Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto São Paulo – 07.04.2017
Os erros e acertos de dois novos autores de teatro para crianças João Carlos Filho (O Cabelo da Princesa) e Vinícius Franzolini (As Aventuras de Poiróte) renovam o circuito paulistano de dramaturgia infantil
Escrever peças para crianças não é tarefa fácil. Muitos consideram o público infantil bem mais exigente do que o público adulto. Por isso, é sempre louvável notar a chegada de novos autores, jovens dramaturgos escrevendo peças infantis. Temos dois casos de peças em cartaz em São Paulo de jovens estreantes na dramaturgia: João Carlos Filho, com O Cabelo da Princesa, e Vinícius Franzolini, com As Aventures de Poiróte. Antes de qualquer avaliação às suas peças, vale cumprimentá-los pela entrada honrosa que ambos fazem ao universo dessa arte maior feita para menores. O teatro precisa de vocês, caros autores recém-chegados.
O Cabelo da Princesa, de João Carlos Filho, fala de uma princesa negra, portanto com cabelos crespos típicos de sua raça, mas que os esconde com perucas das mais variadas cores, porque acha que “princesa que é princesa tem cabelo liso”. É uma linda história sobre “aprender a se aceitar para que os outros também o aceitem”. Toca nesse tema tão importante para as crianças que é ‘aprender a gostar de si próprio’. E o melhor é que o novo autor soube evitar uma das armadilhas mais comuns do teatro infantil: as mensagens, as lições de moral. Há uma forte mensagem na peça de João Carlos Filho, mas que é transmitida pelas ações, não por pregações. Em nenhum momento ele deixa que o espetáculo fique chato e, para tanto, contou com toda a delicadeza de uma diretora muito bem escolhida: Gilda Vandenbrande.
Gilda dirige como quem sabe que tem em mãos uma boa história e precisa contá-la bem, sem que invencionices mirabolantes atrapalhem o fluxo de uma boa fábula. Ela realmente não abre mão da delicadeza em nenhum minuto, sem perder o ritmo e sem deixar que nada interfira no processo lindo de encantamento que se estabelece em cena até que a princesa aprenda a se amar. Contribui para isso uma trilha bem cuidada e bem pensada, com belas canções e letras atraentes de se ouvir. Gilda e João Carlos, diretora e autor, assinam juntos essa eficiente trilha, que joga totalmente a favor do espetáculo.
Há referências muito espertas a várias princesas de cabelos longos e lisos, como Cinderela, Bela Adormecida e, claro, as tranças enormes de Rapunzel… Até Dom Quixote entra na trama. As crianças precisam dessas referências clássicas, para entenderem melhor o drama pessoal da nova princesa que o teatro agora lhes proporciona. Ponto para a dramaturgia! No elenco, outro acerto, há um ótimo casal de atores defendendo com garra e carisma os papeis da princesa (Lara Mitchel) e do boneco que ganha vida para virar seu mais fiel confidente (Rodrigo de Castro, um ator bastante expressivo, engraçado, com boa potência vocal).
No caso de As Aventuras de Poiróte, o jovem Vinícius Franzolini arriscou dirigir o próprio texto (além de estar no elenco). Talvez sua dramaturgia ganhasse maior realce se houvesse um diretor convidado, ou seja, um outro olhar para aparar arestas e valorizar algumas cenas em detrimento de outras – escolhas que um autor/diretor muitas vezes tem dificuldades em fazer, por ter de cortar trechos que ele mesmo escreveu. Não que seja proibido escrever e dirigir ao mesmo tempo, não me entendam mal. Há vários casos de dramaturgos que dirigem muito bem suas peças. Mas Vinícius, apesar de estar no caminho certo e de demonstrar confiança no que escreve e em como escreve, ainda vacila e tateia e patina em alguns trechos do espetáculo, fazendo com que o ritmo se perca e, o que é mais complicado, que o enredo tenha momentos confusos, mal desenvolvidos. É uma questão de treino, não só de talento. O importante é que o novo dramaturgo domina as técnicas e escreve com consistência.
Ele também foi esperto ao beber nas fontes clássicas em sua estreia dramatúrgica e, aqui, nada mais faz do que recontar de um jeito todo seu a história dos três porquinhos perseguidos pelo lobo mau. A criatividade é louvável, pois não é logo de cara que se reconhece essa fábula na peça. O melhor da dramaturgia de Vinícius Franzolni é justamente quando ele brinca com as convenções clássicas, incluindo, por exemplo, a Chapeuzinho Vermelho na trama. Fica divertido e as crianças adoram. Outro momento muito imaginativo é a referência às casinhas de madeira, palha e tijolos dos porquinhos. Aqui, elas aparecem de outra forma – e não vou contar para não estragar a surpresa. Ponto para o dramaturgo!
A trama fala da chegada, em um reino contemporâneo qualquer, do filhote já crescido do antigo lobo mau da história clássica. A trilha, nesse caso, não ajuda. Bem, essa foi mais uma função do próprio Vinícius, cuidar também da música do espetáculo, que não é boa, não empolga, não tem viço, emperra a fábula em vez de movimentá-la. De toda forma, As Aventuras de Poiróte merece todo nosso respeito, por trazer à tona um novo autor, que ainda não está totalmente pronto, mas demonstra muita vontade de acertar. Vejam o que ele me escreveu em nossa troca de e-mails sobre o espetáculo: “É bom saber que não acertamos em tudo, para assim ficarmos mais atentos na próxima, entendendo que temos que trabalhar mais para uma hora tudo se encaixar, e quem sabe ficar redondo. Tudo isso me inspira de verdade.” Evoé, novos autores!
Serviços
O Cabelo da Princesa
Teatro Viradalata
Rua Apinajés, 1387, Sumaré, São Paulo
Telefone: 11 3868-2535
Sábados e domingos, às 16h
Ingressos: R$ 40,00 (inteira) e R$ 20,00 (meia)
Temporada: De 4 de março a 16 de abril de 2017
As Aventuras de Poiróte
Funarte – Sala Guiomar Novaes
Alameda Nothmann, 1.058, Barra Funda, São Paulo
Telefone: 11 3662-5177
Sábados e domingos, às 16h
Ingressos: R$ 30,00 (inteira) e R$ 15,00 (meia)
Temporada: De 25 de março a 30 de abril de 2017