Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Flora Sussekind – Rio de Janeiro – 11.12.1983

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Crianças: Histórias Cruzadas

Uma das maiores virtudes de A História do Capitão Boloteiro, montagem infantil em temporada no Teatro de Bolso Aurimar Rocha, está na sua simplicidade. Nenhum cenário, poucos bonecos e alguns macacões coloridos como figurino dos seis atores. Uma história cujo título bem longo, a maneira do cordel ou do mamulengo, já diz tudo o que vai acontecer: “o Capitão Boloteiro que queria casar com Rosinha Chorona, mas o pai dela não deixava”. Título enorme que parece avisar qualquer eventual espectador, que não serão tramas mirabolantes nem grandes surpresas o eixo do espetáculo. Porque já se sabe toda a história antes mesmo de entrar no teatro. Então, o que se pode esperar? Qual a graça de um espetáculo sem cartas escondidas na manga ou uma embalagem luxuosa? A graça está justamente aí. Em saber de antemão o que vai passar e poder acompanhar apenas o modo como isto é narrado. Esta é a história, na verdade: o modo como se conta a história do Capitão Boloteiro.

E a rigor, quem conta a história? A música que serve de contato inicial com o público, recebido já na entrada por uma cantora, e liga os diversos desdobramentos da ação. Excelentes, nesse sentido, as músicas de Caíque Botkay, neste espetáculo cantadas ao vivo, com todo o charme e risco que isso envolve. É a música que cabe o papel de contador de histórias porque, no texto de Pedro Veludo, todos os atores, sejam eles manipuladores ou músicos, se acham envolvidos na trama e sem tempo para narrar as próprias ações. Isso quem faz é a música, que serve inclusive de passagem entre um plano e outro da peça. Entre os bonecos e a história das dificuldades para se casar com Rosinha, forçada pelo pai a ficar noiva do Coronel Boca de Sapo, e os músicos que narram esta história, mas vivem uma outra: as brigas para levar adiante a representação, tendo que enfrentar como antagonistas  o empregado da proprietária do terreno a própria senhora, um guarda e o prefeito da cidade. Todos exigindo ou a retirada da troupe ou o pagamento de uma taxa para realizar espetáculos. Nas duas histórias que se cruzam o mesmo problema: a necessidade de dinheiro e poder para casar ou representar. E a solução encontrada pelo Boloteiro e pelos músicos também é a mesma: fortes pauladas que derrubam literalmente seus antagonistas. Uma solução bem típica do mamulengo e bem ao agrado da plateia que ri muito da derrubada dos personagens cômico-poderosos. Sem grandes ousadias teatrais, sem maiores recursos plásticos ou interpretativos, mas com o bom texto de Pedro Veludo, o excelente fio condutor musical é uma enorme alegria de representar por parte dos seis atores, cria-se assim, no Teatro Aurimar Rocha, um dos espetáculos infantis mais simpáticos da atual temporada que, como não podia deixar de ser, termina com o casamento do capitão apaixonado e de sua noiva chorona.