Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Flora Sussekind – Rio de Janeiro – 02.12.1983
Perdidos no Espaço
Para o público adulto que assiste A Incrível Viagem, no Teatro Villa-Lobos, uma lembrança vem de imediato à cabeça, quando termina a peça: a comédia Amor Por Anexins, de Artur Azevedo. Não que tratem de assunto semelhante. Nem a qualidade do fraco texto de Doc Comparato permitiria tal comparação, mesmo com uma das peças de início de carreira de Artur Azevedo. O que as aproxima, então? O amor pelo proverbial, pela frase feita, pelo lugar-comum. No caso de Artur Azevedo, com intenções humorísticas. No de Doc Comparato, infelizmente, anexins e frases feitas são levados a sério.
E, se isto se torna cômico, é apenas para o público, depois de ouvir coisas como “Amar é sentir, por isso a pele não vê, só sente”, “no reino das cores cada um faz seu próprio caminho”, “A brisa é a carícia do vento”, “Seja o que você é”, “O importante não é ter, é ser”. Uma listagem exaustiva de lugares-comuns possivelmente incluiria todo o texto da peça. Tão fraco que a impressão que se tem é de Erich Segall, o indefectível autor de Love Story, ter sido o principal mestre de Doc Comparato nos seus tão decantados cursos de playwriting. Talvez ele desse cursos como professor visitante, na época, e tenha ensinado ao autor de A Incrível Viagem a arte de escrever apenas lugares-comuns e, desse modo, produzir alguma via de acesso ao que as pessoas têm em si de mais conservador. Anexins de vários tipos podem garantir uma certa eficácia num veículo de massa como a televisão, mas no teatro ficam expostos, não contam com a aura do vídeo para recobrir seu completo desinteresse.
E assim, mais uma vez, atores e autores, sem outra arte que a do vídeo, ficam subitamente nus, como o rei do conhecido conto infantil. E, se muitas vezes a criança se deixa seduzir por esta repetição, no teatro, de uma estética televisiva, desta vez parece que não. Com um Villa-Lobos bem vazio, uma plateia bem fria assiste a esta história de uma brisa que desejava ter cor própria e acaba feliz por ser como é. Tão desinteressadas ficam as crianças que mal esperam o aparecimento de todo o elenco fingindo que canta uma música em playback para os agradecimentos. Quando D. Nuvem sai de cena, todos começam a se levantar. E é inútil perguntar o que acharam. De todo esse aglomerado de provérbios imperativos do tipo “Seja o que você é” sobra apenas a sensação de se ter tido um encontro com um Conselheiro Acácio vestido com trajes um pouco modernos e tentando disfarçar o peso da idade. E com um grupo de atores jogados em cena vestidos de alface, soluço ou sangue, mas sem história alguma para narrar. Apenas para se remexerem em cena, em quadros pouco imaginativos, e ouvirem um playback bem gravado, mas ineficiente e capaz de diluir, inclusive, um Caíque Botkay.
De interessante só a interpretação de Cláudia Gimenez, capaz de dar a volta por cima até de um texto tão fraco. E responsável pelo melhor momento do espetáculo, quando a Brisa, interpretada de modo piegas por Elida L’Astorina, se declara satisfeita com sua própria condição em meio a diversas observações proverbiais. Seria de se esperar, nesse clima, um comportamento meio maternal por parte da nuvem, mas Cláudia Jimenez enche suas falas de inflexões irônicas e quando diz “Não fale assim. Vai até me fazer chorar”, o público ri não apenas dela, mas principalmente da pieguice bem produzida do espetáculo dirigido por Júlio Braga. E de um Conselheiro Acácio cujos vídeo-trajes caem de repente por terra.