Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 06.02.1982
Romeu e Julieta dos bichos
“Romeu e Julieta dos Bichos”, a história de Jorge Amado O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, numa boa adaptação de Luiza Lagoas, é sem dúvida, um dos melhores espetáculos em cartaz para crianças, no Teatro Alaska. O acumula de peças infantis (no final do ano passado, havia sessenta peças em cartaz) e a possibilidade de ver apenas dois espetáculos por semana, impedem o colunista de estar atualizado. Por esse motivo, essa crítica sai exatamente quando a peça se despede. Hoje e amanhã são os últimos dias para as crianças acompanharem uma história de bichos, mas que eles – como gente – certamente testemunharão (ou protagonizarão) durante suas vidas. Os preconceitos estão sempre presentes e, infelizmente, sempre muito vivos na nossa sociedade; de cor, de status social, de cultura, de moral, de ideologia, etc. A cada passo encontramos o domínio dos preconceitos. Quais são as leis humanas que impedem o nascimento do amor? Quais os livros, leis ou regras que terão força suficiente para sabotar o nascimento da rosa? Da mesma forma não há leis familiares, sociais ou patrióticas que sabotam o nascimento do amor entre dois seres. Sendo simplista: um americano não poderá amar uma soviética? Sendo menos simplista; uma judia não poderá amar um alemão? E sobre isso, mas numa linguagem para crianças e tendo bichos como personagens, que Jorge Amado conta sua história.
A passagem da linguagem literária para a linguagem teatral recebeu uma boa injeção de vitalidade na adaptação de Luiza Lagoas e na encenação de Marco Antonio Palmeira (este, também responsável pelo ótimo rendimento visual, pela criação de figurinos bem expressivos).
O espetáculo é auxiliado ainda, pelas excelentes músicas de Mauro Dellal e Marcos Proença ainda com um elenco bastante firme em que se destacam Marco Antonio Palmeira fazendo o “Gato” (um belo trabalho de corpo, expressões fisionômicas e tempo, tendo, inclusive, conquistado o Troféu Mambembe na categoria de ator), Silvio Ferrari (reverendo papagaio), Maria Alice Mansur (coruja). Eliana Dutra (andorinha), e Margô Baird (coelho). Há, ainda, a engraçadíssima composição de Luís Eduardo Pinheiro como a “Vaca Espanhola”, mas seu trabalho acaba prejudicado pela grande quantidade de texto que se perde, devido ao sotaque e a rapidez das falas. O momento mais frágil do espetáculo é logo após a Coruja falar: “Permita-me filosofar”. Aí desenvolve-se uma cena cuja concepção é muito pobre e fica aquém do restante da encenação.
Não percam, neste final de semana, as duas últimas oportunidades de assistir a O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, um espetáculo bonito, bem interpretado, bem dirigido e, que, inclusive, quase foi escolhido pelo júri do Serviço Nacional de Teatro como um dos cinco melhores espetáculos do ano (aliás, votei nele). Vale a pena pelo visual; e pelas ideias importantes colocadas ao nível do interesse da plateia infantil, que se envolve com esse difícil romance entre uma andorinha e um gato. E, de quebra, Jorge Amado ainda toca na questão da imagem: quantas vezes pensamos que uma pessoa é mau caráter e ela não é? Também uma questão de preconceito.