Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone, Rio de Janeiro – 02.11.1991

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Nas Histórias nem tudo é verdade

Mesmo os mais atentos, aqueles que por nada deste mundo querem perder o bonde da modernidade, de vez em quando dão uma escorregada e disparam em seu interlocutor um ou outro ditado popular. Sempre de cunho moralizante, creditados, é claro, a um parente mais velho: já dizia a minha avó: “Aqui se faz, aqui se paga”. La Fontaine em Fábulas, em cartaz no Teatro Cândi Mendes, recupera essas deliciosas máximas ilustrando, com peças curtas do poeta francês, o texto bem costurado de Dulce Bressane.

Quatro atores, munidos de um baú mágico cheio de histórias, chegam ao Brasil para apresentar Jean de La Fontaine ao nosso público. Para que tal aconteça, escolhem seis fábulas do autor: O Corvo e a Raposa, onde o beneficiado é sempre o bajulador; A Vergonha e a Raposa, do provérbio revanchista Quem com ferro fere, com ferro será ferido; A Cigarra e a Formiga,que mostra as conseqüências trágicas da imprevidência; O Ratinho e sua Mãe, na linha constatação de que “as aparências enganam”; A Águia e a Coruja, do fatal “quem ama o feio, bonito lhe parece”; e, finalmente O Rato do Campo e o Rato da Cidade, do contraditório provérbio “mas vale o pouco com certeza que o muito duvidoso”.

La Fontaine buscou sua inspiração nos gregos, principalmente em Esopo, para brincar com a realeza e a alta burguesia de sua época, não corrigindo as “falhas” de conhecimento científico como, por exemplo, o da cigarra que já não vive quando o inverno chega e a formiga que hiberna nesta época do ano, tornando assim o diálogo impossível. Dulce Bressane segue a mesma linha quando a cegonha do seu texto se delicia com “uma carne picadinha, bem temperadinha”, ou mesmo conservando, o corvo e a raposa, animais essencialmente carnívoros, tendo como objeto de seus desejos uma fatia de queijo. Mas tudo é fabula e o enredo não é comprometido.

No entanto, o grande trunfo do espetáculo é a direção de Maria Cristina Gatti. De uma generosidade sem tamanho, Gatti dá a seus atores todas as oportunidades de desenvolver suas potencialidades em cenas plasticamente perfeitas, com movimentos belíssimos que permeiam todo o espetáculo. Tudo está tão bem resolvido que os atores, despercebidamente, vão incluindo contribuições – na maioria das vezes desnecessárias – como, por exemplo, informar ao público que “essa feijoada foi feita pela produção há quatro dias”.

Esses mesmos atores brincalhões voltam a cena com um trabalho de atuação emocionalmente. Sonali D’Avila faz uma cegonha que desliza coquete seu charme, um contraponto a desengonçada formiga, também interpretada por ela . O ratinho de Fátima Bernardes, totalmente em harmonia com seu tipo mignon, provoca murmúrios na platéia. Milton Quadro e Armando Sagüi colocam todo o seu humor em tipos característicos opostos em O Rato da Cidade e o Rato do Campo.

O espetáculo conta, ainda, com figurinos muito criativos de João Gomes Rego e a sempre bem sucedida direção musical de Cláudio Savieto, La Fontaine em Fábulas mistura elementos de comédia com narrativas dramaticamente expostas, servindo de veículo propositalmente moralizante sem se abater de uma visão crítica que mostra, com sutileza, que nem tudo é verdade.

Cotação: 2 estrelas ( bom )