Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo 01.11.2013

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Peri, Ceci e alguns tabus abatidos a tiro

Tô Índio no Circo investe com coragem em temas e questões delicados do teatro para crianças

Como todo espetáculo da bem sucedida carreira da Cia. Furunfunfum, este Tô Índio no Circo (em parceria com a Circo & Cia) é movimentado, alegre, animado. Mas há uma diferença: certa ousadia temática e de linguagem que as outras peças da série Circo do Seu Lé ainda não tinham. Ao adaptar o romance e a ópera ‘O Guarani’, respectivamente de José de Alencar e Carlos Gomes, o grupo radicalizou em tudo, sem medo de ser politicamente incorreto.

É pra atirar? Revólver em cena, com direito a tiro em alto e bom som. É para retratar a cultura indígena não monogâmica? Pois o índio Peri fica com as duas amadas ao mesmo tempo (Ceci e Potira), com direito a ‘selinho’ na boca, a três, na cena final. É para fugir da linguagem tatibitate e tratar criança com inteligência? Pois os diálogos são recheados de palavras ‘cabeludas’, que ainda não fazem parte do universo infantil, como eugenia, peristáltico, erótico… É para provocar e seduzir o índio Peri? Pois as duas candidatas ao coração do bagre – depilado no peito e seminu – não se acanham em subir nos trapézios com as pernocas de fora, conquistando assim não só o protagonista, mas todos os papais da plateia.

Nunca vi tanto marmanjo interessado em peça infantil quanto na safadinha cena dos trapézios de Tô Índio no Circo. O vilão vai ameaçar as mocinhas? Pois que seja sem dó nem piedade, com direito a trilha sonora assustadora no máximo volume e corpos serrados com realismo e crueza, fazendo os pequeninos da plateia abrirem um berreiro, em um inacreditável festival de choradeira nos minutos finais do espetáculo.

Quem tem coragem de condenar isso tudo? Já estava na hora de se quebrarem certos tabus no teatro feito para crianças. Com talento, bom gosto e responsabilidade, claro. E isso não falta à turma da Furunfunfum, capitaneada pelo barrigudo Seu Lé, na pele do carismático ator Marcelo Zurawski. Já vi muitas peças em que os vilões são cruéis para além da medida e as crianças do público se põem a chorar e a pedir para sair. Os pais normalmente se irritam e saem protestando contra o espetáculo, como se essas cenas de medo fossem arrancar pedaços de seus rebentos ou como se fazer chorar no teatro fosse um pecado mortal. Aqui, a despeito de toda a gritaria final, os pais se levantam e, junto com os filhos, aplaudem a peça de pé, com entusiasmo e vibração. Ou seja, se há qualidade e respeito, como não gostar e aprovar? Vá conferir e veja se não concorda.

Com texto bem escrito, competente música ao vivo (direção musical de Roberto Gastaldi) e elenco afinado, Tô Índio no Circo ainda encanta pelos excelentes figurinos de Amarilis Arruda e Flávia Arruda Xavier (a caracterização da onça, com cabeça de vime, é sensacional), ótimas canções (como a que o índio Peri brinca com seu próprio nome, inserido em palavras como periguete e periferia), momentos de humor hilário (como quando Peri vai mostrar a dança de sua tribo e acaba caindo nos passos do axé) e, sem sombra de dúvida, por um vilão (de nome Loredano) muito bem interpretado, alternando graça, cinismo e afetação (André Martins, um coadjuvante nota mil).

Serviço

Teatro Alfa. Sala B
Rua Bento Branco de Andrade Filho, 722 – Santo Amaro – São Paulo – SP
Tel.: (11) 5693-4000
Sábado e domingo, 16h
Ingresso: R$ 30,00 e R$ 15,00
Até 24 de novembro