Rogério Blat e Ernesto Piccolo: o teatro como exercício democrático

Os rebeldes de O Futuro Era Hoje, Na bem-sucedida fábula sobre o Rio de 2000

Crítica publicada na Revista Veja Rio
Por Bernardo Araújo – Rio de Janeiro – 06.11.1996

Barra

O Inferno de Blat

O Futuro Era Hoje encerra saga jovem sobre a cidade

Comparado ao Rio de Janeiro do ano 2050, o inferno mais parece uma filial de alto nível do Club Méditerrané. Meio século atrás, a cruzada pela cidadania liderada pelo nordestino Aristides salvou a cidade do império dos traficantes, mas o (anti) herói com aspirações a porteiro em Copacabana foi assassinado quando ia para Brasília, e os malvadões voltaram ao poder. Desesperado, o governo promoveu uma chacina nuclear nos morros cariocas, matando milhões de pessoas e criando uma geração de mutantes.

No entanto, o assassino de Aristides sobreviveu, tomou o poder no tráfico e instaurou uma monarquia na cidade. Em meio ao caos total, em que casais de drag queens têm filhos hermafroditas de proveta e as pessoas passam finais de semana inteiros em engarrafamentos, um grupo de rebeldes tenta derrubar a monarquia.

O Futuro Era Hoje, peça de autoria de Rogério Blat, com direção de Ernesto Piccolo, é hardcore mesmo. Nesta quarta e última produção da teatrologia, que já contava com Funk-se, Com o Rio na Barriga e O Passado a Limpo, sessenta pessoas correm e pulam como alucinadas pelo palco e o som berra ritmos e sons esquisitos no máximo volume. Como todo último capítulo que se preza, neste espetáculo tudo se explica, e a relação com as outras peças é mais explícita do que nunca.

Bancando mais uma vez Robert Zemeckis, de De Volta para o Futuro, desta vez com um toque de O Exterminador do Futuro, Blat e Piccolo montam mais uma fábula da era MTV, sempre tendo o Rio como cenário e uma mensagem de esperança ao fundo. A garotada mostra a garra de sempre no palco, com destaque para o galã James Martins e para a usurpadora do trono Márcia de Paoli, eletrizando o público, como é a marca registrada dos autores. Apesar de uma certa pressa na resolução da trama, Blat e Piccolo mostram que, mais uma vez, acertaram a mão.

De Olho na Massa

Em dois anos, quatro peças movimentaram mais de 200 pessoas, entre flanelinhas, jovens carentes, donas de casa e quem mais se aventurou a ingressar num dos cursos da dupla Rogério Blat e Ernesto Piccolo. Tudo começou na Faculdade Cândido Mendes. “Eu me interessei pelo funk e resolvi escrever uma peça sobre o movimento”, lembra Rogério Blat, 37 anos, autor até então cheio de peças infantis no currículo. “Aí os seguranças e faxineiros da faculdade começaram a se candidatar, e a gente foi dando bolsas de estudo para todo mundo”, completa o diretor Ernesto “Neco” Piccolo. Logo os dois foram convidados a assumir as oficinas teatrais do Centro de Artes Calouste Gulbenkian, na Praça Onze, realizando o sonho de ter um teatro sem a necessidade do lucro por estarem em terras da Prefeitura. “Podemos cobrar preços populares e ainda dividir a receita com o pessoal”, diz Rogério. A dupla conta com mais oito profissionais, para os figurinos, cenários, som e luz, e o resto é feito pela garotada mesmo. Com isso, conseguem manter três peças em cartaz, além de O Futuro, Com o Rio na Barriga, domingo, às 20h, e O Passado a Limpo, sáb. e dom. às 17h30 e ainda colecionar convites, como o que levará Funk-se à Austrália no ano que vem.

O Futuro Era Hoje

Teatro Gonzaguinha (180 lugares)
Centro de Artes Calouste Gulbenkian
Rua Benedito Hipólito, 125, Praça Onze
221-6213
De quinta à sábado às 20h
R$ 5,00