Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 10.07.1993
Gestos e movimentos nos malabarismos do silêncio
Para os faladores compulsivos, ficar 50 minutos sem pronunciar uma única palavra deve ser uma coisa tão incompreensível quanto colecionar cabeças. Acontecendo na minúscula sala 115 do Museu da República. O Canto do Lobo é um espetáculo da Cia. de Teatro Mímico que substitui palavras por gestos, sons e músicas, mas se faz entender por qualquer espectador.
Num palco improvisado, Beth Zalcman, também diretora da peça, e Toninho Lobo, contracenam com dobraduras, adereços coloridos e caixas de barulho, dividindo a encenação em quadros plasticamente belíssimos e de muito bom humor. Lobo interpreta um malabarista, auxiliado por uma partner que o obriga a equilibrar pratos até na ponta da língua. Para o jardineiro, Beth criou uma personagem displicente na atividade de arrancar pétalas para ver se bem me quer ou mal me quer, o que se torna um desespero para o cuidadoso jardineiro. O número do esforço hercúleo para mover uma simples bola de gás, interpretado por Toninho, impressiona a plateia. Usando também a arte dos prestidigitadores, num passe de mágica o balão se transforma num buquê de flores
Mesmo para os temas mais sérios, como o dos meninos de rua , a dupla utiliza o jogo da imaginação, retirando de um saco vazio brinquedos invisíveis, mas nem por isso menos atraentes. O esperadíssimo quadro vídeo game, é feito com a participação da plateia, que ao acionar o botão faz o jogador de basquete, em movimentos lentos e fragmentados, encestar a pelota. Com marcas improvisadas, a cena prevê movimentos certos e errados, provocando uma inevitável torcida.
No quadro final, Beth Zalcman, exercendo seu bem elaborado clown, interpreta a trapezista com medo de altura, com direito a repetidas fugas para o platô de segurança. De onde agradece exaustivamente o fato de estar viva.
Com trilha sonora de Nico Nicolaiewsky funcionando como um terceiro ator do espetáculo,
O Canto do Lobo se revela uma surpresa teatral muito bem embalada, destinada a um público que, mesmo fã do circuito comercial, sabe apreciar o novo quando feito com qualidade.
Cotação: 2 estrelas (Bom)