Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone, Rio de Janeiro – 16.11.1991

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Auto Natalino celebra o Tablado

O quarentão simpático está aniversariando e o clima é de festa no Tablado. Dentre tantos eventos, sua diretora, Maria Clara Machado, programou a remontagem de seu primeiro texto, O Boi e o Burro no Caminho de Belém, que veio ao mundo no ano da graça de 1953.

Mais que uma casa de espetáculos. O Tablado é sobretudo um estilo. Lá tudo cheira a teatro, e cada um realiza sua função da melhor maneira possível, seja no palco, atuando, ou simplesmente movimentando magicamente a estrela guia, que desce por cordões invisíveis até pairar soberana sobre o estábulo, onde o boi e o burro vão contar a sua história.

De narrativa simples, o espetáculo vai cativando aos poucos a platéia até envolvê-la completamente com suas cenas propositalmente entremeadas de lirismo e humor, numa mistura bem dosada.

Se o enredo – a noite do nascimento do Menino Jesus – já é conhecido, Maria Clara reconta seu auto de Natal sob a ótica dos animais, com o sabor das descobertas, como se o espetáculo não se mostrasse por inteiro de uma só vez.Não é a toa que em sua primeira montagem ele tenha sido classificado pela autora como “farsa-mistério”. E á assim que ele se revela.

Bernardo Jablonski (que alterna o personagem com o ator Cico Caseira) e André Mattos compõem seus personagens (respectivamente o boi e o burro) com uma inocência própria da infância, sem serem didáticos ou mesmo infantilóide em sua narração. Os três reis Magos – Branco, Negro e Amarelo – supostamente falam uma língua que ninguém entende, mas na verdade se fazem compreender, usando elementos muito conhecidos das crianças em sua linguagem, principalmente O Rei Amarelo, que usa e abusa de citações a heróis infantis tão conhecidos do público.

As cenas do coro são um presente para a platéia. As pastoras cantam e dançam harmonicamente, preenchendo a cena. E o encanto geral fica por conta de minúsculos anjinhos, que ao som de pequenos sinos invadem o palco com seus espanadores e enfeitam a casa do Menino Jesus.

Maria Clara Machado, em suas muitas entrevistas, se declara uma diretora mandona. Ela faz uma brincadeira como o Método Stanislavski usado no Actors Studio, onde se exige tanto que os atores “sintam” que eles acabam histéricos, preferindo tirar um equilíbrio de tudo isso com o que chama de método Clarislavski, onde técnica e emoção se misturam.

Por certo é esta mesma emoção, que enche o seu teatro, onde alunos e ex-alunos festejam sua diretora seja no palco, onde Cláudia Abreu faz uma pequena participação como Maria, seja na platéia, onde cada cena é comentada com entusiasmo. Em 1971, na comemoração dos 20 anos do Tablado, Clara finalizava o programa de Tribobó City, dizendo: “Descobrimos que mais importante que o fracasso ou o sucesso é o que deles tiramos para o nosso enriquecimento individual. Vamos ver se resistimos mais 20 anos.” E chegaram lá.

Cotação: 2 estrelas ( bom )