Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Márcia de Almeida – Rio de Janeiro – 15.09.1978

Barra 

Fadas e Dragões Desmitificados

Até que enfim aparece alguém para desmitificar toda essa história de bruxas, fadas, dragões, de bem e de mal. Além de provar e comprovar seu indiscutível talento como músico e compositor, Carlos Lyra se aventura a escrever para crianças. E o resultado é um texto bastante leve e engraçado, cheio de gozações a conceitos e preconceitos estabelecidos. Em O Dragão e A Fada, Lyra expõe um problema muito simples, mas com um final diferente. Era uma vez, conta Lyra, uma fada e um bando de garotos. Só que dessa vez a fada é careta, como todas, aliás, mas é mostrada como tal. Essa Sra. Dona Fada Madrinha limita as crianças às brincadeiras na praça, impedindo que sua curiosidade chegue ao bosque, porque nele “mora um dragão que come criancinhas, depois de fazê-las engordar”. Tudo muito bem e na mais perfeita ordem, segundo o que já se espera de um tema como este. Mas a fada não é tradicional, já que anda de patinetes. Há que registrar também a revolta de Tião que por ser negro (o papel é muito bem interpretado por Pratinha), é chamado pela fada e pelos amigos de Branca-de-Neve. Tião é o personagem que insiste em estar cansado das brincadeiras preestabelecidas e que, apesar das repressões, foge para o bosque proibido, onde descobre que toda a história contada pela fada era uma grande mentira. Ao invés de pântanos, árvores e paz; no lugar de animais ferozes, uma pantera cor-de-rosa muito engraçada (Lígia Diniz transborda de charme, além de fazer também o papel da Fada Madrinha), um sapo e um macaco. Preocupados, dois dos amiguinhos também desobedecem e entram no bosque, à cata de Tião e, também eles, descobrem que haviam sido enganados pela fada. Rosinha e Zequinha (muito engraçada a interpretação de Cacá Silveira) passam a conhecer também o Dragão, que nada mais é do que um cidadão comum. A partir dessa descoberta, voltam todos ao encontro da Fada, inclusive o Dragão, que prova que essa história de maldade e de rotular pessoas está fundamentada no medo e na impossibilidade de aceitarmos as pessoas tais como são. Por pânico do desconhecido, muitas vezes carimbamos os outros com as nossas fantasias.

A peça é muito bem cuidada, embora os figurinos de Olga Resende sejam fracos. É perfeitamente dispensável a interferência do contador de histórias e seria interessante, também, que no diálogo entre a fada e o dragão (há, inclusive, uma batalha de luzes muito bonita entre os dois), fosse mais enfatizada a fala deste, para que não se dilua, justamente, a mensagem e a proposta da peça. A exposição do Dragão sobre os preconceitos e a mania de se marcar a ferro e fogo as pessoas, como se nossos medos fossem merecedores reais cargo de legisladores, perde a força pela forma como está sendo dita. As soluções, nesse caso, podem ser duas: ou o autor (que também assina as músicas do espetáculo), aumenta e aprofunda o texto, nesse momento, ou, como diretor, terá que trabalhar mais essa parte, para que não seja em vão sua tentativa de romper as bordas dessas mensagens maniqueístas que proliferam em quase todas as peças infantis.

O Dragão e A Fada, resolvidos os problemas técnicos com a administração do teatro (que já andou até mudando a aparelhagem de som sem nada comunicar à equipe infantil), promete ser um bom programa para as crianças, muito engraçado e despretensioso. A administração do Teatro Vanucci precisa ter um pouco mais de respeito, não só com os atores, mas também com o público. Não se deixa dezenas de crianças, ou melhor, não se deixa ninguém à espera, (no caso, à porta do teatro), por mais de meia hora, sem que seja fornecida, ao menos uma explicação. Mesmo que o espetáculo fosse gratuito seria inadmissível esse tipo de comportamento, quanto mais com os ingressos custando Cr$ 50,00.