Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone, Rio de Janeiro – 21.09.1991

Barra

A História para quem quer sonhar

No final dos anos 60, ninguém trabalhava mais neste país do que os censores. Antecipando a gangue da tesoura, lá iam eles recortando textos que, provavelmente, colocavam em seus caderninhos para ler escondidos em casa. Sem o humor de uma Solange Hernandez e seus títulos maravilhosos – temática complexa, linguagem chula – agiam em todas as áreas; cinema, música e até capa de disco. Num rompante de assistência social, ou talvez influenciados pelo rei Pelé, resolveram também “salvar as criancinhas”.

O Sapateiro do Rei original dos irmãos Grimm recriado por Lauro Gomes em 1969, foi brindado por uma dessas gracinhas, mas chega inteiro agora, ao palco do Teatro do Planetário para contar a história de El Rei, que não se sabe bem por que motivo, resolveu encomendar 500 pares de sapatos, com prazo do tipo pra ontem. Ambientada nos campos suíços, fica muito claro que o problema do sapateiro não é de ordem econômica, com aquele monte de bancos e contas secretas que eles têm por lá, mas de pontualidade, já que estão também na terra dos famosos relógios.

O texto de Lauro Gomes enfatizava o absurdo que consiste em se cumprir uma ordem sem sentido, colorindo seu conto de fadas com tintas bem fortes e dando a seus personagens personalidades próprias, equilibrando o lirismo de uns com o ridículo de outros.

A direção de Ricardo Steele é carinhosa com o texto e a concepção do espetáculo. Os cenários e figurinos, também a ele creditados, são de extremo bom gosto envolvendo além das crianças, o espectador adulto com suas lembranças mais felizes da infância, como se novamente abrisse um velho e colorido livro de histórias. A mágica porém se quebra pela utilização de algumas expressões que faziam o maior sucesso na época que o texto foi concebido, como vou fundir a cuca e estou na fossa, mas que, definitivamente, caíram no esquecimento e ficam perdidos para o público infantil, ainda mais quando se mistura tudo isso com referências a boneca Barbie e a tartarugas Ninja.

Em cena, os atores formam um conjunto harmônico, superando algumas deficiências técnicas como o play back que dublam com a desenvoltura com que dançam a coreografia de Perla Rotstein. José Luiz Peres compõe o seu príncipe mago com muito humor, sem no entanto perder a ternura que o personagem exige. Adriana Perusin faz uma fresquíssima boneca de porcelana e é a pedra no sapato da cativante trapinho de Cica Rondinelli. Pedro Faraco faz um palhacinho realmente de circo, com cambalhotas e saltos mortais.

O Sapateiro do Rei, é uma peça para o público infantil, mas atinge mesmo alguns adultos sonhadores que andam perdidos por aí e que acreditam em happy end.

Cotação: 2 estrelas (regular)