Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 15.11.1997

 

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Estética sem apelações modernosas

Em 1972, ano em que foi escrito por Ilo Krugli, História do Barquinho, peça em cartaz no Teatro Sesc da Tijuca, o panorama político do Brasil era bastante confuso. Entre tantos decretões, o governo inaugura a era das eleições indiretas, enquanto a CNBB denuncia a invasão nas terras indígenas. O processo pela morte do estudante Stuart Angel é arquivado e se comemora o sesquicentenário da Independência. A TV a cores chega ao Brasil e também se comemora o cinqüentenário da Semana de Arte Moderna. Parodiando Dickens, foi quase o “melhor e o pior dos tempos”.

História do Barquinho – esse Menino Navegador tem toda a carga dramática de sua época. A trama poética cheia de metáforas, conta à história de Pingo, um barquinho que desde o seu nascimento vive preso no cais sem nunca ter saído para navegar. Às margens do rio, conhece Irupê, uma linda flor.

Agora sua vontade é deixar o porto seguro e correr mundo para encontrar a amiga. Pontuando a viagem, alguns personagens decisivos, como a borboleta que lhe mostra que a vida é curta e o marinheiro que lhe ensina que para navegar é preciso levantar âncora.

Para a história de Ilo Krugli, a diretora Sônia Piccinin criou um espetáculo nos moldes da mensagem. A montagem tem a marca da história contada, acompanhada de perto pelo público. Sem pressa, o jovem elenco desvenda para a platéia a viagem do barquinho, usando alguns truques mágicos de manipulação de objetos e mesmo do teatro de sombras. A linha do teatro artesanal de Krugli é seguida à risca pela encenadora, numa bonita homenagem seu mestre.

Em cena, Pedro Rocha, Tracy Renné Segal e Rita Porto, acompanhados pela música ao vivo de André Costa, vivem seus personagens mansamente, como pede a história. Os cenários de Ney Madeira revestem o palco de elementos muito adequados à encenação. São velas de algodão cru presas em bambus que dão movimento à cena. Também muito interessante é a engrenagem feita de calhas de bambu, por onde corre água de verdade para criar o rio em que o barquinho navega. Seus figurinos seguem a mesma estética, com panos amarrados e nós de marinheiro. Completando o quadro, a iluminação de Aurélio de Simoni reforça o tom poético da montagem em passagens muito interessantes.

História de Barquinho é um espetáculo que corre na contramão do teatro de efeitos especiais, do humor fácil e da apelação modernosa. Visto assim, poderia até parecer anacrônico. O texto, cheio de metáforas políticas, talvez não cause o mesmo impacto que causou na época de sua estréia, porém, o canto à liberdade e a oposição à censura continuam atualíssimos. Navegar é preciso…

Cotação: 2 estrelas (Bom)