A química do elenco é funcional e mágica

Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 15.09.2017

Cada personagem de Graciliano é interpretado por vários atores. Fotos: Vitor Meloni

Histórias de Alexandre, teatro para todas as idades, é mais uma pérola no repertório deste incrível grupo

A literatura de Graciliano ao alcance de todas as idades

Com Histórias de Alexandre, o Grupo 59 alia engenho e arte para transformar a palavra escrita em incrível exercício de oralidade

Já era uma maravilha a adaptação que o Grupo 59 de Teatro fez para os palcos de O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, de Jorge Amado, com direção de Cristiane Paoli Quito. Agora, anos depois, o grupo – com a mesma diretora – adapta o livro Histórias de Alexandre, de Graciliano Ramos. Outro acerto bom de arrepiar. A parceria do grupo com a diretora Quito é harmoniosa, frutífera.

A primeira coisa a se observar é o quanto o elenco está luminoso. Não há palavra mais própria. Você olha da plateia para cada um dos rostos em cena, em qualquer momento da duração do espetáculo, e é pura luz que se vê saindo de suas expressões, brotando de seus ‘jeitos de corpo’. A química entre todos eles – atuando no coletivo – é funcional e mágica. Mas também é incrível observar o quanto cada um é expressivo e talentoso individualmente: não há ninguém que se apague ou se anule. O vigor e a graça que cada um despeja em cena contribuem para encantar a plateia com um astral contagiante do começa ao fim. Cito os nomes: Carol Faria, Felipe Alves, Felipe Gomes Moreira, Fernando Oliveira, Gabriel Bodstein, Gabriela Cerqueira, Jane Fernandes, Nathália Ernesto, Nilcéia Vicente, Ricadro Fialho, Thomas Huszar e Alex Huszar.

Trata-se de uma verdadeira ‘aula’ de como contar histórias no palco. Aula, no bom sentido, nada catequético ou professoral. Aula no sentido de que a técnica dos contadores está toda ali, esmiuçada, trabalhada e retrabalhada. Repetições, reiterações, dinâmicas de palco, respirações, pausas musicais, silêncios estratégicos, articulações vibrantes, timbres, olhares perfeitos, linguagens corporais –  está tudo ali.  De tal forma que é até possível falar em metalinguagem: é uma peça de contação de histórias sobre contação de histórias. Essa arte é praticada e, ao mesmo tempo, comentada pelo elenco. Não de forma explícita e chata, mas integrada à dramaturgia.

Quem nunca entendeu o sentido e a importância de resgatar a literatura oral tem sua chance de cair de amores por isso. E quem quer compreender os macetes de não deixar o ritmo cair, não deixar o interesse pela história esmaecer no público, tem também sua grande oportunidade com este primor de espetáculo do Grupo 59 – formado em 2011 por integrantes da turma 59 da Escola de Arte Dramática da USP. Impossível não reconhecer no espetáculo sua grande homenagem aos poderes ilimitados da imaginação humana. O que é verdade no que está sendo contado? O que o proseador Alexandre acrescenta aos fatos para torná-los mais saborosos? A peça, nesse aspecto, vira um tributo às fantasias da imaginação.

O livro Histórias de Alexandre foi escrito por Graciliano Ramos em 1938, reunindo ‘fábulas’ coletadas do chamado folclore nordestino. O grupo e a diretora decidiram manter o texto como foi escrito, na íntegra. Ou seja, todas as palavras, todas as frases que a gente ouve no palco estão iguaizinhas no livro. Isso, além de ser uma bela reverência à literatura brasileira, exigiu de todos uma criatividade ininterrupta, uma integração constante entre engenho e arte. Há momentos, por exemplo, em que o grupo “conta cantando” ou “canta contando” – com resultados para lá de satisfatórios. Os diretores musicais Felipe Gomes Moreira e Thomas Huszar, com a ajuda de todo elenco, criaram emboladas, repentes, modas de viola e até rezas – usando as palavras exatas do velho Graça. Cristina Souto contribuiu com os climas e ambientações regionalistas, usando candeeiros em volta de todo o palco, em acertado design de luz e cativante cenografia.

Cada personagem de Graciliano é interpretado por vários atores, em alternância, tornando a montagem ainda mais atraente, diversa e dinâmica – além de imprimir um ritmo de jogo no palco, um espírito de brincadeira de rua que fisga as crianças, ao mesmo tempo em que escancara a elas todas as infinitas possibilidades de se representar. Sensacional. Histórias de Alexandre, teatro para todas as idades, é mais uma pérola no repertório deste incrível Grupo 59 em sintonia perfeita com a diretora Cristiane Paoli Quito. Não deixe de ver.

Serviço

SESC Consolação – Teatro Anchieta
Rua Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque, São Paulo
Telefone: (11) 3234-3000
Capacidade: 280 lugares
Sábados, às 11 horas
Duração: 60 minutos
Ingressos: Grátis para crianças até 12 anos. R$ 17 (inteira); R$ 8,50 (meia); R$ 5,00 (credencial SESC)
Temporada: De 2 a 30 de setembro de 2017