Encenada com muita poesia, a obra é capaz de emocionar igualmente adultos e crianças

Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 16.06.2017

Não é teatro alegre. É uma obra potente em sua tristeza, crueza e aridez temática. Fotos: Victor Iemini

Oliver Twist tem montagem primorosa

Oliver Twist expõe a tristeza para falar de esperança

Montagem do clássico inglês para crianças aposta na dura poesia do sofrimento e foge dos estereótipos de teatro infantil

Você é qual tipo de pai ou mãe? Aquele que leva o filho ao teatro infantil só quando há finais felizes, músicas atordoantes acompanhadas de palmas, atores em estado de euforia constante, cenários multicoloridos? Ou você levaria seu filho para ver uma peça bem triste, em que o personagem órfão sofre, passa fome, sofre mais um pouco, passa mais fome, não tem calçados para usar nem casa para morar? Teatro para crianças tem de ser sempre alegre? Quem decretou que criança não deve ser exposta a enredos severos e melancólicos? O papel do teatro não é despertar todo tipo de emoção na plateia? Todo tipo?

São questões que nunca deixarão de ser polêmicas – e cada família pensa de um jeito. De minha parte, quero dizer mais uma vez aqui que tiro o chapéu para encenadores de teatro infantil que ousam fugir do óbvio festejante e se arriscam com montagens sisudas e chorosas. Criança não precisa ser poupada da tristeza. Criança sabe lidar com a fantasia, mesmo uma dura fantasia. Falo tudo isso a propósito da atual adaptação para teatro do clássico da literatura inglesa Oliver Twist, de Charles Dickens, pela Cia. Um, que já fez temporada curta no SESC Belenzinho e está de volta aos domingos, às 11 horas, no Teatro do Centro da Terra.

Não é teatro alegre. É uma obra potente em sua tristeza, crueza e aridez temática – encenada com muita poesia, capaz de emocionar igualmente adultos e crianças, despertando-os para um tema que continua urgente no mundo de hoje: “a necessidade de desenvolvermos o espírito de compaixão, de amizade, tolerância, do olhar para o outro”, como me disse em entrevista o diretor do espetáculo, Rodrigo Audi. “É um livro sobre a esperança nos homens – e essas obras clássicas são salva-vidas para nossa geração distraída pelas tecnologias, ladras de tempo, que nos mantêm na superfície das coisas”, completou ele.

A montagem é primorosa. Tem uma coerência estética e um rigor conceitual que são até incomuns no teatro para crianças. Não há músicas infantilóides, mas há muita música e da boa, utilizada com criatividade sofisticadíssima. No início, a homenagem às brincadeiras de quintais de antigamente é sutil e tocante. O trabalho de voz do narrador (Hercules Morais) é forte, de uma composição envolvente. Ele nos fisga para dentro da história desde o primeiro momento. Rita Pisano, como o menino Oliver, também acertou em cheio nos tons e nuances de um personagem complexo, pois ele é puxado o tempo todo para um lado (o do ‘mal’), mas mantém dentro de si uma vontade pura de ser bom. Rita nos emociona a cada vez que entra em cena. Perceba, por exemplo, a força que a atriz escolhe concentrar em seus olhares. Os coadjuvantes Leonardo Santiago e Angela Ribeiro impressionam pela entrega sincera aos vários personagens que fazem, demonstrando segurança e versatilidade também incomuns.

Repare ainda na delicadeza contundente do desenho de luz (Rafael Souza), na crua precisão dos figurinos (Clíssia Morais), na agilidade funcional da cenografia (Julia Armentano e Maíra De Benedetto), nos ricos detalhes da direção de arte (também de Clíssia Morais). Tudo isso junto resulta em cenas de uma plasticidade rica em informações e climas, um apuro visual importante em se tratando da encenação de um clássico literário. Aliás, com relação à adaptação do texto, o recorte dramatúrgico escolhido pelo trio de responsáveis (Angela Ribeiro, Hercules Morais e Rodrigo Audi) é notável pela concisão acertadíssima, pela precisão cirúrgica dos diálogos, pela opção por uma cena final quase abrupta e, por isso mesmo, potente. Oliver Twist, da Cia Um, deixa no ar a esperança por um mundo melhor, sem nunca cair nas armadilhas do teatro catequético de fórmulas fáceis. Não tenha medo de expor seus filhos a tudo isso, só porque é “uma peça triste”…

Serviço

Centro da Terra
Rua Piracuama, 19 – Sumaré – São Paulo
Telefone: (11) 3675-1595
Capacidade: 100 pessoas
Duração: 55 minutos
Domingos, às 11h
Ingressos: R$ 30,00 (inteira) R$ 15,00 (meia)
Temporada: De 11 de junho a 2 de julho de 2017