Morangos e Lunetas, um texto inteligente para crianças. Foto: Vidal Cavalcanti

Matéria Publicada no Jornal Casa e Companhia
Sem Identificação do Jornalista – Rio de Janeiro – 27.10.1985

 

Teatro também é lugar de Criança

Alguém já pensou em desenha sentimentos gigantes no muro da escola ou fazer um lago xadrez no meio da praça? Este é o convite que Tainá, uma estrela inconformada com a mesmice do cotidiano celeste, personagem principal de Morangos e Lunetas, faz logo de cara, aguçando a curiosidade de adultos e crianças presentes na plateia. A peça de Beto e Denise Crispun, que estreou em outubro, no teatro Maria Della Costa, confirmou, mais uma vez e com a casa cheia, a possibilidade de se fazer um teatro inteligente e bem-humorado.

O texto simples, que tem como eixo condutor o desejo de Tainá – interpretado pela atriz Patrícia Pillar – em conhecer novos mundos, enjoada de comer morangos em espreguiçar-se com as outras estrelas, joga com os desejos e fantasias das crianças, tendo como referencial sempre uma visão irônica e poética da realidade, há muita informação, na medida em que Tainá corre diversos lugres na terra conduzida inicialmente por um raio bastante ‘break’ e urbano, o texto consegue, através do corte e de uma linguagem identificada com o pensamento infantil, fascinar a todos, não importando a idade.

Teoricamente, poderia assustar-nos uma peça infantil que, durante um pouco mais de uma hora, apresenta quadros de um navio, o debate de um casal de velhos que não sabe muito bem para onde está indo (adoçado por uma declaração de amor); cenas num elevador, na praia ou finalmente cenas num cabaré que, de longe, não faz parte do repertório infantil. O mais interessante, no entanto, é que o alinhavo vai se fazendo com recursos visuais bem utilizados, através de painéis simples e icônicos que dão vida ao espaço através do uso que os próprios atores fazem destes: eles balançam durante as cenas do navio ou compõem um espaço urbano, como se fossem muros de uma cidade, pichados e entrelaçando-se com os mesmos.

A névoa e a sombra dão à busca de Tainá por um espaço criativo um clima de magia e beleza pouco utilizados no teatro infantil. Se, por um lado, as personagens são oníricas, como estrelas, raios e planetas, as referências a lugares reais e concretos as humaniza, fazendo das mesmas não meramente pretexto para ensinar “mensagens” adultas para as crianças mas, ao contrário, uma viagem que integra realidade e fantasia perfeitamente compartilhada por adultos e crianças.

Fantasia necessária

Através do uso inteligente do pensar da criança, utilizando-se de índices que dão ao enredo uma poesia singular, todos apaixonam-se de cara pelo capitão do navio que puxa, como um moleque, um barquinho de papel jornal, anunciando a chegada do navio. Ou do uso da música da Pantera Cor de Rosa que estabelece o suspende, numa cena muda, entre Tainá e o capitão do navio, como num jogo de esconde-esconde que as crianças estão acostumadas a brincar.

Em diversos momentos percebe-se crianças confusas com tanta informação, principalmente com as referências a uma realidade especificamente carioca (argentinos na prai ou a história do vendedor de mate), mas mesmo assim a peça e apaixonante. Porque demostra respeito pelas crianças, acreditando que enquanto indivíduo que integra a vida da cidade, elas podem compartilhar com seus pais de sua beleza, usando uma linguagem que lhes é própria, mas não exclusiva.

Isto quer dizer que não é necessário falar em ‘tati-bitati’ para falar com crianças e que, mais ainda, pode-se falar de um jeito que todo mundo goste. São lugares comuns, cenas do dia-a-dia que se apresentam, através do lado lúdico e da magia das luzes, permitindo que crianças e adultos compartilhem juntos até da história de amor e do beijo de Pedro e Tainá.

“Criar o gosto pela arte, de um modo geral, é o mesmo que incentivar a criança a gostar de ler ou escreve, Portanto, é fundamental”, explica a pedagoga Neuza Girardi, diretora do Colégio Friburgo. Segundo ela, as peças infantis ajudam a desenvolver a criatividade da criança porque, além de observar o que está se passando no palco, ela também participa ativamente, como co-autora: “Até os seis ou sete anos de idade, a criança não é mera espectadora. Ela ‘entra’ por inteira na fantasia da peça, envolve-se no jogo, dramático. Ir ao teatro significa ampliar seu universo de conhecimentos e, ao mesmo tempo, desenvolver seu senso crítico.