

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A Formação e a Vinda para o Brasil.

Desde os dezesseis anos faço teatro amador, teatro de bonecos… Sempre juntei as três coisas: o trabalho de ator, o de artista plástico e o do teatro de bonecos. Cantava em coro também.

Minha formação foi muito aberta a novos conhecimentos, sempre. Até espiritual e isso se traduz no meu trabalho.

Tive uma formação acadêmica e uma formação, digamos, outra por aproximação. Ou seja, a minha formação acadêmica vem da escola de Belas Artes onde fiz quatro anos de Artes Plásticas (gravura, escultura, pintura e desenho). Depois fiz uma segunda escola basicamente de escultura, que não era de formação universitária.

Na década de 80, quase no final do Governo Militar Argentino, uma época que foi muito difícil, minha vida estava sem sentido. Como sempre fui meio louco, chegou uma hora que eu disse: “Não quero mais nada com a Argentina”. Juntamente com três amigos, resolvemos sair “pelo mundo”, com um espetáculo de bonecos. Mas aí o “mundo” ficou curto; eles foram para um lado, e eu depois de fazer alguns contatos vim para o Brasil. Comecei a trabalhar com o Grupo Ventoforte e foi amor à primeira vista.

O Início da Carreira com o Mestre Ilo Krugli

Eu e o Ilo temos uma história meio parecida, viemos para cá com a mesma idade, enfim, mas me parece que no início de nosso encontro, ele, por se projetar um pouco em mim, me deixava meio a distancia. Tínhamos uma dificuldade enorme de comunicação. Mas isso foi no primeiro ano, depois isso se quebrou completamente.

Mas apesar de ter sido difícil, representou uma grande virada na minha vida. Chegou na hora certa. A Argentina é um país extremamente racional, europeu. Tudo o que aprendi nos cursos era fundamentado nas escolas francesas, inglesas, italianas. O Ilo apesar de ser argentino, sempre estava preocupado com a “vida brasileira”.

Em 1980, o Ventoforte, não estava mais na época das grandes produções. Cheguei na época em que eles estavam em São Paulo e começavam a trabalhar com pessoas novas. Foi aí, que eu passei de uma visão racional do mundo a uma visão mais sensível do mundo, digamos, mais esotérica. Comecei a ter contato com a cultura brasileira, com a música, com o Candomblé. Todos esses elementos colaboraram para desenvolver um lado urbano com nuances místicas e esotéricas. A busca do transcendental. Daquilo que não se vê. Essa forma de observar a vida tem muita a ver com o trabalho com o Ilo Krugli.

Fiz poucos espetáculos com o Ilo: Luzes e Sombras. Era uma série de depoimentos sobre a vida de cada um. Eu mal falava português nessa época, tinha um sotaque horrível. Depois fiz História de FugaPaixão e Fogo. Nesse eu ajudei a fazer muitas coisas, inclusive o cenário e figurinos. Era um espetáculo adulto do Ilo. E Estou Fazendo Uma Flor, onde éramos só nós dois trabalhando como bonequeiros e três músicos. Esse espetáculo de 1982 era muito bonito e foi um fechamento legal para nosso trabalho em conjunto.

O Nascimento do XPTO

Foi uma coisa superdoméstica na realidade. Estava fazendo uma exposição de pinturas em São Paulo. Morava com um músico e uma cantora que também era um pouco atriz. Eu os convidei para me ajudar a lançar a exposição. Esse lançamento foi o “embrião” do nosso primeiro espetáculo: Buster Keaton Contra a Infecção Sentimental. No dia em que apresentamos esse espetáculo, o André, um amigo nosso, disse que adorou o que nós fizemos e que estava a fim de se incorporar. O Beto sugeriu um nome: XPTO. Isso ocorreu em 17 de abril de 1984.

Esse nome vem de uma peça de Oduvaldo Vianna Filho. Lá tem um personagem que fala XPTO o tempo inteiro. Descobrimos que era uma gíria dos anos 20, 30, que vinha dos produtos ingleses que chegavam ao Brasil com uma etiqueta: XPTO LONDON. Era uma gíria que significava “coisa de qualidade”. Gostamos do nome porque era ambíguo. Parecia experimento, e também significava Cristo em grego. Acabou ficando esse nome porque tem uma ótima sonoridade, é abstrato e não tem que ser nada específico.

Quando o XPTO nasceu não tinha a pretensão de ser um grupo teatral. Tínhamos urticária de ser considerado teatro. Estávamos na época do boom das performances. Na verdade, nos anos 80, já era uma coisa velha, mas nós não tínhamos essa informação. Queríamos ser modernos. Fazer coisas ousadas, chocar. O resultado foi a criação de Buster Keaton Contra a Infecção Sentimental e A Infecção Sentimental Contra Ataca.

Eu adoro o Buster Keaton, Fizemos um espetáculo que era muito singelo, em homenagem a ele. A Infecção… tinha a ver com a nossa visão dos anos 80, com as bandas que tocavam em São Paulo, O Ira! , Os Titãs do Arnaldo Antunes, As Mercenárias, e outras bandas que tocavam no Madame Satã, um bar underground da época. Essas bandas representavam quase que um “movimento” e essa ideia de “movimento” me agradava muito. Falavam sobre as mesmas coisas, de diversas formas, mas com pessoas que tinham um “eco” em comum. E o “eco” do XPTO, no início tinha mais a ver com os músicos, e com os performers, que também eram artistas plásticos, do que com o teatro em si.

Só que aos poucos, até porque nós precisávamos de um pouco mais de dignidade em termos de luz e som, fomos fazer temporadas em teatro e isso aprimorou o lado teatral do XPTO. Aliás, nós fomos meio que descobertos pelo Sérgio Mamberti e o Mário Prata. O Mário Prata e o Jorge Caldeira produziram a primeira temporada digna do XPTO no teatro. O Sérgio nos convidava para vários eventos que ele fazia na época. Eles deram aval ao trabalho e foram muito importantes para nós.

Em seguida, veio um espetáculo chamado Kronos que foi um espetáculo extremamente esotérico, falando do tempo no sentido metafísico e que nasceu de um sonho que eu tive com rodas gigantes. Esse foi um espetáculo muito difícil, e muito cansativo de fazer. Talvez tenha sido o espetáculo menos visto do XPTO porque ele… Não aconteceu. Talvez porque era um espetáculo meio fechado, num momento difícil de acontecer. Parte do grupo estava tocando numa banda chamada Luni e começaram a pintar vários trabalhos para eles. Uma das músicas deles começou a tocar em novela e isso acabou com a formação original do XPTO. Duas pessoas saíram. Ficaram o Roberto Firmino, diretor musical e eu. E entraram pessoas novas: Vanderlei, Anne, o Sidnei, e isso deu uma cara mais teatral para o grupo porque eles eram de teatro e de dança. O trabalho do grupo se faz com as pessoas que dele participam. Continuamos a trabalhar da mesma forma, como uma grande família.

Depois veio Coquetel Clown. Uma explosão do riso, da felicidade. Uma catarse, um sucesso. Na Europa foi um escandaloso sucesso. Eles ficaram impressionados com a música, com as imagens. Tivemos numa sala de espetáculos, mil pessoas aplaudindo de pé. Acredito que esse foi nosso espetáculo o mais pop até o momento. Nós nos expusemos ao grande público.

Premiados Desde o Inicio

Desde o início nós já ganhávamos vários prêmios. A Infecção Sentimental Contra Ataca ganhou dois prêmios da APCA e um Mambembe. Kronus ganhou uma menção do Prêmio Governador do Estado de São Paulo e o Coquetel Clown ganhou uma série de prêmios.

Nós que éramos um grupo “cult”, começávamos a receber críticas de pessoas que achavam que o nosso trabalho começava a ser mais “decifrável”. Muitos que tinham gostado do A Infecção Sentimental Contra Ataca não gostavam do Coquetel Clown. Resolvemos então começar a fazer performances. Sequências grandes, em bares, e outros locais.

Até que comecei a elaborar um espetáculo chamado Babel Bum. O SESC Interlagos nos cedeu um espaço grande para trabalhar. Passávamos o dia inteiro lá, foi uma colaboração bárbara. Foi um espetáculo que foi feito com muito cuidado. Foram oito meses de preparação, ensaios, um trabalho artesanal. Foi uma gestação. E ficou muito bonito, talvez o espetáculo mais bonito do XPTO. Esse espetáculo falava sobre a chegada do ano 2000. Estávamos em 1989. E a forma que nós escolhemos, foi através de anjos que chegavam trazendo a revelação para os seres humanos. Eles entregavam caixas para os humanos que revelavam o interior de cada personagem, e davam motivações para mudanças também.

A tecnologia renegava essas caixas, outros se aproveitavam das caixas para adquirir poder… Era uma leitura “naif” do mundo. Não sei se o público entendia todas essas leituras, mas para nós era bem claro. Mas nós queríamos falar através de um conto de fadas sobre a proximidade do novo milênio. Até hoje talvez seja o espetáculo mais sério, no melhor sentido da palavra. Feito com a maior seriedade, com calma, sem precipitação, sem correr demais atrás do dinheiro. Parecia que o espetáculo tinha um poder sobrenatural e começaram a aparecer convites para performances gigantescas. Uma delas foi feita para quinze mil pessoas, para a XX Olimpíada Hoechst, no SESC Interlagos. O dinheiro ganho se converteu no material cênico e nos figurinos para o espetáculo.

Depois desse espetáculo veio uma série de espetáculos que para mim foram movidos pelo sucesso, ou seja, o grupo começou a dar certo e vieram as propostas. Tínhamos dinheiro, mas não tínhamos tempo. Então era assim, montar uma ópera junto com uma orquestra para fazer quatro apresentações, três em São Paulo, uma em Belo Horizonte. Chamava-se Aquelarre 2000 – La Luna. Nesse evento estavam envolvidos o Coro Paulistano, cem músicos. Era aquele delírio. Aliás, delírio e dinheiro andam muito bem juntos. Mas para mim o tempo é muito importante. Foram espetáculos bonitos visualmente, desciam galinhas gigantescas, seres mitológicos, bonecos infláveis. Tudo era lindo, mas prematuro, pobres em termos de conteúdo, de interpretação.

A Maturidade do Grupo

O XPTO para mim é um oásis, sempre. Não aceitamos fazer qualquer coisa. As coisas que fizemos, tinham a ver conosco, só que não tínhamos tempo suficiente para amadurecer as ideias. Apesar disso, eram espetáculos que tinham a nossa marca.

O Pequeno Mago nós tivemos dois meses para gerar. A produção do SESI era muito boa e o espetáculo era gigantesco. Fomos assistidos por 120.000 pessoas. O teatro dava a possibilidade de ter 500 pessoas por sessão e as pessoas se acotovelavam para assistir. Mas se tivéssemos mais tempo, o espetáculo seria com certeza melhor. Mas nós não tínhamos, então o ajustamos da melhor forma possível. E depois de estreado não dava mais para corrigir.

O espetáculo Buster – O Enigma do Minotauro, também produzido pelo SESI, foi baseado em filmes, já foi bem mais pensado, fiz uma boa pesquisa e não foi nada tirado do Buster Keaton Contra a Infecção Sentimental. Tive bem mais tempo, foi a minha verdadeira homenagem ao Buster Keaton. Tirei situações de filmes e adaptei ao que eu queria fazer. Em nenhum momento repeti o que acontecia nos filmes, pois não haveria sentido traduzir, copiar coisas de filmes para o teatro. Nem se respeitou o preto e branco, porque se na época o Buster Keaton tivesse a oportunidade de trabalhar com o cinema colorido ele trabalharia. Trabalhamos sim, com cores mais suaves, evitando as explosivas.

O que eu busquei neste espetáculo, foi o contato com a máquina, com a traquitana, com a escada que vira lugar liso e você escorrega quando está subindo a multiplicação dos personagens, com três Busters. Criando ilusões para as crianças o tempo inteiro… Até porque existem certos efeitos que só poderiam ser feitos com o corte que existe nos desenhos animados e no cinema. Como nós não podíamos cortar então o jeito era trabalharmos com vários atores fazendo o mesmo personagem. E depois nós abríamos o jogo mostrando os três Busters ao mesmo tempo. Nada era escondido. Estava na cara que estávamos fazendo teatro. Sem falsas ilusões.

Ganhamos onze prêmios no Buster e quatorze no O Pequeno Mago e críticas muito boas.

Aí acabou a temporada do SESI e “caímos do cavalinho”. E você acha que está a mil… Antes tínhamos salário, agora voltávamos para a dura e triste realidade do teatro brasileiro. Partimos para uma nova produção, mas com muito pouco dinheiro.

Estávamos muito mal acostumados. Fizemos um espetáculo completamente louco, para jovens. Era um espetáculo mais para a MTV, com imagens fortes, ícones da juventude. Chamamos de Além do Abismo. Um delírio total, e o público ficou meio desnorteado. Os jogos de polaridade de aproximação e rejeição não foram muito bem entendidos.

Todos os espetáculos do XPTO têm um corte da sociedade aparecendo algumas vezes de forma mais ou menos claras, mas nesse espetáculo tínhamos personagens bem delineados como um Inquisidor espanhol, três loucos saídos de um hospício, um dos quais um era um artista. Esse era o mais importante da obra que trabalha com a memória e que consegue sair para o mundo. Uma Imperatriz que fez um conchavo com o Primeiro Ministro e o Primeiro Ministro parece que matou o Imperador. Depois de uma revolução no país acabaram nesse lugar, quer dizer, na Boca que era o cenário… Uma vaca metafísica que falava inglês e o inglês era uma língua morta na época em que se passa a peça. E todos os personagens se transformam violentamente nessa peça. Eram imagens muito fortes. Esse foi o nosso último espetáculo.

O Processo de Criação

Sempre fui um bonequeiro “de carteirinha”. Como ator sempre fui muito ruim, um canastrão. O teatro de bonecos me possibilitou a trazer a tona coisas minhas. O boneco tem o lado plástico e o lado da interpretação do ator. Eu me expressava melhor através do boneco, do gesto, da síntese, do silêncio. Buscamos o que é mais sugerido. Nada precisa ser só preto ou só branco. Nossa pesquisa é a busca da síntese dos personagens, como dizer as coisas com o menor número de palavras possíveis, ou sem palavras. Gestual sem ser mímica, sem ser descritivo.

Nesse momento, estou voltado a retrabalhar A Infecção Sentimental Contra Ataca. Esse espetáculo é a cara do XPTO. São imagens urbanas, fragmentos delas, como se nós passássemos no final da noite na cidade, tipo gente que parece animal, sacos de lixo se movimentando, movimentos que não se sabe como começaram, como terminaram. Imagens meio confusas, mas com um sentimento urbano. Nós o atualizamos bastante, porque as mudanças nesses 17 anos foram brutais, como por exemplo, a Informática, a musicalidade. Apresentamos o projeto ao SESI que se interessou.

Espetáculos para Todas as Idades

Nossos espetáculos são para todo o tipo de público. Eu detesto teatro com público pré-determinado. Não tem isso no meu processo de criação. Por exemplo, o Coquetel Clown, foi meio direcionado para crianças, mas o adulto se diverte muito, o adolescente capta o nível de humor e a criança é estimulada pelo requinte do processo de composição.

Quando podemos, fazemos o mesmo espetáculo, em um horário para crianças e em outro horário para adultos. Nossos públicos nunca são só de adultos ou só de crianças.

As experiências que eu tenho disto, públicos “puros”, foi quando separávamos os públicos no SESI. O Buster – O Eningma do Minotauro funcionava perfeitamente, as crianças divertiam-se muito. O Pequeno Mago se preocupava em passar uma mensagem que acontecia melhor com públicos mais sensíveis, que exigiam mais concentração. Tanto que, quando as crianças que não se emocionavam, durante a semana porque assistiam sozinhas, quando voltavam no fim de semana com os pais se emocionavam tanto quanto eles. Mas isso sempre foi muito relativo. A reação nunca foi muito previsível. Crianças da Espanha reagem diferentes das crianças brasileiras… Eu não gosto de trabalhar para escolas. As escolas uniformizam demais a reação do público. Turmas de escolas, não acho que sejam éia.

A Influência do Visual e o Trabalho de Pesquisa 

Meu trabalho vem passando por uma variação muito grande de linguagens. Através da música, de línguas inventadas, imagens surreais, oníricas… Atualmente estou procurando mais a essência do movimento, do gesto, do trabalho corporal das pessoas. Isso sempre existiu, mas agora pretendo buscar uma expressão corporal específica. São dezessete anos… Mas a característica visual sempre predominou.

Apesar de o estilo ser o mesmo ou quase o mesmo, pois não sou tão esquizofrênico a ponto de estar sempre me traindo, tento falar sempre de formas diferentes, buscando enfoques diferentes.

Existe no teatro, o teatro arqueológico, onde se representa sempre da mesma forma o que se fez sempre, e o teatro de criação, que se pode fazer mesmo com peças já existentes, mas eu sinto que há poucos diretores que têm a coragem de dar sua visão pessoal sobre uma obra clássica. Eu mesmo tenho muito medo de fazer isso. Jamais montaria Nelson Rodrigues no Brasil. Tem autores que para mim são próximos. Outros não. Eu prefiro partir para montagens de depoimento. Depoimento mágico, depoimento onírico e começar a estruturar toda a dramaturgia dos espetáculos em função de sonhos de vivências, criando uma dramaturgia própria. Isso para mim é muito legal porque cria uma linguagem próxima. Mas agora, por exemplo, quero tocar em certos autores, marcantes para mim, um deles é o Lorca sobre o qual quero fazer alguns projetos. Não o Lorca inteiro, mas trabalhar com fragmentos dele, com personagens que ele criou. Como as mulheres de Lorca: Rosita, Beliza, Bernarda Alba.

Continuidade de Trabalhos

O XPTO está trabalhando junto há dezessete anos e há doze anos estamos nessa segunda fase e sinto que as pessoas, que agora estão com mais de trinta e cinco anos buscam caminhos individuais também, apesar de continuarmos juntos. Fui convidado e fiz dois trabalhos fora do XPTO. Para mim foi muito saudável o trabalho que fiz em Florianópolis com pessoas que não me conheciam, que nunca tinham visto nada do XPTO. O ator paulistano tem referência do XPTO, e lá, eu trabalhei com pessoas que tinham uma ideia do que era o Grupo, mas não tinha tido contato com ele. Para mim foi muito bom.

Eu estou querendo reformular o XPTO. Se eu pudesse faria um trabalho de pesquisa total, sem pretensões de entrar em temporada, retomar o trabalho performático… Mas economicamente é impossível fazer isso. Assim sendo, primeiro vamos fazer a temporada do SESI. Em seguida, vamos montar o Lorca, que é um espetáculo que eu estou muito afim e depois, Hi-Brasil.

É a história de uma ilha mítica, cujas referencias remontam dois mil anos, e que ficava depois das colunas de Hércules no Estreito de Gibraltar. Ela era uma ilha que ficava em movimento. Quanto mais os barcos se aproximavam, mais ela se distanciava, então chegava uma hora que os marinheiros ficavam tão longe de sua pátria de origem que não dava mais para voltar atrás. Então, a única possibilidade era continuar indo atrás da Ilha. Eu achei que tinha tudo a ver com o Brasil de hoje, que está sempre sendo o país do futuro, do amanhã. E esse amanhã nunca chega. Esquece-se do passado, não vive o presente e está sempre vivendo o “amanhã”. Eu queria colocar nesse espetáculo dois personagens: um cego e um ladrão. O ladrão vai roubar o cego, mas não consegue e os dois acabam ficando juntos e, de alguma forma, o cego acaba sendo induzido a viajar com o ladrão.

Como Dom Quixote e Sancho Pança que viajam uma viagem imaginária sobre um cavalo alado. Eles então vão atrás de Hi-Brasil.

O Circuito de Teatro para Crianças e Jovens

Há dois anos eu fui do júri do Prêmio Coca Cola de Teatro Jovem. Assisti oitenta espetáculos que tinham sido realizados em São Paulo. Também acompanhei o Festival de Blumenau, assistindo os espetáculos e participando como debatedor. Acho que o teatro para crianças e jovens é muito irregular. O Rio de Janeiro, por exemplo, tem coisas muito interessantes. Conheci em Blumenau, um grupo que me pareceu de altíssimo nível. A Companhia Truanesca que apresentou Rapunzel e O Patinho Feio do Ricardo Blat foi uma das coisas mais bonitas que já vi. Texto muito bem elaborado, um ator excepcional, uma direção muito boa. De uma simplicidade maravilhosa. Para mim atrás do teatro infantil tem que ter cabeças inteligentes. Sem inteligência não rola. Vi coisas que as pessoas não tinham a menor idéia do que estavam fazendo. Não tinham ideia do porquê de ser aquele cenário, aquele figurino, enfim, uma profunda falta de informação. Gente que não sabe fazer teatro e acha que engana fazendo teatro infantil.

Agora, tem pessoas que têm um trabalho sério, como Vladimir Capela. Outro trabalho que vi que é mais para teatro jovem foi Um Certo Faroeste Caboclo. Não me lembro do nome do Grupo, mas tinha um retorno fantástico do público. Conseguiram participação e identificação da plateia e isso é fundamental. Para mim, o maior problema no teatro é a falta de aprofundamento, de conhecimento daquilo que estão fazendo. Esse problema é mais evidente nos espetáculos para crianças, que muitas pessoas optam para poder ganhar o “pão nosso de cada dia” de forma mais fácil. E é muito mais difícil fazer teatro para crianças.

Acredito que não devemos optar pela singeleza, porque não existem recursos. A singeleza deve ser a tônica porque é a intenção do realizador do espetáculo, e não, porque não tem outro jeito. É frustrante para o público ver apenas espetáculos com dois ou três atores. As grandes produções fazem falta. Mas as empresas não querem mais patrocinar. Nós temos que pressionar as Coca-Colas da vida para que eles voltem a patrocinar teatro infantil. O XPTO que poderia interessar a qualquer empresa. Por exemplo, temos um espetáculo em que todos os personagens falam pelo celular, mas não conseguimos patrocínio nem de uma empresa de telefonia celular. As empresas não querem mais lidar com o risco. Querem retorno certo, e eles sabem que nem sempre isso acontece.

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Participação em Espetáculos para Crianças e Jovens

Como Diretor

1984 – Buster Keaton contra a Infecção Sentimental
1985 – A Infecção Sentimental Contra Ataca
1987 – Kronos
1988 – Coquetel Clown
1991XPTO Mega Mix
1994 – Babel Bum
1994 – XPTO Futebol Clube
1995 – Aquelarre 2000 –  La Luna
1995 – Opera Mundo – Um Sonho Bom
1996 – O Pequeno Mago
1997 – Buster – O Enigma do Minotauro
1999 – Além do Abismo
2001 – A Infecção Sentimental Contra-Ataque (segunda montagem)
2002A Tempestade
2002 – Estação Cubo
2004 – Utopia – Terra dos Dragões
2004 – Coquetel Clown (segunda montagem)
2006 – Pulando Muros
2007 – Lorca – Aleluia Erótica em 38 quadros e 1 Assassinato
2008 – O Público

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Depoimento dado à Antonio Carlos Bernardes, na cidade de Embu das Artes, São Paulo, em 02 de novembro de 2000. Fotos: Acervo  Osvaldo Gabrieli.