Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 21.06.1997
Em cena, contos de fada
Fátima Café, autora do texto, junto com Fernando Rebello, de O Príncipe dos Sete Mantos e a Princesa das Sete Rosas é uma incansável pesquisadora da mitologia dos contos de fadas. Seus outros dois espetáculos, Fadas, Bruxas e Madrastas e Mitos, Mundos e Lendas, cheios dos símbolos e signos que seriam mais bem identificados por uma plateia de estudiosos, parecem ter sido uma preparação para que desta vez a história chegasse mais diretamente ao público infantil.
Mas lidar com esses contos, vindos diretamente da história oral, e tantas vezes modificados em suas várias versões, não é tarefa das mais fáceis. Na maioria das vezes, o novo contador se encanta tanto com a história que acaba preservando o inverossímil contido na trama, nem que seja para manter a tradição.
Assim, a história chega ao palco com imagens belíssimas, mas com enredo um tanto truncado: uma rainha sem herdeiros declara que desejaria ser mãe a qualquer preço, nem que para isso tivesse um filho lagarto. Seguindo o princípio “pede e receberás”, nasce o rebento. Como ninguém consegue o amamentar o real réptil, Maria, a filha do ferreiro, se oferece para fazê-lo. Usando um peito de ferro cheio de leite, ela consegue que o príncipe sobreviva. O lagarto cresce rápido e se casa com a moça que o amamentou. Na noite de núpcias, ela descobre que na lua cheio o lagarto se transforma num lindo príncipe.
Para desfazer a maldição, é preciso que Maria beije o príncipe enquanto ele estiver em sua forma de lagarto. Como ela não consegue, o lagarto some do palácio. Já apaixonada, Maria vai em busca do seu amado e para isso tem que gastar três pares de sapatos de ferro na caminhada. No final vence o amor.
Nada como um final feliz para dar fim a uma trama de conflito. No caso, porém o conflito não tem antagonista. Quem estava lá para atrapalhar a felicidade do casal, senão a própria Maria, que se recusou a beijar o lagarto? Mas se a história até aí tem intenção de preservar o original a qualquer custo, as inserções de modernidade que chegam pela metade são contribuições destoantes.
A música de Carlos Eduardo Café, que deveria funcionar como parte integrante do texto, tem a letra modernosa, sem qualquer ligação com a estética do espetáculo. No Rock do Lagarto, diz o autor que esse negócio de beijar sapo para depois virar “gato” é coisa ultrapassada. E finaliza:”Eu quero um garotão de surf e malhação…Isso sim é o conto dessa minha geração.” Não combina.
Para compor sua história, Fátima Café concebe um espetáculo de apelo visual inspirado no folclore brasileiro. Dessa maneira, a peça tem na plasticidade seu maior trunfo. Os figurinos de Ricardo Venâncio, feitos de fitas coloridos e brilhantes, dão ao espetáculo tom de fantasia, sem apelar para o óbvio de vestir príncipes e princesas. Os cenários, todos feitos de escadas com adereços de luz, dão sobriedade ao ambiente, mas às vezes ralentam a cena pela sua difícil operação. Também com problemas técnicos, a iluminação de Renato Machado, mesmo muito bonita, está mal operada, deixando alguns personagens totalmente no escuro, em cenas muito importantes.
No elenco, Luciana Fávero interpreta a personagem Maria com bastante sinceridade. Também em ótima performance, Hebe Cabral e Gabrielle Lesafre fazem as duas comadres que comentam a história em oportuna interferência. Os demais atores cumprem seus papéis como pede o enredo. Com alguns toques e retoques, o espetáculo deve decolar como merece.
Cotação: 2 estrelas (Bom)