Os palhaços aprontam todas em um hospital abandonado. Foto: ThinkStock

O espetáculo é uma delícia de entretenimento para todas as idades. Foto: João Caldas

Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 22.09.2017

Doutores da Alegria voltam ao palco com elenco impecável

Numvaiduê, dirigido por Gustavo Kurlat, faz humor com seringas, luvas e aventais de hospital

Você sabe qual a especialidade dos médicos que trabalham no grupo Doutores da Alegria? Eles são ‘besteirologistas’.  A associação de clowns-doutores, que ‘invade’ quartos e corredores de hospitais públicos, levando toda a força da arte da palhaçaria para entreter crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidade e risco, está completando 25 anos de atuação. Para marcar a data, o grupo estreou em São Paulo, no disputado palco do Teatro Eva Herz, o espetáculo Numvaiduê – frase que os adultos dizem às crianças na hora difícil de tomar injeção.

Foi no ano de 2008 que eu os vi pela última vez em cartaz comercialmente, ou seja, com uma peça fora dos hospitais. Foi com a adaptação de O Doente Imaginário, clássico de Molière, que eles batizaram divertidamente de Senhor Dodói. Dirigida por Ângelo Brandini, a peça recebeu da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes) o prêmio de melhor direção musical de teatro infantil (Fernando Escrich) e o Prêmio Coca-Cola Femsa na categoria de melhor roteiro adaptado (Ângelo Brandini).

Desta vez, em Numvaiduê, o diretor convidado é Gustavo Kurlat, que desde 2006 dirige os shows da dupla Palavra Cantada. Músico, compositor, educador, locutor, autor, diretor artístico e diretor musical, Kurlat é professor da Escola Livre de Teatro de Santo André, coordenador e assessor de música da Escola Viva de São Paulo e coordenador do Centro de Música d’A Hebraica de São Paulo. A ideia do espetáculo surgiu durante suas aulas para os Doutores da Alegria. Situações foram surgindo em sala até que Kurlat interrompeu a aula e proclamou: “Isso dá um espetáculo!” E deu mesmo.

E que ‘senhor’ espetáculo! Uma delícia de entretenimento para todas as idades – para dizer o mínimo. O que um grupo de palhaços aprontaria se invadisse um hospital abandonado? O que eles construiriam com suas fantasias, sonhos, lembranças? Esse é o mote da peça, toda desenvolvida em esquetes, sobretudo musicais, em que os intérpretes têm também seus momentos solos no palco. O roteiro dramatúrgico (Gustavo Kurlat e Nereu Afonso) é ágil, coerente, muito bem construído e funcional no encadeamento de ideias, brincadeiras e emoções.

Seringas, luvas, a temida ‘borrachinha’ que aperta o braço na hora de colher sangue, camas, cadeiras da sala de espera, aventais brancos e tantos outros adereços, próprios de um ambiente hospitalar, ganham novos significados nas mãos dos 11 clowns (um time!), resultando em belo exemplar de espetáculo apoiado na ressignificação de objetos – uma das vertentes mais exploradas no teatro para crianças, pela eficiência do jogo simbólico atuando a serviço da exploração da fantasia e da imaginação. Vale dizer que adultos igualmente se encantam.

O elenco é primoroso. Todos os 11 ‘doutores’ cantam com afinação, brilham em trapalhadas clássicas de circo, exploram a linguagem corporal com desenvoltura. Eles já têm carreiras individuais ou em duplas e trios, demonstrando segurança absoluta para lidar com as sensações do público, da alegria à tristeza. Passam da comicidade ao sentimentalismo com leveza e graça enternecedoras. Vamos aos nomes: Anderson Machado, Duico Vasconcelos, Henrique Rimoli, Juliana Gontijo, Layla Ruiz, Luciana Viacava, Marcelo Marcon, Nereu Afonso, Nilson Domingues, Paola Musatti e Vera Abbud. Aplausos a todos.

Os figurinos (Isabela Teles e Edson Braga) são atrações à parte. Cores, volumes, texturas, estampas fazem a festa, enchendo nossos olhos de prazer estético. Bem, e falar de trilha musical em peça de Gustavo Kurlat é chover no molhado. O cara é incrível. Repare na canção do bebê que nasce (sim, há um hilariante parto em cena!) e na canção final, que leva o título do espetáculo.

Duas criações impecáveis, contagiantes. Repare também na musicalidade explorada tanto nos próprios corpos dos clowns (à moda dos Barbatuques) quanto com o auxílio lúdico de inusitados instrumentos musicais. Num vai duê de jeito nenhum se você prestigiar o espetáculo. Muito ao contrário disso: Vaisará seu mau humor, sua depressão, seu estresse, sua irritação cotidiana. É teatro que cura.

Serviço

Teatro Eva Herz
Av. Paulista, 2.073 / Livraria Cultura / Cjto. Nacional / São Paulo
Telefone: (11) 3170-4059
Capacidade: 168 pessoas
Sábados e domingos, às 15h
Classificação etária: Livre
Duração: 50 minutos
Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia)
Temporada: De 2 de setembro a 29 de outubro de 2017