Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 30.08.1997
Criatividade leva a plateia a participar
A Cia. de Teatro Medieval, desta vez sem uma guilda, ou, melhor um patrocinador que propicie a propagação de sua arte, chega ao Teatro Gláucio Gill com O Médico Camponês, uma farsa medieval muito bem produzida que, inacreditavelmente,só contou com os recursos da própria companhia. Correndo na contramão da história, é bom lembrar que nem na Idade Média isso seria possível. Naquela época, os atores entravam em cena sob os auspícios de uma guilda de comerciantes que muito e orgulhavam em patrocinar os torneios teatrais. Sinal dos tempos.
Mesmo assim, a Cia. Não perdeu seu toque de indiscutível bom gosto. Encenada a partir de uma história oral que deu origem a Médico à Força, de Molière, O Médico Camponês é uma apetitosa farsa medieval com todas as suas características. Isto é: em seu enredo não faltam à eterna luta da astúcia versus estupidez, o marido de maus bofes e a mulher vingativa que entra na história para dar um desfecho de moralidade a obra.
Nessa história, montada apenas com dois atores interpretando os personagens e coringando os papéis de apoio, conta-se à trama do camponês que para evitar ser traído pela bela mulher, todo dia lhe aplicava uma surra. Cansada de apanhar, ela se vinga do marido dizendo ao arauto do rei que procura um médico que cure a princesa engasgada com uma espinha de peixe na garganta, que seu marido é o melhor doutor, mas que só admite sua sabedoria depois de levar umas pauladas. A trama de revelações tem final feliz quando a mulher admite que “mirou no que viu e acertou no que não viu” e essa é a moral da história.
Um palco revestido apenas por tecidos, que formam em cena um outro teatro, Márcia Frederico, numa das suas melhores atuações, e Ricardo Venâncio, também diretor do espetáculo contracenam com maior prazer. As cenas são feitas com muito humor, acompanhadas por uma trilha musical que supões um jogo bem marcado, principalmente para as terríveis brigas do casal. A troca de personagens é feita à vista do público, sem que com isso se confunda o entendimento da ação.
Convidada a pactuar com as artimanhas do falso médico, a plateia tem importante papel no final feliz. Bem treinada, diz sim cada vez que se levanta um lenço verde, não para o lenço vermelho e aplausos para o amarelo. A resposta trocada também é bem-vinda e todos se divertem.
Se o solo dos autores já dá performance, os cenário e figurinos de Heloísa Frederico são um show a parte, confeccionados a mão, com pinturas de arte feitas como um quadro. Heloísa só se ressente que algumas vestimentas tenham que ser duplicadas pela troca dos papéis em cena. Para escapar do efeito seriado, pintou com as mesmas tintas que usa nos seus quadros cada detalhe do figurino e mais uma vez assinou a obra com sua marca.
Mesmo não querendo incentivar o teatro sem guilda, é bom dizer que desta vez a Cia. Se superou e trouxe ao palco o seu espetáculo mais criativo e de melhor comunicação com a platéia. A verdadeira tradução da arte pela arte, como se dizia, mas não se fazia, na MGM.
Cotação: 3 estrelas (Ótimo)