Matéria publicada no Jornal do Brasil
Por Ana Cecília Martins – Rio de Janeiro – 21.05.2000
Longe dos Contos de Fadas
Profissionais do teatro infantil debatem dificuldades e caminhos para o segmento Ele tem mais de 50 anos mas ainda tem fôlego de menino. Inaugurado profissionalmente em 1948, com a montagem de O Casaco Encantado, de Lúcia Benedetti, o teatro feito para crianças no Brasil tem vontade de crescer. Mas, Peter Pan às avessas, esse teatro precisaria encarnar, na verdade, o Hércules de Monteiro Lobato para conseguir enfrentar a falta de patrocínio, de divulgação, de prêmios e de prestígio. No último mês, a Coca-Cola, maior apoiadora do segmento, com um investimento anual de cerca de R$ 1,5 milhão, anunciou o fim do Prêmio Coca-Cola, criado há 11 anos e o mais importante entre os profissionais do Rio de Janeiro e São Paulo, onde o prêmio ainda existe por iniciativa de uma fábrica da marca. A empresa também cortou os patrocínios, que representavam cerca de 50% do valor gasto com o setor. Para maior desânimo, o teatro infantil não foi incluído pelo governo estadual nos projetos teatrais anunciados este ano: a Caravana Cultural e o Prêmio Governo do Estado do Rio de Janeiro. Tendo em vista este cenário, os profissionais da área participam do seminário Criando Público, a partir de terça-feira, no Centro Cultural da Light, em busca de propostas, projetos e possíveis saídas para o setor.
O presidente do Centro Brasileiro de Teatro para a Infância e Juventude, Antonio Carlos Bernardes, que media o debate do seminário de quarta-feira, lembra a extinção de outros prêmios que também contemplavam o teatro infantil, como o Sharp, extinto ano passado: o Mambembe, dado pelo governo federal e ausente desde 1998; e o Molière, criado pela Air France e que saiu de cena em 1995. “Hoje não temos nenhum prêmio para o teatro infantil. Além disso, o setor não é levado tão a sério como deveria ser, pois o termo infantil soa pejorativo e afasta patrocinadores”, acredita.
Mas, segundo Celso Schvartzer, gerente de relações institucionais da Coca-Cola, não foi esse o motivo que afastou a empresa dos palcos infantis, mas um processo natural. “Estávamos há mais de uma década investindo no setor. Fizemos um ótimo trabalho, tanto para o teatro infantil, que acredito que teve uma melhora com a nossa entrada, quanto para a nossa imagem. Mas dentro do planejamento da empresa decidimos que o nosso enfoque seria agora a educação, Saímos com a sensação de tarefa cumprida”, explica. Entre diretores e produtores não há acusações em relação à empresa. “Temos que agradecer por esse trabalho que a Coca desenvolveu. Uma empresa privada não deve ter responsabilidade de fomentar o setor. A cultura precisa de uma política que parta do governo”, afirma a produtora e atriz Karen Acioly, que há três anos comanda os espetáculos infantis do Centro Cultural Light.
A produção do espetáculo A Flauta Mágica, da Cia. Atores de Laura, sentiu um gosto duplamento doce este ano. A montagem foi uma das quatro peças patrocinadas pela empresa de refrigerantes no rio, em 1999, e arrematou quatro prêmios Coca-cola na última edição. “Um patrocínio como esses é maravilhoso”, diz o diretor Daniel Herz, contemplado com R$ 45 mil do patrocínio. “Na peça que fiz antes de A Flauta Mágica, consegui levantar a muito custo o orçamento de R$ 10 mil. Com os R$ 45 mil da Coca-Cola a qualidade cresceu e durante tres meses lotamos o Teatro Carlos Gomes, que tem 700 lugares”, conta. “O Prêmio também era importante porque movimentava o teatro e abria chance de outras empresas se interessarem por patrocínio. Seu fim é uma derrota para a classe”, diz.
Para Antonio Grassi, subsecretário estadual de Cultura, ainda não se pode falar em derrota. “O teatro como um todo passa por momentos difíceis. Estamos tentando contornar essa situação”, diz. Ele tenta justificar a ausência de júri especializado em teatro infantil no Prêmio Governador do Estado do Rio de Janeiro de Teatro. “Esse prêmio também não contempla a dança e as artes plásticas, por exemplo. Acredito que o teatro infantil precisa não é de prêmios mas de uma política específica”, admite o subsecretário, que estará presente na abertura do seminário do Centro Cultural da Light. Em relação à ausência de espetáculos infantis entre os 21 da Caravana Cultural ele explica: “Esse teatro precisa de cuidados especiais. Estou correndo para montar uma caravana só com espetáculos para crianças durante às férias.”
Há quem se incomode com a postura do Estado. “Com R$ 100 mil – valor que o prêmio pagará a cada categoria – dá para montar dez espetáculos”, alfineta a educadora e diretora Lúcia coelho, que se dedica ao gênero há mais de 40 anos. “Mas a falta de atenção não é o que vai fazer a gente parar. Estamos educando crianças, despertando-as Para a arte. Sobreviveríamos melhor com dinheiro, mas continuamos sem ele”, diz. Lúcia também estará no encontro da classe. Ao lado dela, od diretores Dudu Sandrionii, Daniel Herz, Susana Krueger, as produtoras Gabrielle Lesaffre e Karen Acioly, além de Grassi, a crítica Manya Millen, entre outros, estarão procurando um final feliz para essa história que anda longe de ser um conto de fadas.