Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Flora Sussekind – Rio de Janeiro – 24.06.1983

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Crianças-Borboletas

No ritmo que vai, qualquer dia O Jardim das Borboletas Azuis acaba concorrendo com A Revolta dos Brinquedos, de Pernambuco Oliveira, em número de montagens por grupos iniciantes. O que por um lado, chama a atenção para a falta de uma dramaturgia infantil de melhor qualidade; por outro, aponta a pouca criatividade do próprio grupo, que poderia ter-se lançado em voos mais críticos e de maior teatralidade do que o texto de André Adler é capaz de proporcionar. Aliás, nem o grupo se mostra lá muito seguro ao explicar, no seu release de divulgação, a escolha da peça a ser montada: “Quando nós resolvemos montar O Jardim, várias vezes ouvimos alguém dizer: Ah! O Jardim das Borboletas! Eu me lembro … Por que essa peça? … Tantas perguntas e ainda não sabíamos explicar o nosso encantamento. Fomos à luta. Começamos a ensaiar tendo Bia Junqueira como diretora e Debby Growald como coreógrafa. O Jardim foi crescendo e a gente se apaixonando pelos bichinhos que moram nele, pelas flores, pelas cores – sempre-vivas -, pela sua música, pelo amor que vem dele e entra na gente fazendo tudo brilhar”. Comentário sem dúvida poético, mas bem pouco explicativo.

De qualquer modo, na atual versão, em temporada no Teatro Cândido Mendes, a peça rende bem mais do que na sua última montagem ano passado no Papagaio. Falta desenvoltura cênica ao grupo e o espetáculo por vezes mais parece uma aula de improvisação teatral ou de dança. Às vezes quase se pode ouvir a voz de algum eventual professor dizendo: “Imagine-se uma flor. Imagine-se nascendo”. E assim por diante. Há um certo excesso nas demonstrações de habilidade corporal dos atores. Excesso tanto mais prejudicial quando isto os deixa ofegantes e enunciando suas falas de modo incompreensível. Mesmo assim a encenação de Bia Junqueira consegue melhores resultados que a anterior de Ligia Diniz. A auxiliá-la um bom aproveitamento do exíguo Teatro Cândido Mendes e uma iluminação primorosa, que substitui perfeitamente cenários, cria climas, num show de eficiência teatral, que ao menos no domingo passado era dirigido diretamente por Jorginho Carvalho.

E, apesar do texto de curto alcance e da falta de desenvoltura do grupo, ora refletida numa extrema timidez, ora em gritantes sobre atuações, o resultado final desta remontagem de O Jardim das Borboletas não deixa de ser interessante. Sobretudo pela comunicabilidade com uma plateia bastante jovem, hoje meio esquecida por grande parte dos grupos dedicados a teatro para crianças. Talvez porque fazer teatro para esta faixa etária marginalizada do poder de decisão sobre o próprio destino não esteja atualmente tão em moda quanto há alguns anos, nem propicie um trampolim tão rápido para a TV quanto o que se chama “teatro infanto-juvenil”. Categoria discutível, sobretudo, para quem não acredita que a população se divida em faixas de idade e deveria, então, fazer “teatro” simplesmente. Categoria rendosa, no entanto, quando se pensa na censura que veda a entrada na maior parte dos espetáculos a menores de 18 ano.

O Jardim das Borboletas de Bia Junqueira, Debby Growald, Titila Tornaghi, Bianca de Felippes, Luís Salem, Márcia Alves, Robson Quintanilha, Marcelo Evelyn e Maurício Barroso, ao invés de disfarçar teatralmente a infância, mergulha nela de cabeça. O que resulta num espetáculo, às vezes frágil, mas sempre em diálogo com a plateia que o assiste. E que responde com bastante simpatia à história dessa larva que cresce e se torna borboleta, numa espécie de fábula do próprio crescimento infantil, numa espécie de retrato mágico das transformações que as crianças das plateias são capazes de perceber em si mesmas no seu cotidiano.