Filhos diretos do projeto Funk-se, criado em 94, o elenco de O Tempo não Para, impõe grande convicção à história.


Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 03.05.1997

 

Barra

Guilherme Karan é o espetáculo

A Cia. Em Cena Ação, responsável pela montagem de O Tempo não Para, peça em cartaz no teatro Gláucio Gill, é formada pelos filhos diretos do projeto Funk-se, de Ernesto Piccolo e Rogério Blat, criado em 1994, que rendeu ainda outro grande espetáculo: Com o Rio na Barriga. Os atores, que se conheceram no palco, alçaram voo sem desprezar as raízes e se lançam agora numa deliciosa aventura teatral, onde está em cena, além do prazer de representar, a busca do difícil diálogo com a jovem plateia. È reconfortante dizer que seus objetivos foram amplamente recompensados.

O novíssimo autor, também ator do espetáculo, Rodrigo Molinari, se inspira na recente história política do país para criar personagens completamente atuais, sem que o peso do imediatismo lhes tire as características ancestrais do fascínio que o poder exerce sobre o homem desde que o mundo é mundo. Mesmo sem intenção, mas por força das situações, estão em cena alguns personagens que lembram Ben Silver, o herói fabricado de Roda Viva, de Chico Buarque, contracenando com Lady Macbeth, de Shakespeare. O jovem autor teve todas as oportunidades de ler e assistir a representação do segundo, mas não do primeiro. Mesmo o texto não lhe daria a riqueza da representação. Assim é melhor creditar a feliz coincidência à força do imaginário e, é claro, aos deuses do teatro.

Se o autor foi brindado com a inspiração, o diretor não ficou de fora. Arquitetando a encenação inspirada no teatro grego, Marcello Caridad reverencia Dionísio sem perder a contemporaneidade da ação. A estratégia do coro e das máscaras só acentua as semelhanças da história do homem em todas as épocas. Um achado de teatralidade.

O elenco afinado com a proposta de texto e direção representa convictamente a história de Paulo, o candidato fabricado, que morre de overdose em plena campanha, deixando a seus coordenadores a responsabilidade de fabricar outro fantoche. A extrema juventude do cast, em papéis acima de suas idades, só reafirma a ideia inicial inspiradora de que o tempo não para. A verdade cênica ultrapassa os limites da plateia e vai junto com o público para casa. Em destaque, Valéria Saeger, como Sandra, a mentora da campanha; Tatiana Telink, a cantora que se envolve no suposto atentado; Andréa Araújo, a nova candidata; e Flávia Ventura, a primeira dama. O elenco masculino, Cláudio Cardoso, Fábio Graziano, Ricardo Marrecos e Rodrigo Molinaro, mesmo em papéis sem tão forte apelo, desenvolve bem seus personagens.

Com cenários muito bem realizados, mas com figurinos um tanto fantasiosos, de tão coloridos, assinados por Cristina Saeger, a parte técnica tem em grande sintonia a iluminação de Ricardo Passos, que recorta a cena com bastante emoção. E o espetáculo é isso: emoção de estar no palco, arriscando tudo.

Cotação: 3 estrelas (Ótimo)