Miriam Rios e Carvalhinho em O Sonho de Alice

Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 24.04.1982

 

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O Sonho de Alice: lotação esgotada 

Na análise de qualquer trabalho de adaptação, parto do principio de que o adaptador tem toda a liberdade para reelaborar o texto original. O colunista, cuja função principal é a de dar, ao público, o máximo de informação possível sobre o espetáculo para auxiliá-lo a decidir melhor na escolha daquilo que irá assistir, tem basicamente, de dizer ao leitor se o resultado (sempre de um ponto de vista muito subjetivo, muito pessoal), é bom ou não; o colunista deve fornecer dados, ao leitor, para que ele decida se o espetáculo deve ou não ser visto; e não se a adaptação é fidelíssima ou profundamente infiel.

Tudo isso vem a propósito de adaptação feita por Tanah Correa e Fred Pinheiro de duas obras de Lewis Carroll que têm o personagem Alice como protagonista. A adaptação não tem a carga dos originais; nem o brilho, nem o non-sense, nem mesmo a trama é igual, isso não importa. É bom o resultado?

As opiniões divergem; pelo menos as opiniões desse colunista com as do público. Vi um espetáculo apenas razoável e com um bom acabamento de produção (aliás, a proporção do investimento não tem uma correspondência em nível de criatividade na encenação: com muito menos dinheiro temos visto espetáculos bem mais interessantes). O público – incluindo os adultos -, entretanto, adorou. Penso que faz bem esse dado para o leitor; apesar de o analista não ter se deslumbrado, o público se deslumbrou. E aí entram inúmeros fatores em jogo de difícil definição; a atriz é um rosto conhecido por todos os brasileiros (mesmo se fosse uma atriz desconhecida e com um trabalho de interpretação até mais rico que o de Miriam Rios, será que o espetáculo alcançaria tanta simpatia?); a atriz é a mulher de Roberto Carlos, um dos grandes ídolos nacionais e esse casamento – recente – é assunto de jornais, revistas e televisão. Alguém poderá dizer: “Mas isso não tem nada a ver com o espetáculo”. Tem. Tudo isso pesa na empatia.

Dessa forma, fica difícil avaliar o sucesso da empreitada apenas pelo lado artístico, já que são fortíssimos os fatores extra palco. Não é pela excepcionalidade do espetáculo (que não é nada excepcional, apenas correto e rotineiro) que está acontecendo esse verdadeiro fenômeno de bilheteria no teatro infantil carioca: só se consegue entrada com 15 dias de antecedência para um teatro grande como o Villa-Lobos.

No fundo, não é o espetáculo que está em jogo; mas é do espetáculo que essa coluna deve tratar para que o leitor decida se deve ir ou não.

É um musical com bom acabamento, com ótimo uso do playback, com músicas de qualidade. Terminam aí na área da música. O espetáculo, em si, como os trabalhos anteriores de Tanah Correa (Os Saltimbancos / Viveiro de Pássaros) carece de criatividade. O esquema é sempre igual em O Sonho de Alice, um pequeno texto seguido por uma canção com coreografia pobre; não se criam imagens expressivas (exceto o início) não são criados climas, o diretor coloca dois atores lado a lado e lá vem papo; depois uma música; depois, papo; e assim vai. O momento mais gostoso é o do “Toca-Tim, Toca-Tum” e os figurinos são muitos desiguais, com achados ótimos como “Lagarta” a “Tartaruga” e o “Cavaleiro Andante” e outros fracos, como as “Flores”. O elenco não tem grandes chances, mas se comporta sem brilhar nem comprometer, a não ser o “Coelho”, cujo texto fica quase todo sem ser entendido. Toda carga de interpretação cai sobe Míriam Rios cuja “Alice” atravessa a peça, vivendo as mais emocionantes situações, sem produzir qualquer alteração no seu comportamento. E Mírim certamente, depois dessa experiência de palco, procurará desenvolver melhor a sua voz, que em determinados momentos, fica demasiadamente aguda, esganiçando e tornando-se desagradável. A atriz é praticamente a mesma do inicio ao fim, nesse ponto, a direção de atores de Tanah Correa deu uma boa cochilada.