A peça tem trilha sonora caprichada

Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 09.06.2017

Os atores se revezam como narradores comentaristas. Fotos: Ninguém dos Campos

Ideal para o público infanto-juvenil

Paideia expõe a força dos narradores nas peças para crianças

Em Histórias Que o Vento Traz, o grupo acerta ao decidir montar espetáculo em que os narradores conversam entre si e comentam a história à moda épica brechtiana

Com certeza outras temporadas virão desta nova peça da Cia. Paideia, mas por enquanto sabemos que Histórias Que o Vento Traz fará sua última apresentação dessa primeira etapa na tarde deste sábado, dia 10, em sua sede em Santo Amaro, São Paulo. Se puder, não perca. Sobretudo se você gosta de fábulas, de histórias em contadas, de ritmo narrativo poético – e de aprender sobre os diferentes tipos de encenação teatral.

A Paideia é uma das instituições mais importantes da cidade quando se trata de teatro infanto-juvenil. Não por acaso acaba de ganhar o Prêmio Governador do Estado de São Paulo para a Cultura, categoria Artes para Crianças, na votação popular. Foram destinados ao grupo 71% dos votos por internet. A comunidade por ela atendida, o bairro de Santo Amaro, soube ser grata a tudo o que esse grupo tem feito nos últimos anos em prol da cultura local.

Ali, as interações/integrações entre teatro e comunidade e entre teatro e instituições de ensino são exemplares – e o reconhecimento veio da própria população, garantindo ao grupo o merecido e prestigioso prêmio. Fundada em 1998 por Amauri Falseti e Aglaia Pusch, a Paideia Associação Cultural, com sua acolhedora sede da rua Darwin, em pouco tempo virou um importante polo cultural da região de Santo Amaro. Jovens e crianças fazem oficinas semanalmente no local, além de professores, educadores e artistas – só para dar um exemplo de sua atuação. É um oásis cultural nesta cidade tão carente desse tipo de iniciativa, ou seja, em que o teatro vira missão, não atração comercial.

Desta vez, com uma peça de título incrivelmente poético, seu autor e diretor Amauri Falseti se dedicou ao aprofundamento da figura do narrador. Você não vai acreditar na graça, nos chistes, nos comentários, nas pausas que os atores fazem, revezando-se como narradores-comentaristas. Carolina Chmielewski, Marcos Iki, Rogério Modesto e Suzana Azevedo dominam técnica e arte, ora dirigindo-se diretamente à plateia ora vestindo a pele dos personagens. Demonstram muita desenvoltura, projeção de voz, entendimento da proposta cênica e, sobretudo, carisma.

Além de entreter muito bem o público de todas as idades, o espetáculo, a meu ver, é obrigatório também para estudantes e pesquisadores de teatro, pois põe em prática questões muito importantes de linguagem, de gênero, de formas de se fazer teatro, como o brechtiano épico. Não deveria sair de cartaz nunca mais e ficar no repertório como programa obrigatório para estudantes.

Essa atual escolha da Paideia, que incluiu muita pesquisa de todo o elenco, não deixa espaço para que o público sinta a história como algo real, por isso força, no bom sentido, os atores a saírem de suas personagens para dirigir comentários à plateia, deixando bem claro que se trata de teatro, de ficção. Para se ter uma ideia, em determinado momento um dos personagens diz para o narrador da vez: “- Fica fora dessa, narrador!” E veja essa outra sequência em que os narradores conversam entre si:

“Narrador 1 – Nossa história? Acabou? Não pode ser…
Narrador 2 – Não pode ser… Um narrador sem história… não existe narrador sem história.
Narrador 1 – Será que vamos sumir também? Desaparecer…
Narrador 2 – Com certeza vamos desaparecer… Sem história, resta o silêncio…
Narrador 1 – O silêncio, sim o silêncio, mas no silêncio a história continua na mente de cada ouvinte.
Narrador 2 – Claro, continua… Que lindo, que mágico, mas sem o narrador…
Narrador 1 – Adeus…
Narrador 2 – Adeus…”

Como sempre, os espetáculos da Paideia também capricham muito nas trilhas sonoras. Não deixe de reparar nas canções que pontuam as histórias, com letras poéticas, contundentes, metafóricas. Mérito em grande parte do diretor musical Marcos Iki. Fique atento também ao colorido dos detalhes nos figurinos caprichadíssimos assinados por Aglaia Pusch. E veja a seguir quais são as fábulas narradas no espetáculo:

1) um homem que quer encontrar Deus para entender por que sua vida é tão pior que a dos outros humanos 2) um pobre que encontra um rei, mas não sabe aproveitar a generosidade do monarca por ser ele próprio um homem pouco generoso 3) um elefante que perde um olho dentro do rio e faz a maior bagunça na água enquanto procura o olho perdido 4) um pai que quer deixar a casa como herança para os filhos, mas não sabe qual dos três merece mais e propõe um desafio a eles.

Parabéns, Paideia, pela peça, pela pesquisa, pela execução da pesquisa, pelo talento e por mais um merecido prêmio nessa trajetória tão relevante de amor ao teatro.

Serviço

Cia Paideia de Teatro
Rua Darwin, 153, Jardim Santo Amaro (próximo ao Mercado Municipal de Santo Amaro)
Telefone: 11 5522-1283
Sábado (10 de junho), às 17h – última apresentação desta primeira temporada
Duração: 60 minutos. Indicação etária: Livre.
Ingressos: R$ 30 (ingresso solidário), R$ 20 (inteira), R$ 10 (meia), gratuito para Professores da Rede Pública e alunos da EMEF C.A Rizzini