Jesus da Neve e do Sol usa a difícil técnica de manipulação com vara para encenar um texto
de Dostoievski e outro de Maria Clara Machado


Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 01.03.1997

 

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Puro cinema em espetáculos de bonecos 

Os bonequeiros, ou titeriteiros, ou mesmo bonecanderos, como eles gostam de ser chamados, são profissionais orgulhosos de um ofício, segundo eles, sem escolas no país. Ao mesmo tempo é bom lembrar que os bonequeiros e manipuladores, muito raramente – salvo honrosas exceções – entram em temporada nos teatros. Assim fica o público sem muita referência sobre este tipo de espetáculo, e os bonequeiros aperfeiçoando a sua arte para apresentá-las em festivais ou em temporadas internacionais.

Num ímpeto corajoso, Fernando Bechy, um diretor já consagrado em sua área de teatro para atores e naturalmente para o público, resolve investir num teatro de difícil operação. A técnica escolhida é a do boneco de vara, que tem que ser manipulada da parte inferior para o palco vazado, sem muito espaço para improvisos. O resultado é bastante interessante.

Jesus da Neve e do Sol, ocupando o Espaço II do Teatro Villa-Lobos, agora todo reformado para o teatro de animação, é um espetáculo com duas histórias distintas: A Árvore de Cristo e Os ViajantesA Árvore de Cristo, O Jesus da Neve, é um conto de Dostoievski, apenas narrado – a voz é do ator Rodolfo Bottino, aqui dosando seu natural humor com a poesia do texto – onde o autor, como personagem, escreve sua história enquanto a ação se desenvolve no palco. Usando imagens bastante cinematográficas, Fernando Bechy e sua companhia, O Pequeno Teatro de Animação Paralux, fazem o público lembrar de filmes nos quais diretores como Fellini e Bertolucci expunham ao público os truques do teatro artesanal. Com painéis que correm das laterais do palco, logo no início é mostrada a fachada da casa de Dostoievski. Depois, numa perspectiva mais próxima, o quarto do escritor, e finalmente, na boca de cena, o senhor Fedor e uma governanta numa cena bem doméstica. Saindo de cena o autor, os bonecos/atores do conto têm uma outra dimensão já adequada ao novo cenário que vão ocupar. Além das peças de encaixe, no fundo do palco corre um telão toda vez que os bonecos caminham e mudam de ambiente. O efeito misturado à iluminação de Robson de Cássia é puro cinema.

O segundo texto encenado, Os Viajantes, é uma história de Maria Clara Machado sobre o nascimento de Jesus, o do sol, na atualidade. A história começa em Copacabana, mas Maria acaba mesmo tendo seu filho na Lapa, num estúdio de três músicos que trabalham na noite. Usando como cenários as ruas do Rio e como personagens os tipos da vida noturna carioca, esta segunda parte do espetáculo cheia de diálogos – um recurso que requer precisão de operação, já que as vozes são gravadas -, não tem ainda o mesmo ritmo afinado da primeira, mas mesmo assim consegue se destacar em cenas menores de muito humor.

A Companhia Paralux por certo já resolveu as pequenas falhas técnicas da estreia, e está no palco com um espetáculo de verdade, mas que parece de brinquedo, o que, é claro, dá vontade de levar para casa.

Cotação: 2 estrelas (Bom)