Cena da peça O Elixir do Amor: piche, pneus e areia.
Foto Gabriela Toledo

Crítica publicada no Jornal Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone, Rio de Janeiro – 27.03.1993

 

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Brincadeiras e jogos até na fila de espera

Enfrentar uma fila não é das atividades mais prazerosas, a não ser que alguém comece uma irresistível brincadeira e envolva completos desconhecidos numa criativa atividade lúdica. O Elixir do Amor, em cartaz no Teatro Cândido Mendes, começa desta maneira. O público, pego de surpresa no corredor, é convidado a escrever um bilhete de amor, que deverá ser inserido no espetáculo. O texto de Márcia Frederico é rico em pesquisa de linguagem, promovendo a quebra do personagem exigida pela farsa. De maneira delicada, impede que este convite à plateia se torne uma brincadeira particular entre amigos. O enredo é simples: Adina, a moça linda e rica, brinca com o coração do ingênuo camponês Nemorino. Ao mesmo tempo, promete se casar com o Belcore. Para salvar a situação surge o doutor Dulcamara com seu “poderoso” elixir do amor. O desfecho é um happy end. Se à primeira vista tais ingredientes poderiam converter a história numa sucessão de banalidades, os jogos de intenções apresentados conferem um gostoso ritmo a encenação.

A direção de Ricardo Venâncio aposta no humor sutil do texto, trabalhando os diferentes estilos de representação dos atores sem deixar que a unidade se perca. Além da direção, Venâncio é o criador de cenários e figurinos. Eles são um dos pontos altos do espetáculo, concebidos com impressionante requinte de detalhes. Os trajes de Adina são trabalhados para dar a impressão de bibelôs. A armadura de Belcore é feita de piche, pneus e areia. O camponês Nemorino tem nas vestes elementos ligados a terra, como sementes secas de milho e ervilha. O doutor Dulcamara traz ricas garrafas trabalhadas em ouro. E o personagem Garrafinha aparece numa roupa de tecido envelhecido, recoberta de cacos de vidro. A luz de Dimitri Martinovich consegue transformar o minúsculo espaço do Candido Mendes em vários ambientes e a direção musical de Vicente Ribeiro confere o devido clima de magia à encenação. A reunião de todos estes elementos amplamente dependentes uns dos outros, acaba por se reverter num belíssimo resultado final.

Cotação: 3 estrelas (Ótimo)