Apesar de caracterizados com trajes de época, os contadores do grupo Morandubetá vão narrar as peças de Shakespeare, não encená-las

Matéria publicada no Jornal do Brasil
Sem Identificação – Rio de Janeiro – 20.02.1998

Os Contadores de Shakespeare

Grupo Morandubetá se une aos músicos do Agrafus em montagem peculiar de quatro peças do dramaturgo inglês

Imagine colocar em um mesmo palco um grupo de contadores de histórias, cinco músicos, quatro peças de Shakespeare e instrumentos como flautas, violas da gamba e percussão. Pode parecer uma grande confusão, mas é a peça Histórias de Shakespeare, estrelada pelo grupo de contadores de histórias Morandubetá, pelos músicos do Agrafus e dirigida por André Paes Leme. A peça estreia no CCBB em pleno desfile das escolas de samba campeãs, no dia 28 de fevereiro, em dois horários, de quinta a domingo, às 19h, em uma versão para adultos, e sábado e domingo às 17h, para o público adolescente.

A ideia surgiu em 1996 durante o 1º Encontro BB teen de RPG, no Museu de História Nacional do Rio. O grupo Morandubetá foi convidado para contar histórias e se surpreendeu quando os jovens pediram textos de Shakespeare. “Cada um dos quatro componentes do grupo escolheu uma peça do autor e contou a sua”, relembra Benita Prieto. E a coincidência maior foi encontrar, no mesmo evento, um grupo de músicos, o Agrafus, que já tinha uma pesquisa com o repertório da época.

Como não podia ser uma obra apenas do acaso, os grupos sentaram e começaram a pensar em um espetáculo. Entre a ideia e a realização, os contadores de história ainda foram até as Ilhas Canárias, na Espanha, para o Festival de Contos, em dezembro último. Lá deram oficinas e contaram histórias. O sucesso fez com que o grupo fosse convidado para fechar o encontro. Coisa para poucos.

Voltando à terra pátria e à peça, convidaram André Paes Leme, prêmio Mambembe de 1995 com a peça Forrobodó, para dirigir um grupo mais acostumado a contar histórias em espaços públicos sem direção. Porém os desafios são muito maiores. O relato exige enorme esforço dos artistas.

“Não há vínculo entre o contador e o personagem, o que nós estamos fazendo é um espetáculo narrado a quatro vozes, que vai ser todo montado na cabeça do espectador, embora usemos roupas e um cenário limpo” explica Eliana Yunes, componente do Morandubetá.” Nada vai mudar entre a execução de Hamlet, Muito Barulho Por Nada, A Megera Domada e Romeu e Julieta”. Sem perder tempo o diretor completa: “O público não vai conhecer a história no palco, mas através do palco. Cada um cria as imagens na cabeça e isso vai aumentar a participação do espectador”.

E a atenção do público terá que ser dobrada. André Leme pretende começar a contar Romeu e Julieta durante Muito Barulho Por Nada, interrompendo uma peça para retomar a outra, terminando o drama dos amantes que cometem suicídio junto com A Megera Domada. “Estou começando a testar esse recurso de cortes, que serão marcados pelas pausas e músicas do Agrafus. Mas é justamente para não confundir o público, que eu escolhi a conhecidíssima história de Romeu e Julieta”, antecipa o diretor.

Nada é mais complicado de realizar do que as duas versões para idades diferentes. “Não quero cair no erro de negligenciar a capacidade do jovem, nem envelhecer o adulto. Na verdade, o espetáculo para adolescentes vai ser mais participativo. Os contadores podem se dirigir diretamente aos ouvintes e alguns até podem subir no palco, mas o texto não vai mudar”, conta o diretor.

Mas o que Benita Prieto, Celso Sisto, Eliana Yunes e Lúcia Fidalgo querem, como bons contadores de histórias, é incentivar os espectadores a se tornarem leitores. Quando são questionados sobre a eficiência do trabalho, respondem em consenso. “As pessoas guardam medo dessas obras, achando que é uma leitura muito difícil. Depois de assistir vão perceber o quanto o universo de Shakespeare é próximo ao deles”.