O elenco infantil da peça, a primeira escrita para crianças por Domingos de Oliveira

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 10.08.1997

 

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História de uma infância imaginada

Domingos de Oliveira é um dos nossos autores mais queridos. Suas peças de memórias como Era Uma Vez nos Anos 50 e No Fundo do Lago Azul, também chamada de Assunto de Família, são preciosidades de uma geração que sempre que quer se lembrar de como era feliz recorre aos textos de Domingos.

Esse artista que arrisca tudo de cada vez que entra em cena é o autor de O Dia em Que os Adultos Desapareceram, peça em cartaz no Teatro Cândido Mendes. Seu texto, o primeiro dedicado ao público infantil, é também uma história de memórias, mas dessa vez de uma infância imaginada, e nem por isso de sentimentos menos expostos.

A história, bem dividida em dois tempos, parte de uma ideia revolucionária: sumir com todos os adultos da Terra. Não para que não se faça mais a guerra, ou para que com eles sumam também os desmandos políticos e outras coisas do gênero mais panfletário, mais simplesmente para que as crianças vivam suas vidas em paz e possam fazer o que bem lhes vier a cabeça. A estratégia de começar um texto com o que convencionalmente seria o seu final traz ao autor a possibilidade de reverter o quadro, sem maniqueísmos, mas mostrando que para algumas coisas práticas, e para outras de grande importância afetiva, servem esses adultos.

Seguindo a ideia do autor de que o texto deveria ser interpretado somente por crianças – “o contrário seria uma traição” – a diretora Anja Bittencourt foi muito feliz na construção do seu espetáculo. Mesmo com grande parte do elenco ainda tateando em suas interpretações, que às vezes soam recitativas, Anja consegue bons momentos no palco e, mais importante que isso, o complexo envolvimento da plateia com a trama.

A identificação se reverte em sinceras gargalhadas e em comentários mais participativos. Infelizmente, nesses momentos, alguns adultos que deveriam mesmo desaparecer da plateia exercem seu poder de censura exigindo, o que também “é uma traição” para com esse teatro que enfim alcança seu público.

Perfeitamente integradas ao espetáculo as coreografias de Tânia Nardini e Mabel Trude, que saem do convencional quatro por quatro sempre tão utilizado no palco do Cândido Mendes, e desenham novos quadros na cena. Também muito interessante a trilha musical composta por Charles Kahn e Guilherme Hemolim, jogando bem com a ação do espetáculo. O cenário de Patrícia Borsoi segue uma linha simples para situar o ambiente: uma cidade natal só de casinhas. Já seus figurinos se confundem em épocas. Se a ideia era essa, passou raspando. Fechando o quadro, a iluminação de Renato Machado, sempre muito feliz.

Com todos esses atrativos, O Dia em Que os Adultos Desapareceram é um espetáculo que vai pegar ao longo da temporada, quando o jovem elenco começar a brincar com o texto no enorme prazer de contracenar. Assim, o que já está bom vai ficar melhor. A previsão não é leviana, é esse o caminho do teatro em movimento.

Cotação: 2 estrelas (Bom)