Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 08.11.1997
Presente a novas e antigas plateias
Há 45 anos, em cartaz, o teatro de Maria Clara Machado, durante esse tempo todo classificado ora de vanguarda, ora de reacionário, dá mais uma volta nos visionários às avessas e comemora os 10 anos do seu clássico O Gato de Botas. Em cartaz no Tablado, o espetáculo é um presente não só para a nova plateia, que tem o prazer de assistir a uma história muito bem contada, mas também para velhos amigos que sempre voltam a casa para rever o teatro de Clara. Em ambos os casos, a satisfação é garantida.
A história de O Gato de Botas, inspirada em Perrault, é contada no palco por 28 atores se multiplicando em vários papéis, em passagens muito enxutas que misturam canto, dança e interpretação na medida exata. É o toque da mestra que mesmo antes de encantar o público, apaixona seu elenco. No palco, a história do falido Pedro, que por obra de seu esperto gato se transforma no Marquês de Carabá. Sem cortes na trama, todos os personagens são mostrados em cenas muito familiares. Tanto no palácio do rei como na caverna do ogro, eles têm proximidade com a plateia. Nesses ambientes, sem perder o ponto da história, estão os personagens em atividades muito comuns, como jantares ou brigas de família. Um dos trunfos da autora, que invariavelmente põe em cena, sem perder a magia, um pouco da vida quase real. E esse quase é que faz a diferença.
A direção de Maria Clara Machado pontua esse conto de fadas com cenas de humor explícito e momentos de puro lirismo, sem nenhuma apelação. Mesmo a interferência de alguns caquinhos modernosos, colocados pelo elenco, não se completa por inteiro e se mantém na medida do bom gosto. É como se a diretora deixasse a brincadeira correr para depois puxar os cordões. Uma generosidade de quem sabe muito bem o seu ofício.
No elenco, brilha a estrela de Luís Carlos Tourinho como o Gato de Botas. Totalmente entregue ao papel, Tourinho, numa coordenação completa de corpo e interpretação, faz o que quer com o seu bem construído personagem. No entanto, o espetáculo não é só um solo do ator. Em cenas de destaque, o jovem Pedro Kosovski é o Marquês de Carabá e Paolo Pacelli é o ogro em imponente figura.
A encenação se completa com o conjunto dos elementos teatrais que a cercam, como os figurinos muito bem recortados e cenários de Anna Letycia, um livro que se abre num bonito painel para a história. As letras de Maria Clara Machado, em perfeita sintonia com as músicas de Ubirajara Cabral, têm grandes momentos nas coreografias de Nelly Laport. Também de grande efeito, os adereços de Antonio Pedro, João Henriques, Marcos Mello e Beatriz Vidal, principalmente no jantar da família real
O Gato de Botas é um espetáculo teatral no melhor sentido da palavra. A ida ao Tablado é um compromisso inadiável do público de qualquer idade.
Cotação: 3 estrelas (Ótimo)